POPULAÇÃO DEPORTADA E INTEGRAÇÃO SOCIAL NOS AÇORES



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POPULAÇÃO DEPORTADA E INTEGRAÇÃO SOCIAL NOS AÇORES Gilberta Pavão Nunes Rocha Derrick Mendes Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores grocha@uac.pt derrickmendes@uac.pt Resumo O fenómeno da deportação nos Açores surge, naturalmente, interligado com o da emigração desta região (Rocha, Borralho, Alves, Mendes & Silva, 2012; Silva, 2011), em particular com as vagas emigratórias registadas no terceiro quartel do século XX para os Estados Unidos da América e Canadá (Rocha, Ferreira & Mendes, 2011; Rocha & Ferreira, 2009; 2008). Neste quadro da mobilidade açoriana contemporânea, a presente comunicação tem como principal objetivo analisar algumas das características sociodemográficas dos cidadãos regressados compulsivamente aos Açores, não esquecendo os seus contextos e percursos migratórios, dando particular destaque às situações de marginalização após o regresso ao arquipélago. Procura-se ainda dar relevo aos às principais alterações legislativas ocorridas nos Estados Unidos em matéria de imigração e de deportação, que enquadram as deportações, em particular após os ataques terroristas em Nova Iorque e Washington (setembro, 2001), Nova Iorque (fevereiro, 1993), Oklahoma City (abril, 1996) e contra interesses norte-americanos na Somália (outubro, 1993), Tailândia (novembro, 1995), Arábia Saudita (junho, 1996). Os dados analisados têm como ponto de partida um estudo realizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores (CES-UA) sobre o processo de regresso compulsivo aos Açores (Portugal) de cidadãos emigrados nos Estados Unidos e Canadá (Rocha, Borralho, Alves, Mendes & Silva, 2012). Introdução Os Estados Unidos da América, uma nação de imigrantes e ao mesmo tempo uma nação de deportados Kanstroom (2012; 2007), têm sido confrontados em vários momentos da sua história com diversas questões relacionadas com a entrada e permanência de população estrangeira, com o sistema de quotas e com os critérios de deportação. Ainda que com pressupostos distintos das atuais bases legislativas, o 1

recurso à aplicação da medida de deportação desde cedo se revelou uma ferramenta perfeita de controlo social ao serviço do estado para expulsar todos os estrangeiros que pudessem colocar em causa a estabilidade governamental ou a moral pública (Rocha, et al., 2012; Kanstroom, 2012; Moloney, 2012; Silva, 2011), como comprova a promulgação da primeira lei de deportação em 1798 o Alien Act (Silva, 2011). As alterações introduzidas em matéria de imigração e deportação neste país ao longo das últimas décadas resultaram numa ação mais preventiva e coerciva, com consequências diretas no aumento exponencial do número de deportações de um total de 25 829, em 1988, para 391 953 deportações, em 2011. Referimo-nos à promulgação do Anti-Drug Abuse Act (1988), do Immigration Act (1990), que expandiu o número de crimes passiveis de serem classificados de aggravated felony, e do Immigration and Technical Corrections Act (1994). Posteriormente, na sequência dos ataques terroristas em Nova Iorque (fevereiro, 1993), Oklahoma City (abril, 1996) e contra interesses norte-americanos na Somália (outubro, 1993), Tailândia (novembro, 1995) e Arábia Saudita (junho, 1996), são introduzidas novas alterações legislativas com o propósito de agilizar os processos de detenção e deportação de cidadãos estrangeiros por violação das leis de imigração ou pela prática de crime enquadrável na categoria aggravated felony. Assim, em 1996 são promulgados o Illegal Immigration Reform and Immigration Responsibility ACT (IIRIRA) e o Anti-Terrorism and Effective Death Penalty Act (AEDPA), e em 2001 o Uniting and Strengthening America by Providing Appropriate Tools Required to Intercept and Obstruct Terrorism Act (USA PATRIOT Act) (Rocha, et al., 2012; Silva, 2011; Brotherton & Kretsedemas, 2008). É, pois, neste novo quadro legislativo que se assiste a uma crescente preocupação em implementar de modo mais eficaz um conjunto de medidas de controlo das entradas, em particular de estrangeiros, que permita, entre outras, aumentar o nível de segurança interna, mesmo que tal conduza à perda de direitos e liberdades individuais dos cidadãos, sejam eles nacionais ou estrangeiros (Kanstroom, 2012; 2007; Silva, 2011). A este propósito, sublinhe-se que parte da literatura produzida sobre o impacto dos ataques bombistas de 2001 tem estado centrada em torno da constitucionalidade da política de deportação dos Estados Unidos e das suas consequências sobre os direitos humanos (Kanstroom, 2012; Moloney, 2012; Ellermann, 2009; Pratt, 2005; Roach, 2003), sendo que o equilíbrio entre a implementação de políticas de imigração mais rígidas e o reforço de medidas de segurança nacional, por um lado, e o respeito pelos direitos humanos dos imigrantes, por outro, parece não ser fácil de alcançar (Silva, 2011:28-29). 2

