VÁRIAS INTERPRETAÇÕES E UM PROBLEMA: A REDUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO FORMAL



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68 VÁRIAS INTERPRETAÇÕES E UM PROBLEMA: A REDUÇÃO DO EMPREGO ASSALARIADO FORMAL FECINA, Angelo Rodrigo 1 MORAES, Rafael 2 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo apresentar de forma breve o debate a respeito da centralidade do trabalho enquanto categoria social. Para tanto faz uma breve contextualização das ideias a respeito do fim do trabalho, chegando a percepção da importância desta categoria ainda nos dias de hoje. As conclusões do artigo nos levam a encontrar, na luta de classes, as explicações para o atual aumento da precariedade nas relações de trabalho. Palavras chaves: trabalho, assalariamento, luta de classes, precariedade. ABSTRACT This paper aims to present briefly the debate about the centrality of work as a social category. For this, does a brief contextualization of ideas about the end of the job, noticing, lastly, of the importance of this category yet today. The conclusions of the article lead us to find in class struggle, the explanations for the growing increase in precarious work relations. Keywords: labor, wage, class struggle, job insecurity. INTRODUÇÃO Tem sido perceptível nos últimos anos uma redução do trabalho assalariado formal no mundo, e a partir dos anos 1990 no Brasil. Está claro que está tendência veio para ficar, pois não há sinais de reversão. Situações precárias de trabalho, como jornadas parciais, terceirização, trabalho autônomo, dentre outras são cada vez mais comuns. Além disto, empresas vão se deslocando cada vez mais para 1 Graduando em Administração pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Aparecida UNIESP Sertãozinho-SP. 2 Mestre em Economia pela UFRGS, Economista e docente do Curso de Administração da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Nossa Senhora Aparecida UNIESP Ribeirão Preto e Sertãozinho-SP. E-mail: moraes.economia@yahoo.com.br

69 regiões periféricas do globo e dentro dos países, em busca de mão de obra barata e de menores direitos trabalhistas. Diante deste quadro, surgem diversas interpretações a respeito da centralidade do trabalho e da sua relevância enquanto categoria. Enquanto alguns autores veem sua superação, outros apontam a atualidade da luta de classe, situando os atuais posicionamentos do trabalho em seu interior. Neste breve ensaio, propomos uma recapitulação das principais teorias a respeito da centralidade do trabalho, concluindo com o debate em torno da atualidade da luta de classes. Para tanto, o artigo encontra-se dividido em duas seções, além desta introdução e das considerações finais. Na primeira seção são apresentadas as teorias defensoras e opositoras à extinção da categoria trabalho. Já na segunda seção são apresentados duas interpretações quanto aos fatores condicionantes da redução do trabalho assalariado, colocada a tese da manutenção do trabalho enquanto categoria social central. 1. A CENTRALIDADE DO TRABALHO NAS SOCIEDADES MODERNAS Diante de um mesmo quadro, várias interpretações podem ser criadas com a finalidade de compreendê-lo. Nas ciências humanas e sociais nem sempre uma interpretação é capaz de superar e refutar a outra, portanto normalmente todas elas convivem no espaço acadêmico dentro de determinados nichos. É assim que tem ocorrido desde o final dos anos 1960, quando o centro do mundo capitalista passou a conviver com altas taxas de desemprego. Uma após a outra, uma série de interpretações foram sendo apresentadas. Para alguns a redução do emprego representava o fim de uma sociedade baseada no trabalho, para outros apenas uma modificação nas relações trabalhistas e o surgimento de uma nova forma de trabalho. Neste artigo será apresentado brevemente este quadro de interpretações, para por meio delas, buscarmos entender um pouco melhor estes acontecimentos que, tendo ocorrido já há décadas nos países centrais, parece ter definitivamente chegado ao nosso país a partir dos anos 1990 (SINGER, 1998). Após grande expansão do nível de emprego durante as décadas de 60 e 70 do século passado, a economia brasileira entrou num período de forte recessão

