UNIVERSIDADE POTIGUAR-UNP PRÓ-REITORIA ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS ALUNO: JONH KENNEDY FERREIRA DA SILVA



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Transcrição:

UNIVERSIDADE POTIGUAR-UNP PRÓ-REITORIA ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS ALUNO: JONH KENNEDY FERREIRA DA SILVA ORIENTADORA: PROFª DRª CONCEIÇÃO FLORES LITERATURA AFRO-BRASILEIRA EM SALA DE AULA: DESCONSTRUINDO O OUTRO NATAL-RN 2014

AUTOR: JONH KENNEDY ORIENTADOR: PROFª DRª CONCEIÇÃO FLORES LITERATURA AFRO-BRASILEIRA EM SALA DE AULA: DESCONSTRUINDO O OUTRO Trabalho apresentado no V Encontro Nacional de Literatura Infantojuvenil e Ensino, que ocorreu nos dias 20 a 22 de agosto 2014, em Campina Grande PB. NATAL-RN 2014

LITERATURA AFRO-BRASILEIRA EM SALA DE AULA: DESCONSTRUINDO O OUTRO Universidade Potiguar Autor: Jonh Kennedy Ferreira da SILVA Orientadora: Profa. Dra. Conceição FLORES O cânone literário exclui a literatura dos afrodescendentes dos livros escolares, embora a lei 10.639/03 obrigue as escolas públicas e privadas a ensinar história e cultura afro-brasileira. Entendendo a leitura como ferramenta de formação humana, concebe-sea leiturada literatura afrobrasileira emsala de aula como forma de resgatara memória cultural dos negros marginalizados, e sua afirmação identitária, desconstruindo assim, a imagem de indivíduoalienado e submisso,propagada pelo cânone literário.este trabalho discorre sobre as considerações feitas acima através da análisedo poema Quem sou eu?, do poeta afro-brasileiro Luiz Gama, destacando sua sátira à sociedade escravagista formada por senhores brancos, ricos e cristãos.o suporte teórico é dado pelos conceitos da crítica pós-colonialistas (BONNICI, 2009). Palavras-chave: Luiz Gama, leitura, poesia satírica, crítica pós-colonialista, afrodescendência.

Introdução O trabalho elaborada a seguir se constitui-se de seis partes. Das primeiras partes ao meio do trabalho pretende-se analisar como se dá o processo de construção e desconstrução do outro (indivíduo marginalizado pela cultura dominante), sua literatura, história e identidade. Na parte final encontra-se presente a análise do poema Quem sou eu? do poeta Luiz Gama, que se dispõe a dar ênfase às características poéticas, filosóficas e culturais desse grande poeta da literatura afrobrasileira. Todo o trabalho será construindo com o objetivo de possibilitar a discussão da literatura afro-brasileira e sua marginalização, demonstrando como se dá esse processo. Construindo o outro O individuo que outremiza o mais fraco se vale de várias estratégias para conseguir o domínio físico e psicológico do outro. Ideias de superioridade de raça, crença e cultura se baseiam em discursos vigentes em determinadas épocas e no pensamento daselites. Dessa forma se constrói o outro, o selvagem, sem cultura, fé ou direitos. O outro é moldado sob a visão distorcida do individuo dominante. Percebe-se que o individuo superior na relação de poder constrói uma visão estereotipada do outro, vendo nesse unicamente o que o torna inferior, marginal. Esse comportamento pode ser justificado pela arrogância, ignorância e os objetivos do colonizador para com o colonizado. Tudo isso constata uma triste conclusão: o individuo superior quer ver um objeto e não outro indivíduo, o que interessa ao colonizador é ser superior, dessa forma é importante que o marginalizado seja visto como algo inferior. Essefato éfacilmente perceptível, pode-senotar claramente essa relação de visão do colonizador versus realidade ao ler-se Nietzsche, citado por Bonnici (2009, p. 257): [...] os indivíduos primeiro decidem o que desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos. Consequentemente, o homem encontra nas coisas somente o que ele mesmo colocou nelas. Para Nietzsche, todo conhecimento expressa o desejo de poder. Como a verdade e o conhecimento objetivo não existem, esses dois fatores são apropriados por sistemas de poder para camuflar seu desejo de poder. Os indivíduos adotam certo tipo de filosofia ou teoria científica quando está de acordo com a verdade proposta pelas autoridades intelectuais ou políticas contemporâneas, pela elite ou pelos ideólogos.

