A OMISSÃO ESTATAL NO TRATAMENTO DO VICIADO EM ENTORPECENTES



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Transcrição:

A OMISSÃO ESTATAL NO TRATAMENTO DO VICIADO EM ENTORPECENTES Fábio Martinez HUNGARO 1 Francisco José Dias GOMES 2 RESUMO: Conforme estipulado na Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e também na Constituição Federal, é dever do Estado zelar pela saúde dos cidadãos, dentre os quais se incluem os viciados em entorpecentes. Cabe ao Estado dispor de clínicas especializadas para a realização de tratamento específico, bem como, coordenar atividades de reinserção social dos viciados em drogas. Na Lei de Drogas, mais precisamente em seu Capítulo II, estão descritas as atividades de reinserção social e atenção aos usuários e dependentes químicos. Todavia, uma análise prática mostra uma omissão estatal quanto à eficácia de tais dispositivos. Palavras-chave: Lei 11.343/06. Reinserção Social. Dependente Químico. Tratamento Específico. Estado. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo demonstrar e evidenciar a necessidade da implementação de formas para tratar o viciado e estimular a reinserção social dos dependentes químicos no Brasil. A Lei 11.343/06, mais conhecida como Lei de Drogas, traz em seu Capítulo II sete artigos descritivos de atividades de atenção e de reinserção social de usuários ou dependentes de drogas. Em paralelo, a Carta Magna de 1988 também assevera em seu artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse aspecto, cabe a análise da evolução legislativa sobre o tema, de modo a mostrar o panorama do tratamento legal do dependente químico existente 1 Discente do sétimo termo do curso de Direito das Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente/SP. E-mail: fabiomhungaro@hotmail.com 2 Docente do curso de Direito das Faculdades Integradas Antonio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Orientador do trabalho.

quando da edição da Lei 11.343/06, já que, anteriormente, a Lei 6.368/76 (antiga Lei de Antitóxicos) e também a Lei 10.409/02 regulamentavam as hipóteses de realização das práticas para reinserção social, bem como cuidados para tratar do viciado. O que se busca mostrar é que, a despeito das modificações legislativas, o Estado continua omisso em seu dever de auxiliar o tratamento e colocar em prática ações de reinserção social aos dependentes químicos. Frente a tal omissão, a realização das atividades legais e constitucionalmente previstas somente se torna possível através de clínicas particulares, tendo estas um custo muito alto para a realização de um tratamento eficaz e capaz de produzir resultados válidos. Muito já se foi pensado e materializado pelos órgãos competentes, porém, a falta de orçamento adequado e políticas públicas eficientes termina por inviabilizar a perfeita prestação estatal. Mesmo assim, a complexidade do tema não permite que seja simplificado mediante meras críticas e apontamento dos erros e omissões do Estado sobre o assunto, sendo necessário disponibilizar idéias de como solucionar a questão de outras maneiras, inclusive, através de modificações no ordenamento jurídico pátrio. 2 COMPARAÇÃO ENTRE AS LEIS 6.368/76, 10.409/02 E 11.343/06 NO TOCANTE AO TRATAMENTO DO DEPENDENTE QUÍMICO A Lei 11.343/06 foi mais incisiva quanto à reinserção social e tratamento adequado dos dependentes químicos. Conforme aduz Décio Luiz José Rodrigues: Seus Princípios fundamentais dizem respeito às atividades de atenção e reinserção social do usuário e dependente de droga (RODRIGUES, 2011, p.15). Neste mesmo posicionamento, Luiz Flávio Gomes pontua que: Os eixos centrais desse novo diploma legal passam, dentre outros pelos seguintes pontos: a pretensão de se introduzir no Brasil uma sólida política de prevenção ao uso de drogas, de assistência e de reinserção social do usuário (GOMES, 2008, p. 07).