O recurso à aplicação da medida de deportação, além de perspetivada como uma ferramenta vital para suprimir formalmente um estrangeiro que viole as leis internas dos Estados Unidos, parece edificar um regime de deportação (Genova & Peutz, 2010) que tem proliferado à escala global, convencionado, por conseguinte, direitos e liberdades individuais e coletivas dos nacionais e dos estrangeiros (Rocha, et al., 2012; Kanstroom, 2012; 2007; De Geneva & Peutz, 2010). Sob o corolário da segurança nacional, de luta contra o terrorismo, de combate à criminalidade e da potencial insegurança gerada pela permanência de cidadãos estrangeiros, o impacto global, regional e local da aplicação da medida de deportação tem-se revelado distinta (Rocha, et al., 2012; Silva, 2011), aspeto que não deve ser dissociado das diferentes vagas migratórias para aquele país: A evolução do fenómeno da deportação para a Europa e para Portugal revela uma tendência clara de crescimento, reflectida nos valores registados nos últimos anos. Enquanto o total de cidadãos deportados dos Estados Unidos para a Europa em 1999 foi de cerca de 2.190, com Portugal a registar 129 casos, no ano de 2009 os valores situavam-se na ordem dos 4.140 para a Europa e 193 para Portugal. Estes valores contrastam com os registados no início da década de 90, onde o total de deportações para Portugal foi de 46, representando cerca de 6% no contexto da Europa. (Silva, 2011:44) Uma outra importante dimensão do fenómeno da deportação nos Açores é aquela que depende, embora com menor expressão quantitativa por força das características da emigração açoriana, com as alterações legislativas introduzidas no Canadá nas últimas décadas. Também neste país a aplicação da medida de deportação não é recente pois foi inicialmente instituída em 1907 e a sua aplicação tinha como base a raça, comportamentos políticos radicais ou imorais, em particular no caso das prostitutas. Entre 1914 e os anos 30 do século XX, a aplicação da medida de deportação a agitadores políticos, ativistas e radicais é feita de forma sistemática (Pratt, 2005; Roach, 2003). Nas décadas seguintes, não obstante o surgimento de movimentos e posições politicas e sociais contra a aplicação da medida deportação, ela continua a ser aplicada pelas autoridades canadianas, ainda que de modo menos sistemático (Pratt, 2005; Roach, 2003). Se até 2001, as principais alterações legislativas operadas no Canadá tinham como objetivo limitar a entrada e permanência de estrangeiros no interior das suas fronteiras (Rocha, et al., 2012; Pratt, 2005; Roach, 2003), após os ataques terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos, assiste-se a profundas modificações legislativas em 3

matéria de imigração e deportação, em particular na definição do conceito de terrorismo e no reforço da ação preventiva e proactiva das forças de segurança (Pratt, 2005; Roach, 2003), aspeto possível pela aprovação a 29 de novembro de 2001 do Anti-terrorism Act (Bill C-36). Assim, de forma um pouco mais mitigada do que nos EUA, também neste país se intensifica na última década a visão securitária que atinge em particular a população imigrante. Não nos iremos debruçar sobre a constitucionalidade, adequação, proporcionalidade ou justiça da aplicação da medida de deportação por parte das autoridades norteamericanas a cidadãos estrangeiros, já que são outros os propósitos desta comunicação. Todavia, entendeu-se que as referências anteriores possibilitam uma leitura mais adequada do fenómeno em estudo, e dos seus protagonistas, em especial a população deportada cujos perfis iremos em seguida apresentar. Neste sentido, começaremos por apresentar uma breve evolução do fenómeno, seguindo-se uma caracterização sociodemográfica dos emigrantes açorianos regressados compulsivamente ao arquipélago, colocando em destaque alguns aspetos diretamente relacionados com o seu processo de integração na sociedade açoriana. Para o efeito, tomaremos em consideração alguns dos dados quantitativos disponibilizados pela Direção Regional das Comunidades/Governo dos Açores. Em seguida, aprofundaremos a análise com base em alguns dos testemunhos de cidadãos deportados recolhidos por entrevista no âmbito do estudo conduzido pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade dos Açores em 2012 (Rocha, et al., 2012). Perfis sociodemográficos Desde a chegada do primeiro cidadão deportado (do Canadá) aos Açores em 1987 até ao 1.º trimestre de 2012 que as autoridades dos Estados Unidos, Canadá e também das Bermudas, ainda que neste caso em número residual haviam procedido à aplicação de mil cento e setenta e cinco ordens de expulsão para o arquipélago, sendo que 78,7% foram realizadas pelas autoridades do primeiro daqueles países Conforme se pode constatar no gráfico 1, a tendência das últimas três décadas tem revelado um aumento, ainda que oscilante, do número de deportados para os Açores, sendo que o valor mais elevado foi atingido em 1999 89 casos, situação que espelha as alterações legislativas verificadas com particular destaque nos Estados Unidos e que já demos conta anteriormente. Na última década registaram-se 691 deportações, uma média de 69 casos por ano valores superiores aos registados na década anterior. 4

