PROCESSO Nº TST-RO-268-11.2014.5.12.0000. A C Ó R D Ã O (SDC) GMMCP/rss/rom

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Transcrição:

A C Ó R D Ã O (SDC) GMMCP/rss/rom RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO ANULATÓRIA CLÁUSULA 39 ATESTADO MÉDICO EXIGÊNCIA DE PREVISÃO DA CID A exigência da CID nos atestados estipulada por norma coletiva obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde sempre que exercer o seu direito - garantido pelo art. 6º, 1º, f, da Lei nº 605/1949 - de justificar a ausência no trabalho por motivo de doença comprovada. Essa exigência, por si só, viola o direito fundamental à intimidade e à privacidade do trabalhador, sobretudo por não existir, no caso, necessidade que decorra da atividade profissional. Recurso Ordinário conhecido e desprovido. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n TST-RO-268-11.2014.5.12.0000, em que é Recorrente SINDICATO DAS EMPRESAS DE ASSEIO, CONSERVAÇÃO E SERVIÇOS TERCEIRIZADOS DO ESTADO DE SANTA CATARINA e são Recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO, SINDICATO DOS VIGILANTES E EMPREGADOS EM EMPRESAS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, PRESTADORAS DE SERVIÇOS DE ASSEIO E CONSERVAÇÃO E DE TRANSPORTE DE VALORES DE JOAÇABA E REGIÃO E OUTROS e FEDERAÇÃO DOS VIGILANTES E EMPREGADOS EM EMPRESAS DE SEGURANÇA E VIGILÂNCIA, PRESTADORAS DE SERVIÇO, ASSEIO E CONSERVAÇÃO E DE TRANSPORTE DE VALORES DE SANTA CATARINA. O D. Ministério Público do Trabalho da 12ª Região ajuizou Ação Anulatória contra o Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação e Serviços Terceirizados do Estado de Santa Catarina SEAC/SC e Outros. O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, em acórdão de fls. 209/229, julgou procedente a Ação Anulatória.

fls.2 O Sindicato das Empresas de Asseio, Conservação e Serviços Terceirizados do Estado de Santa Catarina SEAC/SC interpõe Recurso Ordinário, às fls. 231/245. Despacho de admissibilidade, à fl. 251. Contrarrazões, às fls. 255/264. A intervenção do Ministério Público dispensa o parecer (art. 83, IV, da Lei Complementar nº 75/93). É o relatório. V O T O I CONHECIMENTO Atendidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade tempestividade (fl. 250), regularidade de representação (fls. 133) e preparo (fls. 229 e 246), conheço do Recurso. PREVISÃO DA CID II MÉRITO 1 CLÁUSULA 39 ATESTADO MÉDICO EXIGÊNCIA DE O Eg. TRT da 12ª Região decretou a nulidade da cláusula 39 da convenção coletiva de trabalho, que obriga que os atestados médicos apresentados pelos empregados contenham a CID Classificação Internacional de Doenças, com base nos seguintes fundamentos: 1. Ação anulatória. Exigência de indicação do CID nos atestados médicos O Ministério Público do Trabalho pretende a declaração de nulidade da cláusula 39 (trinta e nove) da convenção coletiva de trabalho celebrada pelos réus, com vigência no período de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2014, registrada no MTE sob o nº SC000123/2014, que apresenta a seguinte redação: CLÁUSULA TRIGÉSIMA NONA - ATESTADOS MÉDICOS Os atestados médicos apresentados pelos empregados deverão conter o CID Código Internacional de Doenças, independentemente de serem particulares ou emitidos por médicos do SUS.

