Arte e Mídia: Notas sobre as Relações entre Comunicação, Tecnologias Digitais e Estética 1



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Transcrição:

Arte e Mídia: Notas sobre as Relações entre Comunicação, Tecnologias Digitais e Estética 1 Maurício Liesen 2 Universidade Federal da Paraíba Resumo As fronteiras entre os campos da arte e da comunicação são cambiantes: artistas e teóricos utilizam linguagens, teorias, cenários e ícones da cultura comunicacional. Através da interatividade e da convergência dos dispositivos digitais, a arte contemporânea tem se tornado uma arte da comunicação - um fenômeno dialógico que acontece apenas com a participação do espectador. Buscamos compreender de que forma as artes interativas criam novos parâmetros de relação entre a Comunicação e a Sociedade. Quais seriam as implicações da conexão entre arte, mídia e tecnologia? Pretendemos sistematizar uma argumentação, ocupando-nos com as questões do plano estético e social, nos quais se evidenciam novas formas de comunicabilidade e negociação de significados. Palavras-chave Comunicação; Arte; Tecnologias Digitais; Estética Prelúdio O objetivo deste texto é traçar um breve panorama histórico das relações entre a comunicação e a arte, mostrando as dobras e pontos de contato entre campos muitas vezes nem tão bem delimitados, até desaguar no cenário contemporâneo, no qual emerge a artemídia 3 - uma arte da comunicação. Privilegiaremos a experiência estética, em suas articulações com os processos sociais, como formas cognitivas e pedagógicas, reconhecendo que o meio ambiente atual se encontra configurado através de um ethos midiático (Sodré, 2002), uma nova ambiência que distingue uma outra forma de vida. 1 Trabalho apresentado ao GT Iniciação Científica - Teoria e Metodologia da Comunicação, do IX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Nordeste. 2 Graduando do curso de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e bolsista (PIBIC/CNPq) do Grupo de Pesquisa Navegação nas águas da Cibercultura - Um estudo da comunicação e das mídias digitais, orientado pelo professor Cláudio Cardoso de Paiva (Departamento de Comunicação/UFPB). E-mail: mauricioliesen@gmail.com 3 Os termos variam de acordo com a linhagem do pensamento: Arte Mídia (alemã/inglesa), Arte Numérica (francesa), Ciberarte (brasileira). O termo arte digital interativa, ou somente arte interativa, ou arte digital interativa, é mais genérico. Arte tecnológica é o termo mais amplo de todos, sendo iniciada com a fotografia no século XIX. 1

Convergências e expansões As fronteiras entre os campos da arte e da comunicação são cambiantes: artistas, artesãos, estetas utilizam linguagens, teorias, cenários e ícones da cultura comunicacional. Por outro lado, elementos e experimentações estéticos, antes próprios do domínio artístico, são incorporados aos discursos midiáticos. O ambiente tecnocultural suscitado a partir da expansão das tecnologias digitais da comunicação no cotidiano instiga, desafia e estimula artistas, teóricos e profissionais, transformando o domínio da criação. As relações entre os meios de comunicação e as artes tomaram corpo a partir do estabelecimento da comunicação massiva, pós-revolução Industrial 4. Desde então, estamos assistindo a um evidente crescimento das mídias e dos signos que por elas transitam. Junto com as máquinas físicas, houve o aparecimento de máquinas de produção simbólica (logo, meios de comunicação em potencial), dentre eles a expansão da imprensa, o telégrafo, a fotografia e o cinema. Em seguida, vieram o rádio e a televisão. E todas estas inovações tecnológicas foram sendo absorvidas e subvertidas pelos artistas. Até o século XIX, os objetos de arte eram produzidos artesanalmente. Porém, a câmera fotográfica - um sintetizador de conhecimentos químicos, matemáticos, ópticos e mecânicos - foi o estopim não só para a degradação dos valores artísticos herdados da Renascença, mas também para a confusão do conceito de Belas-Artes 5, do final do século XVII. O aparecimento da fotografia marca o fim da exclusividade das artes artesanais e o nascimento das artes tecnológicas (Santaella, 2003, p152). Podemos, a partir de então, apontar linhas de convergência entre esses dois campos bastante complexos. Um texto seminal e essencial para se compreender esta relação, é o conhecido A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica 6, publicado originalmente em 1936, do filósofo alemão Walter Benjamin (1994). O pensador, ao identificar a perda da aura 7 do objeto artístico a partir de sua reprodução técnica através das novas tecnologias (na época, o cinema e a fotografia), nos mostra 4 Cf. SANTAELLA, Lúcia. Por que as artes e as comunicações estão convergindo?. São Paulo: Paulus, 2005. 5 Conceito que surgiu no final do século XVII, início do XVIII, que elevava o conceito Renascentista do belo como a grande finalidade da Arte, sendo esta dividida em sete categorias: pintura, escultura, arquitetura, poesia, música, teatro e dança, chamadas de Belas-Artes. 6 In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas Volume 1: magia, técnica, arte e política. 7ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 7 O aqui e o agora (hic et nunc) da obra, sua existência única no tempo-espaço. 2

