PROGRAMA HISTÓRIA ORAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA DO PROJETO DE HISTÓRIA ORAL DO TST MINISTRO MARCELO PIMENTEL

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Transcrição:

PROGRAMA HISTÓRIA ORAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA DO PROJETO DE HISTÓRIA ORAL DO TST MINISTRO MARCELO PIMENTEL COORDENADORIA DE GESTÃO DOCUMENTAL E MEMÓRIA - CGEDM Entrevistado: Ministro Marcelo Pimentel. Entrevistadores: Margarete Ferreira de Souza Brito, Rosália Fortaleza Albuquerque, Leonardo Neves Moreira, Nayara Carvalho. Transcrição: Luiza Brito Lemos. Revisão: Ministro Marcelo Pimentel, Margarete Ferreira de Souza Brito, Leonardo N. Moreira, Reginaldo P. Matos. Publicação do Conteúdo: Reginaldo P. Matos, Diego Lacerda. Data: 11 de junho de 2012. Local: Brasília-DF. Entrevista Entrevistadora: O senhor nasceu em Vitória do Espírito Santo, poderia nos falar um pouco de como foi a sua vivência na cidade? Ministro Marcelo Pimentel: Sou filho de uma tradicional família local. Mas lá tive pouca convivência porque, em 1930, com a Revolução Getulista 1, meu pai foi derrubado do governo. Ele ocupava a Secretaria de Segurança e o presidente era 1 Movimento revolucionário que ocorreu em 1930, liderado por Getúlio Vargas com apoio de tenentes e políticos que reivindicavam mudanças na estrutura política nacional. Esse movimento impediu a posse do Presidente eleito Júlio Prestes e depôs o governo de Washington Luís.

Washington Luís 2. Como se tornou fiel ao mesmo, tivemos que abandonar tudo, após a revolução se tornar vitoriosa. Acabamos indo para Minas Gerais onde ele e nós nos fixamos graças a Deus porque eu sou um mineiro de coração e por decreto. Vivemos tranquilamente em Belo Horizonte. Lá teve o início minha formação profissional; não como advogado, mas como jornalista. E fui um dos jornalistas mais atuantes na fase da reconstitucionalização do país. De modo que o Espírito Santo ficou longe, apenas relembrando os bons tempos da minha infância com meus velhos avós. Entrevistadora: E como veio o direcionamento para o estudo do Direito? Ministro Marcelo Pimentel: Meu pai foi um notável advogado comercialista. Ele me induziu a seguir a carreira, embora devesse, por vontade, seguir a militar. Mas como ele tinha um escritório de grande êxito, insistiu para que eu estudasse Direito, tendo em vista que meu irmão mais velho não queria exercer a profissão. Então, me liguei ao Direito em função desse antecedente familiar e, graças a Deus, com êxito na profissão. Participei ativamente da formação da Justiça do Trabalho, pois era jornalista na Constituinte e simpático à causa no Ministério do Trabalho. Enfim, vão se alguns anos dedicados à área do trabalho e seu disciplinamento. Entrevistadora: O senhor pode nos contar sobre seu período na Faculdade de Direito? 2 Washington Luís Pereira de Sousa, Presidente do Brasil no período de 15/11/1926 a 24/10/1930.

