Recensões. Os Fundadores das Grandes Religiões



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Recensões Os Fundadores das Grandes Religiões Recensão do Livro Os Fundadores das Grandes Religiões, de Emma Brunner-Traut (Org.) (Petrópolis: Editora Vozes, 1999. 254 p.) Não há dúvida de que o interesse religioso tem sido um algo crescente nos últimos anos no Brasil. Tanto tem crescido o interesse pelo religioso no sentido da prática religiosa das pessoas - ou seja, muito mais pessoas dedicam-se a alguma religião, seja ela qual for -, como também tem crescido o interesse das pessoas por conhecer as religiões e suas propostas, assunto até não muito tempo relegado apenas a estudiosos do tema. O crescimento do fenômeno religioso pode ser interpretado de diversas maneiras. Não pode ser, porém, negado. Muitas publicações têm sido feitas seguindo este interesse existente no meio do povo. Algumas delas defendem especificamente uma corrente ou cosmovisão religiosa, outras têm o intuito de promover o estudo das religiões. Uma publicação que tem este sentido de colaborar para com o estudo das religiões é a obra intitulada Os Fundadores das Grandes Religiões, organizada pela pesquisadora alemã Emma Brunner

Traut e publicada no Brasil pela Editora Vozes. I A obra analisa as figuras de nove fundadores (ou iniciadores) de religiões: Akhenaton, Zaratustra, Moisés, Jesus, Mani, Maomé, Buda, ConfCJcio e Lao-Tse. Cada um desses personagens foi analisado por um especialista no assunto. Não se pode dizer que o livro tenta fazer uma pequena biografia desse fundadores de religiões, mesmo porque não há - em muitos casos - dados suficientes para se elaborar uma biografia, no sentido estrito do termo. O intuito da obra é muito mais apresentar ao público estas figuras: nesta apresentação aparecem elementos históricos, é apresentada a caminhada e a proposta religiosa dessas pessoas, como também a interpretação posterior que sofreu a figura do fundador da religião, dentro das diversas correntes de interpretação que geralmente se formaram dentro de cada movimento religioso (religião). A mistura desses quesitos faz com que certas figuras - especialmente sobre as quais há pouco material histórico - sejam mais conhecidas através de lendas e mitos que através de dados históricos seguros. Em muitos casos, hoje, não se pode mais separar as coisas; mesmo porque surge a pergunta: com que critérios se faria isto? A primeira figura apresentada na obra é Akhenaton. Akhenaton teria sido reilfaraó egípcio de 1364 a 1347 a.c. A rigor não pode ser considerado fundador de religião, no sentido de grande continuidade histórica. Sua figura é muito importante pela tentativa de reforma religiosa que tentou implantar no Egito. Akhenaton é o primeiro de quem se tem notícias que tentou implantar uma religião monoteísta. No Egito de sua época, dominado religiosamente pelo culto a uma série de deuses, Akhenaton introduz a proposta de adoração de um Deus único, tendo escolhido para isto o símbolo do sol. Para este culto ao Deus (Inico construiu sua cidade-templo. Sua tentativa de implantar uma nova religião durou apenas dezessete anos, e em seu tempo foi seguido por poucas pessoas. Esta idéia de um A edição original - Die Stifter der grofjen Re/igionen - foi publicada pela editora Herder. I Numen: revista de estudos e pesquisa da religi~o. Juiz de Fora, v. 2 - n. 2, p. 157-163

Deus único permaneceu porém na memória, e veio a influenciar os judeus e mais tarde os cristãos e muçulmanos. O monoteísmo proposto por Akhenaton - uma proposta religiosa mais racionalista e menos mágica - estava sem dúvida muito à frente de seu tempo. Daí sobretudo a não-continuidade. Como o monoteísmo vai marcar grandes religiões fundadas posteriormente, podemos legitimamente considerar Akhenaton um iniciador importante de religião. Moisés é apresentado como a figura chave para a existência do judaísmo. Não se pode atribuir a Moisés a fundação do judaísmo propriamente dito, mesmo porque ele, por um lado, já se encontra dentro de uma tradição religiosa - e dentro dela permanece -, e porque, por outro lado, só se pode falar de judaísmo num período muito posterior a Moisés. Sua existência e experiência religiosa foram fundamentais para o judaísmo posterior. Do ponto de vista histórico nada se sabe sobre Moisés, a não ser pelas informações bíblicas. Segundo estas, ele teria sido educado na corte egípcia, Illesmo como hebreu, filho de escravos. Sua experiência religiosa a faz porém no deserto, na região de Midiã. Deus o escolhe para libertar seu povo da escravidão. Voltando ao Egito, torna-se líder religioso e lidera a saída do povo da escravidão. Mas sua grandeza está na aliança entre o povo e Deus, na elaboração religiosa da lei, na organização teocrática. "De acordo com a tradição, Moisés foi um profeta, um sacerdote, um juiz, legislador, mediador da Torá, um mestre." (P. 229.) Zaratustra é outra figura fundadora de religião envolta em mistério. Com certeza não se sabe nem onde, nem quando.viveu. De seus ensinamentos sobraram algumas sentenças no livro antigo chamado "Avesta". Seu provável lugar de atuação é o Irã Oriental. Sobre a época em que viveu, as especulações variam entre o século 6 e 15 a.c. Sendo provavelmente um "sacerdote" da religião antiga, deixou sua tradição religiosa, "convertendo-se" a um Deus único (ttahura Mazda''J, origem de todo o bem. Zaratustra desenvolve uma visão dualista do mundo, onde à figura de "Ahura Mazda" se opõe "Angra Numen: revista de estudos e pesquisa da religlao. Juiz de fora, v. 2, n. 2, p. 157-163 I 9

