história e cultura 365



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Transcrição:

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Administração, n. 44, vol. XII. 1996-2.. 367-372 A PRIMEIRA VIAGEM MARÍTIMA PORTUGUESA AO ORIENTE O INÍCIO DE UMA NOVA ERA Huang Hong-Zhao* Li Baoping * O ano de 1498 é uma data marcante, símbolo de um novo relacionamento entre o Ocidente e o Oriente. O sucesso da primeira viagem marítima portuguesa à índia significa o início histórico do encontro das civilizações oriental e ocidental. I UMA NOVA ROTA MARÍTIMA PARA O ORIENTE A Europa, a Ásia e a África são continentes situados geograficamente no hemisfério oriental. O chamado Ocidente refere-se à parte ocidental do hemisfério oriental, enquanto o Oriente se refere à parte oriental. Contudo, nesta tese, o Oriente refere-se especificamente ao Extremo Oriente, o qual exclui o Médio Oriente e o Próximo Oriente. Antes da descoberta desta nova rota marítima, era praticamente inexistente o relacionamento directo entre o Ocidente e o Oriente. Os contactos políticos, militares, económicos e culturais entre estes dois pólos civilizacionais eram feitos indirectamente, através das rotas euroasiática e mediterrânica. É sobejamente conhecida a viagem do veneziano Marco Pólo ao Oriente, no século XIII, onde viveu entre 1275 e 1292, mas um acontecimento deste tipo era bastante raro na época. Foi só a partir do século XV que a Europa começou a mostrar uma enorme vontade de iniciar contactos directos com o Oriente. Os europeus começaram a explorar uma nova rota marítima para o Oriente a partir de então. Aparentemente, tal facto resulta da obstrução da rota terrestre entre a Europa e a Ásia provocada pelo longo confronto entre a Europa e o Império Turco, especialmente após a queda de Constantinopla, em 1453. Na realidade, o desenvolvimento económico e social europeu precisava de continuar a manter contactos com o Oriente. À época, em muitas cidades do litoral da Europa, a economia capitalista * Professores de História na Universidade de Nanjing. 367

era bastante próspera e o comércio com o exterior florescente. A burguesia, em fase de ascensão económica e social, estava impaciente para expandir o comércio externo, a fim de aumentar os seus rendimentos. O seu grande desejo era desenvolver as actividades comerciais com o Oriente através de uma rota directa, dado que tinha conhecimento de que nessa região do globo havia abundância de produtos, como a seda, tapetes, jóias e porcelanas, os quais contrastavam com os artesanais produtos europeus, incapazes de com eles competir. Além disso, algumas especiarias, como a pimenta, a canela, o cravinho e a noz-moscada, eram muito apreciadas e utilizadas no tempero e na conserva da carne. Numa palavra, o Oriente era a terra do tesouro aos olhos dos ocidentais. Desde o século XIII, alguns viajantes que tinham estado no Oriente publicaram livros relatando a realidade oriental, como O Livro de Marco Pólo e A Narrativa Oriental de Odorico de Pordenone. Estas obras descreviam o Oriente como uma terra abundante em produtos e rica em ouro, o que fascinava os europeus. Os objectivos de Colombo, comandando uma armada espanhola em direcção a Ocidente, e os das navegações portuguesas ao longo da costa africana eram, justamente, alcançar a índia e a China para fazer comércio e obter ouro e jóias. No seu Diário, escreveu Colombo: O ouro é o mais precioso dos produtos, o ouro é tesouro. Todo aquele que possuir ouro poderá adquirir os meios de salvar a sua alma do purgatório e gozar a felicidade no céu. 1 A frenética procura do ouro pelos Portugueses está devidamente explicitada no poema épico «Os Lusíadas, de Luís de Camões», um famoso poeta do século XVI: E se buscando vás mercadoria Que produze o aurífero Levante, Canela, cravo, ardente especiaria, Ou droga salutífera e prestante; Ou se queres luzente pedraria, O rubi fino, o rígido diamante, Daqui levarás tudo tão sobejo Com que faças o fim a teu desejo. (Os Lusíadas, Canto II, Estância IV) 2 Por aqui se pode verificar que o elemento económico era o principal escopo que mobilizava os Portugueses, Espanhóis e outros povos europeus a superar dificuldades e obstáculos na exploração da rota marítima para Oriente. É evidente que outras razões se podem apontar, como o desejo de propagação do Cristianismo na Ásia, mas estes factores estavam subordinados ao objectivo principal que era o económico. 1 Guo Sou-Tiang, «Selected Writings of World Comprehensive History», The Commercial Press, 1981, p. 304. 2 «Os Lusíadas» de Luís de Camões, traduzido por Leonard Bacon, 1950, New York, Canto II, Estância IV, p.42. 368

