TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO HABEAS CORPUS N.º 2009.03.00.037456-9 IMPETRANTE: Martin Augusto Carone dos Santos PACIENTE: Lee Men Tak IMPETRADO: Juízo Federal da 3ª Vara Criminal de São Paulo/SP RELATOR: Juiz Convocado Ricardo China Primeira Turma Habeas Corpus. Operação Wéi Jin. Descaminho. Organização criminosa voltada para a importação irregular de equipamentos eletrônicos, principalmente telefones celulares. Ao chegar ao Brasil, eram colocados nos telefones celulares sinais de marcas de telefones, tais como Sony e Nokia, para que fossem facilmente aceitos e comercializados em diversos pontos do território nacional. Paciente que, sendo Oficial de Promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo, fornecia informações privilegiadas a respeito de operações de combate ao descaminho e procurava dar encaminhamentos escusos aos procedimentos instaurados contra membros de sua quadrilha bem como a amigos destes. Pela denegação da ordem de Habeas Corpus. Exmo. Senhor Relator: Trata-se de ordem de habeas corpus (fls. 02/12), com pedido de liminar, impetrada por Martin Augusto Carone dos Santos em favor de Lee Men Tak, com vistas a obter a revogação da prisão preventiva decretada contra o paciente nos autos da ação penal n.º 2009.61.81.010296-5 que tramita perante o D. Juízo Federal da 3ª Vara Criminal de São Paulo/SP.
I DOS FATOS: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Segundo consta dos autos, o paciente Lee Men Tak foi denunciado juntamente com Lee Kwok Kwen, Renato Li, Marcelo Li, Marcio Souza Chaves, Edson Aparecido Refulia, André Man Li, Way Yi e Virgínia Young, pois se associaram de maneira estável e permanente para a prática reiterada de crime de descaminho, no período compreendido entre 22.05.2009 e 17.09.2009 (data da eclosão da Operação Wéi Jin) consoante transcrições de interceptações telefônicas acostadas aos autos da ação penal. As atividades da quadrilha tinham como centro São Paulo/SP, embora houvesse desdobramentos em outros locais como Fortaleza/CE. De acordo com o apurado, a organização criminosa era capitaneada pelo denunciado Lee Kwok Kwen. O objetivo do grupo era o de internar equipamentos eletrônicos importados irregularmente, principalmente celulares e seus acessórios. Pelas informações coligidas durante as investigações, as mercadorias vinham da China por meio da empresa ESM (Express Mail Service). Após a chegada das importações, os códigos de operação da EMS eram repassados ao denunciado Márcio Souza Chaves que controlava a chegada das mercadorias e as entregava a Lee Kwok Kwen na academia ou escritório que esse último mantinha no centro de São Paulo. Os celulares importados irregularmente eram peças brutas, isto é, não possuíam marcas identificadoras dos produtos. Sendo assim, o passo seguinte da organização criminosa era providenciar a aposição de marcas conhecidas nos celulares para, em seguida, introduzi-los no mercado consumidor.
O denunciado Edson Aparecido Refulia, proprietário da empresa AMR Brindes, era o responsável pela aposição das marcas identificadoras nos celulares importados, mediante a utilização de um processo de impressão conhecido como serigrafia (silk-screen), pelo qual apunha marcas conhecidas como Sony e Nokia. Após as marcas serem gravadas nos telefones celulares, estes eram distribuídos pelos filhos do denunciado Lee Kwok Kwen, a saber: Renato Li, Marcelo Man Li e André Man Li. De acordo com as apurações, o paciente André Man Li cuidava da entrega das mercadorias em São Paulo, entrando em contato com diversos compradores, principalmente o denunciado Lee Lap Fai. O paciente Lee Men Tak que é Oficial de Promotoria do Ministério Público do Estado de São Paulo, atuava na organização criminosa auxiliando-a com informações privilegiadas que obtinha em razão de suas funções. Oferecida a denúncia (fls.97v./103v.), esta foi recebida em 28/10/2009. A liminar foi indeferida às fls.110/111. Da decisão que denegou o pedido de liminar foi interposto Agravo Regimental (fls.114/118). República. denegada. Vieram os autos à Procuradoria Regional da É o relatório, a síntese do necessário. A presente ordem de habeas corpus deve ser
II Do Mérito: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Segundo consta, o paciente, por meio de contatos dentro da Polícia Civil e Militar, atuaria como informante da organização criminosa, passando informações de cunho estritamente sigiloso, tais como locais de futuras apreensões e organização das atividades da polícia contra os esquemas de descaminho. Destaque-se ainda que o paciente estaria solicitando vantagens indevidas para excluir comerciantes de uma lista de alvos de operações da Polícia Federal. O paciente atuava no Centro de Apoio Operacional à Execução (CAEX) do Ministério Público do Estado de São Paulo, cabendo-lhe a execução de ordens de serviço, investigações de caráter sigiloso e localização de pessoas (fls.101 v.). A atuação de Lee Men Tak na quadrilha consistia em prestar informações de caráter sigiloso de natureza investigatória, das quais tinha acesso em função de seu cargo, relacionadas com a repressão aos esquemas de importação irregular de produtos eletrônicos. Saliente-se que a atuação do paciente era tão ativa e dinâmica que ele chegou a rastrear em benefício do denunciado Lee Kwok Kwen um procedimento que tramitava em conjunto entre a Polícia Civil e o Ministério Público, sendo que apenas não soube do objeto da apuração porque não teve tempo de acessar os autos. Outro indício fortíssimo do profundo envolvimento do paciente com a quadrilha e que enseja a manutenção de sua custódia cautelar consiste no fato de ter tratado longamente de um procedimento envolvendo um amigo do denunciado Lee Kwok Kwen que tinha um estabelecimento no denominado Shopping Veneza, na região da Avenida Paulista. Em relação ao citado procedimento, o paciente afirmou que o estava conduzindo, juntamente com um advogado chamado Antônio Carlos, de uma forma que não iria dar em nada.
