Desenvolvendo Políticas e Práticas Inclusivas "Sustentáveis": uma Revisita à Inclusão



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Transcrição:

Desenvolvendo Políticas e Práticas Inclusivas "Sustentáveis": uma Revisita à Inclusão Resumo: Este artigo pretende levantar algumas discussões a respeito das formas pelas quais o movimento pela inclusão vem sendo interpretado em educação especial, e propõe um olhar diferenciado, que reafirma o movimento referido dentro da problemática mais ampla da luta pelo acesso à educação para todos. O artigo apresenta ainda, a título de ilustração, o relato de uma pesquisa comparativa sendo levada a cabo no presente momento, envolvendo a colaboração entre quatro países. Em suas considerações finais, algumas questões são levantadas como forma de contribuição aos debates atuais sobre propostas de implementação da inclusão em educação. Summary: The present paper aims at raising some points for discussion about the current debates on inclusive education and the ways it has been interpreted. It proposes the strengthening of a perspective on inclusion which inserts the movement within the more general actions towards education for all. It also aims at reporting some preliminary observations about an international and comparative research project being carried out in collaboration with four countries, with a view to illustrate some of the points raised in the paper and contribute to the current debate. Autoras: 1. Mônica Pereira dos Santos, Mestra e Doutora em Psicologia e Educação Especial, e Professora Adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ 1. 2. Rosita Edler Carvalho, Mestra e Doutora em Psicologia e Educação, e Consultora em Educação. 1 Rua Pompeu Loureiro, 20/202 Copacabana Rio de Janeiro RJ CEP: 22061-000. Telefone: (021) 547 1568. Fax: (021) 549 3521

Desenvolvendo Políticas e Práticas Inclusivas "Sustentáveis": uma Revisita à Inclusão Introdução Este artigo tem como objetivo apresentar algumas idéias que fundamentam um projeto de pesquisa ora em andamento, que envolve a colaboração de quatro países: Inglaterra, Brasil, África do Sul e Índia. O projeto em questão refere-se a uma pesquisa-ação desenvolvida por uma equipe de oito pesquisadores (dois em cada país). Entre outros aspectos, pretende-se fortalecer e inspirar as instituições de ensino envolvidas na pesquisa (bem como as instâncias administrativas, também envolvidas) a desenvolverem suas próprias estratégias de implementação de práticas de inclusão em educação. O desenvolvimento de práticas e políticas de inclusão tem merecido uma crescente importância nacional e internacional. Historicamente, o movimento pela inclusão pode ser considerado como parte de uma série de movimentos em favor da garantia da igualdade dos direitos sociais de participação, de acesso e permanência nos vários bens e serviços sociais, incluindo a educação. Na história da educação, o início dessas lutas se deu prioritariamente em relação a grupos minoritários mais "visivelmente" excluídos. Hoje, pode-se dizer que a luta se generalizou envolvendo todos os excluídos, mesmo àqueles que fazem parte da grande maioria, que, no senso comum de educadores, se encontra diluída sob os mais diversos rótulos ("pobre", "sem condições de sobrevivência", "descamisado", "de famílias desestruturadas", "negligenciados", "portadores de deficiência", "pretos", "doentes", "homossexuais", "descompensados", "retardados", "lentos", etc...). Pode-se dizer, ainda, que a luta pela inclusão recebeu maior impacto em duas conferências organizadas sob os auspícios das Nações Unidas. A primeira delas, ocorrida em Jomtiem, Tailândia, em 1990, oficializou a idéia de "Educação para Todos" em Declaração Mundial. A ela se seguiu, em 1994, a conferência ocorrida em Salamanca, Espanha, da qual surgiu a Declaração de Salamanca, que tem sido utilizada em vários países como fonte de inspiração para rever suas políticas e práticas educacionais. Entre outros aspectos, esta Declaração salienta que o desenvolvimento de 1

