OS INTERESSES EM TORNO DA PAVIMENTAÇÃO DA BR-163 : POLÍTICAS E CONFLITOS SÓCIO-ESPACIAIS NA FRONTEIRA AGRÍCOLA



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OS INTERESSES EM TORNO DA PAVIMENTAÇÃO DA BR-163 : POLÍTICAS E CONFLITOS SÓCIO-ESPACIAIS NA FRONTEIRA AGRÍCOLA Eduardo Margarit - UFMS/CPTL eduardo-max@bol.com.br Maria Rosangela Bedun - UFMS/CPTL rosebedun@yahoo.com.br Francisco José Avelino Júnior - UFMS/CPTL china@cptl.ufms.br INTRODUÇÃO Uma complexa rede política que envolve interesses públicos e privados está se desenvolvendo para articular novas dimensões de poder na área de influência da BR-163. Por ser uma rodovia estratégica para logística de transporte do Centro-oeste, as corporações do agronegócio em áreas sob o avanço da lavoura da soja na Amazônia brasileira firmam alianças e exercem pressão pelo asfaltamento da rodovia. Diferentes arranjos sócio-espaciais foram produzidos nas últimas décadas, resultando no maior desenvolvimento no trecho asfaltado no estado do Mato Grosso. Este trabalho aborda o processo de ocupação do espaço ao longo da BR-163, entre Cuiabá e Santarém e traça novas perspectivas diante do atual projeto de asfaltamento do trecho paraense que envolve interesses maciçamente econômicos e logísticos, mas que esbarram na questão social e principalmente ambiental. A análise dos embates políticos em torno do projeto de pavimentação da BR-163 no contexto do avanço da fronteira agrícola na Amazônia será de fundamental importância, revelando a constituição das redes políticas envolvidas com a incorporação de áreas no agronegócio da soja e, conseqüentemente, com os interesses em torno da pavimentação da rodovia BR-163. A problemática deste trabalho resume ao seguinte tratamento analítico: a rede política, como foco central de estudo, será problematizada através do contexto das escalas geográficas e das categorias de território, poder e política, a fim de anunciar as arenas políticas do avanço da pavimentação da BR-163. 1

A fronteira agrícola da soja na Amazônia é um espaço não plenamente estruturado. Dependendo da forma de apropriação, das relações sociais e dos conflitos e interesses dos grupos aí constituídos, tem-se a formação de projetos políticos distintos, que transformam continuamente a fronteira. Esse espaço de manobras e conflitos entre frações do capital e demais grupos, torna-se, portanto, um gerador de alternativas à dinâmica da fronteira (Becker, 1988). Nesse sentido, é difícil entender o próprio significado dessa dinâmica tal a profusão de contradições inerentes aos mecanismos de reprodução ampliada do capital que ali se apresenta. De um modo geral, isso acontece porque a fronteira capitalista que se apresenta, em grandes áreas do cerrado brasileiro, é produto de uma ordem territorial nacional/global, vinculada a uma prática de fragmentação política e estratégica de espaços regionais e/ou locais, através de interesses privados nacionais e internacionais integrados em redes territoriais. Neste sentido, o território funciona como fonte de recursos naturais e sociais, de apropriação política, simbólica e jurídica da natureza (e do seu uso) e de arranjos sociais que se transformam ao longo do tempo. Além disso, o território pressupõe organização em rede, ou seja, uma dimensão historicamente mutável em que se revelam não apenas o território de um determinado grupo social, mas o embate entre territorialidades conflitantes. Vale lembrar que, não estamos tomando a categoria de território em rede como uma territorialidade única, mas como unidade e diversidade social. No entanto, é possível pensar a rede como síntese de uma territorialidade des-ordenada que encerra processos sociais gerais e especificidades das dimensões da sociedade capitalista. Em linhas gerais, parafraseando Milton Santos, o estudo das redes políticas em área de fronteira agrícola requer como recorte epistemológico o conceito de território. As contradições e conflitos se situam no plano das redes, ou seja, dos fixos e fluxos (objetos e ações) e de seus significados funcionais e simbólicos. Sua singularidade e historicidade derivam do arranjo das redes funcionais, econômicas, técnicas, políticas e culturais. As redes podem aparecer como elemento separado do ordenamento do território e/ou seu constituinte, conforme nos alerta Haesbaert (2007). Além disso, na sociedade capitalista informacional, as redes constituem um dos principais escopos analíticos do des-ordenamento territorial. Assim sendo, é a partir desses pressupostos teóricos que nos lançamos à análise das 2