Gráfico 1: Evolução das deportações para os Açores (1987-2012*) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: (Rocha, et al., 2012); * Valores referentes ao 1.º trimestre A evolução respeitante ao Canadá, apesar da contração registada no período compreendido entre os anos de 1995 e 2005, parece-nos ser mais homogénea do que a dos Estados Unidos, verificando-se, todavia, um ligeiro aumento da sua intensidade nos anos mais recentes, em particular em 2008, 2009 e 2011. Com a exceção dos anos de 1989, 1995 e 1996, onde as deportações provenientes do Canadá se aproximam dos 49%, em todos os restantes anos os Estados Unidos apresentam valores sempre superiores a 70% do total. De um modo global, quando atendemos às variações das deportações por países, o que se observa é que os Estados Unidos assumiram rapidamente relevância regional, sendo mais evidente entre os anos de 2006 e 2011. Gráfico 2: Número de deportação nos Açores (1987-2012), por países 1 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Estados Unidos da América Canadá 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Fonte: (Rocha, et al., 2012); * Valores referentes ao 1.º trimestre 1 No caso das Bermudas apenas se encontram registados 2 indivíduos que foram deportados em 2007 e 2010. 5

Gráfico 3: População deportada para os Açores, por grupos de idade à deportação, (frequências acumuladas %) 100,0 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 < 19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 75 > Fonte: (Rocha, et al., 2012) Desconhecendo-se a idade de saída dos Açores desta população e o seu tempo de residência nos principais destinos de emigração, embora seja de supor que parte significativa o tenha feito em idades relativamente jovens (Rocha, et al., 2012; Silva, 2011), os dados recolhidos apontam para o facto de 67,8% ter sido deportada com idades compreendidas entre os 18 e os 39 anos, sendo que uma parte significativa se situava entre os 25 e os 39 anos, com 56,3% do total. Ou seja, estamos perante uma população que no momento de expulsão é relativamente jovem, mais especificamente trata-se de adultos jovens, maioritariamente em idade habitual de integrar o mercado de trabalho, após um período de formação obrigatória e num ciclo de vida familiar próprio, aspetos que iremos posteriormente desenvolver, uma vez que configuram aspetos essenciais da vida individual e social, quer no país de imigração, como, posteriormente, no de emigração, a que regressaram compulsivamente. Gráfico 4: População deportada para os Açores, por grupos de idade à deportação, segundo o país de origem, (%) 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 Estados Unidos da América Canadá 0,0 < 19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 75 > Fonte: (Rocha, et al., 2012) 6

Desagregando estes valores segundo as variáveis países de acolhimento, os quantitativos apontam, antes de mais, para uma dinâmica global relativamente homogénea no que respeita à idade no momento da deportação, não obstante as diferenças registadas nas faixas etárias mais avançadas, com destaque particular para os provenientes dos Estados Unidos com idades superiores a 45 anos. Tomando agora em consideração a variável estado civil, pela sua relevância analítica no mapeamento de alguns aspetos da dinâmica familiar, e por comparação com os dados globais para os Açores em 2011, a situação conjugal da população deportada é relativamente distinta da verificada a nível regional. Com efeito, comparando os valores de ambas as populações não podemos deixar de sublinhar a diferença encontrada na categoria divorciado/separado, com quantitativos mais elevados no caso da população em estudo. Releva-se ainda o facto de os valores registados para a categoria dos solteiros serem bem mais expressivos, pois representam 51,3% do total de respostas conhecidas (43,4%). Quanto aos que se encontram em conjugalidade, por via do casamento ou da união de facto, importa salientar que os valores apresentados para a população deportada são igualmente distintos, mais elevados do que os observados para a globalidade da residente no arquipélago, factos a que não são alheias as diferenças nas respetivas estruturas etárias, aspeto evidenciado anteriormente. Gráfico 5: População residente em 2011 e população deportada nos Açores, por estado civil à chegada (%) Solteiro Casado/União de facto Divorciado/Separado Viúvo 51,3 61,1 29,8 29,0 18,7 8,3 0,2 1,6 Deportados Açores Fonte: (Rocha, et al., 2012); INE Censos (2011) De realçar, contudo, que a comparação face à globalidade regional, sobretudo no que respeita à relevância da categoria dos divorciados/separados, é insuficiente para se 7

perceber de modo mais aprofundado a vivência da conjugalidade desta população, pois desconhece-se, em parte, o que se passa nos países onde residiam antes da deportação. Isto é, tem interesse para uma análise da sua inserção na sociedade açoriana, pela maior ou menor conformidade com o que se passa com a sua população, designadamente com aquela que está nos mesmos níveis etários, mas pouco nos diz sobre o seu processo de integração nos países de imigração. Para tal a comparação deve ser feita com o que se passa nestes países, nos seus vários grupos étnicos, de modo especial com a comunidade portuguesa. Tomando em linha de conta o valor dos que estão numa categoria decorrente de ruturas conjugais na comunidade residente nos Estados Unidos nascida em Portugal, no censo de 2000, constata-se que os quantitativos desta são bastante inferiores, especificamente de 6,3% para os divorciados e 1,6% para os separados (Rocha, 2013, no prelo). Os valores conhecidos apontam, assim, para um quadro familiar distinto do da população deportada, mas não podemos ignorar que aquela comunidade apresenta uma outra estrutura etária, mais envelhecida, a que corresponde um quadro de valores e práticas mais conformes a uma geração que saiu das ilhas açorianas nos anos 60 e 70, muitos deles já adultos. De sublinhar ainda que na população em estudo não se encontram diferenças significativas entre 1996 e 2012, embora os valores obtidos indiciem alguma instabilidade das relações conjugais (Rocha, et al., 2012; 1996). Gráfico 6: População deportada nos Açores, por estado civil à chegada, por idade à deportação (%) 100% Solteiro Casado/União de facto Divorciado/Separado Viúvo 80% 60% 40% 20% 0% < 19 20-24 25-29 30-34 35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 75 > Fonte: (Rocha, et al., 2012) Para uma visão mais ampla sobre o fenómeno importa atender à distribuição dos valores das diferentes categorias da variável estado civil segundo a idade à deportação. Dos resultados obtidos de referir que a percentagem de indivíduos com menos de 20 anos de idade nas categorias casados/união de facto e 8