escolas com uma orientação "inclusiva" é o meio mais eficaz de melhorar a eficiência e, ultimamente, a relação custo-benefício, de todo o sistema educacional 1. (Des)Ditos & (De-s-)Feitos Pode-se dizer que estas Conferências representaram um avanço em termos da promoção da democracia, na medida em que ampliaram as discussões a respeito da inclusão para o âmbito de uma escola que deva ser acessível a todos, sem exceção. No entanto, ainda que a inclusão seja aplicável, em teoria, a todos os excluídos, e se refira a qualquer grupo que sofra processos de exclusão, na prática nem sempre ela é considerada desta forma. A tendência predominante tem sido a de se pensar a política de inclusão em educação, ou a "educação inclusiva", como sendo referente apenas a alunos com deficiências ou outros categorizados como tendo "necessidades educacionais especiais". Tal concepção tem sido criticada por alguns autores. Booth & Ainscow (1998), por exemplo, afirmam que freqüentemente a inclusão em educação tem sido vista como simplesmente como a movimentação de alunos da escola especial para a escola regular, assumindo-se que eles são "incluídos" quando aí colocados. Esta visão de inclusão além de muito limitada, cria alguns problemas: em primeiro lugar, ela deixa de ser vista como um processo e acaba sendo um fim em si mesma. Gera-se o mito de que uma vez atingidos certos objetivos e traçadas certas estratégias organizacionais e administrativas, a inclusão fica feita, fica completa. Perde-se, assim, o caráter dinâmico e dialético do processo que vai muito além, em suas raízes e evolução histórica, daquilo que pode ser visivelmente observado e feito de imediato. 1 Optamos por deixar de lado, neste artigo, as discussões acerca da adoção de termos como eficácia e relação custo-benefício (que, se interpretados apenas em sua conotação economicista, podem reforçar os riscos de um processo de busca de qualidade em educação que implique muito mais numa prática de exclusão social do que de inclusão). Estamos, no entanto, cônscias destas discussões, e temos participado delas em variados fóruns (ver, por exemplo, Santos, 1997, 1998a e 1998b; Carvalho, 1997 e 1998). 2

Em segundo lugar, e conseqüente ao exposto no parágrafo anterior, ela repete um modelo de análise que atrela o seu possível sucesso à provisão de serviços. Em outras palavras, acredita-se que medidas organizacionais são suficientes para "resolver" o "problema" da inclusão. Este modelo de análise inspira-se na idéia proposta por Deno (1970) de uma "cascata" de serviços. Sob esse modelo político-administrativo de organização do atendimento educacional escolar (inspirado no princípio da integração), a inclusão aconteceria num continuum de serviços oferecidos, que variariam, como numa cascata, do ambiente mais restritivo ao menos restritivo. Assim, quanto menos restritivo o ambiente, mais "integrada" a criança estaria, dentro do sistema educacional. Esta perspectiva trazia, implícita a necessidade de diagnosticar os casos, a fim de determinar que serviços seriam os mais "integradores" para cada caso, de acordo com suas possibilidades. Isto, por sua vez, alimentava a prática de rotular os referidos casos, na medida em que, para determinar o serviço, era necessário saber exatamente de que caso se tratava. Como se vê, um modelo que ainda não conseguia superar a tradição de uma abordagem clínica e intra-individual do "problema". Em terceiro lugar, a concentração de esforços na descoberta de um nome para o "problema" terminava por superpor, muitas vezes, o objetivo final que todo sistema educacional deve ser: o de educar. Assim, a resposta pedagógica, a organização da escola em termos das respostas educativas que deve dar a cada aluno que possui, ficava, muitas vezes, esquecida. A justificativa comum era a de que as características clínicas dos casos para inclusão apresentavam demandas que ficavam distantes da capacidade das escolas em oferecer respostas educativas de modo a favorecer a inclusão. As atitudes dos professores e outros profissionais da escola, membros do staff e comunidade atendida pela escola não eram sequer pensadas como parte do "problema". Com isso, e eis aqui o quarto aspecto, uma perspectiva pluri-dimensional da inclusão era negligenciada. Outros aspectos, tão importantes quanto o das características do indivíduo a ser "incluído" propriamente ditas, não eram considerados, como por exemplo mecanismos ideológicos de exclusão social reproduzidos na escola em diversas facetas. 3