Há informações inclusive de que o paciente Lee Men Tak chegou a ir à Polícia Federal e de lá ligar para o denunciado Lee Kwok Kwen para pedir o CNPJ da empresa do amigo deste. Logo depois o paciente ligou para Lee Kwok Kwen para informá-lo que eles (a Polícia) estavam indo realizar diligências na mencionada empresa. Restou demonstrado nas investigações realizadas que o paciente funcionava, na estrutura criminosa, como um braço dentro do sistema legal/policial, informando da realização de blitzes bem como as ocasiões em que os lojistas envolvidos deveriam fechar seus estabelecimentos. Frise-se que o paciente chegou, inclusive a receber do lojista e denunciado Lee Lap Fai dois aparelhos de celulares a serem pagos posteriormente. Por fim, há trechos da investigação em que o paciente conversa com Lee Lap Fai afirma que poderá se passar como dono de sua loja para ajudá-lo e evitar a investida dos caras. O paciente solicita ainda, em certa ocasião, uma ajuda financeira a Lee Lap Fai para que possa colocar a esposa deste (Fabíola) no DEIC da Polícia Civil de São Paulo, mencionando que necessitaria de dinheiro para corromper alguém da Polícia Civil. De todo o exposto, verifica-se que a atividade do paciente convergia para o auxílio ao esquema criminoso mediante fornecimento de dados relativos às atividades policiais e judiciais que estavam tramitando, objetivando garantir com sua conduta a impunidade e a proteção aos envolvidos no esquema criminoso.
Desse modo, resta claro que a custódia cautelar do paciente se faz necessária, uma vez que este se mostra pessoa com relevante influência no aparato estatal (Polícia Militar, Civil/DEIC), envolvido com pessoas com contatos internacionais e que necessita ser segregado cautelarmente, em razão de preencher os seguintes requisitos da prisão preventiva, a saber: 1) Garantia da Ordem Pública: se colocado em liberdade, o paciente provavelmente voltará a vulnerar a ordem pública, pois dará continuidade às atividades de descaminho, utilizando de seus conhecimentos e influências na Polícia Civil e Militar, dando continuidade às suas atividades dentro da organização criminosa, prestando auxílio de natureza legal (orientação acerca de como age a Polícia, o que fazer em casos de abordagem. Etc.) e orientando-a acerca de eventuais ações policiais. O risco à ordem pública se consubstancia no binômio gravidade da infração + repercussão social nessa toada, é importante frisar que a organização que o paciente integra é uma das maiores do país, importando ilegalmente milhares de equipamentos eletrônicos e gerando graves prejuízos à coletividade, o que delineia a necessidade de sua custódia cautelar; 2) Conveniência da Instrução Criminal: outro importante ponto é que, se colocado em liberdade, o paciente terá condições de interferir na apuração dos fatos, coagindo a testemunha arrolada e alterando elementos probatórios que possam ser amealhados, causando assim, perturbação ao desenvolvimento regular da instrução criminal (destaque-se que na denúncia foi arrolado um comerciante da Rua 25 de Março como testemunha). Saliente-se ainda que o
paciente poderá interferir na instrução do feito, pois em se tratando de funcionário do Ministério Público do Estado de São Paulo e, portanto, pessoa com conhecimentos jurídicos acerca de procedimentos e modos de investigação, poderá tomar varias providências a seu favor e a favor dos demais investigados, eliminando provas, alterando a situação de coisas, prejudicando, de um modo geral, a instrução do feito; 3) Assegurar a Aplicação da Lei Penal: tal requisito consiste em garantir a utilidade do processo penal, que é proporcionar ao Estado o direito de punir aquele que, após processado com a observância das garantias do devido processo legal, foi considerado culpado pela prática de uma infração penal. 1 No caso em tela, pelas condições pessoais do acusado, verifica-se que o esquema criminoso no qual este está envolvido é de nítido caráter internacional, além disso, verifica-se que o paciente é pessoa com considerável conhecimento e influência no aparato repressivo estatal (Polícia Civil, Militar, DEIC), tudo a indicar que, se condenado, terá meios e até mesmo eventual ajuda de agentes policiais que com ele estejam envolvidos para empreender fuga, frustrando assim a aplicação da lei penal. Logo, presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva (art.312, CPP) bem como seus pressupostos necessários, isto é, prova da existência do crime e indícios suficientes de sua autoria, mostra-se necessária a manutenção da custódia cautelar do paciente. III CONCLUSÃO: 1 NUCCI. Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 6ª Edição. Editora RT. São Paulo: 2007. Pág.595.
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja o Agravo Regimental interposto bem como a presente ordem de habeas corpus denegados, mantendo-se a prisão cautelar decretada contra o paciente. São Paulo, 03 de dezembro de 2009. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN Procuradora Regional da República (luizacristina@prr3.mpf.gov.br) WMB