INSERÇÃO DE VEÍCULOS HÍBRIDOS PLUG-IN NO SETOR DE TRANSPORTES BRASILEIRO: UMA OPORTUNIDADE PARA A REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA



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Transcrição:

Revista Brasileira de Energia, Vol. 19, N o. 2, 2 o Sem. 2013, pp. 225-236 225 INSERÇÃO DE VEÍCULOS HÍBRIDOS PLUG-IN NO SETOR DE TRANSPORTES BRASILEIRO: UMA OPORTUNIDADE PARA A REDUÇÃO DAS EMISSÕES DE GASES DE EFEITO ESTUFA Pedro Gerber Machado 1 Bruna de Barros Correa 2 RESUMO O presente artigo traz uma comparação de sistemas, avaliando as emissões de GEE associadas ao uso da gasolina C (E25) e do etanol da cana-de-açúcar em veículos convencionais, bem como ao uso de veículos híbridos, em que a energia elétrica é fornecida pelo SIN (Sistema Integrado Nacional). O objetivo é apresentar um inventário do ciclo de vida (well-to-wheels) para cada um desses sistemas, a fim de entender a contribuição de cada um na mitigação das mudanças climáticas. Para que seja viável a comparação entre os três sistemas, a unidade funcional adotada pelo presente artigo é 1 km rodado, enquanto a medida de impacto é g CO 2 eq. A ferramenta utilizada para calcular os fluxos de energia foi o GREET 1.8d. Os resultados obtidos pela referida ferramenta demonstram que uso de veículos híbrido plug-in, quando abastecidos por etanol da cana-de-açúcar, pode ser uma boa opção para a redução das emissões de GEE no setor de transportes brasileiro. 1 CTBE Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol. Rua: Giuseppe Máximo Scolfaro, 10000. Bairro Guará Campinas SP. CEP 13083-100. TEL: (19) 3518-3193 2 FEM/UNICAMP Faculdade de Engenharia Mecânica. Rua Mendeleyev, 200. Cidade Universitária "Zeferino Vaz"-Campinas-SP. CEP 13083-860. TEL: (19) 92570711

226 REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA ABSTRACT This article presents a comparison of systems, assessing the GHG emissions associated with the use of C gasoline (E25) and ethanol from sugar cane in conventional vehicles as well as the use of hybrid vehicles, in which electrical energy is provided by the NIS (National Integrated System). The goal is to provide an inventory of the life cycle (well-to-wheels) for each of these systems in order to understand the contribution of each of the mitigation of climate change. To make it feasible to compare the three systems, the functional unit adopted by this Article is 1 mile traveled, while the measure of impact is g CO 2 eq. The tool used to calculate energy flows was the GREET 1.8d. The results obtained by this tool show that the use of plug-in hybrid vehicles, when fueled by ethanol from sugar cane, can be a good option for reducing GHG emissions in the transportation sector in Brazil. Palavras-chave: GEE Ciclo de Vida Gasolina Etanol Veículos Híbridos Plug-in 1. INTRODUÇÃO Em virtude do aumento significativo da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, a queima abusiva de combustíveis fósseis passou a ser a grande responsável pela intensificação dos problemas ambientais. A partir de então, surgiu a necessidade de uma significativa alteração na matriz energética mundial, em que a principal alternativa às fontes convencionais de energia viriam a ser as fontes renováveis (SILVA et. al., 2003). As fontes de energia renováveis são importantes porque, além de proporcionarem benefícios ambientais quando comparadas às fontes convencionais de energia, contribuem para uma maior segurança no suprimento energético e, consequentemente, ajudam a sustentar o crescimento econômico e o desenvolvimento social. As energias renováveis são, portanto, essenciais para um desenvolvimento energético sustentável, que deve ser capaz de fornecer serviços adequados de energia para satisfazer as necessidades humanas básicas, melhorando o bem estar social e viabilizando o desenvolvimento econômico em todo o mundo (GELLER, 2003). Análises da Agência Internacional de Energia (IEA, 2008) demonstram que a sustentabilidade do setor energético é possível, mas depende

