Utilizando o estudo das redes capitalistas no leste asiático como benchmark para o processo de integração Sul-Americano



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II FÓRUM BRASILEIRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS/SP GT 08 RELAÇÕES INTERNACIONAIS Utilizando o estudo das redes capitalistas no leste asiático como benchmark para o processo de integração Sul-Americano Eduardo Urbanski Bueno 1 João Rodrigues Chiarelli 2 Luciana Silveira 3 Lídia Brochier 4 RESUMO A percepção de que o Leste Asiático tornou-se o centro dinâmico do capitalismo global na segunda metade do século XX leva à questão de como se deu esta emergência e como se relacionaram os principais atores regionais. O presente artigo busca demonstrar alguns dos fatores que levaram à emergência regional, focando-se na formação de sucessivas redes capitalistas nesta região ao longo do século passado. Para tanto, a abordagem analítica incidirá nas relações entre o Japão, os Estados Unidos e a China, com destaque para o primeiro. A pesquisa busca demonstrar quais são os determinantes dos movimentos japoneses neste palco e como ele vê a ascensão da China e a aliança com os americanos. Por fim, pretende-se demonstrar como esta análise de redes capitalistas pode ser utilizada como benchmark para avaliarmos o processo de integração sul-americano. 1 Mestrando em Economia pela UFRGS Porto Alegre/RS, bolsista CAPES, pesquisador do Instituto Sul Americano de Política e Estratégia (ISAPE), e-mail para contato: eduardo.u.bueno@isape.org.br 2 Mestrando em Ciências Políticas pela UFSCar São Carlos/SP, pesquisador do Instituto Sul Americano de Política e Estratégia (ISAPE), e-mail para contato: joao.chiarelli@yahoo.com.br 3 Mestranda do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas IFCH pela UNICAMP Campinas/SP, bolsista CNPq, e-mail para contato: luciana.silveira@ufrgs.br 4 Mestranda em Economia pela UNICAMP Campinas/SP, bolsista CAPES, e-mail para contato: lidiabrochier@gmail.com

INTRODUÇÃO Para o economista Giovanni Arrighi a criação de redes está na base da perpetuação da empresa capitalista e, consequentemente, do fornecimento dos insumos necessários para a manutenção de uma sociedade inserida em dito sistema. Estas redes assumem diversas interfaces, desde a empresarial (citada abaixo), passando pela política, diplomática, cultural, financeira, etc. A criação destes laços entre nós geograficamente dispersos torna-se vital para que uma sociedade possa desenvolver-se com maior harmonia e bem-estar 5. Conforme Arrighi: Esta tendência de gerar ordens costumeiras é o que o capitalismo tem em comum com todos os sistemas sociais anteriores (...). Uma das principais atividades da maioria das empresas é montar redes de clientes (...) que comprarão rotineiramente produtos (...) a preços mais ou menos dados e em quantidades mais ou menos dadas. Sem uma rede estável deste tipo, nenhuma empresa capitalista poderia sobreviver por qualquer período de tempo. (ARRIGHI, 1998) Imbuído desta idéia e da noção de que o leste asiático tem-se transformado no centro dinâmico do capitalismo global ao longo da segunda metade do século XX e início do XXI, o presente artigo busca demonstrar alguns fatores que determinaram a formação de uma rede capitalista nesta região no último século. Para tanto, o recorte analítico será centrado na análise da relação entre o Japão, os Estados Unidos e a China, com ênfase maior para o primeiro 6. Buscar-se-á demonstrar quais são os condicionantes do movimento japonês dentro deste palco e como ele percebe a ascensão chinesa e a aliança com os estadunidenses. O objetivo central desta análise será buscar identificar mecanismos integracionistas que poderiam ser utilizados para compararmos o processo de integração regional na América do Sul. Para tanto o trabalho será dividido em quatro cortes cronológicos. Inicialmente analisar-se-á o período anterior à Segunda Guerra Mundial, com a formação de uma 5 Não pretende-se aqui afirmar que fora da economia capitalista não haja como uma sociedade atingir a harmonia e o bem-estar. A afirmação é de que a formação de redes é essencial para que haja uma coordenação efetiva do parque produtivo em uma economia global capitalista. 6 A Rússia seria um quarto país a ser incorporado à análise desta região, principalmente se quisermos entender a evolução política internacional da região, entretanto tal inclusão fugiria do corte analítico do trabalho que busca analisar a formação de uma rede capitalista japonesa no Leste Asiático ao longo dos séculos XX e XXI.