A imagem do outro é totalmente um espelho distorcido da imagem do dominador: a perfeição em contraste com o imperfeito, fé e descrença, sabedoria e ignorância, superioridade e submissão. Dessa forma a discriminação, marginalização e a visão sobre o afrodescendente como indivíduo subjugado, sem expressão ou vontades é uma construção que não se baseia em nada mais que discursos arrogantes, infundados e preconceituosos. No entanto na tentativa de legitimar suas atrocidades documentos jurídicos, religiosos e científicos podem ser manipulados. Com todo esse esforço o colonizador consegue criar o mito do individuo inferior e através de sua criação alcança seus objetivos. Sobre a imagem que os europeus tinham sobre os nativos Bonnici (2009) disserta: Aos olhos dos europeus colonizadores, o estado naturalmente inferior dos colonizadores era um fato indiscutível, provado no século XIX pelas teorias da evolução e da sobrevivência do mais forte na doutrina darwinista.. Mostrando que o indivíduo que outremiza faz uso das mais diversas ferramenta, como a literatura, para impor sua superioridade. A literatura do outro A literatura constitui patrimônio importantíssimo para a cultura de um povo, ela serve para manter a cultura viva, possibilitando que os indivíduos formem e mantenham sua identidade. Dessa forma a literatura é uma ferramenta de formação e preservação indenitária do indivíduo. Assim sendo, quando uma literatura é impossibilitada de ser acessada, o indivíduo perde importante referencial de quem ele é, a que povo pertence, quais suas belezas, feitos e características que o torna diferente e único. Uma cultura multiétnica deve se beneficiar dessa diversidade cultural, valorizar as diversas literaturas é uma forma de valorizar a historia e cultura dos indivíduos que formam a sociedade. No entanto, o que acontece nas sociedades é que os indivíduos que detêm o poder marginalizam os diferentes, assim como cultura e, por conseguinte, a literatura. No Brasil e em diversas partes do mundo o indivíduo africano e/ou afrodescendenteé constantemente marginalizado, fator causado pela triste herança histórica dos tempos da escravidão. Sua literatura não escapa à sabotagem do racismo predominante na sociedade atual. O resquício do pensamento racista e etnocêntrico é o que contribui para a exclusão do cânone da rica herança literária escrita por africanos e afrodescendentes em escala mundial. Entre os grandes escritores conhecidos mundialmente, poucos são de cor negra, ou de origem diferente do da elite da sociedade. Apesar de haver escritores negros de grande valor literário, ainda são pouco

conhecidos pela sociedade em geral, posto que nossa herança de valorização do individuo europeu branco de cabelos lisos faz o individuo negro se distanciar daquilo que é tido por belo, bom e interessante. A literatura do outro é sempre excluída e sua importância negada. Para que essa riqueza seja reconhecida é necessário que a literatura seja resgatada, dessa forma o individuo marginalizado e sua historia são valorizados, resgatando a identidade pilhada pela elite arrogante da humanidade, pelos senhores. A produção literária de afrodescendentes é muito extensa, e abrange os mais diversos estilos, as mais diversas problemáticas e épocas. Seja discorrendo sobre as dificuldades que tem o individuo negro na sociedade racista norte americana tratado por Ralph Ellison ou a sociedade brasileira racista do século XIX tratada por Luiz Gama. A literatura afrodescendente é um retrato da história e do individuo negro marginalizado ao decorrer dessa. Essa literatura constitui parte importante da formação literáriae cultural de ambas as sociedades, posto que trata de vivências dos indivíduos que as escrevem e do relato do contexto no qual viveram, o único problema é que eles tratam de denuncias sociais que não interessam à elite expô-las e discuti-las, dessa forma essa elite tenta encobrir a importância dessa literatura. Esses escritores tratam dos problemas sociais criados pelos senhores da sociedade, tratam da discriminação, da miséria imposta aooutro, tratam da desumanidade com que são tratados pelos indivíduos modelo da sociedade, como observa Bonnici (2009) ao citar Fanon (1990) e Ngugi (1986) [...] o colonizador pode ser reescrito na história, embora esse tipo de descolonização sempre seja um fenômeno violento. O colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que enfrenta o opressor. Dessa forma a discussão ultrapassa a literatura e vai até a aspectos sociais. Ao passo em que essas vozes são caladas, o outro permanece como sujeito acéfalo, sem cultura e submisso, podendo ser tratado como não humano, indivíduo que deve suas desgraças sociais a unicamente sua incompetência, seres que não se espelham nos moldes mais que perfeitos da elite. Desconstruindo o outro A desconstrução do outro é um processo demorado e trabalhoso. A discussão acima já mostrou como o outro é construído e como a literatura e cultura desses indivíduos é subjugada e excluída. Esse texto como um todo já constitui uma tentativa de desconstruir o individuo marginalizado. Essa desconstrução, porém, tem de ocorrer pela conscientização da sociedade, para que essa atente para as verdades impostas pelo discurso racista e seus efeitos ainda hoje