Cabe ressaltar que a Lei 6.368/76 também tinha como princípios norteadores os cuidados necessários aos viciados e reintegração dos mesmos na sociedade. Para confirmar este posicionamento, está descrito no artigo 8º de referida Lei que todos os dependentes ficarão sujeitos as situações previstas no Capítulo II. O Capítulo II da antiga Lei Antitóxicos se equipara com o também Capítulo II do Título III da nova Lei de Drogas. Isto porque são em tais dispositivos que se asseguram as hipóteses e modalidades de tratamento e atividades de ressocialização dos agentes. Importante salientar sobre o valor dado a família no tocante ao acompanhamento das tratativas dadas ao dependente. Na Lei 11.343/06, três dos sete artigos que estão no Capítulo II, já citado acima, mencionam a palavra família ou familiares. Estas situações relacionadas aos familiares vieram com a nova redação, visto que a antiga lei não comentava sobre os aspectos familiares. O envolvimento do usuário com os familiares demonstra-se muitas vezes como um ponto positivo na evolução do quadro de dependência. Digamos que em certo ponto esta relação se torna decisiva na melhora do quadro do viciado (GOMES, 2008, p. 88). No artigo 9º da antiga Lei (6.368/76), já se demonstrava a importância estatal neste quesito de recuperação do dependente. Tal dispositivo pode ser considerado uma inovação para a época de sanção da Lei, posto que já tentava corrigir uma lacuna dos hospitais da rede pública. Conforme cita Menna Barreto, referida redação condiciona às eventuais necessidades e possibilidades dos Estados e Territórios a criação e a adaptação de estabelecimentos próprios para o tratamento dos dependentes de drogas (BARRETO, 1996, p. 60). Já na Lei 11.343/06, o artigo 23 trata de hipóteses no que tange a alguns deveres estatais, aduzindo que a rede dos serviços da União, bem como dos Estados, Distrito Federal e Municípios irão desenvolver programas onde usuário e dependente de drogas serão atendidos de maneira adequada, sempre respeitando as diretrizes do Ministério da Saúde. Também, referido dispositivo diz que será obrigatória a previsão orçamentária para dispor de tudo o que foi relacionado, já que estes tipos de serviços são de elevado custo, se exigindo prévio orçamento para adequação necessária. Vale aqui ressaltar, assim como foi feito por Luiz Flávio Gomes, a relação que o artigo 23 possui com uma das diretrizes advindas da Política Nacional

sobre Drogas, constituída pelo CONAD (Resolução 3, de 27 de outubro de 2005), a qual prevê: 2.2 Diretrizes 2.2.1 Promover e garantir a articulação e integração em rede nacional das intervenções para tratamento, recuperação redução de danos, reinserção social e ocupacional (Unidade Básica de Saúde, ambulatórios, Centro de Atenção Psicossocial, Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, comunidades terapêuticas, grupos de auto-ajuda e ajuda mútua, hospitais gerais e psiquiátricos, hospital-dia, serviços de emergências, corpo de bombeiros, clínicas especializadas, casas de apoio e convivência e moradias assistidas) com o Sistema Único de Saúde e Sistema Único de Assistência Social para usuário e seus familiares, por meio de distribuição descentralizada e fiscalizada de recursos técnicos e financeiros. Outra importante novidade desta mencionada Lei foi a criação do SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), onde uma das vertentes deste sistema é a atenção aos usuários e dependentes de drogas e reinserção social dos mesmos. 2.1 A Política de Redução de Danos Fato importante a ser destacado é a tentativa do Estado, através da Lei 11.343/06, de criar estratégias visadas a reduzir os danos associados ao uso abusivo das drogas. Vários fatores são relacionados para que a política possa ter o resultado esperado, dentre estes, o envolvimento familiar. Como já foi comentado, o apoio familiar mostra-se muitas vezes decisivo. No entanto, é necessário fazer uma verificação da realidade da família do dependente químico, já que se esta não estiver estruturada para enfrentar o problema, a convivência, ao invés de colaborar, poderá se tornar em fator prejudicial à recuperação do usuário/dependente. Neste sentido, Sandra Scivoletto, Helena M. B. Albertini e Maria de Lurdes Zamel (2004) demonstram os fatores de proteção e de risco ligados à família, onde se pode dizer que os de proteção são o acompanhamento das atividades pelos

pais, estabelecimento de regras e condutas claras e respeito ao rito familiar. Já, dentre os de risco, estão os pais que fazem uso abusivo de drogas; pais que possuem doenças mentais e famílias que mantêm uma cultura aditiva. Conforme assevera Luiz Flávio Gomes, estes fatores de risco podem ser individuais, sociais, familiares, escolares, etc. Todos estes fatos devem ser motivos de preocupação para aqueles que lidam com atividades de atenção e tratamento ao usuário ou dependente de drogas. Ressalte-se que esta política de redução de danos foi adicionada aos princípios do Plano Nacional Antidrogas elaborado pela então Secretaria Nacional Antidrogas (GOMES, 2008, p. 90), sendo que Tais medidas são utilizadas em grandes centros mundiais, como Europa e Estados Unidos da América. O CONAD dispõe sobre a política de redução dos danos sociais e à saúde. Alguns dos principais pontos tratados por este texto são a garantia do apoio à implementação, divulgação e acompanhamento das iniciativas e estratégias de redução de danos desenvolvidas por organizações governamentais e não governamentais, assegurando os recursos técnicos, políticos e financeiros necessários, em consonância com as políticas públicas de saúde. Também é dada a importância ao comprometimento dos governos federal, estaduais e municipais com o financiamento, formulação e implementação de programas e ações de redução de danos sociais e à saúde, considerando peculiaridades locais e regionais. Vale dizer que esta política de redução de danos abordada na Lei 11.343/06 tem em vista incutir no pensamento do viciado ou usuário sobre as conseqüências acarretadas pelo uso das drogas que podem ser na seara social, da saúde, familiar. Uma prática que constantemente lembrada é a participação dos dependentes e usuários em programas ou cursos educativos referentes à prevenção, ao uso indevido das drogas e à reinserção social (MARCÃO, 2011). Fato importante trazido pela Lei de Drogas é que, ao falar sobre a política de redução de danos expressamente, coloca um fim a insegurança até então presente entre profissionais de saúde. Isto porque, anteriormente, várias condutas realizadas em programas de redução de danos eram interpretadas como incentivadoras ao uso (GOMES, 2008, p. 93).