70 durante os anos 1980, o que culminou no surgimento de grandes taxas de desemprego, alcançando, na virada do século, índices superiores a 20% em algumas regiões do país. Por outro lado, a estrutura do emprego também vem se alterando fortemente. A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), maior polo industrial do país, vem apresentando, a partir dos anos 1990, uma forte tendência à desindustrialização e ao desassalariamento (SINGER, 1998). Isto significa que, grande parte dos empregos passou da indústria para os serviços, enquanto, por sua vez um grande número de ocupados migrou do assalariamento para outras formas de ocupação. Observamos assim, que o mundo do trabalho foi extremamente alterado, dando origem a novos padrões à medida que foram rompidos os antigos. Estas transformações não são de forma alguma peculiaridades da economia brasileira, ao invés disso, em países avançados como EUA e membros da União Europeia, elas já estavam em curso desde o final da década de 1960. Assim, parece-nos que os acontecimentos ocorridos em nosso país seguem um padrão mundial de transformações no mundo do trabalho. Diante deste quadro, já desde os anos 1960, uma série de autores produziram diversas interpretações. Uma delas se direcionou para a tese de que o trabalho estaria perdendo sua centralidade enquanto categoria social. Esta análise ficou conhecida como a tese do fim do trabalho. Para essa corrente teórica o trabalho, tal como conhecemos, teria sido uma necessidade de certo período da civilização, e os acontecimentos contemporâneos seriam indicativos de que estaria deixando de sê-lo, nos dias atuais. De acordo com Offe (1989, p.171), um dos principais autores desta tese: é possível encontrar amplas evidências para a conclusão de que o trabalho e a posição dos trabalhadores no processo de produção não são tratados como o principio básico da organização das estruturas sociais. Para este autor, o trabalho não mais representa uma categoria que ajude a explicar e compreender a realidade social. Outras categorias, como costumes, religião, gênero, questão ambiental seriam mais relevantes para a sociedade que as questões relativas ao trabalho. Sendo assim, segundo o autor haveria uma diminuição das tentativas de compreender a realidade social através das categorias

71 do trabalho assalariado, ficando ainda nesta seara apenas alguns intelectuais marginais e conservadores (OFFE, 1989). Da mesma forma Méda (1999), em O Trabalho: Um valor em vias de extinção, publicado em 1998, relaciona os intelectuais que ainda consideram o trabalho como uma categoria central ao conservadorismo. Esta autora, busca na análise histórica comprovar seu argumento de que o trabalho não era central em outras sociedades e portanto nada obrigaria sua existência nas sociedades futuras. Para ela, bem como para Offe (1989), o trabalho foi uma categoria central em um período da história que já está se esgotando. Para Méda (1998), marxistas, humanistas e cristãos são as correntes de pensadores que querem salvar o trabalho, em um momento no qual a expansão da produtividade já o tem tornado uma categoria em extinção. Em síntese, como o trabalho, para a autora, é uma categoria historicamente inventada não há porque acreditar que ele deva continuar existindo, e, portanto insistir em sua centralidade é uma demonstração de conservadorismo e reacionarismo por parte dos intelectuais. Esta não é, contudo, a única interpretação para os acontecimentos recentes no mundo do trabalho. De forma distinta, Antunes (2007), defende que o que está desaparecendo é uma forma especifica de organização das relações trabalhistas. Para este autor o que vem se configurando é uma redução no trabalho estável, herança da fase industrial do capitalismo do século XX. Dentro dessa análise o quadro apresentado acima, que chegou ao Brasil nos primeiros anos da década de noventa, representa na verdade uma nova forma de ser do trabalho. Desta nova forma de ser, resulta o florescimento dos trabalhos terceirizados, subcontratados, parciais ou temporários, em substituição ao trabalho assalariado estável e regulado, no caso brasileiro, pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. A característica que sintetiza todas essas formas de trabalho em expansão, sem dúvidas é o aumento da precarização das condições em que é realizado o trabalho. Desta forma, o trabalho ao invés de perder sua centralidade na vida das pessoas estaria mais presente do que nunca, principalmente para as pessoas que nele estão inseridas de forma precária. Ou seja, os altamente negativos, resultados sociais do desemprego e da precarização, para a vida das pessoas seria um reflexo concreto da manutenção da importância da categoria trabalho, ainda nos dias de hoje.