fls.3 Sustenta que a cláusula transcrita extrapola o âmbito da negociação coletiva, uma vez que afronta a legislação vigente. Refere que o código de ética médica, aprovado pela Resolução nº 1.931/2009 do Conselho Federal de Medicina, estabelece, no item XI, que "O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei". Ainda, ressalta que o código veda ao médico "Revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente". Invoca, também, o art. 5º da Resolução do CFM nº 1.658/2002 (que normatiza a emissão de atestados médicos e dá outras providências) cujo teor estabelece que "Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal". Ainda, faz referência ao teor da Resolução do CFM de nº 1.488/1998 e, também, de nº 1.819/2007, que, em seu art. 1º, resolve: (...) Vedar ao médico o preenchimento, nas guias de consulta e solicitação de exames das operadoras de planos de saúde, dos campos referentes à Classificação Internacional de Doenças (CID) e tempo de doença concomitantemente com qualquer outro tipo de identificação do paciente ou qualquer outra informação sobre diagnóstico, haja vista que o sigilo na relação médico-paciente é um direito inalienável do paciente, cabendo ao médico a sua proteção e guarda. O autor pretende demonstrar que a ética médica alça o sigilo de diagnóstico ao patamar das garantias inafastáveis da relação médico/paciente, de forma a salvaguardar o direito fundamental da inviabilidade à intimidade, inserto no art. 5º, X, da Constituição da República. Argumenta o Ministério Público do Trabalho que, nas relações de trabalho, além de promover a exposição da intimidade do trabalhador, a exigência de CID nos atestados médicos, que visam à justificação de afastamentos, pode se prestar, também, a fins abusivos e discriminatórios, promovendo, por exemplo, a segregação do empregado acometido por alguma doença estigmatizante. Frisa que não há permissão legal para a inserção do CID nos atestados médicos e que estes gozam de presunção de veracidade, "devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito", nos moldes do art. 6º, 3º, da Resolução nº 1.658/2002 do CFM. Colaciona arestos jurisprudenciais para amparar a sua tese. O primeiro réu defende a validade da cláusula ao argumento de que as convenções coletivas de trabalho traduzem a vontade das partes. Pondera que a violação do direito a intimidade, disposto no art. 5º, X, da Constituição da República, somente ocorreria pela divulgação por parte do empregador do diagnóstico do empregado acometido por alguma doença. Aduz que o fato de conter a CID no atestado médico, por si só, não fere o direito constitucional a intimidade, bem como não gera qualquer dano ao empregado. Ainda, defende que não haver afronta às normas do Conselho Federal de Medicina, porquanto a anotação da CID se daria no interesse do empregado, com base em norma coletiva firmada pelos representantes dos empregados e empregadores. Sustenta que a possibilidade do empregado gozar o benefício previdenciário está diretamente atrelada à identificação da doença através da CID. Destaca que a exigência da CID em

fls.4 atestado médico se justifica pela proteção ao trabalhador, tendo em vista que a doença que o acomete poderia até mesmo vir a ter relação com o ambiente de trabalho. O princípio da autonomia da vontade coletiva, consagrado no art. 7º, XXVI, da CF/88, não é absoluto, mas subordinado à lei. A instituição de cláusula em que se estabelece a obrigação de o atestado médico apresentado pelo empregado conter a indicação do CID (classificação internacional de doenças), porque viola o direito de intimidade, configura afronta ao art. 5º, inc. X, da Constituição da República. Diante disso, as Resoluções expedidas pelo Conselho Regional de Medicina orientam os médicos no sentido de não colocarem o CID nos atestados médicos, a não ser mediante expressa autorização do paciente (Resoluções de nºs 1.658/2002 e 1.851/2008), vedando, ainda sua aposição nas guias de consulta e solicitação e exames (Resolução nº 1.819/2007). Há de se destacar que os atestados médicos apresentados pelos empregados, para fins de abonos de faltas, contêm regulamentação própria e possuem presunção de veracidade relativa, conforme se infere dos termos da Resolução nº 1.658/2002 do CFM, não podendo ser recusados. No caso de impugnação quanto à autenticidade e validade do documento, incumbe à empregadora confirmá-lo, podendo, inclusive, requisitar a instauração do competente inquérito policial e/ou procedimento administrativo disciplinar, perante o Conselho Regional de Medicina. Nesse sentido, cito PARECER Nº 1828/2007 CRM-PR: O atestado médico é contemplado no Código de Ética Médica em seus artigos 110 a 117, pela Resolução 1658/2002 do CFM, pelo Parecer CFM 19/88 e Parecer CREMEC 10/2004 Da leitura deste material, contemplando o questionamento referido, relacionam-se os seguintes argumentos para formular a conclusão: O atestado médico é parte integrante do ato médico, sendo seu fornecimento direito inalienável do paciente. Ao fornecer o atestado, deverá o médico registrar em ficha própria e/ou prontuário médico os dados dos exames e tratamentos realizados para eventuais consultas de médicos peritos das empresas ou dos órgãos públicos da Previdência Social e da Justiça.. É obrigatória, aos médicos, a exigência de prova de identidade aos interessados na obtenção de atestados médicos. Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal. No caso de solicitação de colocação do diagnóstico, codificado ou não, ser feita pelo próprio paciente ou seu representante legal, esta concordância deverá estar expressa no atestado. O atestado médico goza da presunção da veracidade devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito. Segundo o Parecer CFM 19/88, a exigência de Diagnóstico Codificado, conforme o CID, inicialmente prevista pela Portaria 3291/1984 do Ministério Previdência e Assistência Social (MPAS) fere os princípios mais elementares da Ética Médica, além de colocar o profissional na condição de infrator por delito de violação do segredo profissional, tipificado no art. 154 do Código Penal vigente. (grifei)

