Contribuçoes para o projeto de revitalizaçao da lingua indigena kyikatêjê na amazônia paraense



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Transcrição:

Pereira Machado Soares, Eliane; Rodrigues Brito, Áustria Contribuçoes para o projeto de revitalizaçao da lingua indigena kyikatêjê na amazônia paraense V Jornadas Internacionales de Investigación en Filología Hispánica 21, 22 y 23 de marzo de 2012 CITA SUGERIDA: Pereira Machado Soares, E.; Rodrigues Brito, Á. (2012) Contribuçoes para o projeto de revitalizaçao da lingua indigena kyikatêjê na amazônia paraense [en línea]. V Jornadas de Filología y Lingüística, 21, 22 y 23 de marzo de 2012, La Plata, Argentina. Identidades dinámicas. Variación y cambio en el español de América. En Memoria Académica. Disponible en: http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar/trab_eventos/ev.3810/ev.3810.pdf Documento disponible para su consulta y descarga en Memoria Académica, repositorio institucional de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación (FaHCE) de la Universidad Nacional de La Plata. Gestionado por Bibhuma, biblioteca de la FaHCE. Para más información consulte los sitios: http://www.memoria.fahce.unlp.edu.ar http://www.bibhuma.fahce.unlp.edu.ar Esta obra está bajo licencia 2.5 de Creative Commons Argentina. Atribución-No comercial-sin obras derivadas 2.5

CONTRIBUIÇÕES PARA O PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DA LÍNGUA INDÍGENA KYIKATÊJÊ FALADA NA AMAZÔNIA PARAENSE Eliane Pereira Machado Soares -Universidade Federal do Pará (UFPA) elianema@ufpa.br Áustria Rodrigues Brito- Universidade Federal do Pará (UFPA) austria@ufpa.br SIMPOSIO: Lingüística y sociolingüística de lenguas indígenas americanas Resumo Na última década, o povo indígena Kyikatêjê tem buscado defender sua identidade indígena através de um conjunto de ações afirmativas voltadas para a revitalização da cultura e da língua. Neste trabalho apresentamos uma esta proposta de fortalecimento da língua resultante dos anseios dessa comunidade indígena O trabalho foi iniciado com um projeto de pesquisa sociolingüística pelo qual se demonstrou usos e atitudes desse povo frente à língua portuguesa e à língua indígena da comunidade. Após o que, foram propostas estratégias definidas de acordo com as discussões realizadas com as lideranças da comunidade como parte de seu projeto de afirmação da identidade, e portanto, da cultura indígena desse povo, cuja expressão é a proposta aqui discutida. Em função do reconhecimento do protagonismo do povo nas ações, a metodologia apresentada neste projeto, faz parte de um projeto mais amplo que envolve o projeto de vida da comunidade indígena, com necessidades e cultura diferenciadas, de forma que as ações se desenvolverão a partir de três eixos prioritários conforme foram definidos em mútua colaboração: o trabalho com o professor indígena - quanto a questões que envolvem escrita da língua-, e a coleta de dados linguísticos, com dois objetivos: registro de narrativas na língua indígena e elaboração de dicionários. Em suma, nossa contribuição a esse processo pretende se dar por meio de ações que visam assessorar a comunidade para o encaminhamento de ações que deem suporte ao seu projeto de vida, o que inclui duas abordagens da língua que se complementam: a descrição e análise da língua e a revitalização e o fortalecimento da língua originalmente falada por esse povo. Palavras-chave: Kyikatêjê - identidade indígena revitalização da cultura revitalização da língua Página1