divorciados/separados aquando da aplicação do processo de deportação foi de 16,7% e 8,3%, respetivamente. Por outro lado, sobressai a importância dos que se posicionam na categoria divorciados/separados, com particular destaque para os que têm mais de 40 anos de idade. Atente-se, ainda, ao peso relativo que os solteiros assumem nas idades contempladas na faixa entre os 35 anos e os 54 anos, com valores que oscilam entre os 49,5% e os 23,1%. Dando agora conta da situação educacional da população deportada 2 os dados reportam à realidade vivida anterior à aplicação da medida de deportação e comparando com a situação global do arquipélago em 2011, não obstante o contraste existente nos vários níveis de ensino, tal como havíamos identificado para o ano de 2001 (Rocha, et al., 2012), releva-se que 78% dos deportados têm como frequência o Ensino Básico (78%), sendo que destes 34,4% têm o 3.º Ensino Básico concluído. Realce-se ainda para o peso significativo dos habilitados com o 1.º e 2.º Ciclo (43.4%), sendo que os que detêm o Ensino Secundário representam cerca 19%, valor superior ao registado para a globalidade da região (12,4%). Gráfico 7: Nível de escolaridade da população residente em 2011 e da população deportada à chegada aos Açores, (%) 1.º ciclo (Ensino Básico) 2.º ciclo (Ensino Básico) 3.º ciclo (Ensino Básico) Ensino secundário Ensino Médio/superior Sem nível de ensino 34,1 34,4 27,2 15,5 17,8 15,6 12,4 16,2 18,9 4,4 0,3 3,0 Açores Deportados Fonte: (Rocha, et al., 2012); INE Censos (2011) O grau de escolarização atingido por estes indivíduos parece ter resultado diretamente da sua experiência emigratória uma vez que que nos anos 60 e 70 os níveis educacionais da população dos Açores são baixos, sem grandes alterações face aos mais de 50% de analfabetos verificados em 1940, apesar de neste quantitativo 2 Apenas dispomos de informação para 74,3%, num total de 873 indivíduos. 9

estarem inseridas as crianças, numa sociedade que apresenta uma estrutura etária bastante jovem (Rocha & Mendes, 2013:40). Importa, no entanto, sublinhar que, apesar de os deportados apresentarem, em termos globais, níveis educacionais mais elevados do que a maioria dos residentes no arquipélago, quando comparados com os residentes nos países de acolhimento a situação é inversa (Rocha, et al., 2012). Acresce-se que no caso dos Estados Unidos analisado em estudo anterior (Rocha, 2013, no prelo) os valores nos níveis de ensino mais elevado respeitantes à população deportada são inferiores aos verificados mesmo para a comunidade nascida em Portugal a residir neste país, já que nesta os quantitativos respeitantes ao ensino secundário e superior são, nos anos mais recentes, significativamente mais elevados: no ensino secundário de 23,7% e 29,7%, em 2000 e 2010, respetivamente, para nas mesmas datas ser 19,2% e 23,6% no que respeita ao ensino superior ou a sua frequência. Ou seja, mesmo comparada com o grupo de pertença originária os residentes nos Estados Unidos nascidos em Portugal, com uma estrutura etária mais envelhecida a população expulsa deste país e que regressou aos Açores regista menores níveis de qualificação académica, o que indicia percursos educativos menos bem sucedidos. Atendendo agora à situação laboral antes da aplicação da medida de deportação não obstante a ausência de informação para 78,1% da população, limitação que se aplica também na análise dos níveis de instrução, os valores globais obtidos apontam para a relevância da categoria dos Operários, Artífices e Trabalhadores Similares, com cerca de 68%, seguida dos Agricultores e Trabalhadores Qualificados da Agricultura e Pescas, com 12,7%. A participação de indivíduos no mercado de trabalho em posições relativamente mais elevadas da estrutura económica e social, caso dos Quadros Superiores da Administração Pública, Dirigentes e Quadros Superiores de Empresas (3,6%), registam quantitativos residuais. Releva-se ainda que a repartição setorial não é homogénea para cada um dos países de proveniência, ainda que, comparativamente, se encontre algumas similitudes, como é o caso do conjunto dos indivíduos que se encontravam ligados à Construção e Indústria, que representam 84,2% no Canadá e 63% nos Estados Unidos, valores não muito distintos dos verificados em outros estudos (Silva, 2011) ou junto dos emigrantes regressados voluntariamente aos Açores (Rocha, et al., 2012), pelo que é de supor que o processo de integração dos emigrantes de primeira geração determina as trajectórias socioprofissionais dos seus descendentes. Por outras palavras, a 10