visíveis em nossa sociedade. A valorização da literatura colabora para que o individuo afrodescendentes seja valorizado, para que sua cultura seja resgatada e para que os indivíduos afrodescendentes tenham referências históricas e culturais, posto que as referências propagadas pelo cânone literária é direcionada ao sujeito de características europeias, assim o negro fica sem referência, a pressão daatmosfera racista de nossa sociedade acaba por pressionar o diferente. Diante dessa pressão, o sujeito diferente tenta se moldar sob o modelo europeu, os cabelos acabam sendo alisados, o pensamento e a pele ficam brancos. Para que esse aspecto seja modificado é importante que o individuo negro tenha uma referencia de grandes personalidades negras, assim cabelos não sofrerão mais com a chapinha e a pele não se envergonhará de ser escura. A partir do momento em que o negro possa ser belo sem passar pelo processo de branqueamento, ser respeitado sem precisar de lei, se orgulhar de sua cultura sem ser subjugado por outra cultura, é que terá sido desconstruído o outro. A literatura em sala: resgate social, cultural e histórico Compreendendo a leitura como ferramenta para o desenvolvimento humano, pode-se atentar para quão importante é levar a literatura para a sala de aula. Através da literatura se pode experimentar novas formas de ver o mundo, novos lugres, pessoas e situações. É possível afirmar que através da literatura viajamos sem sair o lugar. Pode-se nunca ter ido aos Estados Unidos da América, porém ao ler algumas obras dos escritores da Renascença do Harlem pode-se viver as revoluções e a atmosfera daqueles tempos. Pode-se nunca ter experimentado uma dor de amor, porém ao ler Camões é possível que se sinta o coração apertar e sofrer um pouco com o tão infortunado poeta. A leitura e a literatura têm essa incrível caraterística: faz do leitor um experimentador, faz do livro um diálogo entre pessoas, entre mundos, entre ideologias. Feitas essas considerações, é possível supor que com ambas em sala de aula (Leitura e Literatura) podese proporcionar aos alunos novas experiências e um enriquecimento de conhecimento de mundo imensurável. Ao levar a literatura de escrita afro e afrodescendente para sala de aula está se levando a possibilidade de resgatar cultura e identidade de indivíduos de ascendência africana, tão excluídos da literatura estudada nas escolas, assim como desconstruir a imagem de indivíduos submissos e sem expressão, constituindo assim uma referência africana para seus descendentes, proporcionando a desconstrução do pensamentoracista de nossa sociedade branca e

etnocêntrica. Haja vista a falta de referências para os indivíduos que não são o modelo europeu de beleza ou sucesso, valorizar a cultura e a beleza negra é uma forma de munir esses indivíduos de referências indenitárias. Ao trazermos musas negras e poetas negros estamos mostrando aos alunos a beleza de suas origens, a sabedoria da mama África e o valor que seus antepassados tiveram para a formação das sociedades nas quais atuaram. Valorizar aspectos físicos, culturais e históricos dos indivíduos negros tão marginalizados nos séculos passados, e ainda hoje, é uma forma de diminuir a intolerância ao outro, e de mostrar a esse individuo marginalizado que ele não está condenado à submissão simplesmente pela cor de sua pele. A partir do momento em que o individuo de ascendência negra se conscientizar de sua beleza, ele poderá então conquistar sua identidade e se impor como sujeito. A conscientização em sala de aula ultrapassará o ambiente escolar, diminuiráa força do poder simbólico que faz das vítimas seus piores algozes. Com essa tomada de consciência o discurso racista cairá, não tendo mais espaço para ser exercido. Se de um lado o afrodescendente se sentirá valorizado e com referencial cultural e indenitário, o individuo que o hostiliza verá também que o outro não é inferior, que é um individuo belo e com identidade, assim poderá se livrar da armadilha do discurso racista. Quem sou eu? O poeta Luiz Gama viveu no século XIX, foi escravizado, conseguiu a liberdade e passou a utilizar sua poesia satírica para fazer críticas à sociedade escravagista constituída por senhores ricos,brancos e cristãos. Com sua poesia de cunho crítico e sua sátira ácida, Luiz Gama atacou a elite da sociedade em que viveu,defendendo a liberdade,acima de tudo, e lutando pelos direitos de seus irmãos negros. O poema abaixo nos proporcionará a observação da poética desse grande escritor, e de sua genialidade. Luiz Gama é uma importante personalidade na história de nosso país, assim como na história de nossa literatura e de nossa constituição étnica. Através desse grande escritor pode-se desconstruir a imagem de afrodescendente subjugado, acéfalo e sem expressão defendida pelo discurso racista, e que o cânone literário tem propagado. Amo o pobre, deixo o rico, Vivo como o Tico-tico; Não me envolvo em torvelinho, Vivo só no meu cantinho; Da grandeza sempre longe