O fracasso escolar gritante, as evasões, o agrupamento de alunos em turmas de repetentes ou em grupos dos mais atrasados no fundo das salas, além da já mencionada atitude dos implicados corpos docente, técnico, administrativo e do setor de serviços da escola, não seriam estes, também, fatores que formam uma massa de excluídos, com necessidades tão iguais, senão ainda maiores, de serem incluídos? Um Outro Olhar No presente trabalho, consideramos a inclusão em educação de uma forma distinta: como processos que aumentem a participação e reduzam a exclusão de alunos das culturas, do currículo e de comunidades em centros locais de aprendizagem. Esta perspectiva implica em compreender a inclusão como um processo permanente e dependente de contínuo desenvolvimento pedagógico e organizacional dentro das escolas regulares, ao invés de vê-la como uma simples mudança sistêmica nas redes de ensino (Booth & Ainscow, 1998). Em outras palavras: nenhuma escola é inclusiva. Mas as escolas podem (e devem) estar incluindo. O emprego do tempo no gerúndio pretende exatamente mostrar a característica essencial de movimento constante nos processos de aumento da participação e redução da exclusão. Isto porque, em qualquer contexto, há uma série de fatores, tão importantes quanto a deficiência, que também podem afetar a participação da criança na escola: a falta de acesso à educação, falta de mecanismos que assegurem sua permanência na escola, evasão e repetência, sistemas rígidos de avaliação de desempenho acadêmico e rendimento escolar, condições sócio-econômicas da família, localização geográfica em que reside a família e a falta de escola nas redondezas, falta de transportes que facilite o acesso a escolas de outras localidades, quando não há escolas na localidade de origem, necessidade de reformulações curriculares, questionável qualidade na formação profissional dos professores, para mencionar apenas algumas variáveis. Portanto, argumentamos que, ao discutir políticas de inclusão, consideremos os "alunos que experimentam barreiras à aprendizagem" como foco de análise mais apropriado do que "alunos com necessidades educacionais especiais". Acreditamos que, sob este 4

olhar, a ênfase na intervenção recaia nas barreiras à aprendizagem, que devem ser identificadas e minimizadas, ao invés de identificar e tratar defeitos dos alunos. Em conseqüência, quando falamos em inclusão escolar, referimo-nos a construir todas as formas possíveis através das quais se busca, no decorrer do processo educacional escolar, combater a exclusão, maximizando a participação em educação de todos os alunos dentro de uma área, quaisquer que sejam as origens das barreiras que experimentam em sua aprendizagem. Com esta perspectiva, o objetivo central da prática de pesquisa educacional passa a ser o de redução da exclusão acadêmica e social do processo educacional através do desenvolvimento e da mobilização de recursos locais e da disseminação de práticas em que se verifique um engajamento efetivo das unidades escolares e respectivos profissionais, docentes e técnicos, bem como da comunidade local, na remoção de barreiras `a aprendizagem. Utilizamos, para tanto, um modelo social de análise dos processos de inclusão e exclusão de indivíduos ao longo de sua escolarização, que considera toda uma pluralidade de aspectos como fundamentais ao entendimento da dinâmica dos dois processos. Nas palavras de Booth (1997), O resultado é que o estudo delas [inclusão e exclusão] é complexo, requerendo um exame detalhado sobre a experiência de alunos e staff na escola (...) Educação inclusiva refere-se à redução de todas as pressões que levam à exclusão, todas as desvalorizações atribuídas aos alunos, seja com base em suas incapacidades, rendimento, "raça", gênero, classe, estrutura familiar, estilo de vida ou sexualidade. Os processos de inclusão e exclusão estão intimamente ligados. Não se pode entender a inclusão sem analisar as pressões que levam a excluir, até mesmo porque dentro de uma mesma escola os mesmos alunos podem ser tanto encorajados quanto desencorajados de participar. Todas as escolas respondem às diversidades de seus alunos com um misto de medidas inclusivas e excludentes, em termos de quem elas admitem, como eles são rotulados, como o ensino e a aprendizagem são organizados, como os recursos podem ser usados, como os alunos que experimentam dificuldades são apoiados, e como o currículo e o ensino são desenvolvidos de forma que as dificuldades sejam reduzidas.(p.338) 5