adopção, ainda que selectiva, por parte dos recém-chegados aos Estados Unidos de aspectos e modos de vida da população autóctone determina, por conseguinte, o seu acesso e o dos seus descendentes às oportunidades geradas no mercado de trabalho norte-americano (Silva, 2011:99-100). Quadro 1: População deportada nos Açores, segundo a atividade económica (CAE) no país de origem antes da deportação (%) Setores de Atividade (CAE) Estados Unidos da América Canadá Agricultura e Pescas 11,2 5,3 Indústria 12,9 15,8 Construção 49,6 68,4 Comércio 10,3 10,5 Transportes, Armazenamento e Comunicação 0,9 0,0 Saúde 0,9 0,0 Hotéis e Restauração 6,0 0,0 Outros Serviços 0,4 0,0 Outras Atividades não especificadas 7,8 0,0 Total 100,0 100,0 Fonte: (Rocha, et al., 2012) No que respeita aos padrões residenciais e de fixação dos cidadãos regressados compulsivamente aos Açores observa-se que a esmagadora maioria reside na ilha de São Miguel (58,4%), seguindo-se-lhe a Terceira (19%) e São Jorge (6,1%). Com exceção dos que nasceram em Santa Maria (4%) e Faial (4%), os valores verificados nas restantes ilhas são residuais. Se é certo que a maioria dos deportados reside nas ilhas de que são naturais com destaque para São Miguel (97%) e Terceira (90%), não deixa de ser relevante notar que alguns vivem em espaços distintos dos da sua naturalidade, facto que é mais evidente nos casos dos das ilhas das Flores, Faial e Pico. Não obstante as dinâmicas e diferenças registadas no peso que ambos os grupos de deportados têm no contexto regional, observam-se importantes diferenças, desde logo o facto de 90% do total de cidadãos deportados do Canadá serem naturais da ilha de São Miguel (70,3%) e da Terceira (19,7%), situação distinta da observada para os oriundos dos Estados Unidos para quais os valores globais para as mesmas ilhas assumem outras ordens de grandeza, com destaque para a de São Miguel com cerca de 58%. Muitas das diferenças assinaladas têm de ser compreendidas no quadro do processo emigratório açoriano para os Estados Unidos e Canadá, cujas origens se iniciam em períodos distintos, e à importância que neles detêm as redes 11

sociais, em especial as familiares, não só na decisão de partida, como no destino onde funcionam como elemento facilitador do processo de integração (Rocha & Mendes, 2013; Rocha, 2013; Rocha, et al., 2012; 2011). Gráfico 8: Deportados nos Açores, segundo a naturalidade (%) Estrangeiro Antigas colónias portuguesas Portugal continental Corvo Flores São Jorge Pico Faial Graciosa Terceira São Miguel Santa Maria S/inf. 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 Fonte: (Rocha, et al., 2012) As ilhas de São Miguel, Santa Maria, Terceira e Graciosa eram no início da década de noventa as únicas com a presença de cidadãos deportados. Vinte anos depois, não obstante a continua polarização nas ilhas de São Miguel e Terceira, ainda que se assista à perda gradual da importância da primeira, acompanhadas por Santa Maria e Graciosa, constata-se que os padrões residenciais e de fixação nas duas primeiras poderão ter potenciado o anonimato e, consequentemente, possibilitado menores níveis de segregação e de discriminação. Todavia, ao nível local, a questão deve ser colocada de modo relativamente distinto, pois, estamos em presença de espaços pequenos onde a capacidade de diluição desta população é menor, e onde a inserção económica e social é, também ela, menor. Nestes casos, o surgimento de barreiras e dificuldades pode ser maior, potenciando, consequentemente, o isolamento e a marginalidade ou exclusão social desta população: a inserção de pessoas com comportamentos culturalmente diferenciados em comunidades pequenas, nomeadamente nos meios rurais, pode ter um efeito perverso e contrário ao próprio sentido de integração (Rocha et al., 1996: 10) Com efeito, para além das diferenças respeitantes à distribuição da população deportada pelas várias ilhas, podemos evidenciar, conforme se pode constatar no 12

gráfico 9, o seu peso relativo no conjunto da população de cada uma das ilhas e, de algum modo, aferir a sua maior ou menor visibilidade. Gráfico 9: Importância relativa da população deportada nos Açores, segundo a sua residência atual, por ilha (%) 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% 1991 2001 2011 Fonte: (Rocha, et al., 2012) COR FLO FAI PIC SJO GRA TER SMG SMA Em 1991 observa-se que as ilhas Graciosa, Santa Maria, São Miguel e Terceira tinham um peso de deportados na população residente com valores pouco relevantes, oscilando entre os 0,019% e os 0,002%. Uma década depois, além do fenómeno se ter alargado a outras ilhas, os valores observados são distintos, com São Miguel a registar o quantitativo mais elevado e Santa Maria o mais baixo 0,24% e 0,11%, respetivamente. Voltando ao ponto de partida deste texto, pode afirmar-se que a população deportada para os Açores tem percorrido ao longo das três últimas décadas caminhos relativamente difusos na sociedade açoriana: uns marcados pelo sucesso e plena integração, outros pela exclusão, marginalização e até, em alguns casos, de criminalidade (Rocha, et al., 2012; 1996; Silva, 2011). Partindo de alguns dos testemunhos orais recolhidos em 2012 junto da população deportada residente em São Miguel, pretendemos, nas páginas que se seguem, dar conta de algumas das dificuldades encontradas à chegada ao arquipélago após a aplicação da medida de deportação, bem como das suas frustrações, mas também sonhos para o futuro que, na esmagadora maioria dos casos, serão inevitavelmente marcados pela distância geográfica e física dos referenciais socioculturais construídos nos países de imigração. 13