VOL. 19 N o 2 2 o SEM. 2013 227 de investimento em tecnologia. É essencial, portanto, que haja grandes investimentos em pesquisas e em tecnologias relacionadas à eficiência energética, captura e armazenamento de dióxido de carbono, fontes renováveis de energia e energia nuclear. Isso porque, de acordo com os dados da IEA (2008), essas são as tecnologias capazes de contribuir para a segurança do suprimento energético, bem como para a redução das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Em relação ao setor de transportes, a IEA (2008) afirma que este demandará os maiores investimentos, em que as melhores opções são: aumento da eficiência dos veículos convencionais, os biocombustíveis, veículos híbridos, elétricos e a células a combustível. Boa parte da frota de veículos no Brasil hoje é composta por veículos FLEX, os quais são abastecidos com gasolina C (E25) e/ou com etanol produzido a partir da cana-de-açúcar. Como a produção de energia elétrica no país é majoritariamente renovável, é provável que o uso de veículos híbridos plug in também seja uma boa oportunidade para a redução das emissões de GEE no setor de transportes brasileiro. Dentro desse contexto, o presente artigo traz uma comparação de sistemas, avaliando as emissões de GEE associadas ao uso da gasolina C e do etanol da cana-de-açúcar em veículos convencionais, bem como ao uso de veículos híbridos plug in, em que a energia elétrica é fornecida pelo SIN (Sistema Interligado Nacional). O objetivo é apresentar um inventário do ciclo de vida (well-to- -wheels) para cada um desses sistemas, a fim de entender a contribuição de cada um na mitigação das mudanças climáticas. Para que seja viável a comparação entre os três sistemas, a unidade funcional adotada pelo presente artigo é 1 km rodado, enquanto a medida de impacto é g CO 2 eq. 2. METODOLOGIA Para discorrer sobre a contribuição dos referidos sistemas no combate ao aquecimento global é preciso avaliar as emissões de GEE em todo o ciclo de vida de cada um deles. Para o presente artigo foram considerados três níveis de fluxo energético:

228 REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA a. O consumo direto de combustíveis e eletricidade para a produção dos combustíveis (direct energy input); b. A energia adicional requerida para a produção de produtos químicos e materiais utilizados para agricultura, extração e processos industriais; c. A energia associada à operação do veículo. A ferramenta utilizada para calcular os fluxos de energia foi o GRE- ET 1.8d (Greenhouse gases Regulated Emissions and Energy use in Transportation). Como a referida ferramenta foi desenvolvida particularmente para a realidade estadunidense, foram feitas algumas alterações na base de dados para que, dessa forma, os resultados obtidos pudessem refletir a realidade brasileira. O próximo item apresentará de forma detalhada as especificações que foram utilizadas para cada um dos sistemas em análise. 3. COMPARAÇÃO DE SISTEMAS 3.1. Uso da gasolina C A gasolina no Brasil, desde 2 de maio de 2010, recebe 25% de etanol anidro em sua composição, de acordo com resolução do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (CIMA), criando a gasolina C. No modelo GREET, foi utilizado o combustível gasolina com baixo teor de etanol em 25%. Também foi considerado um automóvel Honda Fit FLEX com eficiência de 11,4 L/km (INMETRO, 2011). A gasolina C é gerada a partir da gasolina A, produzida a partir do refino do petróleo e dentre seus principais impactos estão as emissões atmosféricas de poluentes como NOx, SOx, VOC e CO 2 ; elevadas cargas orgânicas nos efluentes líquidos; e resíduos sólidos diversos como solos contaminados. No GREET são levadas em consideração suas emissões de N2O, CO 2 e CH4 de sua produção a sua utilização (well-to-wheels). No Brasil, a gasolina possui uma concentração de enxofre de 1000 ppm. 3.2. Uso de etanol a partir da cana-de-açúcar Para calcular as emissões de GEE associadas à produção e ao uso de etanol da cana-de-açúcar em veículos convencionais, é preciso avaliar todo