redes políticas das corporações do agronegócio em áreas sob o avanço da lavoura da soja na Amazônia brasileira. A essência e natureza do problema se afirmam no objeto teórico de pesquisa: as redes políticas territoriais. Logo, é preciso investigar a arena de atores que compõe um território determinado. Nesse caso, os atores políticos estão conformados em rede, isto é, em redes de poder territorial. Tal poder se revela na disposição de meios para fins de atingir objetivos desejados, que se impõem sobre a vontade de grupos sociais, caracterizando-se por relações assimétricas. Tal processo sugere conflitos entre arenas políticas forjadas e controladas por determinados atores com interesses divergentes. Assim sendo, as redes que adjetivamos de políticas emergem da dinâmica de um poder territorial. As redes políticas são constituídas por um fluxo significativo de recursos políticos ativados por uma pertinência territorial. Logo, conforme Lima (2005), rede política territorial é uma estratégia de coordenação de fluxos de comandos e decisões, capaz de formar uma arena política e de lhe conferir visibilidade, requalificando um dado território. Mas o que está sendo entrelaçado na trama de uma rede política? Conforme Santos (1996), mensagens, valores, ordens, direção, disposições, regulamentos, dentre outros elementos capturados na rede política. Em síntese, as redes políticas configuram-se territorialmente, se inserindo em arranjos escalares preexistentes e desvelando outros. Tal constituição de escalas é produto de escolhas e ação orientada dos atores. O resultado de tal política de escala revela a rede política e vice-versa. Isso porque política de escala constitui uma estratégia que articula espaço e poder, ampliando a visibilidade de conflitos territoriais e o jogo de interesses diversos. As decisões políticas são direcionadas a lugares específicos, configurando relações assimétricas articuladas por redes que veiculam ordens e comando decorrentes de políticas de escala (Lima, 2005). A expansão da soja em direção do Norte da Amazônia tem promovido a implantação de novos corredores de exportação. O projeto de pavimentação da BR-163, desde 2000, tem atraído grupos corporativos interessados em constituir novo eixo multimodal de escoamento da soja. A Cargill já se antecipou abrindo um terminal portuário em Santarém. Os custos do transporte dos portos do Sul do país diminuem as margens de lucro dos produtores, forçando alianças em torno da pavimentação da rodovia. 3