72 Para Antunes (2007), não há como falarmos em fim do trabalho enquanto a falta dele o desemprego ainda resultar em danos tão graves à vida das pessoas. Sendo assim, a redução do trabalho produtivo industrial e assalariado não reduziu o número de pessoas que vivem do trabalho, e, portanto não reduziu a centralidade do mesmo enquanto categoria social. A avaliação da realidade da maioria das pessoas nas sociedades modernas faz esta última tese parecer mais concreta. Diante disso, a questão deixa de ser a centralidade ou não da categoria trabalho e passa a ser a origem dessa nova configuração das relações de trabalho e suas consequências para a sociedade moderna. 2. NOVA CONFIGURAÇÃO PARA AS RELAÇÕES DE TRABALHO Sobre as novas configurações das relações de trabalho, existem pelo menos duas interpretações. Sob o ponto de vista dos empresários e administradores, o desemprego seria um resultado natural da difusão das tecnologias poupadoras de mão de obra. Neste mesmo raciocínio, a flexibilização das relações trabalhistas seria um elemento crucial para o desenvolvimento da economia, sem a qual as empresas tenderiam a sucumbir diante do acirramento da competição internacional. Neste sentido, a redução da estabilidade das relações trabalhistas seria uma resposta das empresas ao novo padrão institucional e tecnológico do mundo globalizado. Em outras palavras, a flexibilização do trabalho responde a um imperativo das constantes flutuações do mercado consumidor. Em síntese, as permanentes alterações nos processos de produção, bem como nos produtos finais não podem ficar restritas a uma rigidez do fator trabalho. Diante deste quadro, o fator trabalho tem que responder tão rapidamente quanto o capital às nuances do mercado, exigindo-se assim formas de relações trabalhistas mais flexíveis. Sob este ponto de vista, o discurso empresarial passa a defender que a posição não pode mais ser de confronto, mas sim de cooperação entre empregados e empregadores, sob a pena de ambos sucumbirem diante da nova ordem globalizante da economia, na qual a competição é a mola propulsora do mercado. Seria necessário, assim, para o trabalhador, compreender que é com vistas à competitividade que as empresas seriam levadas a reduzir o desperdício e distribuírem seus recursos mais eficientemente, sendo, no limite, forçadas inclusive a

73 se reestruturarem e introduzirem novas técnicas de administração, dentre as quais se destacariam a terceirização e a subcontratação. Do lado do trabalhador a mudança fica por conta do novo perfil exigido. O trabalhador não deve mais ser apenas comportado e obediente como no modelo fordista, mas exige-se dele nesta nova fase do capital um uma atitude pró-ativa, polivalente e multifuncional (ANTUNES, 2007). Enfim, o trabalhador deve estar ligado no processo de trabalho de corpo e alma. Esta determinação natural das novas formas de trabalho, entretanto, não é aceita por todos os estudiosos do assunto. Para alguns autores os fatores políticos podem ter um papel muito mais importante do que os aspectos tecnológicos nestas mudanças. Para Meneleu Neto (1996), as transformações no mundo do trabalho não são determinadas de forma exógena pelo avanço da tecnologia, como faz parecer a interpretação acima exposta. Para o autor, estas transformações estão intimamente ligadas a questões políticas relativas à queda de braço entre as classes sociais. No limite, a compreensão da retomada do desemprego passa pela necessidade de recriação do exército industrial de reserva e da consequente redução do poder de barganha dos trabalhadores. Para o autor, o modelo anterior modo de regulação fordista além de ter reduzido o desemprego, havia criado uma série de instituições que formaram uma rede de proteção sobre os trabalhadores. Esta estabilidade resultou no aumento da capacidade de organização dos trabalhadores, dando origem a crescentes manifestações que reivindicavam aumentos de renda e de direitos sociais. Neste sentido, a retomada do exército industrial de reserva seria necessária para a retomada de posição dos capitalistas frente ao avanço do poder dos trabalhadores. Desta forma, seria necessário romper com a forma institucional que sustentava o modelo anterior e para isso seria necessário reduzir o espaço de luta e organização dos trabalhadores. Segundo a abordagem marxista, a melhor maneira de reduzir a organização e o poder de ação dos trabalhadores é através da sensação de insegurança gerada pelo aumento contínuo do desemprego. Sob este aspecto, Meneleu Neto (1996) vai além da abordagem marxiana, para a qual os ajustes salariais e o avanço ou recuo dos direitos trabalhistas são determinados pelo ciclo industrial, à medida que a expansão ou redução da economia amplia ou reduz o exército industrial de reserva. Para o autor, fatores políticos e não só