2.2 A Importância da Reinserção Social do Usuário e do Dependente Químico Como já frisado anteriormente, a Lei 11.343/06 tem como um dos pontos centrais o ideal de se utilizar no Brasil uma política concreta de prevenção ao uso das drogas, de assistência e reinserção social do dependente químico e usuário de drogas. Para confirmar este enfoque, o artigo 21 e 22 do Capítulo II da Lei dão ênfase às atividades e políticas direcionadas a reinserção social. Um ponto importante a ser citado, parafraseando Luiz Flávio Gomes: Os Programas, neste sentido, tem que ter o cuidado de não criarem a imagem de que os envolvidos com drogas pertencem às camadas menos favorecidas da sociedade. (GOMES, 2008, p. 93). A reinserção social, conforme Paulina Vieira Duarte: Assume o caráter de reconstrução das perdas e seu objetivo é a capacitação da pessoa para exercer em plenitude o seu direito a cidadania. O exercício da cidadania para o paciente em recuperação significa o estabelecimento ou resgate de uma rede social inexistente ou comprometida pelo período de abuso da droga. Neste cenário, ajudar o paciente a entrar em abstinência deixa de ser o objetivo maior do tratamento. Assim como as grandes técnicas de prevenção à representaram nos últimos anos grandes avanços no tratamento do paciente, a sua reinserção social torna-se, neste milênio, o grande desafio para o profissional que se dedica à área das dependências químicas. (DUARTE, 2007). O processo de reinserção social, em si, exige bastante atenção, o que o torna extremamente complexo. Resumindo, ele se inicia com uma avaliação social do usuário ou dependente, momento este em que são levantados pontos essenciais da pessoa avaliada. Estes aspectos serão úteis, tendo em vista que através deles será desenhado um novo projeto de vida ao paciente. O importante é fazer com que, quando o viciado encontrar insegurança, culpa, incapacidade e sentimentos de rejeição, possa enfrentar essas situações de risco para que não retorne a vida de dependente químico (DUARTE, 2007).

As atividades de reinserção social são voltadas à integração do dependente químico ou usuário em redes sociais. Podemos citar Paulina Vieira Duarte para explicar que as redes sociais são um conjunto de relação interpessoal concreta que vincula indivíduos com outros indivíduos (DUARTE, 2007). Esta fase é muito importante visando o projeto de vida que se busca alcançar a quem é necessário, pois é dessa forma, interagindo as pessoas com as outras, que as características pessoais começam a se desenhar. Esta convivência com outros indivíduos é um alicerce para o sentimento de que o dependente ou usuário foi aceito por aquele determinado grupo. As redes sociais, conforme aduz a respeitosa pensadora Paulina Vieira Duarte, devem ter por objetivos: 1 favorecer o estabelecimento de vínculos positivos através da interação entre os indivíduos. 2 oportunizar um espaço para reflexão, troca de experiências e busca de soluções para problemas comuns. 3 estimular o exercício da solidariedade e da cidadania. 4 mobilizar as pessoas, grupos e instituições para a utilização de recursos existentes na própria comunidade. 5 estabelecer parcerias entre setores governamentais e não governamentais, para implementar programas de orientação e prevenção pertinentes a problemas específicos apresentados pelo grupo. O artigo 22 da Lei 11.343/06 tem como base demonstrar os princípios que devem ser respeitados quando ocorrer o tratamento e as atividades de reinserção do usuário ou viciado. O primeiro deles, e não poderia ser outro, é o respeito ao dependente e usuário de drogas, independentemente de quaisquer condições. Tal preocupação vem descrita na Política Nacional de Drogas, criada pelo CONAD, na área que trata das medidas a serem seguidas no tratamento, recuperação e reinserção social. O segundo é a adoção de estratégias diferenciadas de atenção e reinserção social do usuário e do dependente de drogas. Em terceiro lugar está a definição de projeto terapêutico individualizado, orientado para a inclusão social e para a redução de riscos e de danos sociais e a saúde. O quarto princípio é a atenção ao usuário ou dependente