16 Mainyu", origem do mal. Ao ser humano é dada a possibilidade de escolher entre o espírito do bem ou o do mal. Zaratustra é o profeta de Ahura Mazda, para isto ele sente-se vocacionado. Após sua morte, seus adeptos continuaram a pregar sua doutrina, que conheceu inclusive um grande crescimento, tendo sido, na dinastia dos Sassânidas (224-651 a. c.) a religião oficial do Irã. Mesmo não tendo mais hoje essa importância, a religião de Zaratustra continua sendo praticada por cerca de cem rnil fiéis. Jesus de Nazaré é sem dúvida o fundador de religião mais conhecido entre nós. Geralmente Jesus de Nazaré não é visto, porém, sob o prisma de fundador de religião, mas sim como conteúdo da fé cristã. A obra tem a peculiaridade de apresentar a figura de Jesus e sua trajetória a partir do ponto de vista de iniciador de um movimento religioso que se desenvolveu na maior religião do Ocidente. Jesu.s é um judeu, e dentro de sua religião inicia um movimento de renovação, baseado sobretudo no conceito de UReino de Deus", conceito este de forte acento escatológico em sua época. Junta ao redor de si um grupo de seguidores, outro de simpatizantes. Mas também se forma uma oposição ao seu projeto. Por um processo de atrito justamente com as autoridades de diversos grupos político-religiosos, Jesus é condenado à morte na cruz, condenação esta feita pelos romanos, que dominam a terra dos judeus. A experiência ocorrida com seus discípulos após a morte, com a aparição do mestre - experiência esta interpretada como ressurreição - deu um impulso decisivo aos seus discípulos, que por um lado o interpretaram como o Messias, Filho de Deus, e por outro saíram a pregar sua mensagem, formando comunidades de vida. Mani é talvez, entre os iniciadores de religião apresentados por esta obra, o mais consciente em seu propósito de iniciar uma religião. Tendo atuado no século li', toma como base para a sua atividade as comunidades religiosas tanto cristãs como também zoroastras. Sua intenção é claramente a fusão das religiões em uma só, formando assim uma religião sincrética. Ele mesmo considera-se apóstolo de Jesus. Seus princípios religiosos Numen: revista de estudos e pesquisa da religiao.luiz de Fora, v. 2 - n. 2, p. 157-163

são fortemente influenciados pelo dualismo entre luz e trevas. O combate às trevas irá acontecendo - segundo suas previsões em diversas etapas, rumo ao mundo somente de luz. Sua mensagem tem por isso um forte apelo escatológico. A mais nova das grandes religiões tem como iniciador Maomé. Este viveu e agiu na península arábica, tendo como centro de sua ação a cidade de Meca (apesar de ter vivido também "exilado" em Medina). Maomé considera-se profeta do Deus único, Alá. Alá revelou-se à humanidade através de muitos profetas, mas a revelação derradeira é a ele confiada. Do ponto de vista religioso, encontra-se na tradição judaica e cristã. As revelações feitas por Deus ao seu profeta passaram a ser pregadas (recitadas) e explicadas por ele. Após sua morte, estas revelações foram postas por escrito, constituindo-se no livro sagrado da religião muçulmana, o Corão. Durante sua trajetória espiritual, Maomé organizou um movimento de purificação religiosa, substituindo o culto a muitas divindades pelo culto ao Deus único. Sua proposta de vida atrai muitos adeptos. Maomé não é, porém, apenas um líder religioso. Ele também é um grande líder político, capaz de unir diferentes tribos, de modo que já em vida seu movimento religioso conhece grande expansão. Um caminho religioso relativamente diferente de outros iniciadores de religião foi o feito por Siddhartha Gautama, aquele que procurou a iluminação e, a tendo encontrado, tornou-se Buda, o Iluminado. Esta diferença está sobretudo no fato de ele não se entender como portador de uma revelação ou de uma missão dada por uma divindade. Ele mesmo procurou e encontrou o caminho. Buda Gautama vive na índia do século VI-V a.c. Nascido dentro da tradição hinduísta, com a compreensão do eterno retorno, ele quer procurar um caminho para libertar-s~ deste destino. Após uma longa trajetória espiritual, reconhece a verdade sobre o caminho para se libertar do eterno retorno. Passa então o resto de sua vida a pregar este caminho, colocando em movimentação a "roda do ensinamento" (Dharmachakra). Seu movimento religioso conheceu grande expansão, sobretudo para o extremo oriente. Ao mesmo tempo também ocorreram Numen: revista de esludos e pesquisa da religiao. Juiz de fora, v. 2, n. 2, p. 157-163 /6/

