QUEM É O ESTUDANTE BRASILEIRO? UM ESTUDO SOBRE OS VALORES PRIORIZADOS PELOS UNIVERSITÁRIOS DE PSICOLOGIA: RESULTADOS PRELIMINARES



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Transcrição:

1 QUEM É O ESTUDANTE BRASILEIRO? UM ESTUDO SOBRE OS VALORES PRIORIZADOS PELOS UNIVERSITÁRIOS DE PSICOLOGIA: RESULTADOS PRELIMINARES PEDRO. SILVA, Nelson 1 ; SANTOS, Melina Rodrigues dos 2. Curso de Psicologia, Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Assis SP, UNESP/CNPq/Pibic. RESUMO RESUMO:A maioria das pesquisas sobre a psicologia da moralidade compartilha da definição de que a moral refere-se a um conjunto de regras e valores que tem por finalidade regular as relações entre as pessoas. Apesar de válida esta definição, acreditamos que ela deve compreender, também, aspectos relacionados ao eu. Portanto, a concepção defendida no presente estudo entende que a moral refere-se a valores inter e intrapessoais. Assim considerando, realizamos um estudo sobre os valores priorizados pelos estudantes de Psicologia, buscando, além de identificar estes valores, a natureza deles, isto é, se os estudantes preferem valores morais públicos, privados e/ou ligados à glória. Desse modo, os objetivos consistiram em subsidiar a discussão acerca dos princípios diretores da moralidade humana; contribuir para a discussão acerca dos valores atualmente vigentes na sociedade brasileira e fornecer informações que divulguem aspectos da moralidade dos estudantes. Para isso, utilizamos como informantes 120 estudantes regularmente matriculados no primeiro, quarto e quinto anos do curso de Psicologia de uma Universidade Pública do Estado de São Paulo, com idade média de 20 anos, de ambos os sexos, de variados credos religiosos, independentemente de condição econômica e nível cultural da família. Como instrumento para a coleta de informações, fizemos entrevistas, tendo por base um roteiro previamente estabelecido, contendo perguntas relacionadas a características pessoais dos entrevistados e aos valores prezados por eles. Para determinar o conjunto de características valorizadas por eles, foram elaboradas indagações acerca dos aspectos mais valorizados neles próprios, nos seus amigos e nos seus familiares; a personalidade que gostariam de ser atual e futuramente e a personalidade dos meios eletrônicos e escritos com que mais se identificam. Os resultados, analisados segundo a Teoria dos Valores, indicam que a maioria dos sujeitos prioriza valores privados, como perseverança, calma e sinceridade. No entanto, eles apresentam também um número significativo de respostas relacionadas aos atributos físicos, como beleza. Desse modo, pode-se concluir que os sujeitos estão mais preocupados com aspectos relacionados ao self; resultado contrário aos requisitos necessários para o exercício da profissão psicológica. Afinal, o estudante de psicologia deveria ter por finalidade a preocupação com o outro. Unitermos: valores; estudantes universitários; psicologia da moralidade humana; virtudes. 1 nelsonp1@terra.com.br 2 melinarsantos@yahoo.com.br

2 Introdução e justificativas Há consenso de que hoje se está vivendo num mundo em crise, principalmente no campo moral e ético. Por exemplo, os indivíduos sentem-se perdidos quanto ao seu futuro e o de suas crianças, pois os pais não sabem mais como educá-los. Quanto à escolarização, os estudantes mostram-se pouco acostumados a respeitarem limites. É nesse contexto que estudos sobre a moralidade são necessários. A moral tem sido objeto de estudo de diversas disciplinas. As pesquisas se concentram na análise da conduta desviante, no estabelecimento de roteiros sobre modos de agir e na comparação da nossa cultura com a que existiu em outros momentos. Porém, faltam estudos psicológicos sobre a moralidade, pois, segundo La Taille (1994, p.20), não basta que a Sociologia explique a guerra; é também preciso explicar o guerreiro. Não se pode desprezar, além disso, o fato de que estas investigações podem ser de grande valia para os educadores, pois os conhecimentos produzidos se configurarão como ferramentas de reavaliação e, possivelmente, de mudança da prática pedagógica. Cabe informar que a moralidade, no campo psicológico, foi inicialmente estudada por Piaget, que realizou pesquisas sobre o juízo moral na criança. Tais estudos lhe possibilitaram chegar à conclusão de que, assim como a inteligência, a moral também se desenvolve qualitativamente, levando as pessoas, em função de seu momento de desenvolvimento, a apresentar maneiras diferentes de pensar e praticar as regras. Esse olhar é produto das relações interindividuais, que podem ser de coação ou de cooperação. A relação de coação é de imposição, na qual geralmente os adultos acabam impondo suas atitudes. É uma relação constituída e reforçadora do egocentrismo. Disto decorre o respeito unilateral e sagrado pelas leis, levando à constituição de uma moral heterônoma. A cooperação, ao contrário, é uma relação simétrica. É constituinte, dependente de acordos e, em conseqüência, leva à construção da moral autônoma.