que, longe de provocar uma perda ou morte dos princípios estéticos, o que mudou foi a própria natureza da arte. De acordo com suas idéias, as relações entre os meios tecnológicos e a arte provocaram ao mesmo tempo: uma crise com a liquidação do valor tradicional do patrimônio cultural ; e uma renovação os meios provocaram alterações profundas no modo da sensibilidade e percepção humanas. Esse pensamento é fundamental para compreensão das relações entre as tecnologias da comunicação e a sociedade. Antenado com as idéias de Benjamin, o teórico canadense Marshall McLuhan (1996) escreveu que uma nova tecnologia modifica - ou amplifica - os sentidos do homem, desencadeando mutações sensoriais e intelectuais que dialogam com o campo estético. Em 1964, com a publicação do seu Understanding Media, o canadense analisa a passagem da estética da forma da filosofia da arte para a filosofia da mídia. (...) ele realiza uma virada de enorme importância, na qual relaciona os problemas da forma estética aos meios de comunicação (Arantes, 2005, p. 162). Na mesma década, a partir da penetração das tecnologias eletrônicas da comunicação no cotidiano, da criação das imagens sintéticas e da utilização dos primeiros computadores, observamos a emergência dos primeiros paradigmas estéticos baseados em sistemas teóricos próprios do campo comunicacional: a teoria da informação e a cibernética, que cedem seu conceito de informação para compreensão do fenômeno estético. A experiência estética cede lugar a uma apreciação quantitativa, numérica e racional. Busca-se uma contraposição às tendências subjetivistas, idealistas, transcendentais ou epistemológicas das teorias estéticas derivadas da tradição kantianohegeliana (Giannetti, 2006, p. 16). As estéticas informacionais, criadas por Abraham Moles e Max Bense 8, mesmo propondo um novo paradigma de análise para novas formas artísticas ao inscrever parâmetros baseados nas teorias da informação, apresentam dois grandes problemas. Em primeiro plano, a própria concepção de comunicação, na qual se vincula o conceito de informação das teorias informacionais, é reducionista, baseada no modelo matemático de Shannon e Weaver 9. Não há espaço para a relação intersubjetiva e nem se valorizam semanticamente os elementos de possível interferência no fluxo da informação o 8 Cf. BENSE, Max. Pequena estética. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2003; MOLES, Abraham. Rumos de uma cultura tecnológica. São Paulo: Perspectiva, 1973. 9 De forma grosseira, poderíamos resumir a teoria matemática da comunicação da seguinte forma: um emissor ou uma fonte emite um sinal, através de um transmissor. O sinal passa por um canal, que pode ou não ser afetado por um ruído. O sinal é então captado por um receptor que decodifica a mensagem para um destinatário. 3