Em novembro de 2006, um grupo de tradings, Cargill, Dreyfus, Bunge, Sumitomo, Amaggi e ADM, propuseram uma aliança estratégica para a pavimentação da rodovia. Mas, o projeto não saiu do papel. Problemas sobre a privatização da rodovia e as questões ambientais inviabilizaram a realização do projeto. Até o momento, a rodovia só está pavimentada no Norte de Mato Grosso, em Guarantã do Norte, a 53 Km da divisa com o Pará. A importância logística da rodovia é visível no seu traçado em direção à Santarém, permitindo conexão com o Centro-Sul e mercados externos. De um modo geral, as razões para a pavimentação da rodovia são de ordem econômica e logística, com pouca preocupação com o tecido local afetado pelo projeto (Huertas, 2009). No que diz respeito aos interesses, o asfaltamento envolve a disputa de atores diferentes tais como, sojeiros, madeireiros, garimpeiros, pecuaristas, agricultores familiares, etc. Trata-se de um espaço não-estruturado com cerca de 100 mil pessoas (20 mil famílias) que atuam na agricultura familiar. A premissa do discurso oficial é que a pavimentação do trecho paraense implica equilíbrio entre conservação da floresta e desenvolvimento econômico. Além do Estado, há de se destacar diversos atores que anunciam alianças entorno da pavimentação, mesmo que haja divergências entre eles, tais como pecuaristas e madeireiros. Verifica-se, portanto, que há interesses coletivos na pavimentação da rodovia. Logo, abre-se caminho para a constituição de uma rede política territorial a fim de viabilizar tal projeto. A partir dessa breve caracterização do objeto de estudo, vale apontar a questão central da pesquisa. Assim sendo, a questão-chave da pesquisa que se coloca é: qual é a rede política que se apresenta no projeto de pavimentação da rodovia BR-163, no trecho paraense. Sabendo que, as redes políticas condicionam processos de reordenamento territorial e são reflexos de territorialidades preexistentes, quais têm sido os impactos da pavimentação da BR-163 no que diz respeito à recomposição do território ao longo da rodovia no trecho citado? A pavimentação da BR-163 envolve diversos atores (agricultores, empresários, banqueiros, políticos, etc) e as alianças por eles estabelecidas, configurando, portanto, redes políticas. Mas se as relações são assimétricas, há conflitos entre grupos e atores distintos. Essas disputas criam tensões e formas de organização do espaço. Neste sentido, é na relação entre política (expressão e modo de controle de conflitos sociais) e o território que se situa o 4

recorte teórico e empírico da pesquisa: as redes políticas territoriais da pavimentação da BR-163. OBJETIVOS Este trabalho tem como objetivo central, analisar a constituição da rede política do plano de pavimentação da rodovia BR-163, no Pará. Além dos seguintes objetivos específicos: Analisar o histórico de ocupação ao longo da abertura da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém); Determinar as diferenças socioespaciais entre o trecho da rodovia BR-163 em Mato Grosso e Pará; Investigar os embates e conflitos políticos em torno do projeto de pavimentação da BR-163 sob o signo do avanço da fronteira da soja na Amazônia; Determinar os impactos sócio-espaciais da pavimentação da rodovia no trecho paraense. METODOLOGIA O ponto de partida da realização deste trabalho foi a definição de uma problemática e os objetivos propostos. Assim sendo, a metodologia aplicada se volta para os procedimentos teóricos e operacionais necessários à análise do processo de constituição de redes políticas territoriais em torno da pavimentação da rodovia BR-163, no trecho paraense. Para fins de realização da pesquisa, a metodologia se orienta a partir dos objetivos propostos enquanto eixos de investigação, de modo a responder a questão central. Após estabelecer os eixos da pesquisa, a metodologia envolve os seguintes procedimentos: 1- Trabalho de campo, de modo a obter informações primárias via entrevistas. 2- Realizar levantamento bibliográfico nas bibliotecas de Geografia, Economia, História, e Ciências Sociais das Universidades e Institutos de Pesquisa (IPEA, IBGE, dentre outros). 5