3 Kohlberg que enriqueceu os estudos Piaget concentrou-se na investigação da moralidade de adolescentes e adultos, por ter notado que ela não estava concluída aos 13 anos, como imaginava Piaget (Freitag, 1992, p.197). Essa constatação o levou, dentre outros aspectos, a elaborar nova tipologia acerca do desenvolvimento moral. Apesar desta contribuição, atualmente estudiosos têm questionado conclusões a que eles chegaram e os fatores responsáveis pelos julgamentos e pelas condutas morais. Gilligan (1993), por exemplo, afirma que a visão desses autores é sexista quanto ao gênero. Por essa razão, ela defende a premissa de que a análise da moral modifica-se quando se incluem as narrativas femininas. Embora essa informação não tenha sido confirmada, acerca do olhar moral em função do sexo, a suspeita de que na moralidade não comparece apenas a justiça como valor ganhou mais sustentação, pois a inclusão da ética do cuidado pressupõe a redefinição do objeto de estudo da Psicologia Moral. É nessa perspectiva que Flanagan (1991/1996) tece também críticas a Kohlberg. Para ele, a sua visão é limitada, pois se apóia numa concepção que resume a moral a um conjunto de regras legisladoras das relações interpessoais; além de enfatizar o caráter racionalista da moral e considerar o seu estudo somente sob o prisma dos deveres e obrigações presentes nas relações interpessoais, ou na sua limitação à análise a justiça. Tais críticas acabaram por redimensionar o próprio objeto da moral, baseado, até então, unicamente na consideração alheia. Este aspecto possibilitou voltar-se a pensar a moral de uma perspectiva eudemonista e, em conseqüência, à ampliação dos fatores psicológicos a serem levados em conta na moralidade humana. É exatamente por esse motivo que estudamos, nesta pesquisa, valores. Referencial teórico. Empregamos o sistematizado por La Taille (2000), a partir dos estudos empíricos e das reflexões sociológicas e filosóficas desenvolvidas por Piaget (1932/1994), Taylor (1989/1994) e Flanagan (1991/1996). Segundo essa visão, a moral

4 deve compreender, também, aspectos relacionados ao eu. Portanto, a concepção defendida aqui entende que a moral refere-se a valores inter e intrapessoais, pois, além da racionalidade, há a influência de outras variáveis psicológicas. Assim como La Taille (1992), pensamos que não basta a pessoa estar racionalmente convencida de que determinada ação é incompatível com a confiança mútua para não executá-la. Aliado a isso, não se pode desprezar a força que tais valores têm na determinação das condutas morais. Vários estudos realizados com o fim de investigar variáveis psicológicas diretoras da moral têm demonstrado que a imagem de nós mesmos se constitui num valor a ser mantido, pois é vista como uma imagem positiva de si. Segundo La Taille (1998 e 2002), esse valor pode ser moral ou não-moral. A presença de um ou de outro tipo de valor é importante para a constituição de um indivíduo moral. Se os valores morais forem centrais, o indivíduo poderá, por exemplo, sentir vergonha de cometer algum ato desonesto; ao passo que, se este valor for periférico, esse sentimento aparecerá quando ele não apresentar o padrão de beleza almejado. Movimento semelhante pode ser pensado no interior do próprio campo moral: o indivíduo pode priorizar alguns valores muito mais do que outros. No presente estudo se defende então que a vida moral não é guiada apenas por um princípio diretor; uma virtude não domina as demais; são várias as virtudes relacionadas entre si; os valores privados não são, em si, virtuosos, pois dependem do conteúdo e do contexto em que efetivamente são postos à prova. Proposição do problema e objetivos. Dados estes aspectos, realizamos um estudo sobre os valores priorizados pelos estudantes universitários. Buscamos, com ele, saber quais são os valores priorizados pelos estudantes; qual é a natureza destes valores e se tal opção é dependente de variáveis como sexo, idade e nível econômico da família.