Integração pela voz dos deportados A integração social pode ser definida como pluralidade vasta, aberta e mutável de estilos de vida, todos partilhando a cidadania. Isto é, todos eles conservando, aprofundando e exprimindo capacidades de escolha. Trata-se não apenas da posse de competências virtuais ligadas à vida social, mas do efectivo uso delas. (Almeida, 1993: 830-831). O modo como os cidadãos regressados compulsivamente constroem, organizam e compatibilizam as relações sociais que os liga a um determinado espaço tem, evidentemente, implicações diretas no seu processo de inclusão e de integração, sendo que o medo da população açoriana residente no arquipélago das potenciais classes perigosas (Ferreira, 1993) pode revelar-se negativo e contribuir para os casos de insucesso registado. De facto, aqui, como em outras dimensões da vida social, o domínio da integração surge com maior acuidade pelo facto de estarmos em presença de indivíduos cujos processos identitários e de sociabilidade foram pautados por referenciais distintos dos da sociedade açoriana (Silva, 2011; Rocha, et al., 2012; 1999; 1996). Confrontados com uma realidade distinta da que foram socializados, os cidadãos regressados compulsivamente deparam-se à chegada e no dia-a-dia com dificuldades como sejam o domínio da língua, os costumes e tradições. Releva-se ainda a presença de um sentimento de recusa da nacionalidade portuguesa e de desconhecimento da tradição e cultura, mas também de frustração de expetativas iniciais de uma plena integração. A aplicação da medida de deportação é perspetivada pelos próprios como uma pena injusta e desproporcional, associada a um processo de adaptação e de integração intermitente, o que pode conduzir a situações de anomia. Meti na cabeça que se viesse para cá, iria construir uma vida cá. Vim para cá com bastante ensino, incluindo college credits. Não me serviu de nada por causa da barreira linguística. O que se aprende nos States é completamente diferente daquilo que se aprende cá. Não conhecia muito bem a língua. Não consegui um trabalho que valesse a pena. Houve uma pessoa que trabalhava no governo que me perguntou: O que estás a fazer com um (xxxx) na mão? Tens esses college credits todos, os diplomas do liceu. Devias estar a trabalhar num escritório, de fato, não em trabalho que te suje as mãos. Não falo muito bem a língua. (Entrevistado #1, masculino, 45 anos) Olhe para mim, sou completamente americana. Visto-me à americana, falo à americana. É o que eu conheço, como fui criada. Fui criada americana. Falava-se português em casa da minha mãe e comia-se comida portuguesa, mas eu andava 14

com as minhas amigas e frequentava a escola tudo à americana, é o que sou. Não vou mudar quem eu sou, como fui criada a forma como me visto, por ninguém, Aqui querem que mudes e eu não vou mudar. (Entrevistado #4, feminino, 42 anos) Senti-me como o lobo mais novo. Como se ainda estivesse na prisão, a ser punido. Estou a ser punido ainda. Não sei nada sobre este país. Estou a aprender, mas não é aquilo com que fui criado. Ser criado na América e depois regressar ao país de origem onde ainda se mantêm as antigas formas de fazer as coisas. É tradicional. Não estou habituado a esta vida. Não gosto. (Entrevistado #3, masculino, 46 anos) A interação entre os cidadãos deportados e as comunidades locais tem gerado tensões sociais ao longo das últimas décadas, mais evidentes nos primeiros anos da década de noventa aquando da chegada dos primeiros indivíduos, situação de algum modo ampliada pela imprensa regional (Silva, 2011; Rocha, et al., 2012; 1999; 1996). Na última década, por força do trabalho desenvolvido junto da população deportada por várias instituições de solidariedade social, parece assistir-se, paulatinamente, a uma diminuição da visibilidade e do sentimento de insegurança junto da população local, embora ainda persistam sentimentos discriminatórios em relação aos cidadãos deportados, como é notório algumas notícias dos órgãos de comunicação social regional (Rocha, et al., 2012) e que são especialmente sentidos pelos próprios. O processo de chegada aos Açores, acompanhado em alguns casos pela ausência de redes de suporte familiar no arquipélago, encontrando apenas nas instituições de apoio locais o único apoio, parece revelar-se como um elemento que nem sempre consegue ser potenciador da adaptação e integração. Mas há também quem assim não sinta e, de algum modo, compreenda as reações de outros residentes na região: Ouço falar bastante disso, ser discriminado, ser isto e aquilo. Não me aconteceu. Eu trabalhei em vários relacionamentos através desses programas. Estive fora do país tanto ou mais tempo que qualquer outro açoriano ou português. Vou clubes, danças, festas, falo com eles, como e bebo com eles, vou à missa. Esta coisa da discriminação: todos os que vêm para cá vêm com algum problema. As pessoas sentem-se confusas. Realmente não os querem culpar. Quando se é alcoólico, tem que se mudar de estilo de vida, o que não é fácil cá. As pessoas não têm recursos, não têm dinheiro e culpam-nos. Não são as pessoas de cá. Nós é que temos os problemas, somos nós principalmente. É esta a razão por que regressamos. Não podemos estar a pôr as culpas para cima das pessoas de cá. Não me parece ser discriminação. (Entrevistado #8, masculino, 51 anos) 15