fls.5 (CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO PARANÁ, 2007, disponível em:. Acesso em 29.09.2014). A alegação de que a exigência do CID busca proteger a saúde do empregado não se mostra razoável e eficaz na prática, uma vez que essa prevenção poderá se efetivar, com maiores chances de sucesso, por meio de exames médicos regulares como o admissional, periódico e demissional, além de campanhas educativas que podem ser promovidas no ambiente de trabalho para a conscientização da importância da prevenção com os cuidados da saúde. Outrossim, o programa de prevenção de riscos ambientais (PPRA) e o programa de controle médico de saúde ocupacional (PCMSO) têm importante função na busca de garantir a saúde do empregado. Logo, não se justifica a conduta defendida pelo primeiro réu porquanto se traduz em ofensa a direito constitucionalmente assegurado. Quanto à suposta necessidade de identificação da doença para fins de concessão de benefícios previdenciários, como bem colocou o Ministério Público do Trabalho, a legislação previdenciária condiciona a percepção do auxílio-doença ao diagnóstico da doença, por meio do exame pericial realizado pelo INSS, não se mostrando necessária a identificação da moléstia nos atestados médicos apresentados pelos empregados que visam apenas justificar as faltas ao trabalho. Sobre a matéria em exame, cito o julgado: INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. EXIGÊNCIA DE ATESTADOS COM INDICAÇÃO DO CID. VIOLAÇÃO À INTIMIDADE DO EMPREGADO. O atestado médico é o meio hábil para abonar faltas ao serviço, possuindo presunção de veracidade relativa, a qual pode ser investigada mediante instauração de inquérito policial e representação ao Conselho Regional de Medicina, sendo que a exigência, pelo empregador, de indicação da doença no documento, afronta interesses coletivos, na medida em que viola a intimidade dos empregados, impondo-se a condenação ao pagamento de indenização por danos morais (TRT-2 - RO: 14869520125020 SP 00014869520125020041 A28, Relator: SONIA MARIA PRINCE FRANZINI, Data de Julgamento: 06/08/2013, 3ª TURMA, Data de Publicação: 13/08/2013). Assim, impõe-se acolher a pretensão do Ministério Público do Trabalho para que seja declarada a nulidade da cláusula 39 (trinta e nove) da convenção coletiva de trabalho 2014/2014 firmada pelos réus. Julgo procedente a ação para declarar a nulidade da cláusula 39 (trinta e nove) da convenção coletiva de trabalho firmada pelos réus, com vigência de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2014 e registrada no Ministério do Trabalho e Emprego sob o nº SC000123/2014. (fls. 211/214 grifos acrescidos) No Recurso Ordinário, o Recorrente afirma que a cláusula em tela visa à saúde e segurança do trabalhador, que supostamente não sofrerá nenhum prejuízo. Alega que o sigilo do médico pode ser mitigado por justa causa, dever legal ou autorização do paciente, hipóteses que autorizariam a vigência da cláusula. Assevera que isso permitiria ao empregador ter a ciência da condição de saúde do empregado,