Introduçao Este trabalho apresenta um projeto que pretende ser uma contribuição à pesquisa documental e à descrição da língua kyikatêjê integrada à escola indígena, com vistas à revitalização e ao fortalecimento dessa língua. Tal esforço se justifica tendo em vista o que apontam os estudiosos dessa área: das 180 línguas indígenas faladas no Brasil, 156 (87%) são faladas por apenas 1.000 pessoas, o que demonstra o alto grau de risco a que essas línguas estão submetidas. Isto reflete o doloroso processo histórico vivido pelos povos que as falam: desde a chegada dos europeus no Brasil, esses povos foram fortemente ameaçados em sua sobrevivência e, com, isso suas línguas. Em razão de tudo isso, muitos estudiosos, dentre eles os linguistas, têm buscado documentar, descrever, analisar, comparar e reconstruir as línguas indígenas, e, ao mesmo tempo, tentando contribuir para a educação escolar diferenciada, por meio da integração de tais conhecimentos. A tarefa não tem sido fácil, não são muitos estudiosos da área de línguas indígenas e os fomentos não são facilmente acessíveis. A despeito dessas dificuldades e dos desafios que tais tarefas exigem, há esforços sendo feitos por estudiosos e pelos povos indígenas de todo o Brasil para garantir a existência dessas línguas, de suas culturas e de seus falantes, bem como a diversidade lingüística na América do Sul. Esta proposta pretende somar-se a essas iniciativas, conforme o desejo manifestado pelo povo kyikatêjê. O povo KYIKATÊJÊ A comunidade indígena Kyikatêjê Amtàti vive na Terra Indígena (TI) Mãe Maria, localizada no Km 25 da BR 222, município de Bom Jesus do Tocantins, no sudeste do Pará, numa área de 62.4888,4516 ha. Essa etnia integra o grupo Timbira, sendo, portanto, a sua língua considerada da família lingüística Jê-Timbira. Os contatos da comunidade com não indígenas vem se intensificando nos últimos tempos, desde a abertura da PA-150 na década de 1970 e culminam com a passagem da Estrada de Ferro Carajás e com a instalação da Linha de Transmissão da Eletronorte na década de 1980, que promoveram impactos ambientais na área e impactos socioculturais na vida Página2

da aldeia (cf. Fernandes, Cardoso e Sá, 2008; Beltrão, 2002). Na perspectiva lingüística, é de se pensar que as situações de contato podem ter trazido interferências as mais diversas, que podem inclusive ameaçar a permanência da língua originalmente falada por esse povo, pois o desaparecimento de línguas acarreta prejuízo de toda ordem nos âmbitos individual e coletivo, porque a língua identifica, caracteriza e qualifica um individuo ou uma comunidade humana. (Luciano, 2006: p. 22). Tem sido parte dos esforços desse povo buscar parcerias com pesquisadores que se disponham a documentar, descrever e analisar as experiências, o modo de vida, enfim a cultura e a língua kyikatêjê. Assim, este projeto pode ser considerado uma resposta a uma segunda etapa de trabalho com essa comunidade indígena, haja vista a pesquisa inicial intitulada Situação Sociolinguística da Aldeia Indígena Kyikatêjê Amtàti, coordenada pela autora deste artigo. Discutindo os resultados da pesquisa sociolingüística Os resultados da pesquisa sociolinguística são apresentados no gráfico seguinte: A maioria dos entrevistados afirma falar e compreender a língua indígena, mas eles mesmos reconhecem que se trata de um conhecimento parcial ou superficial uma vez que esse conhecimento se restringe a itens lexicais e não à gramática da língua em uso, o que impede tanto a conversação ordinária quanto a compreensão de textos conversacionais produzidos pelos que são proficientes, normalmente os velhos. Por comparação com os falantes masculinos, as mulheres dizem ter menor domínio da língua do que os homens, o que é bastante preocupante uma vez que a Página3

