O SERVIÇO DE POLINIZADORES E A EFICÁCIA REPRODUTIVA DAS PLANTAS EM FRAGMENTOS VEGETAIS DE CERRADO NO MUNICÍPIO DE ANÁPOLIS, GOIÁS Giselle Lopes Moreira 1,2, Juliana Cristina de Sousa 1,3 e Mirley Luciene dos Santos 4 1 Acadêmicas de iniciação científica da Universidade Estadual de Goiás 2 Bolsista do PIBIC/CNPq/UEG 3 Acadêmica PVIC/UEG 4 Professora Doutora da UEG, UnUCET, Coordenadora do Projeto e Orientadora IC RESUMO Estudos de biologia reprodutiva em áreas do Cerrado indicam que a variabilidade genética fornecida pela polinização cruzada é de extrema importância, como nas comunidades florestais. O objetivo do trabalho foi caracterizar aspectos relativos aos sistemas reprodutivos de plantas, sua diversidade e eficiência em dois fragmentos de Cerrado com distintos graus de antropização, buscando comparações para apontar a necessidade de práticas de conservação e manejo dessas áreas. O estudo foi realizado em remanescentes de cerrado stricto sensu na Base Aérea de Anápolis e no Campus da UEG UnUCET. As espécies estudadas foram: Ouratea hexasperma (St. Hil.) Baill., Qualea grandiflora Mart. e Caryocar brasiliense Camb. As espécies C. brasiliense e Q. grandiflora, na Base Aérea de Anápolis, apresentaram índices para eficácia reprodutiva de 0,75 e 1,79 e para autoincompatibilidade de 0,42 e 0,26, respectivamente. Quanto à viabilidade polínica, as três espécies estudadas apresentaram percentual de pólen viável superior a 70%. Os resultados obtidos indicam a necessidade de mais estudos sobre o serviço de polinizadores e eficácia reprodutiva das plantas em fragmentos de Cerrado, bem como a importância da criação de unidades de conservação para o bioma Cerrado, e/ou a adoção de práticas preservacionistas, visando um manejo sustentável das espécies. Palavras chave: Cerrado, fragmentação de habitats, biologia reprodutiva. 1. Introdução Uma das principais ameaças ao bioma Cerrado é a fragmentação dos habitats, o que está diretamente relacionado à dinâmica de uso da terra, em áreas urbanas e rurais. Essa situação tem levado a grandes perdas de biodiversidade, locais e regionais, seja diretamente pela substituição de espécies nativas por outras de interesse econômico (pastagens e culturas), seja pelo pequeno tamanho dos fragmentos remanescentes, ou ainda, pelo seu isolamento, sendo incapazes de manter fluxos de matéria e energia com outros fragmentos semelhantes (PIVELLO, 2005). O tamanho do fragmento está diretamente relacionado com os efeitos externos sobre essas áreas. Em fragmentos pequenos, a dinâmica do ecossistema 1
provavelmente é determinada por forças externas e não internas (RAMBALDI & OLIVEIRA, 2003). Estudos de biologia reprodutiva em áreas do Cerrado indicam que a variabilidade genética fornecida pela polinização cruzada é de extrema importância, como nas comunidades florestais. Espécies do Cerrado parecem ser relativamente generalistas no seu sistema de polinização. Estes, contam com uma diversidade de visitantes que devem ser relativamente resistentes às perturbações ambientais. A fim de testar tal hipótese, fazem-se necessários estudos em áreas que sofreram fragmentação para verificar o sucesso reprodutivo das espécies que compõem esses fragmentos (OLIVEIRA & GIBBS, 2000). O objetivo foi caracterizar aspectos relativos aos sistemas reprodutivos de plantas, sua diversidade e eficiência em dois fragmentos de Cerrado com distintos graus de antropização, buscando comparações para apontar a necessidade de práticas de conservação e manejo dessas áreas. 2. Materiais e Métodos 2.1. Áreas de Estudo Os dois fragmentos estudados encontram-se no município de Anápolis, GO, a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e a Base Aérea de Anápolis (BAAN). O estudo foi realizado no período compreendido entre agosto de 2008 a junho de 2009. 2.2. Espécies Estudadas As espécies estudadas foram: Ouratea hexasperma (St. Hil.) Baill., Qualea grandiflora Mart. e Caryocar brasiliense Camb., sendo que essa última foi trabalhada somente na Base Aérea de Anápolis por não apresentar número de indivíduos suficientes na área do Campus da UEG. 2.3. Sistemas Reprodutivos e de Incompatibilidade Os tratamentos foram marcados no pedúnculo da flor com fios coloridos de lã, obedecendo à seguinte padronização: fio azul (autopolinização espontânea), fio vermelho (polinização cruzada) e fio branco (controle), contendo etiquetas com data e tipo de tratamento realizado. Para as polinizações controladas, botões em pré-antese foram ensacados com sacos de organza e após a antese (abertura da flor) foram realizados os seguintes tratamentos segundo 2