rede colonial japonesa na região. Em seguida, será analisado a recuperação japonesa no pós-guerra e o papel desempenhado pelos Estados Unidos na mesma. Na terceira parte será analisada a grande crise iniciada nos anos 70 e o seu papel para a expansão da rede capitalista pelo leste asiático, no processo que ficou conhecido como os gansos voadores (AKAMATSU, 1962). No último período cronológico analisado, demonstrase como se comportaram os três países diante das crises da década de 90 e dos anos 2000. Por fim, busca-se comparar o processo de integração regional asiático liderado pelo Japão com o processo sul-americano liderado pelo Brasil. PRÉ-GUERRA A virada do século XIX para o XX marca o início de uma profunda transição que começava a ser operada no leste asiático. Tal mudança era marcada pelo desmantelamento das antigas redes coloniais européias e pela emergência (ou pelo menos pela prefiguração da emergência) das três potências que determinarão a dinâmica da rede do Pacífico: o Japão, os Estados Unidos e a China (de forma incipiente). A formação desta tríade viria a determinar os principais rumos desta região ao longo do século XX e principalmente no início do século XXI. Historicamente, a região do leste asiático perpassou por vários projetos de unificação regional, podendo retomar a constituição do Estado chinês tomados pelos princípios confucianos 7 que pregava a constituição de um poder central como forma de dirimir divergências e conflituosidades nos interesses de monarcas sobre seus domínios. Desde a época dos Estados Guerreiros, do século III, até o expansionismo do Império Mongol no século XIII e as incursões japonesas e chinesas sobre a península coreana no século XVI foram princípios de unificação e consolidação de uma força hegemônica sobre o leste da Ásia (HENSHALL, 1999). Entretanto, apenas com a Restauração Meiji 8, em 1869, temos a adoção de ideais integracionistas como projeto de Estado no Japão. O movimento da Restauração foi o 7 Confucio (nome latinizado do pensador chinês Kung Fu-Tse), que viveu de 551 a.c. até 479 a.c. foi um dos principais pensadores da administração pública e de gestão de Estado na China Antiga. Seus ideias tinham como observação a manutenção da ordem pública e acerca da Governânica, sendo a principal referência para os Reis e Imperadores chineses e asiáticos, influenciando fortemente a forma de conduta dos líderes da região ao longos dos séculos, especialmente o Japão. 8 A ascensão do Imperador Mutsuhiro ao trono em 1868 é considerado o marco da Restauração Meiji. A Restauração Meiji é a denominação do processo que levou a modernização do Estado japonês e a sua posterior ascensão ao posto de primeira potência não ocidental no século XX. (MAGNO et. al. 2010b)