/62 muitas diferentes interpretações de seu caminho religioso. Com isso o budismo hoje - sendo uma das maiores religiões do mundo - encontra-se dividido em diversas escolas e grupos, nos quais a própria figura de Buda é interpretada de muitas maneiras. O autor do artigo sobre Buda discute bastante estas diversas interpretações da figura de Buda. O que sabemos hoje da figura de Buda é o que foi transmitido pelas tradições,.e justamente estas divergem quanto à apresentação de sua vida e quanto à importância dada à sua pessoa. Muitas religiões nasceram de movimentos de renovação. Principalmente assim também deve ser vista a pessoa de Confúcio. Praticamente contemporâneo a Buda, ele concentrou sua atividade no ensinaménto moral, ensinamento este que se tornou praticamente a base da ética oriental. Confúcio quis restaurar a sociedade decadente a partir da correta relação entre os seres humanos, segundo a posição que ocupam na sociedade. A atitude apregoada por Confúcio é definida por ele como jen, que pode ser traduzida por "humanidade" ou "moralidade". Esta deve seguir o Tao, isto é, a ordem correta das coisas. Por se ocupar da organização da sociedade a partir da ética, sobretudo das atitudes dos que estão em postos de comando, a doutrina de Confúcio foi utilizada como a teoria de Estado dos governantes chineses por muito tempo. O último dos fundadores de grandes religiões apresentado pelo livro é Lao-Tse. Lao-Tse, o velho mestre, é considerado o fundador do Taoísmo. Lao-Tse é contemporâneo de Confúcio e, como este, propõe uma renovação da sociedade. Enquanto aquele propunha uma renovação através da observância de uma determinada ordem nas relações sociais, chamando de Tao a esta ordem, Lao-Tse também propõe uma renovação, não a partir da criação de algo novo, mas da simplicidade. Também o conceito do Tao é central no modo de pensar do Lao-Tse. Diferentemente de Confúcio, Lao-Tse entende o Tao como a ordem natural das coisas. É preciso descobrir e seguir a ordem natural. Tudo o que se quer conseguir com esforço, mudando o curso natural, é contrário ao Tao e está fadado Numen: revista de estudos e pesquisa da ",Iigiao. Juiz de Fora, v. 2 - n. 2, p. 157-163

ao insucesso. Nesta linha de pensamento desenvolve Lao-Tse uma das atitudes centrais a seu modo de pensar: o wu wei (literalmente: "não-fazer" ou "não-interferir"). O caminho correto (o lão) está em não querer mudar a ordem natural das coisas. Descobrir e seguir a ordem natural é o caminho correto. Esta ordem natural no relacionamento humano vê Lao-Tse sobretudo na simplicidade. Estes ensinamentos estão sobretudo no escrito antigo Tao Te Ching, cuja autoria é atribuída ao próprio Lao-Tse. Após esta apresentação de cada um dos fundadores de grandes religiões, a obra termina com um pequeno resumo, retomando em poucas frases cada figura apresentada. A organizadora do livro - que escreve o resumo - constata que os fundadores de religião não têm uma unidade de perfil. O que têm em comum é somente o fato de terem fundado/iniciado uma religião. Além disso todos provocaram um certo mal-estar em seu meio sócio-cultural, pois propunham um movimento de renovação espiritual, de ruptura com asituação das sociedades onde viviam. A obra Os Fundadores das Grandes Religiões não é um livro para especialistas, mas para iniciantes, ávidos por conhecer algo mais sobre as fascinantes personalidades dos fundadores de religiões. E exatamente por isso a obra tem uma grande contribuição a dar à formação ou cultura religiosa no Brasil. Penso especialmente no ensino religioso que está sendo implantado. Na obra tanto professores como alunos poderão encontrar informações simples, claras e didáticas. Àqueles interessados em aprofundar seus conhecimentos, a obra traz no final de cada capítulo uma lista bibliográfica de outras obras sobre o assunto. Pro!. Df. Volney José Berkenbrock Professor na Pós-Graduação em Ciência da Religião/UFJF Numen: revista de estudos e pesquisa da religilo. Juiz de Fora, v. 2, n. 2, p. 157-163 6