Radford et al. (1974), Dafni (1992) e Kearns & Inouye (1993): polinização aberta (controle), autopolinização espontânea e polinização cruzada. A Polinização cruzada foi realizada nas espécies C. brasiliense e Q. grandiflora. A razão entre a porcentagem de frutos resultantes de autopolinização e polinização cruzada foi utilizada para definir o índice de auto-incompatibilidade (ISI sensu BULLOCK 1985). E a eficácia reprodutiva (RUIZ & ARROYO, 1978; SILVA, 1995) foi determinada comparandose a porcentagem de frutos sob polinização cruzada manual com a porcentagem de frutos formados em polinização sob condições naturais (controle). 2.4. Viabilidade Polínica A viabilidade dos grãos de pólen das espécies encontradas em floração foi testada a partir da fixação (FAA 70%) de botões florais em pré-antese. Cinco botões foram coletados de cinco indivíduos para cada uma das espécies levantadas. Posteriormente, em laboratório, as anteras foram retiradas dos botões, coradas com carmin-acético e montadas em lâminas para observação ao microscópio óptico, utilizando lente objetiva de 10X. Para cada lâmina contouse 100 grãos (SANTOS, 2003). 3 Resultados e Discussão 3.1 - Sistemas Reprodutivos e de Incompatibilidade Três espécies tiveram seu sistema reprodutivo estudadas: Caryocar brasiliense, Ouratea hexasperma e Qualea grandiflora. Os resultados dos experimentos são apresentados na Tabela 1. Tabela 1 - Resultados das polinizações manuais realizadas em três espécies nas duas áreas de estudo, BAAN e UEG entre 2008 e 2009 (% de frutos formados com o número total de flores utilizadas entre parênteses) em Anápolis, GO. ni = número de indivíduos; AC = autocompatível; ISI = índice de autoincompatibilidade; * = tratamento não realizado. Espécies Área de estudo ni Polinização cruzada Polinizações manuais Autopolinização espontânea Controle Sistema reprodutivo ISI Eficácia reprodutiva C. brasiliense BAAN 19 25,93 (54) 11,15 (148) 34,84 (306) AC 0,43 0,75 O. hexasperma BAAN 10 * 1,00 (1000) 33,35 (1036) AC * * 3
UEG 10 * 2,80 (1295) 16,68 (1649) * * Q. grandiflora BAAN 10 14,00 (36) 3,68 (299) 7,83 (396) AC 0,26 1,79 UEG 7 * 0,64 (156) 1,56 (128) * * De acordo com a Tabela 1, a espécie C. brasiliense teve maior formação de frutos no controle, porém também apresentou uma alta taxa de formação de frutos na polinização cruzada, tendo menor frutificação na autopolinização espontânea. O índice de autoincopatibilidade indica que essa planta possui o sistema reprodutivo misto, tendo maior formação de frutos por polinização cruzada, sendo fortemente xenogâmica e fracamente autogâmica. Gribel (1986), em estudo realizado sobre o sistema reprodutivo de C. brasiliense na região do Distrito Federal, obteve que a proporção de frutos formados por xenogamia (polinização cruzada) foi significativamente maior que a proporção formada na autopolinização e geitogamia (polinização cruzada entre flores do mesmo indivíduo) (x² = 16,96, LG. 1, p < 0,005). Esse estudo também afirma que C. brasiliense é uma espécie quiropterófila, ou seja, polinizada por morcegos. Barbosa (1983), em estudo realizado numa área de cerrado stricto sensu em Brasília- DF, verificou que o sucesso reprodutivo, em relação à porcentagem de frutos formados e o número de botões produzidos foi muito baixo, sendo que o de Q. grandiflora foi de 0,3%. Este baixo sucesso foi atribuído à deficiência de polinizadores. Entre os sete tratamentos a que as flores foram submetidas, houve formação de frutos maduros apenas no tratamento de polinização aberta (controle). Esse resultado diverge do encontrado no presente estudo (Tabela 1), no qual houve formação de fruto por autopolinização espontânea ainda que em baixa porcentagem, quando