fls.6 podendo adotar medidas necessárias a seu bem-estar. Sustenta que a norma coletiva seria uma autorização dos empregados para que o médico preceitue a CID no atestado. Afirma que as normas coletivas deveriam prevalecer sobre as Resoluções do Conselho Federal de Medicina - CFM. Alega que a violação à intimidade ocorreria apenas se divulgado o diagnóstico pelo empregador. Assevera que os programas de prevenção de doenças não são os únicos que asseguram a saúde do empregado. Sustenta que o encaminhamento previdenciário pela empresa depende de prévia ciência da CID. Alega que o acórdão regional viola a livre autonomia da negociação coletiva, pois a cláusula beneficiaria tanto os empregadores quanto os trabalhadores. Assevera que a cláusula não deve ser analisada isoladamente, mas sim considerando seu conjunto, pelo princípio do conglobamento. Aponta violação aos arts. 6º e 7º, XXVI, da Constituição da República, 3º da Resolução nº 1.851/2008 do CFM e à Resolução nº 1.931/2009 do CFM. Colaciona arestos. A Constituição da República, em seu artigo 5º, X, garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada das pessoas, mandamento que projeta seus efeitos também para as relações de trabalho. O empregado é titular do direito fundamental à intimidade e à privacidade por expressa disposição constitucional, que deve ser respeitada pelo empregador. É direito do trabalhador o resguardo de informações pessoais, como aquelas relativas à sua saúde. Amauri Mascaro Nascimento, no livro Curso de Direito do Trabalho, discorre sobre a intimidade e a privacidade nas relações de trabalho: O trabalhador e o empregador devem guardar sigilo quanto à intimidade da vida privada. O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso, a divulgação de aspectos da esfera íntima e pessoal e da vida familiar, afetiva e sexual, o estado de saúde e as convicções políticas e religiosas. (...) O empregador não pode exigir do candidato a emprego ou dos empregados que prestem informações relativas à sua vida privada, à sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem ou forem estritamente necessárias e relevantes para a avaliação da sua aptidão para o trabalho. (...) (Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho, 27. ed., São Paulo: Saraiva, p. 779/780)

fls.7 A exigência da CID nos atestados estipulada por norma coletiva obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde sempre que exercer o seu direito - garantido pelo art. 6º, 1º, f, da Lei nº 605/1949 - de justificar a ausência no trabalho por motivo de doença comprovada. Essa exigência, por si só, viola o direito fundamental à intimidade e à privacidade do trabalhador, sobretudo por não existir, no caso, necessidade que decorra da atividade profissional. A Resolução nº 1.685/2002 do CFM, que normatiza a emissão de atestados médicos, preceitua no art. 3º, II, alterado pela Resolução nº 1.851/2008 do CFM, que a previsão do diagnóstico no documento em questão depende de autorização expressa do paciente. O art. 5º da mencionada Resolução reforça essa disposição ao afirmar que os médicos só podem fornecer atestados com a previsão do diagnóstico em três hipóteses: justa causa, dever legal e solicitação do paciente. Entretanto, o caso em tela não evidencia a configuração de nenhuma dessas hipóteses. Não se pode falar em autorização do paciente por meio da norma coletiva, pois os já mencionados arts. 3º, II, e 5º da Resolução nº 1.685/2002 do CFM exigem a autorização do próprio paciente, justamente em virtude de a saúde estar relacionada a aspectos da intimidade e personalidade de cada indivíduo. No próprio âmbito da Medicina, a obrigatoriedade da previsão da CID em atestado é vista como prejudicial ao trabalhador. Nesse sentido, Genival Veloso de França, ao analisar a figura do atestado médico oficial: (...) é nosso entendimento que a obrigatoriedade do diagnóstico codificado, no atestado médico oficial, em vez de proteger o trabalhador, cria-lhe uma situação de constrangimento e, ao ser relatado o seu mal, mesmo em código, suas relações no emprego são prejudicadas, pela revelação de suas condições de sanidade, principalmente se é ele portador de uma doença cíclica que o afastará outras vezes do trabalho. (...) Concluindo, podemos afirmar que a indicação do diagnóstico em atestados ou outros documentos médicos, de forma declarada ou pelo CID, constitui infração aos princípios éticos que orientam o exercício profissional, a não ser que expressamente autorizada pelo paciente, por justa causa

fls.8 ou por dever legal. (Direito Médico, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 123 grifos acrescidos) Não há conflito entre norma coletiva e Resolução, mas entre norma coletiva e disposição constitucional que protege a intimidade e privacidade dos trabalhadores, razão pela qual a cláusula 39 da convenção coletiva de trabalho não deve prevalecer. A imposição constitucional de reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, oriunda do art. 7º, XXVI, não concede liberdade negocial absoluta para os sujeitos coletivos, que devem sempre respeitar certos parâmetros protetivos das relações de trabalho e do próprio trabalhador. privacidade do empregado. Um desses parâmetros é a tutela da intimidade e Nesse contexto, não deve prosperar o argumento do Recorrente de que a cláusula em questão não pode ser analisada isoladamente, mas sim considerando todo o conjunto da convenção coletiva com base no princípio do conglobamento. Isso porque esta C. SDC entende ser possível a anulação de uma única cláusula de norma coletiva, em atenção aos aludidos parâmetros protetivos das relações trabalhistas. Eis alguns precedentes: RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. CLÁUSULA CONSTANTE DA CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO 2011/2012 DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. (...) 4. IMPOSSIBILIDADE DE NULIDADE DE UMA ÚNICA CLÁUSULA CONVENCIONAL. TEORIA DO CONGLOBAMENTO. Esta Corte tem mantido, de forma irredutível, seu posicionamento no sentido de que o reconhecimento constitucional da validade dos instrumentos normativos não implica ampla e irrestrita liberdade às partes para flexibilização de direitos. Ademais, entende que a concessão de certas vantagens em determinadas cláusulas não justifica o estabelecimento de outras normas que suprimem ou reduzem direitos do trabalhador, legalmente previstos. Nego provimento ao recurso. (...) (RO - 2000-57.2012.5.17.0000, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, SDC, DEJT 19/12/2014 grifos acrescidos) (...) B) RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO, NA FORMA ADESIVA, POR SOBRARE - SERVEMAR LTDA. E OUTROS. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO DE NULIDADE DE UMA ÚNICA CLÁUSULA CONVENCIONAL. FLEXIBILIZAÇÃO E TEORIA DO

