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2 Vila de Paranapiacaba, história e patrimônio ambiental Em tupi-guarani, paranapiacaba significa lugar de onde se vê o mar. A sabedoria indígena não podia ter sido mais precisa: a vila ferroviária, que surgiu em 1861 como acampamento para abrigar trabalhadores da companhia São Paulo Railway (R), está encravada na Serra do Mar, entre a Grande São Paulo e a Baixada Santista. De seus mirantes, em trilhas recobertas por Mata Atlântica, é possível avistar alguns trechos da faixa litorânea paulista. A estrada de ferro foi criada para servir de via de escoamento da crescente produção cafeeira do interior paulista para o Porto de Santos. E, de lá, para o mercado externo. Portanto, a Vila de Paranapiacaba e a ferrovia têm grande significado para a compreensão da própria constituição dos espaços regional e nacional. A história de sua construção teve início em 1855, quando Irineu Evangelista de Souza, o visconde de Mauá, esteve em Londres com a missão de contratar uma companhia para construir a Estrada de Ferro Santos Jundiaí. Naquela época, a Inglaterra era o país financiador e maior executor de obras ferroviárias em vários países do mundo. Doze anos depois, em 1867, a ferrovia, construída pela R, era inaugurada. Uma das maiores dificuldades de sua execução foi vencer as escarpas da Serra do Mar. No início, foi adotado o sistema chamado de funicular, muito usado em minas de carvão no norte da Inglaterra. O conjunto funcionava com quatro máquinas fixas que tracionavam e movimentavam cabos de aço para iniciar a subida dos vagões pelos planos inclinados da serra. Depois, o sistema sofreu algumas intervenções tecnológicas com a criação de novos planos inclinados e o desenvolvimento de um sistema chamado de locobreque que usava cabos de aço sem-fim para tracionar as composições. Além da estação ferroviária e da torre do relógio, também foram erguidas edificações para alojar operários e engenheiros. Conhecidas como Vila Martim Smith ou Vila Nova, essas edificações têm traçado ortogonal, com ruas principais e secundárias, além de setores residenciais com traçado retilíneo. O porte das residências correspondia à hierarquia de comando na empresa ferroviária. Apogeu e decadência do transporte ferroviário Por aproximadamente 60 anos, a Estrada de Ferro Santos Jundiaí foi vital para a expansão da economia cafeeira. Calcula-se que, entre 1890 e 1930, tenham passado por ali cerca de 450 milhões de sacas de café de 60 quilos. No entanto, com o passar do tempo, a cafeicultura deixou de ocupar o posto de principal atividade econômica do país. A industrialização começou a florescer e o Brasil dava os primeiros passos para diversificar sua economia. Nos anos 1930, após sucessivas crises de superprodução, ocorreu um grande processo de desvalorização do café. Com isso, muitas áreas de plantio foram desativadas (leia Cafeicultura e ferrovias no Brasil ). Nesse novo cenário, era inevitável que Paranapiacaba, Emblemas que ainda podem ser encontrados nas máquinas e locomotivas de Paranapiacaba registram a presença da São Paulo Railway, das locomotivas de fabricação inglesa e dos vagões da Estrada de Ferro Santos Jundiaí Roberto Catelli Jr.
3 Estação de trem em Paranapiacaba. Eduardo Albarello fundada para servir ao transporte de café, sentisse evidentemente os primeiros sintomas da decadência. Aos poucos, a estrada e a própria vila perderam importância. Em 1946, encerrou-se o período de concessão da R e os últimos ingleses foram embora. A própria estrada, máquinas, equipamentos e acervo foram encampados pela União. Um ano depois já se iniciava uma alternativa ao transporte rodoviário com a inauguração da primeira pista da Rodovia Anchieta, ligando São Paulo a Santos. No início da década de 1950, o governo brasileiro passou a investir fortemente no transporte rodoviário, em detrimento do ferroviário. Em 1957, a Rede Ferroviária Nacional assumiu o controle dos equipamentos e da malha ferroviária da antiga R. Os anos 1970 foram especialmente significativos para o processo de decadência que a Vila de Paranapiacaba experimentou com a redução da atividade cafeeira e a criação de novos sistemas tecnológicos que tornaram o sistema funicular obsoleto. Até que, em 1982, ele foi totalmente desativado. Novos desafios para a preservação de Paranapiacaba Nesse mesmo ano, a antiga estação foi destruída por um incêndio e muitas residências foram demolidas. Naquela época, a estação ainda recebia o trem suburbano de passageiros que saía da Estação da Luz, em São Paulo, e passava por algumas cidades da região metropolitana antes de chegar à vila, sua última parada. Com a decadência do sistema ferroviário e sua privatização nos anos 1990, a malha passou ao controle da MRS Logística, que hoje opera o sistema apenas para transporte de carga. As transformações ocorridas na vila, que conta com pouco mais de mil habitantes, e na região provocaram debates sobre a importância da preservação ferroviária e dos ambientes naturais a seu redor. Em 1987, a vila e seu entorno foram tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em 2000, tornou-se um dos núcleos da Unesco da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Grande São Paulo. Em 2003, sua área foi tombada pelo patrimônio de Santo André (município ao qual pertence o distrito de Paranapiacaba desde 2001) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão federal ligado ao Ministério da Cultura. Naquele mesmo ano nascia o Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, uma unidade de conservação voltada à preservação da rica biodiversidade local, a pesquisas e educação ambiental (leia A Serra do Mar e a Mata Atlântica ). Ecoturismo, turismo de aventura e educação ambiental estão entre as novas atividades desenvolvidas na vila que envolvem diretamente a participação da população local e criam novos desafios para a preservação de Paranapiacaba. A vila representa um importante patrimônio cultural da presença inglesa no Brasil, da história das ferrovias e da cafeicultura. Além disso, a região mantém uma reserva de Mata Atlântica, sendo também patrimônio ambiental brasileiro. No entanto, é necessário refletir sobre o significado de preservar a Vila de Paranapiacaba. Não se trata apenas de cultivar a memória de um passado distante. É preciso também avaliar de que maneira esse rico patrimônio natural e cultural a ser protegido pode dar vida à comunidade local no presente e no futuro.