VOL. 19 N o 2 2 o SEM. 2013 229 o ciclo de vida do referido combustível alternativo, desde a fase agrícola à produção industrial, transporte e eficiência do veículo. A produtividade média da cana em base anual deve considerar todo o período do ciclo, inclusive os meses dedicados à reforma do canavial. Dentro de todo esse contexto, a média da produtividade anual do país foi estimada em 77,8 t/ha (CONAB, 2011). A umidade da palha seca é em torno de 13,5% (HASSUANI et. al., 2005). O cultivo da cana-de-açúcar se caracteriza por utilizar pouco fertilizante, especialmente quando comparado a outras culturas. Há essa diferença porque grande parte dos insumos utilizados no processo industrial da produção do etanol é retornada ao campo, o que pode contribuir para a manutenção da qualidade da terra, uma vez que evita o uso de fertilizantes minerais (MACEDO et. al., 2008, p. 584). Nesse contexto, os dados do GREET 1.8d quanto ao uso de P2O2, K2O, nitrogênio, cal, herbicida e inseticida, foram alterados de acordo com a realidade brasileira (GALDOS et. al., 2010). Vale frisar que o presente estudo não aborda as emissões associadas às mudanças diretas e indiretas no uso do solo, uma vez que não há ainda consenso científico quanto aos valores desses impactos. Cabe destacar, ainda, que as operações agrícolas utilizadas no cultivo da cana não devem mudar nos próximos anos, exceto pela mecanização da colheita. Atualmente cerca de 56% da colheita da matéria prima é feita a partir de queimadas prévias (FIGUEIREDO, 2011). Após a colheita, a cana é transportada o quanto antes para a usina. O transporte é por caminhões, cuja capacidade de carga varia entre quinze a sessenta toneladas, o percurso percorrido é em torno de 30 km (MILANEZ et. al., 2010). A fase industrial da produção do etanol demanda muita água, mas a implantação de medidas de reuso tem diminuído a captação. Quanto à energia consumida no processo, a sua totalidade pode ser provida por um sistema de produção combinado de calor e potência (cogeração), o qual é instalado na própria usina e utiliza o bagaço como fonte energética (BN- DES, 2008). As usinas brasileiras são auto-suficientes, uma vez que produzem toda a energia que necessitam, e têm, ainda, conseguido exportar cada vez mais excedentes de energia elétrica para a rede pública.

230 REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA O etanol não é o único produto oriundo da fase agrícola e da produção industrial. Porém, o GREET não inclui açúcar como co-produto para a estimação de créditos. Nesse para energia elétrica, foram estimados pelo próprio GREET 1.8d, a partir de deslocamento dos sistemas, sendo que a energia produzida pela usina desloca o SIN. Uma vez encerrada a fase de produção, o combustível é transportado para as distribuidoras e, posteriormente, para os postos de abastecimento. O transporte também é feito por caminhões abastecidos a óleo diesel e a média do percurso percorrido é 320 km (CHOHFI, 2006). Para avaliar as emissões relacionadas à eficiência do veículo frente ao combustível utilizado, foi considerado o veículo Honda Fit FLEX, cuja eficiência está em torno de 7,6 km por litro de etanol da cana-de-açúcar (INMETRO, 2011). Vale ressaltar, por fim, que não há emissões associadas ao uso final do bioetanol, visto que todo o dióxido de carbono liberado na queima de produtos de biomassa foi absorvido pelo processo de fotossíntese durante o crescimento da matéria prima. Assim, somente a parcela correspondente aos combustíveis fósseis consumidos na produção de biocombustíveis representa um acréscimo líquido significativo da quantidade desses gases na atmosfera (MACEDO et. al., 2008). 3.3. Uso de veículos híbridos plug-in Carros híbridos plug-in (PHEV) são automóveis que podem utilizar a energia da rede, ou no caso brasileiro o SIN, para se locomover. O PHEV tem características de carros híbridos, que possuem tanto motor elétrico quanto à combustão, e de carros exclusivamente elétricos, que possuem plugs para conexão com a rede. Independentemente de sua arquitetura, um carro híbrido plug- -in é capaz de atuar no modo charge-depleting (CD) ou charge-sustaining (CS). No modo CD, o automóvel utiliza apenas a energia de suas baterias para a propulsão, já no modo CS, ele atua como híbrido, aumentando a eficiência do motor à combustão. No âmbito deste artigo, foi considerado um PHEV com AER (all electric range) de 48 km. Apesar de existirem carros PHEV de até 96 km, a introdução deste tipo de veículo deve começar gradualmente no país com tecnologias mais básicas e de maior distribuição em outros países.