Ministro Marcelo Pimentel: Na minha juventude estávamos exatamente no final do governo Getúlio. E nós jovens atuávamos politicamente, através de movimentos de rua seguindo a orientação filosófica do que veio a se constituir, na União Democrática Nacional 3, no Manifesto dos Mineiros 4 etc. Tudo foi vivenciado nessa época. Fizemos um grande movimento para derrubada de Getúlio Vargas. O sentimento democrático predominava entre os jovens daquela época, movimento de direita, nada de esquerda. Então, na realidade, nossa juventude, politicamente, foi uma consequência da situação decorrente do fim da guerra. Pela democracia. Um movimento contra Getúlio pela redemocratização. Eu estava no primeiro ano quando Getúlio Vargas foi derrubado. Entrevistadora: O senhor foi nomeado para o TST em vaga destinada a membros da OAB. Como foram seus tempos de advogado? Ministro Marcelo Pimentel: Fui advogado no RJ durante algum tempo. Fundamentalmente, em indústrias paulistas que eu dirigia na sua parte jurídica. Mas o presidente Kubitschek 5 insistiu para que eu desse uma colaboração mais efetiva ao governo dele, juntamente com outros amigos que foram nomeados para o mesmo cargo de Consultor jurídico em outros Ministérios. 3 A União Democrática Nacional (UDN) foi um partido político criado em 1945 e que tinha como principal característica a oposição ao Estado Novo e a Getúlio Vargas. 4 O Manifesto dos Mineiros foi divulgado em 1943 e representou a insatisfação de estudantes, políticos e membros da sociedade mineira contra o regime antidemocrático da época. 5 Juscelino Kubitschek de Oliveira, Presidente do Brasil no período de 31/01/1956 a 31/01/1961.

Eu fui nomeado Consultor efetivo do Ministério do Trabalho, em 1960. Os Ministérios se compunham então de bons profissionais nessa área. Fiquei inicialmente no Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; posteriormente no Trabalho e Previdência Social e, finalmente, Ministério do Trabalho. A desvinculação da Previdência do Ministério do Trabalho criando-se o da Previdência Social ensejou a que me pedissem para que a ele eu me dedicasse mais porque que eu tinha sido um dos instituidores da Lei Orgânica da Previdência Social 6. Mas preferi ficar no MT. Realmente, foi um direcionamento positivo porque acabei me tornando, honrosamente, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho e Ministro de Estado do Trabalho. Entrevistadora: O senhor citou o convite de Juscelino Kubitschek. Como era a relação entre vocês? Ministro Marcelo Pimentel: Nós tínhamos uma relação profissional, porque eu era o chefe da reportagem política dos Diários Associados 7, cumulativamente com o exercício da atividade de advogado. Desse relacionamento decorreu uma boa amizade. Muito embora o presidente tivesse uma atuação política permanente, não mantínhamos vinculação dessa natureza. Eu era apenas um profissional da imprensa, além de advogado, atuava televisão e no rádio, porque os Diários Associados constituíram-se na primeira cadeia de TV do Brasil. Em função disso, todos aqueles profissionais mais antigos da empresa passaram a ter participação, tanto, no rádio 6 Lei n. 3.807, de 26 de agosto de 1960. 7 Empresa fundada pelo Jornalista Assis Chateaubriand, em 1924. Tornou-se um dos maiores veículos de comunicação do Brasil, constituindo-se por jornais, revistas e redes de rádio e de televisão.

quanto na televisão. E, por conseguinte, na apreciação da vida política nacional, com rara intensidade. Entrevistadora: Como foi o seu processo de nomeação para o TST? Ministro Marcelo Pimentel: Era Consultor jurídico do Ministério do Trabalho desde 1960. Em função disso, extremamente conhecido na área jurídica e, fundamentalmente, na instância superior do governo. O Ministério do Trabalho tinha o Ministro, o Secretário-Geral e o Consultor Jurídico como figuras mais destacadas e influentes da Administração Pública. Assim, a presença do Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho nas coisas do governo era muito intensa. Quando desejei largar o Ministério do Trabalho para trabalhar profissionalmente e ganhar um dinheirinho fora, fui solicitado a continuar. Porque, realmente, eu teria uma grande contribuição - diziam pessoas do governo - para a institucionalização de novos métodos do trabalho, no Brasil. Daí porque fui delegado na Organização Internacional do Trabalho, onde estive representando o Brasil em inúmeras conferências, por muitos e muitos anos, mais de 10. Andei pela ONU, estive em outros órgãos e administrações internacionais do trabalho. Em função disso, adquiri a experiência que facilitou ao Ministério do Trabalho oferecer modernizações na área e com isso o país dar passos mais largos no sentido da sua proteção laboral. Entrevistadora: Em fins da década de 1970, o país era marcado por fortes embates entre patrões e empregados. Além disso, havia também as questões políticas