4 Localização de Paranapiacaba RODOVIAS B Principais troncos rodoviários Pavimento, pista dupla Em duplicação Pavimentada Em pavimentação Terra Estradas precárias Prefixo de rodovias federais Prefixo de rodovias estaduais Distância aproximada em km Nome da rodovia Pedágio Polícia Rodoviária Posto de combustível Balsa Fonte: Guia Rodoviário 2009 - Guia Quatro Rodas DIVERSOS ferroban uv Ferrovia: linha de carga Ferrovia: linha turística Nome da ferrovia Voos regulares internacionais Voos regulares nacionais Cidade histórica Cidade em estância hidrotermal, termal ou climática Cidade serrana Lagos e represas Rios Barragem Porto Barco para passageiros Atração turísticao ou referência Altitude em metros Unidades de conservação Divisa interestadual CIDADES São Paulo campinas Araraquara Barretos Registro Aguaí Lindoia Solemar Capital acima de.000 hab. de 150.001 a.000 hab. de 100.001 a 150.000 hab. de 50.001 a 100.000 hab. de 25.001 a 50.000 hab. até 25.000 hab. distritos, vilas e outras localidades
5 Trabalho de campo: investigue, pergunte, descubra O s estudantes participantes devem aproveitar as informações coletadas no trabalho de campo para realizar a última prova. Assim, é essencial que, durante a visita a Paranapiacaba, você tome nota de tudo o que lhe parecer importante para compreender o significado histórico-geográfico da vila. Passaremos por quatro pontos (confira a planta na pág. 6). O primeiro será a caminhada pela trilha do Parque Natural Nascentes de Paranapiacaba, a ser realizada por todo o grupo logo após a chegada ao local. Depois serão formados três grupos, cada um acompanhado por um professor. Em seguida serão indicados outros três pontos a serem visitados. Caberá ao grupo organizar a ordem e o conteúdo a ser explorado em cada um deles. O professor acompanhante poderá responder às perguntas do grupo e auxiliar em suas decisões. Caberá ao próprio grupo, porém, tomar a iniciativa e decidir quais os melhores caminhos de investigação a ser seguidos. Caso tenha tempo, será possível também ao grupo percorrer outros lugares para obter mais conhecimento. No fim da jornada, os três grupos se reunirão novamente para uma Mapa de acesso última atividade coletiva, antes do retorno e posterior realização da prova. O essencial é que os grupos mantenham um espírito investigativo, trabalhem de forma coletiva e procurem levantar o máximo de informações para compreender as várias relações sociais que se constituíram naquele espaço ao longo da história. é certo que o grupo que conseguir tirar melhor proveito dessa etapa estará mais bem preparado para a prova final. Sugerimos que os grupos levantem questões e adquiram informações sobre os seguintes temas: Sistema ferroviário. Patrimônio histórico e cultural local. Patrimônio arquitetônico, especialmente o relacionado à presença inglesa na região. Patrimônio ambiental: aspectos da Serra do Mar e da Mata Atlântica no local e sua biodiversidade e seus recursos hídricos. Organização e papel do ecoturismo para a preservação do patrimônio cultural e ambiental e dinamização econômica da vila.