74 mercadológicos também podem atuar sobre o exército e alterar a correlação de forças na luta de classes. Foi exatamente isto o que teria ocorrido na crise do modelo fordista. Desta forma, Meneleu Neto (1996, p.84), entende a expansão do desemprego e, consequentemente, do exército industrial de reserva, como uma tentativa de superação da regulação política do fordismo, pela coordenação neoliberal do mercado de trabalho. Uma comprovação de sua teoria, segundo Meneleu Neto (1996), reside na itinerante busca do capital por regiões virgens para se instalar. Por regiões virgens, entendem-se países ou estados onde os trabalhadores não possuam um histórico de lutas e organização, preferencialmente áreas onde não havia grandes empresas e o nível salarial fosse bastante baixo. Outra forma de ação política é a crescente utilização de mão de obra feminina, historicamente menos resistente a exploração do trabalho. Por outro lado, alguns entraves jurídicos e sociais para a redução imediata dos direitos trabalhistas, fizeram com que fosse criada uma série de mecanismos que passaram a compor o cenário econômico das principais nações do planeta, recentemente, inclusive do Brasil. Em suma, todos estes mecanismos visam da mesma forma a redução dos direitos trabalhistas e a precarização do trabalho vivo imediato. Dentre eles podemos destacar a terceirização, o emprego temporário, a jornada parcial, e a subcontração de trabalho doméstico, e até o surgimento de falsas cooperativas de trabalho, principalmente na região Nordeste de nosso país. A palavra de ordem é liberar, buscando a criação de um mercado livre: livre de sindicatos. Do mesmo modo que o capital financeiro se libertou do controle do Estado-Nação, o capital produtivo passou a exigir um mercado de trabalho o mais possível desregulamentado (MENELEU NETO, 1996, p.80). Em resumo, para o autor, o objetivo deste novo padrão de produção, centrado na flexibilidade, na precarização do trabalho vivo e na pulverização das plantas industriais pelo mundo, consiste em reduzir bruscamente as possibilidades de qualquer forma de organização da classe trabalhadora, enquanto tal. O capital buscou a desmobilização e a redução do poder dos sindicatos, quando não sua extinção.

75 Outros autores também seguem na linha de Meneleu Neto. De acordo com Castell (1999), a desestabilização da classe operária está na raiz da reestruturação capitalista dos últimos anos. O problema atual não é apenas o da constituição de uma periferia precária, mas também o da desestabilização dos estáveis [...] Assim como o pauperismo do século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira industrialização, também a precarização do trabalho é um processo central, comandado pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno (CASTEL, 1999, p.526). Em outras palavras, os capitalistas ainda creem na luta de classes, e vem agindo para reduzir o poder da classe antagônica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há como negar a realidade vista em nossos dias. A tese do fim do trabalho parece realmente dissonante da realidade vista pelas janelas da academia. Parece que seus criadores vislumbraram na aparente redução do emprego formal o fim do trabalho. Nada indica que a existência desta categoria esteja perdendo sua importância. Como este breve trabalho procurou demonstrar, uma série de alterações ocorreram no mundo do trabalho. Alterações estas, que mascaradas por um componente tecnológico de neutralidade escondem uma realidade, que nos revela a atualidade da luta de classes. Enquanto muitos acadêmicos procuram afugentar esta terminologia de seu dia a dia, defendendo seu anacronismo frente à complexidade da sociedade moderna, a realidade do mundo do trabalho parece nos mostrar exatamente o contrário. O papel da luta de classes parece estar mais do que nunca presente na configuração de nossa sociedade. Os capitalistas tem isto claro, e agem sempre em uníssono como classe, se os trabalhadores não forem capazes de fazerem o mesmo já largarão um passo atrás na próxima etapa da luta.

76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Ricardo. Dimensões da precarização estrutural do trabalho. In: DRUCK, Graça e FRANCO, Tânia. A perda da razão social do trabalho: Terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: Uma crônica do salário. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998 MÉDA, Dominique. O Trabalho: Um valor em extinção. Lisboa: Fim de Século, 1999. MENELEU NETO, José. Desemprego e luta de classes: as novas determinidades do conceito marxista de exército industrial de reserva. In: TEIXEIRA, Francisco J.S. e OLIVEIRA, Manfredo de Araújo (orgs.) Neoliberalismo e reestruturação produtiva: As novas determinações do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 1996. OFFE, Claus. Trabalho: a categoria chave? In: OFFE, Claus. Capitalismo Desorganizado. São Paulo: Brasiliense, 1989. SINGER, Paul. Globalização e Desemprego: Diagnóstico e alternativas. São Paulo: Contexto, 1998.