decorrentes do regime militar. Como era o posicionamento do TST frente a esse quadro? Ministro Marcelo Pimentel: Fui nomeado pelo General Geisel 8, consequentemente, já com o país em transição para o regime democrático, de modo que não havia um embate ente governo e o Tribunal. Como fui nomeado por ter sido, durante tantos anos, Consultor jurídico do Ministério do Trabalho, o relacionamento com o Governo Geisel era objetivando a abertura democrática. Não havia interferência no TST. O Tribunal agia dentro de sua competência e nunca houve um problema maior com o governo federal. Muito pelo contrário, o Executivo quando sentia que haveria qualquer reação do Tribunal procurava se resguardar e transferia ao Congresso a obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa no sentido legal, para diminuir a eventual divergência. Entrevistadora: Como o senhor analisa o seu período como Presidente do TST 9? Ministro Marcelo Pimentel: Foi um período difícil por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, a Justiça do Trabalho (tendo em vista o próprio regime militar) não tinha grande divulgação no conhecimento público. Achava-se que a Justiça do Trabalho era um órgão do Ministério do Trabalho, muito embora ela já tivesse alguns anos de tradição, porque veio da Constituição de 1945. Mas, sem grande propaganda era até ignorada pela massa quanto a seu poder e objetivos, consequentemente, já com 8 Ernesto Geisel, Presidente do Brasil no período de 15/03/1974 a 15/03/1979. 9 O Ministro Marcelo Pimentel foi Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho no período de 16/12/1982 a 19/12/1984, Vice-Presidente do TST no período de 19/12/1984 a 19/12/1986 e Presidente entre 19/12/1986 a 19/12/1988.

tempo de ter um conhecimento mais aprofundado na opinião pública. Então, uma das minhas funções, tendo em vista que o país entrava no regime democrático, foi exatamente nesse sentido: dar ênfase ao conhecimento público do que era a Justiça do Trabalho, qual sua função e o sentido de penetração da legislação do trabalho. Tivemos um trabalho muito árduo de divulgação. A outra grande dificuldade foi quando se pretendeu, na Constituinte, (extinguir o Tribunal Superior do Trabalho e transformá-lo em uma Câmara do Tribunal Federal de Recursos 10, hoje Superior Tribunal de Justiça). Tivemos uma batalha intensa com as lideranças constituintes daquela época. E, finalmente, nosso ponto de vista se tornou vitorioso, mantendo-se a Justiça especializada como imaginada. Entrevistadora: Temos interessantes registros de sua atuação, como presidente do TST, acompanhando o então presidente da República, José Sarney, em uma solenidade de inauguração do Anexo II de um prédio do TST, que levava o nome de presidente Sarney. Nessa época como era então a relação entre o governo e o judiciário trabalhista? Essa ideia de homenagear o então presidente da República foi do senhor? Ministro Marcelo Pimentel: O relacionamento com o governo era absolutamente normal e respeitoso. O Poder Executivo tinha sua competência e a exercia e o Poder Judiciário a sua. Havia uma carência grande de Juntas, hoje Varas, no Brasil inteiro, dificultando a defesa dos direitos do trabalhador, quando fosse o caso. Empenhei-me com o 10 O TFR foi criado pela Constituição de 1946 e era responsável pelo julgamento das ações judiciais que tivessem a União como interessada. A Constituição de 1988 extinguiu o TFR e, para substituí-lo, criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os Tribunais Regionais Federais.