Como vive o pobre monge. Tenho mui poucos amigos, Porém bons, que são antigos, Fujo sempre à hipocrisia, À sandice, à fidalguia ; Das manadas de Barões? Anjo Bento, antes trovões. Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta; Que no século das luzes, Osbirbantes mais lapuzes, Compram negros e comendas[...] Eu bem sei que sou qual Grilo, De maçante e mau estilo; E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamar-me Tarelo Bode, negro, Mongibelo; Porém eu que não me abalo Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente, Pondo a trote muita gente. [...] (CAMPOS, 2011, p. 136-139) Percebe-se que na primeira e segunda estrofe do poema, o poeta se alto-exclui do que a sociedade hipócrita considerava um respeitoso cidadão, pois esses honrados senhores são os que fazem riqueza à custa da escravidão, ou se mantêminertes à animalesca realidade da sociedade da época. Dessa forma mostra um dos pontos de sua visão crítica sobre a sociedade em que vive. Nos últimos versos da segunda estrofe Luiz Gama faz referência ao poeta Gregório de Matos, deixando claro a influencia do boca do inferno em sua forma de escrever. Em sua obra Luiz Gama sempre faz referência aos grandes poetas e à literatura clássica, vê-se que o poeta era um grande conhecedor dessa. Já na terceiraestrofe percebesse um ataque mais feroz aos senhores ricos, e à crença da época que esses tinham de serem seres intelectuais, iluminados pelo saber. Faz-se crítica feroz ao iluminismo, aos hipócritas que se diziam mentes brilhantes, mas que tratavam outros indivíduos de forma animalesca pelo simples fato de serem negro, mostrando que mesmo com o surgimento e força do iluminismo barbáries continuam sendo praticadas. Na quarta estrofe acima, Luiz Gama mostra o conflito que ocorria entre ele, poeta negro; cidadão consciente

politica e socialmente; defensor dos direitos humanos, e os senhores que defendiam a escravidão, a submissão dos indivíduos negros e aopulência hipócrita dessa sociedade. Deixando clara a marca de sua rebeldia aos senhores, ao estado de submissão imposto aos afrodescendentes. Ao conhecer a poesia de Luiz Gama (e sua história pessoal) pode-se perceber que a história dos africanos e afrodescendentes em nosso país não se resume à submissão, à escravidão negra, aotratamento animalesco que foi dado a esses indivíduos. O africano e o afrodescendentesforam indivíduos politica e socialmente ativos, produziram boa parte de nossa literatura e lutaram para a constituição de um país mais justo e de condições mais humanas para os indivíduos que habitam aqui. Essa literatura deve chegar às escolas, grandes personalidades nacionais, como Luiz Gama, devem ser lembrados pela sua importante contribuição para a constituição de nossa história, cultura e identidade únicas.

Conclusão O debate feito acima contribui para a conscientização étnica, a análise crítica da história e a construção identitária dos alunos. considera-se que com ele pode-se influenciar o ambiente escolar, e dessa forma todos os ambientes frequentados pelos alunos, de forma a se diminuir o poder do discurso etnocêntrico e racista ainda presente na sociedade. Dessa forma, toda a discussão feita acima é relevante para a intervenção que pode-se fazer sobre o olhar que tem-se para a cultura, história e identidade afrodescendente em nosso país. Essa discussão deve ser trabalhada em sala de aula, para que possa-se valorizar-se a característica multiétnica, e desconstruir o olhar etnocêntrico e racista da sociedade brasileira. Conclui-se que a literatura africana e afrodescendente em sala é uma ferramenta sociocultural e humana, capaz de desconstruir o outro que a cultura dominante marginaliza.

Referências BONNICCI, Thomas. Teoria e crítica pós-colonialista. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria Literária: Abordagens Históricas e Tendências Contemporâneas. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009, p. 257-283. CAMPOS, M. C. Cunha. Luiz Gama. In Duarte, E. de Assis (org.). Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011. ECO, Umberto. Sobre algumas funções da literatura. In: ECO, Umberto. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: Record, 2003.