5 Além disso, procuramos a) subsidiar a discussão acerca dos princípios diretores da moralidade humana; b) contribuir para a discussão acerca dos valores atualmente vigentes no Brasil; c) fornecer informações que divulguem aspectos da moralidade dos estudantes e d) preencher lacuna presente na literatura sobre o desenvolvimento moral. Método. Serviram como informantes 120 universitários de ambos os sexos, matriculados no 1º e no 4º/5º anos do curso de Psicologia da Unesp de Assis. Realizamos entrevistas e, para tal, empregamos um roteiro, contendo indagações relacionadas a características pessoais dos entrevistados e aos valores prezados por eles. Quanto ao procedimento para a coleta, pedimos a colaboração de estudantes que preenchiam tais requisitos e, em seguida, aplicamos a entrevista individualmente. Obtidas as informações, procedemos à categorização dos dados. Resultados e conclusões. Os resultados mostram que os alunos priorizam sobremaneira os valores privados, isto é, aqueles que dizem respeito à individualidade e aos interesses das pessoas mais próximas, evidenciando uma contradição entre a demanda dos alunos e a profissão que escolheram. Afinal, o psicólogo deve ter por valor básico a preocupação com o outro. Porém, não se pode desprezar a existência de um caldo de cultura, que forma elo com o individualismo, o hedonismo e o consumismo. Logo, como exigir que os estudantes de Psicologia tenham postura diferente, mesmo que seja requisito do curso escolhido? Esse fato evidencia que a Universidade está se mostrando incapaz de exercitar os valores necessários para a vivência num regime democrático (respeito mútuo, solidariedade e justiça). Os resultados mostram ainda, que se tais resultados forem encontrados em estudantes de cursos diferentes do investigado, os universitários estão pautando suas condutas em valores privados e ligados à glória. Esse dado fornece subsídios a certa visão pessimista

6 quanto ao futuro do país, pois os prováveis mandatários da nação continuarão preocupados unicamente com os interesses pessoais em detrimento dos públicos. Evidenciam, ainda, a apologia do egoísmo, que, fruto do modo de produção capitalista, foi exacerbado pelo processo de globalização econômico e cultural. Alia-se a isto, certa imposição do dever de felicidade: Segundo Bruckner (2002, p.16), tal condição é a ideologia que obriga a que tudo seja avaliado pelo ângulo do prazer. Duplo postulado: por um lado, tirar o melhor partido da vida; por outro, afligir-se, punir-se caso isso não seja conseguido. A esse respeito, Sennett (1988) afirma que a prioridade dada aos valores individuais está ligada à desqualificação da esfera pública. O autor nota que as pessoas não estão preocupadas com a descoberta de princípios supra-individuais, buscam, ao contrário, refletir sobre a própria vida psíquica, com o objetivo de desvelar os verdadeiros sentimentos, desqualificando o fato de que são produzidos socialmente, além de transformarem a solidão ou a convivência com amigos e familiares em um fim em si mesmo. O mais irônico desse declínio está no fato de que as regras que visam a garantir a preservação do público são vistas como nocivas, pois elas impossibilitam a demonstração plena do verdadeiro eu. Lasch (1983) e Costa (1988) crêem que este quadro está ligado à cultura narcísica, que se caracteriza pela perda da crença na transformação social, pelo esvaziamento da atividade política e, nos seus lugares, pela valorização do auto-conhecimento, do corpo e do sexo em si mesmos. Assim, valores de outrora não estão sendo mais considerados, a ponto de soar anacrônico falar de virtudes do como se deve agir. Parece que tudo está reduzido à lógica do neoliberalismo, para o qual ter riqueza é a única qualidade merecedora de crédito. Outro aspecto apontado pela pesquisa é que não há mudança substancial dos valores priorizados pelos participantes ao longo do curso de graduação.

7 Como explicar este paradoxo, já que o curso de Psicologia visa, sobremaneira, à formação para lidar com o outro? Talvez a própria organização do curso e as dificuldades relacionadas ao mercado de trabalho contribuem para o desenvolvimento ou o fortalecimento de valores relacionados à esfera privada. Referências bibliográficas BRUCKNER, P. A euforia perpétua: ensaio sobre o dever de felicidade. Rio de Janeiro: Difel, 2002. COSTA, J. F. Narcisismo em tempos sombrios. In: BIRMAN, J. Percursos na história da psicanálise. Rio de Janeiro: Taurus, 1988. p.151-174. FLANAGAN, O. (1991). Psychologie morale et éthique. Paris: Puf, 1996. FREITAG, B. Itinerários de Antígona. Campinas, SP: Papirus, 1992. GILLIGAN, C. Uma voz diferente: RJ: Rosa dos Tempos, 1993. LA TAILLE, Y de. (Org.) Piaget, Vygotsky, Wallon. São Paulo: Summus, 1992.. Prefácio. In: PIAGET, J. O juízo moral na criança. SP: Summus, 1994. p. 7-20.. As virtudes morais segundo as crianças. SP: Instituto de Psicologia, 1998. (Mimeogr.).. Vergonha, a ferida moral. Petróplolis (RJ), 2002.. LASCH, C. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983. PIAGET, J. (1932). O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994. TAYLOR, C. (1989). As fontes do self: a construção da identidade moderna. SP: Ed. Loyola, 1994. SENNETT, R. O declínio do homem público. São Paulo: Companhia. das Letras, 1988.