comparado com a porcentagem de frutos formados por polinização cruzada na BAAN. O ISI encontrado de 0,26 para a BAAN caracteriza um sistema reprodutivo no limite da autoincompatibilidade, já que os valores esperados para plantas com sistema reprodutivo compatível seriam superiores a 0,25 (BULLOCK, 1985). A espécie O. hexasperma teve maior frutificação no controle em relação a autopolinização espontânea, nas duas áreas de estudo. Na autopolinização espontânea a formação de fruto foi baixa, com 1% na BAAN e 2,80% na UEG (Tabela 1). A formação de frutos por polinização espontânea, indica uma espécie autogâmica. No entanto, a baixa porcentagem de frutos nesse tratamento quando comparado com o controle 4
indica que há dependência de vetores externos (polinizadores) para que haja uma efetiva formação de frutos. Esse fato, aliado às características da morfologia floral indicam uma espécie melitófila. 3.2 - Viabilidade Polínica As três espécies estudadas apresentam percentual elevado de pólen viável, superior a 70%, o que exclui a apomixia como sistema reprodutivo, já que segundo Richards (1986) a viabilidade polínica pode estar relacionada com o tipo de sistema reprodutivo das plantas. Assim, o alto percentual de pólen viável corrobora com o sistema de reprodução sexuado, encontrado nas espécies estudadas. 4. Considerações Finais Apesar de não poder traçar comparações sobre a interferência do grau de antropização entre as áreas estudadas, observou-se que houve uma alta formação de frutos no controle, superando o valor encontrado para polinização cruzada para C. brasiliense na BAAN, inferindo a provável eficiência de polinizadores nesta área. Sendo este um fragmento preservado por ser uma área militar. Os resultados obtidos indicam a necessidade de mais estudos sobre o serviço de polinizadores e eficácia reprodutiva das plantas em fragmentos de Cerrado, bem como a importância da criação de unidades de conservação para o bioma Cerrado, ou mesmo, a adoção de práticas preservacionistas, visando um manejo sustentável das espécies. 7. Referências Bibliográficas BARBOSA, A. A. Aspectos da ecologia reprodutiva de três espécies de Qualea (Vochysiaceae) num Cerrado de Brasília DF. 1983. Dissertação (Mestrado em Ecologia), Universidade de Brasília, Brasília, DF. BULLOCK, S. H. Breeding systems in the flora of a tropical deciduous Forest. Biotropica, v. 17. p. 287-301. 1985. DAFNI, A. Pollination ecology: a practical approach. Oxford: IRL Press at Oxford University Press. 1992. 5
GRIBEL, R. Ecologia da polinização e da dispersão de Caryocar brasiliense Camb. (Caryocaraceae) na região do Distrito Federal. 1986. Dissertação (Mestrado em Ecologia), Universidade de Brasília, Brasília, DF. KEARNS, C. A.; INOUYE, D. W. Techniques for pollination biologists. Colorado: University Press of Colorado. 1993. OLIVEIRA, P. E.; GIBBS, P. E. Reproductive biology of wood plants in a cerrado community of Central Brazil, v. 195, 2000, p. 311-329. PIVELLO, V. R. Manejo de fragmentos de Cerrado: princípios para a conservação da biodiversidade. In: FELTILI, J.M.; SCARLOT, A.; SILVA, J.C.S. (eds). Cerrado: Ecologia, biodiversidade e conservação, Ministério do Meio Ambiente, 2005, p. 402 413. RADFORD, A. E.; DICKSON, W. C.; MASSEY, J. R.; BELL, C. R. Vascular plant systematics. New York: Harper & Row Publishers. 1974. RAMBALDI, D.M.; OLIVEIRA, D.A.S. Fragmentação de ecossistemas: causa, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas. Brasília: MMA/SBF, 2003, 510p. RICHARDS, A.J. Plant breeding systems. Unwin & Allem. London,1986. RUIZ, T.; ARROYO, M. K. Plant reproductive ecology of a secondary deciduous tropical forest em Venezuela. Biotropica. v. 10, p. 221-230. 1978. SANTOS, M. L. Florística e biologia reprodutiva de espécies de Melastomataceae no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas e Parque Estadual da Serra dos Pireneus, Goiás. 159f. 2003. Tese (Doutorado em Ecologia), Universidade de Brasília, Brasília. 2003. SILVA, A. P. Biologia reprodutiva e polinização de Palicourea rigida H.B.K. (Rubiaceae). 1995. Dissertação (Mestrado em Botânica), Universidade de Brasília, Brasília, DF. 1995. 6