educação na língua deveria se iniciar em casa principalmente pela interação entre mães e filhos. Isso explica a tendência semelhante encontrada entre os jovens que também dizem ter conhecimento de itens do léxico, mas mesmo esse conhecimento é restrito, pois quando perguntados sobre o tipo de palavras que conheciam, a resposta se restringia a nomes próprios e nomes de animais, algumas plantas, tipos de comida e alguns objetos indígenas. Pelo que pudemos perceber, aqui também concorre certa insegurança lingüística os falantes consideram seu modo de falar pouco valorizador e têm em mente outro modelo, mais prestigioso, mas que não praticam. (CALVET, 2002, p. 72). No caso, tal modelo é a fala dos velhos, muitas vezes considerado difícil de aprender pelos mais jovens, como discutiremos mais adiante. Por outro lado, a variação linguística na fala dos mais jovens é percebida pelos falantes mais velhos e há a preocupação com os impactos disso na língua 1, o que também pode funcionar como uma restrição aos mais jovens suscetíveis à avaliação dos mais velhos. Ao contrário, quanto à língua portuguesa, quase todos os entrevistados afirmaram compreendê-la e falá-la perfeitamente, enquanto apenas duas mulheres velhas disseram compreender um pouco. De fato, não apenas as interações normais favorecem tal conhecimento, mas os meios que a veiculam são constantes na aldeia: além dos falantes, há a televisão e a própria escola, apesar dos esforços para o contrário. Mas o peso maior pode ser mesmo atribuído à história de contato desse povo: o deslocamento forçado, as pressões da sociedade envolvente que negou a existência da cultura e da língua indígena, a convivência com outros grupos étnicos em outra aldeia entre outros fatos, ameaçaram fortemente a transmissão da língua indígena, fazendo com que ela não seja a língua primeira de boa parte dos falantes, senão a maioria. De fato, a língua portuguesa é a língua aprendida e usada em casa, nas interações com os pais. Entretanto, atualmente algumas crianças aprendem a língua indígena com a geração mais velha da família, que agora tem a abertura e o apoio necessários para falar e ensinar às gerações mais jovens. Se isso é extremamente positivo por um lado, por outro se verifica que as interações na língua são mais frequentes entre as crianças e avós, ou entre crianças de idade próxima, 1 Essa questão é objeto de discussão no atual trabalho que desenvolvemos na comunidade em âmbito escolar. Página4

como pudemos constatar no cotidiano da comunidade. Assim, os pais dessas crianças e os adolescentes demonstram em sua maior parte ter um conhecimento passivo da língua e se sentem, talvez por isso, também, bastante inseguros para interagir na língua étnica, o que consequentemente contribui para que a língua portuguesa tenha um papel preponderante na vida dessa comunidade, uma vez que a maioria se sente falante de língua portuguesa e não da língua de seus pais. Isso pode ser percebido não só por quem fala a língua portuguesa, sobre o que se fala, mas também pelos domínios a que os usos dessa língua se acham associados 2. Ao comparamos as informações sobre os usos da língua indígena com as informações sobre os usos da língua portuguesa, percebemos como essa preocupação é válida: o uso da língua portuguesa predomina na maioria dos contextos e situações - tanto em ambiente familiar quanto não familiar exceção feita a situações de grande formalidade envolvendo interesses da comunidade e a participação das lideranças. Quanto às atitudes dos entrevistados em relação à língua indígena e à língua portuguesa, isto é, como se sentem e o que pensam sobre essas línguas, demonstram uma preocupação muito grande com a língua indígena como forma de preservação da identidade e com o papel funcional da língua portuguesa como forma de interação com a sociedade envolvente. Pudemos constatar que as atitudes dos entrevistados em relação à língua da comunidade são muito positivas, o que é bastante promissor para esse povo, pois conforme Braggio (1992, p 28), o orgulho do indígena pela própria língua é um dos fatores para a sua transmissão às futuras gerações. Na comunidade Kyikatêjê, percebemos que, ainda que os usos estejam restritos a alguns indivíduos e a certos contextos, não há dúvidas de que as gerações atuais sentem orgulho de ser o que são - indígenas Kyikatêjê - e vêem sua língua como um elemento essencial para a construção e a manutenção dessa identidade. Essa ideologia em torno da língua materna faz parte do esforço político dos movimentos indígenas em prol dos povos indígenas, bem como da atuação particular das lideranças dessa comunidade. Nesse contexto, a língua portuguesa, ainda que língua dominante na prática cotidiana, vista, por parte dos índios, muito mais por seu caráter instrumental: ela permite lutar pelos 2 É o que se chama de atrição, que segundo Couto (2009: 85) é o processo de gradual perda de domínios de uso, de falantes e de material lingüístico. Página5