Algumas Possibilidades em Andamento Cumpre retomar, após essas considerações, o projeto de pesquisa citado na Introdução deste texto, ora em desenvolvimento no Município do Rio de Janeiro. Como já foi mencionado, trata-se de um projeto internacional de pesquisa que envolve quatro países (Inglaterra, Brasil, África do Sul e Índia). O projeto é coordenado pelos professores Tony Booth, da Open University e Mel Ainscow, da University of Manchester, e financiado por estas instituições em parceria com a UNESCO. Propõe-se o desenvolvimento de um trabalho cooperativo e comparativo sobre política e prática de inclusão em educação a partir do conhecimento e experiência de pesquisadores e outros profissionais da educação (incluindo, é claro, professores) dos respectivos países. O tipo de pesquisa adotado é o da pesquisa ação, o que significa:... um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (Thiollent, 1998, p. 14) Pretende-se, além de levantar dados referentes ao contexto ensino-aprendizagem das escolas selecionadas, desenvolver ações com toda a comunidade escolar, objetivando identificar as principais barreiras à aprendizagem e a busca de como superá-las. Pesquisadores e todos os participantes deverão construir em conjunto a análise dos dados obtidos e das propostas de solução que possam ser implementadas em outras escolas. Isso implica em estudos teóricos, além da pesquisa de campo, e permanente avaliação das mudanças a serem adotadas na prática pedagógica voltada para a educação de qualidade para todos. O projeto se divide em quatro fases, com duração de 3 anos (até dezembro de 2001), que podem ocorrer simultaneamente, e cujas peculiaridades em cada fase podem variar, dependendo das realidades de cada contexto. As fases gerais são: (a) Montagem do Projeto Dois pesquisadores em cada país selecionaram uma área que representa uma variedade de questões de exclusão acadêmica e social, para desenvolvimento de políticas e práticas. No caso do Brasil, a área geral de atuação escolhida foi o Município do Rio de Janeiro, e a área específica foi a 7 ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE). 6

(b) Desenvolvimento A Segunda fase da pesquisa envolve o estabelecimento de uma equipe de apoio e o começo do trabalho de desenvolvimento dentro das áreas selecionadas em cada país. No caso brasileiro, esta fase tem sido levada a cabo através de uma série de contatos e reuniões com os seguintes setores da educação da rede municipal do Rio de Janeiro: Administração direta, Instituto Helena Antipoff (responsável pela organização da educação especial no município), Coordenadorias Regionais de Educação, Administração indireta e as escolas envolvidas. (c) Apoio ao Desenvolvimento do Projeto Esta fase envolverá um ciclo de pesquisa cooperativa e fóruns de desenvolvimento em três dos quatro países. Os pesquisadores se reunirão à equipe de apoio e aos políticos nacionais e locais para levantarem interrogações sobre as evoluções do projeto nos níveis nacionais/locais e para compartilharem as soluções à superação de barreiras à evolução do mesmo. Duas visitas de duas semanas serão feitas a cada país por todos os pesquisadores ao longo dos três anos do projeto. (d) Disseminação A fase quatro implica a disseminação da política da área escolhida a outras áreas dentro daquele país e, se possível, também nos outros. Dois dos dias reservados em cada um dos oito fóruns de desenvolvimento envolverão disseminação local e regional. A disseminação também estará sendo feita paralelamente à evolução do projeto, através de artigos, livros e conferências. A pesquisa conta ainda com a colaboração de estagiárias do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Possibilidades Cariocas O caso brasileiro (na verdade, carioca) encontra-se na segunda fase, com algumas iniciativas da quarta fase já tendo sido tomadas. Um aspecto que tem sido interessante observar se refere ao quanto nossas diferenças (regionais, geográficas, culturais, nacionais) em relação aos outros países têm imposto um ritmo que nos tem forçado a caminhar num ritmo mais lento no que se refere às fases do projeto. Em função, por 7