II O ESPANTOSO CURSO DAS VIAGENS MARÍTIMAS PORTUGUESAS Os Portugueses foram os pioneiros da navegação dos tempos modernos. As suas actividades estavam articuladas com o desejo da época de se encontrar uma navegação directa para o Oriente. E Portugal tinha, então, superiores condições para ser o país precursor da navegação atlântica. Em primeiro lugar, a sua favorável posição geográfica. Desde o século XVI, a tradicional rota terrestre euro-asiática e a rota marítima mediterrânica estavam cada vez mais inseguras e desertas, devido ao antagonismo entre o Império Turco e os países cristãos do Ocidente. Assim, o oceano Atlântico aparecia como solução para as comunicações entre o Ocidente e o Oriente. Por isso, os países do litoral do Oceano Atlântico Portugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra ocuparam gradualmente o lugar até aí detido pelos países mediterrânicos e tornaram-se os principais protagonistas dos contactos entre os dois pólos civilizacionais. No conjunto destes países, Portugal detinha uma privilegiada posição geográfica à entrada do mar Mediterrâneo, o que lhe apontava a direcção e estimulava a vontade de prosseguir a rota de navegação para o oriente. Em segundo lugar, os portugueses aprenderam dos Romanos e dos Árabes as técnicas de construção de navios de guerra e as tácticas de combate no mar. As suas técnicas de construção naval tinham evoluído rapidamente a partir do século XIII, desenvolvendo-se não só a velocidade como a própria tonelagem dos navios. No século XIV, novas armas de fogo foram fabricadas na Europa e, nos começos do século XV, os Portugueses comandavam a técnica do fabrico de armamento, equipando os novos navios as caravelas que também usavam bússolas para a navegação atlântica. A partir dos princípios do século XIII, os Portugueses faziam comércio marítimo, o qual passou a ser a principal estratégia política do país. Para além dos mercadores e da burguesia capitalista, havia um consenso entre o Rei, a família real e mesmo o aparelho de Estado em relação à política comercial marítima com o exterior. Numa palavra, com uma poderosa frota comercial, profundos conhecimentos técnicos de navegação e experiência, Portugal estava dotado de uma base sólida para as suas actividades de exploração oceânica. Estas actividades começaram com a expedição a Ceuta, em 1415, uma importante e rica cidade marítima do Norte de África. O Infante D. Henrique, o Navegador (1394-1460), foi o iniciador e o organizador das navegações modernas portuguesas. No regresso da expedição a Ceuta, foi designado Mestre da Ordem de Cristo, facto que lhe permitiu dispor da enorme riqueza da Ordem para a causa das navegações atlânticas. Em S. Vicente, Sagres, no Sul de Portugal, mandou construir uma fortaleza 369