presidente Sarney 11 para que o governo criasse mais Juntas. E ele sempre foi muito atento ao exame das matérias técnicas, principalmente do Trabalho, e teve muito boa vontade em aceitar o estudo de ampliação do quadro de administração da Justiça do Trabalho no país inteiro. Nesse ínterim, consegui do governo também uma ajuda para construir o anexo do TST, tendo em vista que estávamos esmagados dentro daqueles cubículos, que eram os gabinetes de Ministros, as salas de votação etc. Generosamente, ele pôs à nossa disposição recursos quase suficientes para a construção, afora as Juntas que ele criou. Daí porque a homenagem foi mais do que merecida. Entrevistadora: O senhor foi um crítico da Constituição de 1988. Sugeria, até mesmo, que ela não duraria muito tempo. Até publicou um artigo a respeito. E hoje qual o balanço que faz acerca da Constituição Federal de 1988? Ministro Marcelo Pimentel: A importância da Constituição Federal de 1988 está na consolidação do regime democrático. Esse é o ponto fundamental, apesar dos seus defeitos gravíssimos. Entendo que a grande justiça que se faz aos Constituintes foi de consolidar o regime democrático que vinha daquele longo período de exceção. É claro que todos nós que lidamos com qualquer das áreas de Direito temos reservas muito grandes relativamente à Carta Magna. Mas é preferível uma Constituição com defeitos à sua insuficiência à proteção democrática como o que se viu na Constituição de 1937, criadora do regime de exceção getulista. Respeito a Constituição. Minhas críticas permanecem; acho que poderia ter sido feito coisa 11 José Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney, Presidente do Brasil no período de 15/03/1985 a 15/03/1990.

melhor, mas talvez devido ao ambiente da época não houvesse sido possível alcançar outro objetivo essencial. Acho que ela produziu seus resultados e ainda os produz mantendo-nos no regime democrático. Entrevistadora: Por que a passagem do senhor pelo Ministério do Trabalho foi tão curta e como foi dirigir a pasta justamente no período de transição para o Plano Real? Ministro Marcelo Pimentel: Em primeiro lugar, temos que considerar que o governo do Itamar foi imprensado entre interesses os mais diversos, que ensejavam manifestações absolutamente espúrias de alas esquerdistas, sindicalismo e partidos que o levaram afinal a aquele ponto de equilíbrio, determinante no sentido de passar o país, tranquilamente ao sucessor. Ademais havia que ser mantido o Plano Real, em inicio de execução. O convite formulado para assumir o Ministério do Trabalho objetivou dar uma orientação mais técnica ao órgão de maneira que se pudesse impor a execução do Plano 12 sem grandes dificuldades, principalmente, evitando-se reivindicações muito pesadas dos trabalhadores. Nós conseguimos, salvo a exceção da divergência com os petroleiros, ajudar a conduzir as coisas em termos de que o Plano se estabilizasse a ponto de produzir os resultados que todos usufruem na economia nacional. Eliminouse a inflação galopante. Era um governo nitidamente técnico e, a nossa atuação foi sem qualquer veleidade política. Sem ser político entrei e sem ser político saí. 12 A Lei n. 8.880, de 27 de maio de 1994, criou o Programa de Estabilização Econômica, o Sistema Monetário Nacional e instituiu a Unidade Real de Valor (URV). Já a Lei n. 9.069, de 29 de junho de 1995, regulamentou o Plano Real, o Sistema Monetário Nacional e as regras e condições para emissão do Real.

Entrevistadora: O senhor citou a questão dos petroleiros. O senhor teve que intermediar diretamente a greve? Como foi esse desafio? Ministro Marcelo Pimentel: Foi uma das piores greves que enfrentamos. Consultor Jurídico do Ministério do Trabalho durante 16 anos atuei em inúmeros conflitos. Inclusive na primeira dirigida pelo ilustre presidente Lula da Silva 13. Mas enfrentar greve não é importante. Opor-se a elas quando se desvirtuam para ter objetivos políticos é outra coisa. Nitidamente, a dos petroleiros era uma disputa política entre eles. Daí porque houve maior dificuldade para que se chegar a um termo satisfatório. Foi muito longa e muito pesada. Com a colaboração do TST, foram adotadas algumas decisões mais firmes no sentido de que as greves não tivessem natureza política e não se prolongasse indefinidamente. Exemplo: a multa aos sindicatos que as patrocinavam contra decisão da Justiça. Entrevistadora: Após deixar o Ministério o senhor voltou a advogar. Foi uma transição difícil? Ministro Marcelo Pimentel: Não foi difícil, porque naquela época dinheiro público era dinheiro público e o particular era particular. De modo que tendo trabalhando tantos anos no governo me prejudiquei na minha profissão. Não tive chance de ganhar dinheiro. Recebia do governo uma remuneração razoável e precisava ganhar algum extra. Aquilo o que deixei de fazer em 1960, continuar advogando, tive que tentar 13 A greve dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo ocorreu em pleno regime militar, em maio de 1978. À época, Luiz Inácio Lula da Silva era o líder do Sindicato dos Metalúrgicos. O ato foi um marco para que outras categorias também passassem a reivindicar seus direitos trabalhistas com mais veemência.