6 Planta da Vila de Paranapiacaba
7 Ponto 1 Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba (trilha) Patrimônio ambiental A Serra do Mar e a Mata Atlântica O Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, unidade de conservação criada para a proteção da Mata Tropical Atlântica e preservação da biodiversidade local, apresenta rica variedade de espécies de flores, além da presença de diversas árvores, como cambuci, guamirim, manacá-da-serra, entre outras. Em meio ao parque habitam vários animais, como o gato-do-mato, a jaguatirica, a onça-parda, o quati e inúmeras espécies de pássaros. Quase a metade de sua área está recoberta por mata em avançado estado de regeneração. Isso porque durante muitos anos a poluição do Polo Petroquímico de Cubatão afetou a mata e a biodiversidade locais. Posteriormente, muitas espécies nativas foram semeadas para recompor parte da paisagem original. A importância do parque aumenta quando examinamos a situação geral da Mata Tropical Atlântica. Originalmente, o bioma se estendia do Piauí ao Rio Grande do Sul, atingindo o Paraguai e a Argentina. A área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados recobria cerca de 15% do território nacional. Situado em áreas de densa ocupação, desse bioma restam hoje apenas cerca de 7% da extensão original. Nessas regiões, vivem aproximadamente 62% da população brasileira (ou 110 milhões de pessoas). Em São Paulo, a mata recobre a Serra do Mar, conjunto de dobramentos antigos e fortemente trabalhados pela erosão junto à faixa litorânea. Em Paranapiacaba e no parque é possível avistar encostas íngremes e entalhadas pela erosão e grotas (depressões) profundas. O bioma, o mais rico em biodiversidade no mundo favorecida pela diversidade climática, pela pluviosidade e por variados níveis de altitude, caracteriza-se por florestas densas, árvores altas e troncos recobertos de epífitas. Em sua extensão associa-se a outros ecossistemas, como manguezais, restingas, ilhas costeiras, matas de araucária e campos de altitude. A contiguidade do parque com outras unidades de conservação pode garantir trânsito de animais, fluxos de espécies de flora e áreas de transição entre os ecossistemas. O bioma responde também por processos hidrológicos associados às grandes bacias hidrográficas brasileiras. No parque estão as nascentes do Rio Grande, principal formador da Represa Billings, que abastece a Grande São Paulo, o que eleva ainda mais a importância dessa unidade de conservação. Fontes: Atlas do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba, 2008, pág. 25 e seguintes; SOS Mata Atlântica (disponível em http://www.sosmatatlantica.org.br/index.php?section=info&action=mata).
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9 Ponto 2 Vila Martim Smith Patrimônio arquitetônico Patrimônio cultural, patrimônio natural Os bens materiais e imateriais, tangíveis e intangíveis, que compreendem o patrimônio cultural, são considerados manifestações ou testemunhos significativos da cultura humana, reputados como imprescindíveis para a conformação da identidade cultural de um povo. Em se tratando do patrimônio natural, a avaliação é ainda maior, posto que a salvaguarda dos recursos materiais e do conhecimento tradicional sobre os usos desses recursos é tida como essencial para a garantia de uma vida digna para a população humana. Apesar disso, outros interesses são identificados na conservação do patrimônio natural, em especial a intenção de reservar informação genética nas áreas protegidas para uso futuro. ZANIRATO, Silvia Helena and RIBEIRO, Wagner Costa. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Revista Brasileira de História [online], 2006, vol. 26, no 51, pág. 252.
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Ponto 3 Museu do Castelinho Patrimônio histórico 11
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13 Ponto 4 Museu funicular Patrimônio histórico Cafeicultura e ferrovias no Brasil Nas primeiras décadas do século 19, o café se espalhou por vilas do Rio de Janeiro. Logo seu cultivo chegou à província de São Paulo. Durante toda a segunda metade daquele século, o café manteve-se como principal atividade exportadora. Com a crescente expansão da cafeicultura brasileira e a onda de investimentos no país após a abolição do tráfico negreiro em 1850, a região do oeste paulista foi beneficiada com a construção de estradas de ferro que passaram a fazer a ligação dos terminais portuários com a região cafeeira. Assim, o custo do transporte do café foi reduzido em até 30% e as plantações de café puderam expandir-se. Em 1910, das 20 ferrovias paulistas, 16 pertenciam a cafeicultores. Uma década depois, o café respondia por 70% das receitas cambiais do país, o que tornava a economia muito frágil. Essa dependência tornou-se catastrófica em 1929, quando uma crise econômica internacional causada pela quebra da Bolsa de Valores Nova York fez com que o preço do café despencasse. A cafeicultura deixou de representar o suporte da economia nacional. Após a Segunda Guerra Mundial, não só se reduziu a produção agrícola para exportação como se desenvolveu mais aceleradamente a indústria. Assim, as ferrovias ajustadas ao traçado interior porto não eram adequadas ao polo urbano-industrial que se formava. Sem investimentos tecnológicos, os trens tornaram-se obsoletos em comparação aos modernos caminhões que surgiram. Aos poucos, os investimentos estatais foram direcionados à construção de novas rodovias com traçados condizentes com o desenvolvimento da economia industrial.
14 Referências bibliográficas LAMARCA, Vicente. A história de Paranapiacaba. Associação Ambientalista Mãe Natureza, s.d. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. Atlas do Parque Natural Municipal Nascentes de Paranapiacaba: revelando o nosso parque. 2ª ed. São Paulo: Annablume: Paradiso, 2008. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ. Paranapiacaba: Patrimônio Histórico, Cultural e Natural do Brasil. Disponível em: http://www.santoandre.sp.gov.br/paranapiacaba/. Acesso em 29 de setembro de 2009. ROSS, Jurandyr L.S. (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1995. ZANIRATO, Silvia Helena and RIBEIRO, Wagner Costa. Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável. Revista Brasileira de História [on-line], 2006, vol. 26, nº 51.