para instalação do seu quartel-general, de onde organizou a primeira fase das expedições marítimas da era moderna. Navegadores, viajantes, cartógrafos e cientistas (Judeus, Árabes, Venezianos, Alemães, Escandinavos, etc.) foram atraídos para este lugar, tornando-se seus conselheiros e colocando à sua disposição os seus conhecimentos e experiência. Com a sua ajuda, o Infante D. Henrique inventou os melhores instrumentos e técnicas do tempo, construiu a escuna, um novo navio, e instalou um observatório. O Infante patrocinou ideias náuticas e formou pessoal especializado, conduzindo ele próprio as actividades da navegação. Durante os seus 45 anos à frente dos destinos da expansão (1515-60), deu um grande impulso ao processo expansionista, prosseguindo as navegações portuguesas ao longo do Atlântico e da costa ocidental de África. Depois de Ceuta (1415), os Portugueses chegaram sucessivamente aos arquipélagos da Madeira (1418) e dos Açores (1427), ultrapassaram o Cabo Bojador (1434) e alcançaram o Cabo Branco (1441), Cabo Verde (1444-56) e a Serra Leoa (1460). Assim, exploraram aproximadamente 4000 quilómetros da costa litoral de África, desde o Estreito de Gibraltar até à Serra Leoa. O Infante D. Henrique não descobriu, durante a sua vida, a nova rota marítima para o Oriente, mas lançou as bases para a sua posterior descoberta. Depois da sua morte, os Portugueses continuaram a navegar para Sul, ao longo da costa ocidental africana. Em 1482, Diogo Cão, navegador da segunda geração, conduziu a sua armada até à costa sudoeste de África, na foz do Rio Zaire, onde colocou um padrão português. Bartolomeu Dias, outro famoso navegador da terceira geração, levou a causa da expansão a uma nova etapa. Em 1488, a armada de Bartolomeu Dias transpôs, com sucesso, o Cabo da Boa Esperança e alcançou a costa oriental de África. A sua descoberta preparou o quadro da chegada dos Portugueses à índia. Dez anos depois, em Julho de 1497, sob a orientação de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama (1460-1524), um jovem navegador da nova geração, comandou uma armada desde o Rio Tejo, em Lisboa. Chegado à costa oriental de África, começou aí a sua histórica travessia do Oceano Indico, a partir de Melinde, porto do Quénia, em 24 de Abril de 1498, sob a orientação do árabe Madned. A áspera monção soprou devagar a armada até ao outro lado do mar. Em 20 de Maio, um alto promontório apareceu diante da armada: era Calecute, um porto da costa oeste da índia. Apontando para o porto em frente, Madned disse, entusiasmado, para Vasco da Gama: Eis o país que tanto desejavas! A bem sucedida descoberta desta nova rota marítima é o resultado do persistente e corajoso esforço de gerações de navegadores portugueses. Este processo envolveu a cooperação de um país inteiro e o sacrifício de muita gente. É como uma competição de longa distância: muitos e excelentes navegadores contribuíram para esta causa, mas Vasco da Gama, o último atleta da equipa, ultrapassou obstáculos e chegou à meta. O seu feito foi um contributo inexcedível para a causa da navegação da Humanidade. 370