de drogas e aos respectivos familiares, sempre que possível, de forma multidisciplinar e por equipes multiprofissionais. O quinto se refere à observância das orientações e normas emanadas do CONAD e, por fim, o sexto princípio é o alinhamento às diretrizes dos órgãos de controle social de políticas setoriais específicas. Outra norma importante a se citar é o artigo 25 da aludida Lei, que preconiza que instituições sem fins lucrativos da sociedade com atuação nas áreas da atenção à saúde e da assistência social que atendam aos usuários ou dependente de drogas poderão receber recursos do FUNAD (Fundo Nacional Antidrogas). Tendo em vista as inúmeras instituições sem fins lucrativos que atendem esta camada da sociedade, na qual estão incluídos os usuários e dependente de drogas, mister se faz a previsão orçamentária do FUNAD para que o mesmo possa de fato atender a todas as necessidades que estas casas de assistência necessitam. 3 CONCLUSÃO A Lei 11.343/06 apresenta um avanço significativo em relação às Leis 6.368/76 e 10.409/02, pois trata com mais ênfase sobre a necessidade de recuperação do usuário e do dependente de drogas. Embora as leis anteriores também tivessem como vertentes a recuperação e tratamento do agente, a nova Lei foi mais incisiva e aborda o tema de maneira mais abrangente, mormente em seu Capítulo II. Para confirmar este posicionamento, um dos fatores a serem citados é a criação do SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), que é um sistema específico para tratamento do dependente e usuário de drogas. Importante também salientar, ainda, sobre o CONAD, que pode ser entendido como mais um mecanismo para implementação dos objetivos da Lei.

Outro ponto importante a ser lembrado é a valorização do apoio familiar, pois, conforme vários estudos demonstram, é fator decisivo no tratamento e recuperação do agente. A política de redução de danos abrange várias estratégias úteis para solucionar possíveis prejuízos relacionados ao uso abusivo e desenfreado dos entorpecentes. Tal política tem como base adentrar a mente do usuário e viciado em drogas para conscientizá-lo sobre as conseqüências trazidas pela utilização destas substâncias. A reinserção social é tratada com mais importância na Lei 11.343/06, haja vista a quantidade de vezes que a mesma é citada nos artigos do Capítulo II do referido dispositivo. Nada mais correto, tendo em vista que ela pode ser considerada como pilar da política de combate às drogas adotada no país. Papel chave tem a reinserção social na vida do agente, dado que é através dela que se cria um projeto de vida ao dependente químico e usuário. Todas as modalidades de tratamento devem ter como objetivo ressocializar o agente e demonstrar que estas pessoas devem ter a chance de começar uma nova vida, sem ter mais problemas com a utilização dos entorpecentes. Por fim, ante ao apresentado, verifica-se que a Lei 11.343/06 fala sobre o tratamento e reinserção social do dependente químico de maneira ampla. Todavia, transpondo a lei para o contexto social, nota-se que o Estado é omisso nesta questão, já que não destina verbas para que se possa realizar tudo o que está descrito de forma transparente na lei, deixando de implementar mecanismos básicos de combate às drogas. Em suma, o Estado deve prever em seu orçamento a necessidade de se implantar uma política eficaz ao tratamento do dependente e do usuário de drogas, para que todos os envolvidos nestas questões tenham a segurança de que poderão dispor de um trabalho sério e objetivo para tratar de suas carências. BIBLIOGRAFIA BRASIL. Congresso Nacional. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.

BRASIL. Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006. BRASIL. Lei 6.368, de 21 de outubro de 1976. BRASIL. Lei 10.409, de 11 de janeiro de 2002. GOMES, Luis Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William Terra de. Lei de drogas comentada. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006. MARCÃO, Renato. Tóxicos. São Paulo, Saraiva, 2008. JESUS, Damásio E. de Jesus. Lei Antitóxicos Anotada. São Paulo, Saraiva, 1997. BARRETO, João de Deus Lacerda Menna. Lei de Tóxicos. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1996. SCIVOLETTO, Sandra; ALBERTANI, Helena M. B.; ZEMEL, Maria de Lurdes. Atualização do Conhecimento sobre redução da demanda de drogas Curso à Distância SENAD 2004. Disponível em: http://abraonline.org.php. DUARTE, Paulina Vieira. Reinserção Social. Brasília. SENAD, 2001. BIZZOTO, Alexandre; RODRIGUES, Andréia de Brito. Nova Lei de Drogas. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007. MENDONÇA, Andrey Borges de; CARVALHO, Roberto Galvão de. Lei de Drogas. São Paulo, Método, 2007. SOUZA, Sérgio Ricardo de. A Nova Lei Antidrogas. Niterói RJ, Impetus, 2006.