exemplo, de uma série de fatores, tais como: eleições em 98, feriados excessivos, e outros, o processo inicial de negociações com a SME e a respectiva escolha final da Região a ser investigada e das escolas a serem selecionadas dentro da região foi consideravelmente mais demorado do que ocorreu nos outros países. Por outro lado, a impressão que temos é a de que os trabalhos que já foram iniciados estão sendo bem sedimentados e obtendo uma aceitação e respaldos contagiantes. É possível que parte deste clima se tenha estabelecido como resultado de uma das estratégias adotadas pelas pesquisadoras ao longo do processo de negociações sobre o projeto no nível local e de montagem da equipe. Em outras palavras, decidiu-se que o número de participantes do projeto (diretos e indiretos) seria ampliada gradativamente, após fruto de tantas apresentações e discussões quantas fossem necessárias sobre o mesmo. Estas apresentações e discussões deveriam, necessariamente, incluir espaço para o esclarecimento de dúvidas e buscar, o máximo possível, o consentimento final e explícito dos presentes às reuniões de apresentação. Na verdade, tem-se buscado mais do que consentimento; tem-se buscado (e obtido) a aliança. Considerações Finais Cabe-nos fazer duas importantes ressalvas. A primeira se refere a estarmos atentas ao fato de que a positividade recebida até agora quanto ao projeto como um todo e seus objetivos, não representa, necessariamente, a não ocorrência de obstáculos. Estamos cônscias de que, além dos obstáculos inerentes a uma pesquisa, e principalmente pesquisa do tipo ação, outros certamente virão, entre outras coisas, em decorrência de se tratar de um estudo comparativo. Isto posto, a perspectiva de pesquisa comparativa adotada neste projeto merece ser destacada, pois aí reside uma das riquezas deste projeto. Com relação à formatação comparativa da pesquisa, partimos da crença em que estudos comparativos só têm sentido quando conseguem, mais do que levantar generalidades comuns aos contextos 8

que constituem o objeto de estudo, identificar -e respeitar- as diferenças. Pois como bem nos dizem Booth & Ainscow (1998): A tendência a apresentar perspectivas nacionais únicas é freqüentemente combinada com o fracasso em descrever a forma pela qual a prática deve ser entendida em seu contexto local e nacional (p. 4 5) Portanto, este projeto implica um levantamento detalhado das diferenças entre contextos, e se exime da pretensão de querer apontar caminhos genéricos que possam erroneamente ser utilizados como perspectivas totalizantes. A este respeito, e aqui faz-se a segunda ressalva, partir da premissa de que não existe uma perspectiva única sobre inclusão, sequer dentro de uma mesma localidade (no caso, a 7 ª CRE), é confortante e estratégico, na medida em que nos permite não perder o caminho de vista, e na medida ainda em que nos fortalece a encarar os possíveis obstáculos. É com base nestas considerações que os próximos passos estão sendo encaminhados. Nos próximos meses, os pesquisadores estarão empenhados em: (a) consolidar a equipe de trabalho da 7 ª CRE, através de uma série de reuniões de apresentação do projeto e de visitas às instâncias envolvidas (tanto administrativas quanto unidades escolares propriamente ditas); (b) coletar material e produzir relatório detalhado (para fins de apresentação no próximo encontro/seminário da equipe internacional de pesquisadores, a acontecer em setembro, na África do Sul) sobre as mesmas; (c) levantar indicadores que nos permitam identificar os principais obstáculos à inclusão, e as principais áreas de ocorrência da exclusão, com vistas a definir prioridades de ação pró-inclusão. Esperamos, como resultado deste trabalho, que seja possível traçar um mapa detalhado a respeito dos contextos sendo estudados, e que este inclua algumas estratégias de inclusão em educação que sejam válidas para aquela área específica, e possivelmente inspiradoras a outras. O grifo na expressão se justifica pelo fato de que não pretendemos elaborar um manual de práticas inclusivas, e sim informar a respeito de um determinado contexto e, esperar que, através do fornecimento detalhado da riqueza das diferenças aí verificadas -que certamente aparecerão-, contribuir para disseminar um dos princípios em que mais nos pautamos ao longo desta jornada científica: o de que as diferenças devam ser, acima de tudo, celebradas. 9

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