fls.9 CONGLOBAMENTO. Não há, no ordenamento jurídico, qualquer vedação a que sejam impugnadas, pela via judicial, cláusulas constantes de acordo ou convenção coletiva de trabalho, cujas disposições tendem a se sobrepor às normas de ordem pública ou que possam eventualmente desrespeitar princípios constitucionais vigentes, estando o Ministério Público do Trabalho legitimado a fazê-lo, nos termos dos arts. 127 da Constituição Federal, 7º, 5º, da Lei nº 7.701/1988 e 83 da Lei nº 75/1993. Acrescenta-se que esta Corte tem mantido, de forma irredutível, seu posicionamento no sentido de que o reconhecimento constitucional da validade dos instrumentos normativos não implica ampla e irrestrita liberdade às partes para flexibilização de direitos, e que a concessão de certas vantagens em determinadas cláusulas não justifica o estabelecimento de outras normas que suprimem ou reduzem direitos do trabalhador, legalmente previstos. Assim, não há falar em impossibilidade jurídica do pedido. Recurso ordinário adesivo conhecido e não provido. (RO - 50000-25.2011.5.17.0000, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, SDC, DEJT 15/5/2015) Também não se pode argumentar que a exigência da CID nos atestados médicos permitiria a ciência das empresas sobre a condição de saúde do empregado. Como bem ressaltado no acórdão regional, o bem-estar do trabalhador pode ser verificado por exames médicos regulares, campanhas educativas e programas específicos que são estimulados pela própria legislação. Do mesmo modo, a concessão de benefícios previdenciários não depende da identificação do diagnóstico da doença pela empresa. Ademais, os arestos acostados às fls. 236/238, que buscam demonstrar a suposta necessidade de indicação da CID nos atestados médicos, não devem ser considerados, pois dizem respeito à confissão ficta de parte intimada que não comparece à audiência para depor e apresenta atestado sem a previsão do diagnóstico da doença. O mesmo deve ser dito quanto aos arestos de fls. 241/244, que não se referem a norma coletiva com cláusula que viole direito fundamental à privacidade e à intimidade do trabalhador. Por fim, esta C. Seção, em situação idêntica, já declarou a nulidade de cláusula em acordo homologado por Tribunal Regional que só reconhecia como válido o atestado com a indicação da CID, in verbis: RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA.

fls.10 HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. (...) CLÁUSULA VIGÉSIMA SEGUNDA. ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS. EXIGÊNCIA DE PREENCHIMENTO DO CID. A Constituição Federal elegeu a intimidade e a vida privada como bens invioláveis. Trata-se, pois, de direito fundamental albergado no art. 5.º, X, da Constituição Federal. A exigência de indicação expressa do CID nos atestados médicos vai de encontro à referida diretriz constitucional, por se tratar de ingerência na vida privada do cidadão. A cláusula 22.ª, tal como redigida, não se coaduna com o Precedente Normativo n.º 81 desta Corte Superior, pois, além de conter obrigação à margem da lei e da Constituição Federal, não contempla a necessidade de convênio com a Previdência Social, no que se refere aos serviços ofertados pelos sindicatos da categoria profissional. (...) (RO-20238-58.2010.5.04.0000, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, SDC, DEJT 19/10/2012) Diante do exposto, nego provimento. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do, por unanimidade, conhecer do Recurso Ordinário e, no mérito, por maioria, vencido o Exmo. Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, negar-lhe provimento. Brasília, 17 de Agosto de 2015. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI Ministra Relatora