novamente para ter alguma base para e uma vida mais tranquila. Daí você me encontrar hoje aqui, diante do computador. Entrevistadora: O senhor sempre foi um estudioso das questões relativas ao Direito do Trabalho. Recentemente, publicou artigos sobre o trabalho organizado e também sobre a Reforma da Previdência. Essa atração pela pesquisa e escrita sempre foi um hábito? Ministro Marcelo Pimentel: Sim, porque eu sou originariamente jornalista! Quando Getúlio Vargas instituiu a carreira de jornalista, fui um dos primeiros a me registrar, em Minas Gerais, como profissional. Daí porque sempre escrevi ao longo da minha vida. Escrevia diariamente artigos políticos, nas primeiras páginas dos jornais dos Diários Associados. Fiz programa político na televisão Tupi 14. Tive uma atividade muito intensa literária e de divulgação política. Ainda hoje sou Diretor do Conselho Editorial do Correio Braziliense e do Conselho Consultivo dos Diários Associados. Essa vocação jornalística acredito que vá levar comigo para fazer as crônicas no céu posteriormente! Entrevistadora: Em uma entrevista à Folha de SP logo após ser nomeado Ministro do Trabalho o senhor disse A Justiça do Trabalho é a justiça dos desempregados. É a falta dos salários, retidos na gaveta do Judiciário, impotente para dar vazão á demanda gerada pela obsolescência das leis. É a mais vergonhosa das injustiças. Qual sua avaliação atual da Justiça do Trabalho? 14 A Tv Tupi foi a primeira emissora de televisão do Brasil. Inaugurada no dia 18 de setembro de 1950, por Assis Chateaubriand, que era dono dos Diários Associados, empresário, jornalista e um dos homens mais influentes dos país na época.

Ministro Marcelo Pimentel: O Judiciário faz o que é possível. A Justiça do Trabalho tem as deficiências da Justiça em geral: a demora, fundamentalmente, e o excesso de recursos. Isso tudo teria que ser sanado por um sistema mais simplificado. É claro que nós estamos vivendo uma época completamente diferente. Aquela do desemprego intenso acabou. O Brasil deixou de ser um país agrário para ser um país industrial, mas as leis, algumas delas, merecem revisão. É natural que se pense - e não está mais na minha alçada pensar em reformas, em algo mais célere, com menos recursos protelatórios. Menos recursos para que ela possa ser, efetivamente, capaz de atender ao trabalhador na emergência do desemprego ou da injustiça. Houve uma grande evolução. A Justiça do Trabalho já aprimorou-se muito, mas não o suficiente. Que alguém pense e conduzir a Justiça no sentido de dar-lhe uma modernidade tal que possa atender, mais rapidamente, os interesses gerais. Aliás, isso é um mal da Justiça em geral. Entrevistadora: Qual a memória mais viva o senhor tem do TST? Ministro Marcelo Pimentel: É a de um Tribunal que luta para cumprir a sua obrigação. Há um sentido de competência muito grande de seus membros. A Justiça do Trabalho sempre foi privilegiada, com raríssimas exceções, por nomes de alto gabarito capazes de desempenhar bem suas funções. Eu espero que sempre ela possa estar à frente de todos os interesses das classes trabalhadoras e produtora. Porque, afinal de contas, o Brasil é movido pelo capital e também pelo trabalho. Entrevistadora: E com os Ministros da época, o senhor fez amigos?

Ministro Marcelo Pimentel: Evidente que nós todos éramos amigos. Não havia divergências de natureza pessoal, tendo em vista os interesses da entidade. Grandes nomes passaram pelo TST, nomes que honraram o Direito do Trabalho, mas sempre com o sentido de harmonia interna. De maneira que se pudesse produzir mais e melhor.