benefícios próprios dos brancos, aos quais os indígenas também querem ter acesso, para tanto aprender a língua é uma necessidade na luta para fazer valer sua voz diante da sociedade envolvente. Como discutimos anteriormente, há na comunidade indígena Kyikatêjê um esforço orientado no sentido de se preservar os costumes e a língua indígena originalmente falada por esse povo. A escola tem sido um instrumento de fundamental importância, tendo em vista seu papel de sistematizar e disseminar conhecimentos, especialmente entre os mais jovens. Para tanto, a escola se organiza não somente para trabalhar conhecimentos do mundo envolvente, mas também visa à manutenção da identidade étnica desse povo, pois, o projeto da escola da comunidade é orientado pela resistência e luta pelo reconhecimento dos direitos políticos, territoriais, à identidade étnica e à cidadania indígena. (FERNANDES, 2010: 66). Metas e ações para o fortalecimento da língua: construindo um projeto Como dissemos anteriormente, este trabalho de pesquisa foi elaborado como parte dos esforços para a criação de condições de manutenção da língua originalmente falada por esse povo, para a qual os resultados devem servir de parâmetros. Esse é o maior objetivo do povo Kyikatêje representado na fala e ações de suas lideranças, e que nos foi manifestado nos momentos de autorização da pesquisa e de apresentação de seus resultados. Portanto, faz parte do projeto de vida desse povo fazer de sua língua uma forma de comunicação efetiva, de interação diária dentro da comunidade como forma de preservação de sua identidade cultural. Nossa contribuição particular à construção do projeto desse povo, que tem por objetivo o fortalecimento da língua, se dá a partir de duas perspectivas que são complementares, a descrição da língua e a revitalização da língua, conforme detalhamos a seguir: 1. Descrição e análise da língua: é necessário promover a pesquisa sobre os aspectos gramaticais e lexicais da língua. Isto é, são necessárias diversas pesquisas lingüísticas que descrevam e analisam os níveis lingüísticos (fonético-fonológico; morfossintático; semântico- lexical) e os fenômenos associados, que caracterizam a organização e o funcionamento dessa língua. Essas pesquisas permitirão fornecer uma Página6

visão da língua enquanto fenômeno estruturado e permitirão compará-la com outras línguas Jê além de contribuir para o ensino de língua materna. Além de aspectos interno, outros também poderão/deverão ser investigados: sociolingüísticos; empréstimos, neologismos, interferências entre a língua indígena e a portuguesa; aspectos da oralidade e implicações para a aquisição da escrita dessas línguas etc. 2. Revitalização da Língua: a revitalização da língua inclui ações sociais efetivadas na e pela comunidade indígena. No caso em particular do povo Kyikatêjê, elas envolvem três instâncias de organização interna: a associação indígena, a escola e as famílias. Assim, as ações devem visar ampliar os domínios de usos da língua e pelo maior número de falantes possível e principalmente entre as mulheres e nas faixas etárias mais jovens. Os quadros a seguir propõem algumas metas e ações que sintetizam o trabalho que pode ser desenvolvido a curto, médio e longo prazo: I. Pesquisa linguística Agente: Pesquisador de lingüística com a colaboração do povo indígena. Metas Ações Período Descrição da situação Pesquisa de campo junto aos falantes da curto prazo - em sociolingüística da língua para identificar proficiência na língua andamento comunidade indígena e atitudes dos falantes. Registro de diferentes gêneros de fala Descrição da língua: elaboração da gramática descritiva da língua da língua Elaboração de dicionários da língua em diferentes campos semânticos Proposta de ortografia para a língua Kyikatêjê Coleta de diferentes narrativas junto aos falantes autorizados pela comunidade. Pesquisa de campo Pesquisa de campo: gravação áudio para elicitação de dados com informante bilíngüe ou com seu auxílio. Pesquisa de campo: gravação em áudio para elicitação de dados com informante bilíngüe ou com seu auxílio. Pesquisa sobre interferências mútuas da fonologia da língua Kyikatêjê e da língua Portuguesa na aquisição da ortografia de ambas as línguas, a partir da discussão com falante bilíngüe indígena. Médio prazo Longo prazo Longo Prazo Médio prazo em andamento Página7