processo de comunicação aberta ou intercâmbio e informação é negado (Giannetti, 2005, p. 59). O segundo problema, explicitado por Priscila Arantes (2005, p.165), é a ênfase no objeto artístico, em detrimento ao sujeito ou ao processo no qual é desenrolado a experiência estética. Já na década de 70, ocorre a definitiva ruptura da concepção da arte enquanto realização objetual. Nasce, portanto, a arte conceitual privilegiando mais a idéia do que o objeto, culminando em sua desmaterialização. Com isso, os artistas começam a lidar com a problemática do ambiente, enfatizando a presença e a participação do espectador na obra. Ao mesmo tempo, dando continuidade à multiplicidade dos suportes iniciados com os ready-mades de Duchamp, surgiram obras construídas com uma miríade de novos materiais. Para assinalar o processo de estetização das mídias e midiatização das artes, lembramos aqui da arte pop (anos 60 e 70), que ao tornar sua natureza multimídia absorveu (e foi absorvida) pelos símbolos da cultura de massa. A arte pop é uma espécie de metaarte ou metalinguagem, pois ela tomou como objeto não a realidade percebida (...), mas representações encontradas no desenho gráfico, nos anúncios publicitários, nas embalagens dos produtos e no cinema (Santaella, 2005, p. 39). Por sua vez, o discurso midiático, principalmente o publicitário, retrabalhou as imagens produzidas por este movimento. As obras artísticas então denunciaram que os meios massivos de comunicação (com seus signos, temporalidades e espacialidades) estavam cada vez mais presentes nos cenários urbanos. Os anos 80 marcam a tomada de consciência dos artistas para a intervenção das novas tecnologias da comunicação (microcomputadores, redes telemáticas, videogames) na vida cotidiana, constituindo uma verdadeira ruptura com as pesquisas anteriores a respeito da interação entre comunicação, arte e tecnologia. A valorização de técnicas comunicacionais para fins estéticos é o ponto essencial nesse desenvolvimento. É a partir desse momento que se pode falar de uma arte da tecnociência, de uma arte em que intenções estéticas e pesquisas tecnológicas fundadas cientificamente parecem ligadas indissoluvelmente e, em todo caso, se influenciam reciprocamente (Popper, 1999, p. 203). É nesse contexto que surge, em 1983, a Estética da Comunicação 10, postulada pelo teórico italiano Mário Costa, juntamente com o artista francês Fred Forest. Nesse 10 Cf. COSTA, Mario. L estetica della comunicazione: cronologia e documenti. Salermo: Palladio, 1988; e COSTA, Mario. O sublime tecnológico. São Paulo: Experimento, 1995. 4

período, vários suportes começaram a ser experimentados: o laser, a holografia, a eletrografia, a scan TV (TV de varredura lenta), satélites, telecâmeras, o Minitel, instalações com vídeos etc. Além de lançar seus olhares para o novo aspecto processual, imaterial e dialógico das artes tecnológicas - coincidindo com a exploração das primeiras redes telemáticas por artistas de várias partes do mundo -, a estética da comunicação é um dos primeiros movimentos teórico-conceituais a refletir de forma mais sistemática sobre o emprego das tecnologias da telecomunicação como fonte de expressão artística (Arantes, 2005, p 165). O intuito de Costa era de elaborar, além de uma teoria estética, uma teoria psicossociológica ligada às novas tecnologias da comunicação. Relendo Benjamin e McLuhan, Costa percebe a atenuação das linhas entre as esferas da arte, da comunicação e do social, ao afirmar que as tecnologias comunicacionais provocam transformações antropológicas, agrupando-as em três categorias fundamentais: 1. Re-apresentação de coisas ou acontecimentos, que guardam seu caráter de fluxo; 2. simulação de algo que não existe e que se constitui graças à mediação de aparatos tecnológicos; 3. realização de novas formas de comunicação, que modificam a fenomenologia do acontecimento (Costa, 1995, p.7). A Estética da Comunicação lançou as bases para a discussão da arte contemporânea, por já antever, mesmo antes da proliferação das redes digitais de comunicação, que os campos das artes e das comunicações iriam se imbricar de tal maneira que atualmente é impossível não lidar com questões de ambos os campos quando lançamos nossas atenções para apenas um deles. Mas, com o desenvolvimento e expansão, na virada do século, das tecnologias digitais, biotecnologias, nanotecnologias e das redes teleinformáticas, os campos da arte, da estética e da comunicação aproximaram-se do cotidiano ao ponto de se entrelaçarem-se com a própria vida. À metáfora de arte como fluxo comunicacional é acrescida a idéia de organismo. Com isso, alguns estudiosos procuraram erigir paradigmas estéticos que dessem conta desta transformação, principalmente ligados aos aspectos sistêmicos, processuais e contextuais das práticas artísticas mediadas. Podemos destacar as diretrizes estéticas expostas por duas brasileiras: Cláudia Giannetti, com sua endoestética 11, centrando seu foco no papel desempenhado pelo interator dentro do sistema interativo e como peça 11 O termo refere-se ao conceito de endofísica, no qual o observador sempre constitui o sistema observado. Cf. GIANNETTI, Cláudia. Op. cit. 5