III SIGNIFICADO E INFLUÊNCIA DA VIAGEM DE GAMA A descoberta da nova rota marítima para o Oriente provou comple-tamente a justeza dos cálculos portugueses. Na História das navegações do século XV, existia competição entre duas rotas marítimas. Uma, escolhida pelos Espanhóis e protagonizada por Colombo, consistia em navegar para Ocidente, atravessando o Atlântico, para alcançar a índia. A outra, escolhida pelos Portugueses e protagonizada com sucesso por Vasco da Gama, consistia em navegar para Sul, ao longo da costa ocidental de África, ultrapassar o Cabo da Boa Esperança e chegar à índia. A rota de Colombo tinha sido delineada por cientistas antigos, de acordo com a teoria de Ptolomeu. Naquele tempo, acreditava-se que a Terra era redonda e por isso poder-se-ia alcançar qualquer parte, rumando para Ocidente. Pode-se dizer que Colombo navegou unicamente para uma parte da Terra já conhecida. É evidente que ele não sabia qual a distância a percorrer, mas estava convictamente seguro e acreditava firmemente que poderia alcançar o destino projectado se navegasse para Ocidente. Pelo contrário, a outra rota, que não obedecia a nenhum princípio, baseou-se em audaciosas hipóteses e lendas. Comparativamente à rota de Espanha, esta era mais original, mas nunca tinha sido certificada por cientistas. Na sua Geografia, Ptolomeu provou seguramente a sua teoria, a qual encorajou alguns exploradores como Colombo a navegar sem medo para ocidente. Por outro lado, ele demonstrou que não era possível alcançar a índia e a China, contornando a África, pois assegurava que a zona de África a sul do Equador era um mundo desconhecido e intransponível e que era impossível alcançar a Ásia, navegando para oriente. Contudo, o êxito da viagem de Gama provou completamente a justeza da posição portuguesa. Por outro lado, Colombo não chegou a alcançar a índia oriental, o objectivo primeiro da sua navegação, embora tivesse encontrado o Novo Mundo, acidentalmente, o que teve também significado relevante. Todavia, na competição entre as duas rotas marítimas, os Portugueses foram os vencedores. Os Portugueses extraíram imensos proveitos com esta importante descoberta marítima, tornando-se poderosos monopolistas no comércio do Oriente. Quebraram o comércio circular dos Árabes, Persas e Egípcios (Mar Vermelho), substituindo-se de imediato a estes povos. Mais tarde ocuparam Malaca (1511) e Ormuz (1515), e o arquipélago das Molucas, estabelecendo bases para o comércio das especiarias. Os Portugueses estenderam ainda a sua influência para a Tailândia, Camboja, Filipinas, Japão e China, construindo sucessivas bases comerciais nesses países. A hegemonia portuguesa foi comercial monopólio comercial, a qual foi bastante diferente da hegemonia estabelecida pelos Espanhóis. Os Portugueses ganharam lucros fabulosos com o monopólio comercial das especiarias e da seda orientais. Portugal era, no século 371

XVI, o mais rico país europeu e o rei D. Manuel, o mais luxuoso dos reis da Europa, possuindo o mais esplêndido dos palácios europeus. A grande descoberta abriu uma nova rota comercial e o Oriente deixou de ser um remoto lugar cheio de mistérios. Outros países europeus, como a Espanha, Holanda, França, Inglaterra, Suécia e Dinamarca vieram para o Oriente, sucessivamente, à procura de mercados e de bases para o comércio da seda. A maioria destes países instalou gradualmente colónias no Oriente e começou a oprimir e a escravizar as populações locais. Nesse sentido, o Oriente tornou-se a principal fonte de acumulação de capital para os países da Europa, alguns dos quais se transformaram em avançados centros de capitalismo industrial à custa do saque do Oriente. A grande descoberta que quebrou o estado de separação entre os dois continentes construiu a ponte de contactos entre o Oriente e o Ocidente e estimulou as trocas culturais e comerciais entre os dois pólos civilizacionais. A civilização ocidental, que rapidamente se estendeu para as sociedades orientais, influenciou profundamente as cidades costeiras dos países do Oriente e promoveu o processo de modernização oriental. Na China, os Portugueses chegaram a Cantão, em 1517, e estabeleceram-se em Macau, para comerciar, em 1557. Este facto abriu uma nova página na História do relacionamento entre a China e o Ocidente. A partir de então, Macau passou a ser a base da «Rota Marítima da Seda» e o centro das trocas culturais entre o Ocidente e a China. Através de Macau, iniciou-se uma duradoura e positiva influência bilateral, aproximando a China do pensamento e cultura europeias e o Ocidente da riqueza cultural chinesa. Sintetizando, a primeira viagem marítima dos Portugueses para o Oriente é um empreendimento com elevado significado histórico e civilizacional. Sem a descoberta desta nova rota, não teríamos o mundo de hoje. Este acontecimento será recordado, na História Universal, como uma brilhante página da civilização humana. 372