Duas mulheres estavam à minha espera no aeroporto. Levaram-me para Sta. Clara. Fui para lá. De lá, fui para o norte da ilha, para uma casa que pertencia à minha família. Vivi lá dois anos. Depois começaram a acontecer coisas... Ainda antes de chegar lá, já estava a ser acusado. Sabiam que eu era deportado. Se acontece alguma coisa, culpam logo os deportados. Ainda antes de eu chegar à localidade em que se situava a casa dos meus pais, aconteceram coisas. Eu ainda não estava lá, mas já estava a ser acusado. Porquê? Porque era deportado. Tem que ser ele. Por fim, quando cheguei lá, decidi que era um ambiente diferente. Depois as coisas começaram a acontecer. Não tinha fumado erva nem nada, durante os primeiros dois anos em que estive cá. Mas qualquer coisa, era sempre eu. Depois comecei a ficar irritado com as pessoas, a sentir-me frustrado e a ficar doente. Estava a ser acusado de coisas em que não tinha qualquer envolvimento. Nem sabia que estavam a acontecer, mas estavam a culpar-me. Porquê? Porque tinha sido deportado para cá. A primeira coisa é que os deportados são culpados por tudo. Nem sempre são santos, mas mas as pessoas cá. (Entrevistado #1, masculino, 45 anos) Um outro aspeto que está presente em alguns dos discursos dos cidadãos regressados compulsivamente é o facto de não encontrarem nos familiares que residem nos Açores em alguns dos casos apenas têm referências deles por via dos pais o suporte que necessitam. Também encontramos casos em que, por força da ausência de redes familiares locais, encontram na família que ficou nos países de acolhimento o seu pilar de suporte emocional e, em alguns casos, económico. Embora não tenhamos encontrado referências a situações de reagrupamento familiar, desconhecendo-se se tal se deveu por opção ou por outra qualquer razão, a realidade é que as ligações familiares de origem se mantêm em alguns casos ativas. A minha família. Os meus filhos, a minha mãe, o meu pai, as minhas irmãs, os meus sobrinhos e sobrinhas. Estou só cá, não tenho ninguém. Os meus amigos são a minha família cá. Quando preciso de chorar ou desabafar, é para quem me viro. Não são muitos, mas alguns, que considero o meu irmão ou a minha irmã. Apoiamo-nos uns aos outros. (Entrevistado #4, feminino, 42 anos) Sim. Tinha família por todo o lado. A minha prima perguntou-me se queria viver com ela nas Furnas, mas eu não queria andar para baixo e para cima. Davam-nos dinheiro todas as semanas, 1.500 escudos, não valia a pena ir para as Furnas. Ia lá visitar a família. Tenho família na Povoação. Queria receber-me na sua casa, mas eu não quis. Decidi ficar no sistema, para ver o que me podia oferecer. (Entrevistado #5, feminino, 52 anos) 16

Não quero que venham cá. Onde é que vão ficar? Eu vivo num quarto. Alguns nem um quarto têm. Se os meus filhos vierem cá, quero que estejamos juntos. Onde é que os vou pôr? Vão dormir no chão? Falo com os meus filhos no computador. Falo com os meus pais. A minha família é unida. Apesar de eu estar cá, ainda faço parte deles. Não quero que os meus filhos venham cá. Para quê? Não tenho nada para lhes oferecer. (Entrevistado #4, feminino, 42 anos) As perspetivas em relação ao futuro nos Açores afiguram-se, em alguns dos casos, pessimistas. As dificuldades económicas, a falta de trabalho ou mesmo a pressão social de que são alvo são elementos presentes em alguns dos discursos recolhidos. Notamos, igualmente, um saudosismo acompanhado de resignação em relação à realidade deixada nos países de acolhimento antes da aplicação da medida de deportação, aspeto que, em nosso entender, parece condicionar a vivência presente e futura nos Açores desta população. Pobre. Pobre para o resto da minha vida. Nunca vou ganhar dinheiro de jeito. Já é sorte se conseguir sobreviver de mês a mês. Antes recebia o meu welfare, rendimento, e já devia dinheiro antes de o receber. Ficou tudo atrás. Vou estar sempre neste buraco, porque não há empregos. Mesmo quando aparece trabalho, o dinheiro que se ganha é suficiente apenas para aquele mês. Nunca vou progredir cá nunca. A menos que ganhe o euromilhões. É a única forma de ficar rico. Lá não era rico, mas tinha uma vida confortável. Ganhava bom dinheiro. Aqui querem que varra as ruas para ganhar o meu rendimento. Querem que lhes varra o lixo das ruas por nada. (Entrevistado #3, masculino, 46 anos) É complicado. Parti de cá aos 13 anos, com muito pouca instrução. Fui para os Estados Unidos. Lá o ensino foi muito bom. A ideia era trabalhar, ganhar dinheiro, melhorar a vida. Não era ir para a universidade ou receber formação avançada. Subitamente, volto para cá, a mesma pessoa que era trinta anos antes. Agora as coisas estão tão avançadas. Tenho procurado trabalho e todos querem o 9º ano de escolaridade. Tenho 51 anos de idade. Como é que vou conseguir completar o 9º ano? Além disso, o problema é que não há trabalho. Eu adaptei-me muito bem à vida cá. Já estou cá há dois anos e tenho-me desempenhado muito bem. Mas tem sido difícil, duro. Se realmente pensar na situação, não há um futuro para mim cá. Posso ter de ficar cá. (Entrevistado #8, masculino, 51 anos) Não tenho futuro. Não há futuro nos Açores. Eu preciso de ir para um país de língua inglesa. Já tenho 40 anos. Só se recebe ajuda do governo até aos 35. Quanto ao ensino, muitas das escolas tem que se ter 25 anos de idade. Estou 17