fundamental na experiência estética; e mais recentemente Priscila Arantes, que teorizou a interestética 12, uma estética híbrida centrada no contexto e nas situações relacionais dentro do sistema interativo, sejam elas entre humano-máquina ou máquina-máquina, cobrindo portanto ambientes artificiais autopoiéticos. Ambiência midiática e alavancas metodológicas O levantamento dessas correntes do pensamento estético através da história dos meios e das artes reverbera o fato de que os objetos e a vida social são contaminados por essa lógica da comunicação. Por outro lado, seguindo o pensamento de alguns teóricos como o filósofo francês Michel Maffesoli (2005), na contemporaneidade está ocorrendo a reconciliação entre a esfera estética e as outras instâncias da experiência. Para ele, a estética vai além do estudo do belo e recupera seu sentido original, do grego aisthesis, que significa sentir, difratando-a no conjunto da existência. Temos então dois campos extremamente amplos comunicação e estética disseminados numa miríade de instâncias da vida social. Ou seja, as artes digitais situam-se num meio ambiente estetizado e midiatizado. Para compreender esta nova ambiência, este novo modo de viver midiatizado, cabe aqui fazer uma breve incursão nas idéias do teórico brasileiro Muniz Sodré (2002), que identificou e teceu uma descrição dessa nova etapa das relações entre mídia e sociedade. Muniz Sodré afirma que a comunicação participa das diversas formas de viver contemporâneas. Em seu livro Antropológica do Espelho (2002), o autor compreende a mídia não como transmissor de informação mas como ambiência (local, situações, subjetividades, dimensão política), como uma forma de vida, como um novo modo de presença do sujeito no mundo, como um novo bios - no sentido aristotélico. Para Aristóteles, a vida humana em sociedade (Polis) possui três gêneros de existência (bios) o bios theoretikos (a vida contemplativa), o bios politikos (a vida política) e o bios apolaustikos (a vida dos sentidos, do prazer). Cada bios é, assim, um gênero qualificativo, um âmbito onde se desenrola a existência humana (Sodré, 2002, p. 25). 12 Como a autora mesmo destaca, o prefixo inter refere-se tanto a constituição híbrida de seu paradigma estético, como também à noção de interface. Cf. ARANTES, Priscila. Op. Cit. 6

Assim, os meios da comunicação assumem um papel definitivo na vida em sociedade. Ser midiatizado significa existir. O indivíduo é solicitado a viver, muitopouco reflexivamente, no interior das tecnointerações, cujo horizonte comunicacional é a interatividade absoluta ou a conectividade permanente (ibidem, p.24). Neste ponto, assim como o fez Benjamin, Sodré nos mostra outra face do bios midiático: ao mesmo tempo em que implica numa outra condição antropológica do indivíduo e uma transformação das formas tradicionais de sociabilização, ele obedece à lógica de controle, do capitalismo neoliberal. Os meios de comunicação transformaram de tal forma os sentidos e percepções sociais que podemos então deduzir o nível profundo da relação da arte com a temática comunicacional. A arte digital flana pelo bios midiático e pode constituir como uma forma de reflexão deste novo nível de existência. A arte midia constitui um lócus privilegiado para o estudo das formas, da aparência, da pele que reveste o social midiático. Nesse ponto, voltemos ao pensamento de Maffesoli, que trata a estética, de um lado, como uma forma de conhecimento que integra parâmetros tidos como superficiais : a emoção, o cotidiano, o frívolo, as formas, as aparências. Por outro, a estética vai fundamentar o laço social, valorizando o sensível, a emoção coletiva, a comunicação ou seja, uma ética-estética (laço coletivo-sentir comum), uma conduta diante da forma. A experiência estética assume, nesta concepção, um vetor fundamental de educação e conhecimento. O sentido está na superfície, nas formas. O sentido está na interface. Isso nos remete então às novas correntes estéticas que se preocupam em apreender o contexto, o processo, a interface, a superfície, a aparência, das obras digitais interativas. Os sistemas estéticos poderiam então funcionar como alavancas metodológicas, com a função de sistematizar uma metodologia para o estudo de objetos culturais. As estéticas como categorias processuais. E a estética articulada com os processos cognitivos, educacionais e sociais. A arte media, além de denunciar a crise de antigos paradigmas não só estéticos, mas também sociais a partir do estabelecimento da ambiência midiática, nos mostra mudanças na sensibilidade, na percepção, nas subjetividades. Talvez um dos grandes desafios da arte contemporânea seja saber transitar pelo ethos midiático e atuar de forma crítica ante as semelhanças do ambiente (sensação), da 7