3- Armazenamento e sistematização das informações obtidas nos trabalhos de campo; 4- Análise da documentação cartográfica, para a elaboração de tabelas, figuras, gráficos e mapas. 5- Análise das informações cartográficas, bibliográficas e dos trabalhos de campo, a fim de estabelecer sistematização dos dados obtidos. 6- Por fim, serão explicitadas as conclusões referentes à pesquisa. Nesta fase, a confrontação entre o objeto teórico e empírico será a base para as considerações finais do trabalho. RESULTADOS PRELIMINARES A pesquisa encontra-se em andamento e a primeira parte do trabalho contém a fundamentação teórica da pesquisa. O recorte teórico se inicia por um debate sobre a problematização das redes, como expressão das arenas políticas. Em seguida, a discussão se situa na natureza política das redes e sua relação com o conceito de território enquanto dimensão do poder. Por fim apresentamos a definição de rede política territorial como recurso ao estudo do objeto empírico da pesquisa. Nesta primeira parte, as obras de apoio teórico são: Balandier (1997), Becker (1988), Benko (2001), Castro (1995), Dias (2005), Lima (1997 e 2005), Foucault (1988), Paulillo (2000), Raffestin (1993), Russel (1979), Souza (1995), dentre outras. Após esse estudo, a pesquisa se volta para o objeto empírico. De início, com um resgate do processo de ocupação do espaço ao longo da BR-163, entre Cuiabá e Santarém, a partir de 1960. Nesta fase, se destaca o fato de a rodovia não ter sido asfaltada no trecho paraense. Para tanto, uma revisão bibliográfica em torno das obras de Almeida (2002), Alves (2005), Becker (1988), Bernardes (2005 e 2006), Cunha (2006), Moreno (2007), Oliveira (1991), Panosso Neto (2002), dentre outros, será necessária para realizar a proposta. Na análise das diferenças sócio-espaciais entre o trecho da rodovia BR-163 em Mato Grosso e Pará, foram levantados dados estatísticos do IBGE e de municípios onde é possível confrontar a área de estudo no Pará com o trecho mais desenvolvido em Mato Grosso. Os dados mais importantes coletados foram os relativos à população, produção agrícola e vegetal e estrutura agrária. 6

A investigação dos embates e conflitos políticos em torno do projeto de pavimentação da BR-163 no contexto do avanço da fronteira da soja na Amazônia nos remete à resposta da questão central. Para tanto, as alianças estratégicas e políticas público-privada, dentre outras, foram alvo da pesquisa. Neste ponto, as entrevistas com políticos, empresários e produtores são o ponto de partida para a constituição das redes políticas, a fim de revelar as práticas sócio-espaciais envolvidas com a incorporação de áreas no agronegócio da soja e, conseqüentemente, com os interesses em torno da pavimentação da rodovia BR-163. Por fim, são determinados os impactos sócio-espaciais da pavimentação da rodovia no trecho paraense. Nesta etapa, a opção pelo trabalho de campo, de modo a obter informações via entrevistas, possibilita uma melhor compreensão da tramas políticas que envolvem a participação das corporações, prefeituras, produtores, cooperativas, governos federal e estadual. BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Gisele Maria Ribeiro de; CUNHA, José Marcos Pinto da; RAQUEL, Fernanda. Migração e transformações produtivas na fronteira: O caso de Mato-Grosso. Ouro Preto: XIII Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2002. ALVES, Vicente Eldes Lemos. A mobilidade sulista e a expansão da fronteira agrícola brasileira. Agrária. V.1 n.2 pp 40-68. São Paulo, 2005. BALANDIER, G. O contorno. Poder e modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 1997. BARROS, Alexandre Lahós Mendonça de; FIGUEIREDO, Margarida Garcia de; GUILHTO, Joaquim José Martins. Relação econômica dos setores agrícolas do Estado do Mato Grosso com os demais setores pertencentes tanto ao Estado quanto ao restante do Brasil. RER. V. 43 n. 3 pp 557-575. Rio de Janeiro, jul/set 2005. BECKER, Bertha. Amazônia: Geopolítica na virada do III milênio. Rio de janeiro: Garamond, 2004.. Cenários de curto prazo para o desenvolvimento da Amazônia. Cadernos do NAPIAM, número 6, Brasília: Núcleo de Apoio às políticas integradas para a Amazônia, 1999.. Logística: uma nova racionalidade no ordenamento do território? Anais do III Simpósio Nacional de Geografia Urbana, Rio de Janeiro: AGB UFRJ, 2007.. Significância contemporânea da fronteira: uma interpretação geopolítica a partir da Amazônia Brasileira. in: AUBERTIN, Catherine [org]. Fronteiras. Brasília: UNB, 1988. BENKO, G. A recomposição dos espaços. in Interações, Vol.1, N.2, 2001. BERNARDES, Júlia Adão; FREIRE FILHO, Osni de Luna [orgs]. Geografias da Soja: BR-163: Fronteiras em Mutação. Rio de Janeiro: Arquimedes Edições, 2006. 7

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