VOL. 19 N o 2 2 o SEM. 2013 231 Como são altamente dependentes da energia elétrica, as fontes de energia para geração de eletricidade influenciam consideravelmente nas emissões dos PHEV. Na Figura 1 (BEN, 2010) é apresentada a oferta interna de energia elétrica por fonte para o ano de 2009, utilizado no modelo. Figura 1 Oferta interna de energia elétrica por fonte 2009. Foram considerados dois casos de utilização do PHEV que cabem na realidade brasileira: sua utilização com gasolina C (E25) e com etanol 100% (E100). O limite deste trabalho não inclui a construção do carro, nem das baterias utilizadas no armazenamento de energia elétrica, uma vez que não há dados disponíveis para o Brasil. 4. RESULTADOS A Figura 2 apresenta os resultados obtidos pelo GRRET 1.8d para o balanço de energia fóssil para os três sistemas em análise, comparando-os, ainda, à energia fóssil necessária para a produção e uso da gasolina A. Por sua vez, a Figura 3 traz o balanço de emissões relativo aos mesmos sistemas. Em relação à gasolina E25, os resultados demonstram o consumo total de energia é 3,804 MJ/km, sendo que 2,759 MJ/km advém de combustíveis fósseis. O GREET 1.8d indica que 81,7% da energia fóssil total necessária para produção do referido combustível está associada à operação do veículo, enquanto 6,9% está relacionada ao cultivo da matéria prima e

232 REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA 11,4% à produção do combustível. Quanto às emissões de GEE, 92,3% está associada à operação do veículo e 12,7% a produção do combustível, enquanto o cultivo da matéria prima absorve 5% dessas emissões. Já quanto ao uso de etanol da cana-de-açúcar, o consumo energético é de 6,245 MJ/km, em que apenas 0,486 MJ/km provém de fontes de energia não renováveis. Como o etanol (E100) é um combustível 100% renovável, não há qualquer energia fóssil associada à operação do veículo. Sendo assim, 63,8% da energia fóssil total necessária está relacionada ao cultivo da matéria prima, enquanto 36,2% à produção do combustível. Quanto às emissões de GEE, os resultados indicam que o cultivo da matéria prima absorve 156,8 g CO 2 eq enquanto a produção do combustível e a operação do veículo são responsáveis por emitirem, respectivamente, 16,99 e 198,49 g CO 2 eq. Em relação aos veículos híbridos plug-in abastecidos com gasolina C, os resultados obtidos pelo GREET 1.8d demonstram que o consumo energético é 2,717 MJ/km, sendo que 1,971 MJ/km correspondem a combustíveis fósseis. Os resultados indicam, ainda, que 81,7% dessa energia não renovável está associada à operação do veículo, enquanto 6,9% está relacionada ao cultivo da matéria prima e 11,4% a produção do combustível. Quanto às emissões de GEE, 92,3% está associada à operação do veículo, 12,7% à produção do combustível, enquanto o cultivo da matéria prima absorve 5% dessas emissões. Por fim, os resultados obtidos quanto ao uso de veículos híbridos plug-in abastecidos com etanol da cana de açúcar indicam que o consumo de energia chega a 4,46 MJ/km, sendo que o consumo total de combustíveis fósseis corresponde apenas a 0,347. Não há combustíveis fósseis associados à operação do veículo. Nesses termos, 63,8% da energia fóssil necessária está relacionada ao cultivo da matéria prima e 36,2% à produção do combustível. Quanto às emissões de GEE, os resultados indicam que o cultivo da matéria prima absorve 112 g CO 2 eq, enquanto a produção do combustível e a operação do veículo são responsáveis por emitirem, respectivamente, 12,14 e 142,37 g CO 2 eq.

VOL. 19 N o 2 2 o SEM. 2013 233 Figura 2 Balanço de Energia Fóssil (MJ/km) Figura 3 Balanço de Emissões (g CO 2 eq/km) 5. CONCLUSÕES Diante dos resultados obtidos pode-se concluir que os veículos híbridos plug-in, quando abastecidos por etanol da cana-de-açúcar, são as melhores opções para a redução tanto das emissões de GEE, quanto do consumo de energia não renovável no setor de transportes brasileiro. No entanto, para que seja viável a introdução de veículo PHEV com um aumento significativo de sua participação na frota de transportes, é necessário que haja investimentos no setor elétrico brasileiro para que, dessa forma, seja capaz de atender a demanda.