II. Ações sociais Agente: Associação indígena, escola em colaboração com a comunidade indígena no âmbito da família e da escola e assessoria lingüística (para questões especificas de língua). Metas Ações Período Publicação de dicionários da língua indígena Ampliação do ensino bilíngüe para os demais níveis de ensino. Formação continuada para professores Ampliação dos usos da língua indígena para diferentes contextos orais e escritos da aldeia Ampliação da fluência da comunidade na língua indígena - Revisar e publicar os dicionários já produzidos pelos professores como material didático. - Contribuir para a elaboração de novos dicionários. - Contratar professores indígenas bilíngües. - Garantir o ingresso de indígenas no ensino superior, especialmente na formação de docentes. - Promover palestras, mini-cursos, cursos para se discutir o ensino de língua (língua indígena como L 1 ou L 2?), entre outros aspectos fundamentais ao ensino de língua, especialmente em contexto bilíngue. - Promover ações que visem ampliar os contextos de usos da língua indígena nos espaços privados (casa) e nos espaços públicos (associação, atividades coletivas), considerando a participação dos falantes fluentes. - Promover ações de conscientização da comunidade, especialmente, mulheres, para o aprendizado da língua. - Promover encontros entre os mais velhos e os mais jovens para troca de experiências, em que as interações possibilitem aos mais jovens falarem a língua indígena. -Divulgar material já registrado (áudio/impresso) em sessões públicas. A definir - em andamento A definir A definir A definir A definir CONSIDERAÇÕES FINAIS As reflexões aqui propostas têm por objetivo subsidiar uma ampla reflexão junto com esse povo sobre as melhores estratégias a serem adotadas para o fortalecimento da sua língua. Algumas delas já se encontram em andamento, outras ainda precisam ser encaminhadas conforme as condições, as necessidades e os interesses do povo representado por suas lideranças. Nosso papel nesse processo é o de contribuir com o conhecimento acadêmico para a concretização desses projetos, do qual o protagonista é tão somente o povo Kyikatêjê. Página8

Bibliografia ÂNGELO, Francisca N. Pinto. Protagonismo indígena no processo de inclusão das escolas no sistema oficial de ensino de mato Grosso. In: ATHIAS, Renato; PINTO, Regina P. Estudos indígenas: comparações, interpretações e políticas. São Paulo, Contexto, 2008. BRAGGIO, Silvia L. B. Línguas indígenas ameaçadas de extinção. Revista do Museu Antropológico. UFG, Goiânia, V. 1, n.1 1992 BENZI, Luis Doniseti. (Org.) Índios no Brasil. São Paulo: Global; Brasília: 2000. COUTO, Hildo H. do. Linguistica, ecologia e ecolinguistica: Linguas em contato. São Paulo, Contexto, 2009. CRYSTAL, David. La muerte de las linguas. Cambridge University Press, Madrid 2001. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo, Parábola editorial,2004 FERNANDES, Rosani de Fátima. Educação escolar Kyikatêjê: Novos caminhos para aprender e ensinar. Dissertação de Mestrado. UFPA. 2010. LUCIANO, Gersem dos Santos. O índio brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil hoje. Vol. 1, MEC/SECAD/LACED/Museu Nacional, Brasília: 2006. Disponível também em http://www.laced.mn.ufrj.br/trilhas/. RICARDO, Carlos Alberto. (Org.). Povos Indígenas no Brasil. São Paulo, CEDI, 1985. V. 8. RODRIGUES. Aryon Dall'lgna. Línguas brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Loyola. 1986 TARALLO, Fernando. A Pesquisa Sociolinguística. 5 ed. São Paulo, Ática, 1997. Página9