aparência (sedução) e do acontecimento (efeitos, processo). tão caros à mídia,à arte e ao jogo. Esses questionamentos, trocas e espaços mútuos entre esses campos em dobras criam uma espécie de zona transdisciplinar para os estudos da arte e da comunicação. Estar atento às manifestações artísticas, as representações e formas sensíveis do cotidiano podem nos fornecer caminhos de compreensão dos fluxos sociais e comunicacionais. E vice-versa. Como vimos, desde o flerte inicial, signos de ambas as campos se insinuam numa relação poligâmica. Considerações finais O presente texto é um recorte com as nossas impressões iniciais acerca das conexões entre arte, mídia, estética e tecnologia, a partir de estudos realizados dentro do projeto de pesquisa Navegação nas águas da Cibercultura - Um estudo da comunicação e das mídias digitais, e para o desenvolvimento do nosso trabalho monográfico Comunicação, arte e tecnologia no imaginário do ciberespaço: Um estudo das relações entre mídias digitais e a estética na cibercultura, ambos orientados pelo professor Cláudio Cardoso de Paiva (Departamento de Comunicação/UFPB) Este estudo parte da idéia de que as artes ampliam as portas da percepção. O objetivo deste trabalho foi lançar algumas pedras para construção de um debate sobre as relações entre a comunicação e a arte digital interativa. Buscamos através da arte, alavancas metodológicas que ampliem as possibilidades de apreensão do cotidiano. Este cenário nos traz alguns questionamentos e reflexões: indagamo-nos, por exemplo, de que forma a arte interativa problematiza os paradigmas comunicacionais? Quais seriam as implicações da conexão entre arte, mídia e tecnologia? Quais as matrizes teóricas que poderiam nortear um debate sobre a conexão entre arte, mídia e sociedade? Como entender, neste contexto, a forma e o sentido das subjetividades (as expressões do indivíduo) e das intersubjetividades (as modalidades das relações sociais)? É a partir destas inquietações que buscamos sistematizar uma argumentação, ocupando-nos com as questões do plano estético e do social, do indivíduo e da sociedade, em que se evidenciam novas formas de comunicabilidade e de negociação dos significados. Os caminhos estão abertos. 8

Referências bibliográficas ARANTES, Priscila. Arte e Mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Senac São Paulo:2005. BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas - Volume 1: magia, técnica, arte e política. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BENSE, Max. Pequena estética. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2003 COSTA, Mario. O sublime tecnológico. São Paulo: Experimento, 1995. DOMINGUES, Diana (Org.). A arte no século XXI: A humanização das tecnologias. São Paulo: UNESP, 1997.. Criação e Interatividade na Ciberarte. São Paulo: Experimento, 2002. ECO, Umberto. Obra Aberta. 9 ed. Série Debates. São Paulo: Perspectiva, 2005 GIANNETTI, Cláudia. Estética Digital: sintopia da arte, a ciência e a tecnologia. Belo Horizonte: C/Arte, 2006. GULLAR, Ferreira. Argumentação Contra a Morte da Arte. 8 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003. MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário. 3 ed. São Paulo: Edusp, 2001. MCLUHAN. Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem: understanding media. 8ed. São Paulo: Cultrix, 1996. MICHEL, Maffesoli. No fundo das aparências. Rio de Janeiro: Vozes: 2005. MOLES, Abraham. Rumos de uma cultura tecnológica. São Paulo: Perspectiva, 1973. 9

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