234 REVISTA BRASILEIRA DE ENERGIA É essencial, ainda, que se mantenha o caráter majoritariamente renovável da matriz elétrica do país. Isso porque para que os veículos híbridos plug-in sejam de fato uma boa opção para a redução das emissões de GEE, é preciso que eles sejam abastecidos por combustíveis 100% renováveis. O etanol da cana-de-açúcar possui essa característica, assim é necessário que a energia elétrica fornecida também seja renovável. É interessante frisar, ainda, que além das tecnologias relacionadas a hidroelétricas, solar e eólica, as tecnologias atuais de produção de etanol também podem contribuir para a manutenção de um setor elétrico renovável, uma vez que os sistemas de cogeração permitem que as usinas brasileiras sejam auto suficientes em eletricidade, produzindo toda a energia que necessitam e conseguindo, ainda, exportar cada vez mais excedentes de energia elétrica para a rede pública, justamente no período de estiagem (quando o estoque de águas nas barragens das usinas hidroelétricas atinge níveis mínimos). Vale ressaltar também que avaliar a real contribuição de matérias primas específicas para a redução das emissões de GEE não é, de forma alguma, uma tarefa fácil de ser realizada. Isso porque calcular e quantificar todos os fatores relevantes para, então, determinar o balanço final significa fazer escolhas, bem como optar entre diferentes pressupostos e abordagens. Toda essa complexidade pode trazer incertezas para avaliações de inventário e de ciclo de vida. Quanto ao presente artigo, cabe destacar que as incertezas estão principalmente relacionadas à base de dados. Isso porque o GREET 1.8d é uma ferramenta extremamente interessante para o cálculo das emissões de GEE para sistemas de transportes, porém foi particularmente desenvolvido para a realidade estadunidense, assim os dados quanto à extração e refino do petróleo podem ser diferentes da realidade brasileira. Em relação ao etanol da cana-de-açúcar, há de se ressaltar incertezas, especialmente nas variações de dados na literatura, particularmente por causa das características especificas do solo e vegetação. No mais, o presente trabalho não considerou as emissões associadas às mudanças diretas e indiretas no uso do solo, nem os impactos quanto ao ciclo de vida dos veículos e quanto à produção e manutenção de baterias para veículos híbrido plug-in. Vale frisar, porém, que a inclusão da produção e manutenção das baterias em veículos plug-in não deve alterar significativamente os resultados obtidos, uma vez que a literatura indica valores entre 3 a 9 g CO 2 eq/km (JARAMILLO et. al., 2009).

VOL. 19 N o 2 2 o SEM. 2013 235 Não obstante, cabe ressaltar, por fim, que todos esses melhoramentos seguem como recomendações para próximos trabalhos sobre o tema. REFERÊNCIAS BEN. Balanço Energético Nacional. MME: 2010. Disponível em <www.mme. gov.br> BNDES. Bioetanol de cana-de-açúcar: Energia para o Desenvolvimento Sustentável. Relatório técnico, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2008. Chohfi, F. M., Cortez, L.A.B.. Melhoria da competitividade do etanol nas exportações. 2006. Disponível em: <proceedings.scielo.br> Conab. Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da Safra Brasileira: Cana de Açúcar, terceiro levantamento, janeiro/2011. Brasilia: 2011. Conab. Companhia Nacional de Abastecimento. Perfil do setor do açúcar e do álcool: edição para a safra de 2008-2009. Brasilia: 2010. Figueiredo, O.F.. Os desafios da mecanização em cana de açúcar. II Simpósio paulista de Mecanização em Cana de Açúcar SPMEC: 2011. Galdos, M., Cerri, C., Lal, R., Bernoux, M., Feigl, B., Cerri, Carlos. Net greenhouse gas fluxes in Brazilian ethanol production systems. Global Chance Biology Bioenergy: 2010. Geller, H S. Revolução Energética: Políticas para um futuro sustentável. Rio de Janeiro: RELUME DUMARÁ, 2003: 15 46. Hassuani, S. J., Leal, M. R. L. V., Macedo, I. C. Biomass power generation. Sugar cane bagasse and trash. Piracicaba, Brasil: 2005. IEA. International Energy Agency. Energy Technology and Perspectives 2008 Scenarios & Strategies to 2050. Paris, 2008. INMETRO. Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial. Programa Brasileiro de Etiquetagem: Veículos Automotores Leves. Disponível em: <www.inmetro.gov.br> Jaramillo, P., Samaras, C., Wakaley, H., Meisterling, K. Greenhouse implica-

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