encalhado. Ter 40 anos de idade dificulta a obtenção de emprego e de empréstimos. Não tenho futuro cá (Entrevistado #2, masculino,43 anos) Cremos que testemunhos relevam algumas das dimensões dos percursos de vida dos cidadãos regressados compulsivamente, como a consciência da sua situação e da sua posição na sociedade açoriana, manifestando, não raras vezes, uma atitude critica em relação aos Estados Unidos e Canadá e, ao mesmo tempo, em relação à sociedade açoriana. Ainda que reconhecendo os potenciais impactos negativos da presença de cidadãos deportados nas ilhas, argumentam que a sociedade açoriana não reconhece diferenças entre eles, tomando-os, não raras as vezes, como um grupo homogéneo de marginais e criminosos, apesar dos percursos de vida do passado que os conduziram à deportação. Sabia-se à partida que os emigrantes deportados dos Estados Unidos e Canadá para os Açores haviam violado a legislação de imigração em vigor nestes países. Todavia, embora em alguns dos testemunhos tenhamos constatado que havia uma correta perceção das implicações diretas da sua condenação pelas autoridades dos respetivos países, isto é, que seriam deportados para o seu país de origem; em outros casos, nota-se uma recusa em aceitar a situação de que indivíduos residentes legais sejam expulsos para um país que pouco ou nada conhecem. Os tempos sociais, familiares e de percurso de vida destes e de outros indivíduos, profundamente marcados pelo processo de deportação, imprimem, hoje, uma marca singular nas trajetórias individuais e de grupo na sociedade açoriana e que condiciona o seu processo de ajustamento e de integração: o facto de serem rotulados pejorativamente como deportados e não como açorianos ou emigrantes regressados. Em síntese, a população deportada para os Açores como consequência de delitos, mais ou menos graves, nos países de acolhimento, que têm vindo a intensificar uma visão securitária da sociedade, que atinge especialmente os estrangeiros, é fundamentalmente adulta jovem, relativamente qualificada, tendo alguns uma experiência profissional. Se mais instruída do que muita da restante população residente no arquipélago, os seus saberes nem sempre são de fácil aplicação, em grande parte por falta de domínio da língua. A língua inglesa, que muitos dominam quase em exclusivo, é um dos elementos de um conjunto mais vasto do seu processo de socialização nos Estados Unidos e Canadá, de aceitação dos modos de vida, obviamente diversos, das suas sociedades. A diferença, propositadamente marcada 18

ou não, bem como a falta de apoio e relacionamento familiar e social, ainda que minimizada por suporte institucional, dificulta a aceitação por parte de quem nem sempre vê neles uma população heterogénea e sim um grupo de marginais que por isso mesmo foram expulsos. Bibliografia: Aas, K. F. (2006). The body does not lie: Identity, risk and trust in technoculture, Crime, Media, Culture, Volume 2, n.º 2, Sage Publications: University of Oslo, pp. 143-158. Almeida, J. F. de (1993), Integração social e exclusão social: algumas questões, Análise Social, 123-124, pp.829-834. Bosworth, M. (2008). Border Control and the Limits of the Sovereign State, Social & Legal Studies, Volume 17, n.º 2, Sage Publications: University of Oxford, pp.199-215. De Genova, N, & Peutz, N. (2010). The Deportation Regime: Sovereignty, Space, and the Freedom of Movement, Duke University Press. Ellermann, Antje (2009), States Against Migrants. Deportation in Germany and the United States, Cambridge University Press. Fekete, L. & Webber, F. (2010), Foreign nationals, enemy penology and the criminal justice system, Institute of Race Relations, Vol. 51(4): 1-25. Ferreira, E. (2011). Fluxos e percursos de regresso in Rocha, G. P. N.; Ferreira, E.; Mendes, D. (2011), Entre dois mundos - emigração e regresso aos Açores. Ponta Delgada: Governo dos Açores, pp. 145-159. Kanstroom, D. (2007). Deportation Nation. Outsiders in American History, Cambridge: Harvard University Press. Kanstroom, D. (2012). Aftermath: Deportation Law and the New American Diaspora, Oxford University Press. Moloney, D. M. (2012). National Insecurities: Immigrants and U.S. Deportation Policy Since 1882, The University of North Carolina Press. Pratt, A. (2005), Securing borders : detention and deportation in Canada, Vancouver, University of British Columbia Press. Roach, K. (2003), September 11: Consequences for Canada, Montreal: McGill- Queen s University Press Rocha, G. P. N. & Ferreira, E. (2011). Traços gerais da emigração açoriana da segunda metade do século XX à actualidade in Rocha, G. P. N.; Ferreira, E.; 19

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