responsável pela construção do Estado moderno japonês. O seu objetivo era o de criar um Estado forte e soberano, capaz de se defender das potências ocidentais e interagir com elas em condição de igualdade. Os meios foram a industrialização, um exército forte e a ocidentalização do sistema político (MAGNO et. al. 2010b) Entretanto, logo se tornou patente que, devido à exiguidade territorial japonesa, a ampliação de uma rede econômica que desse suporte ao rápido processo de industrialização só seria viável através das práticas de expansão através doaumento dos laços com países estrangeiros. A necessidade de insumos tais como terras, mão-de-obra e matérias prima, impelia o Japão a este rumo. O caminho lógico a ser seguido foi uma tentativa de aproximação com os vizinhos asiáticos, devido à proximidade geográfica e à relativa similaridade cultural. Deste modo, a questão da integração asiática torna-se uma política de Estado no Japão na virada do século XIX para o XX. Entretanto, junto ao surgimento desta política de Estado emergiram diversas correntes propondo diferentes formas de atingir-se tal integração regional. Entre ditas correntes destacaram-se duas vertentes principais: uma pacifista 9, defendendo uma abordagem baseada principalmente no consenso, ao demonstrar aos vizinhos as vantagens dos mesmos em se aliarem a uma potência não européia visando conter a ameaça ocidental sobre o continente asiático 10 ; e outra militarista, que influenciada pelo imperialismo colonialista dos séculos XIX e XX, advogava uma política sustentada principalmente pela coerção. A primeira corrente foi predominante no início do século XX 11, porém a vitória japonesa sobre os russos na Guerra Russo-Japonesa em 1905 fez com que a segunda ala, formada pelos militares e alguns grupos de burocratas, começasse a aumentar seu poder no governo. A balança pendeu definitivamente para as forças militares no governo, que em 1932 deram fim a Democracia Taisho 12, quando 9 Não se deve confundir o termo com a não utilização da força militar quando necessário, o que seria impensável tendo em vista o ethos da Restauração Meiji. Tal termo designa a vontade de buscar inserir-se no subcontinente de forma mais cooperativa e consensual, mas tendo a força militar como um meio de manter a estabilidade. 10 As ações belicosas européias sobre a Ásia advêm desde a tomada da Indochina por forças francesas em 1887 como consequência da Segunda Guerra do Ópio. A conquista dos reinos do subcontinente indiano ocorre em 1858 com a constituição do Raj Inglês, que submete o controle da região à coroa inglesa e, em 1889 as Filipinas sã anexadas pelos Estados Unidos após a proclamação da independência do país asiático contra o domínio espanhol (CHIARELLI, 2009) 11 Dentre os principais pensadores da época sobre ideais Pan-Asiáticos, destaca-se o diplomata Minorosuke Kajima que atuou na Casa dos Representantes (A Câmara Baixa do Japão) em 1930 em defesa dos ideais decooperação regional que aprendera em sua missão na Europa. Também se destaca Hikomatsu Kamikawa da Universidade Imperial de Tóquio e Kazuo Matsubara, da Universidade de Tohoku, que após a Segunda Guerra, fundou o Instituto Japonês para Assuntos Exteriores, principal instituto que irá lidar com estudos sobre Relações Exteriores no Japão (TOZAWA, 2004)

uma conjuntura interna de aumento das liberdades políticas e a ascensão de uma China unificada por Chiang Kai-Shek passaram a ameaçar profundamente o poder destas elites. A ratificação da Lei de Preservação da Paz de 1925 e a segunda Guerra Sino- Japonesa de 1937 marcam a vitória desta via política militarista. Nesta conjuntura, o gabinete de Koneo Fumimaro torna-se refém dos projetos expansionistas do Exército e da Marinha japonesa (MAGNO et. al. 2010b). Entretanto, a prefiguração do controle deste rico continente por uma única potência passou a representar uma ameaça à integridade territorial norte-americana. O Pacífico, até então um escudo protetor para os Estados Unidos, começava a mostrar-se como um ponto vulnerável. De modo crescente tornava-se vital para os Estados Unidos estabelecerem instituições e mecanismos que permitissem a ampliação de sua rede e de sua governança na região. A sobreposição conflituosa das redes americana e japonesa (e em certo grau a chinesa) acabaram por levar à eclosão da guerra no Pacífico e às bombas de Hiroshima e Nagasaki. IMEDIATO PÓS-GUERRA Grande vencedor da guerra na Ásia, os Estados Unidos cedo perceberam que não poderiam penalizar o Japão do modo como pretendiam alguns governantes e generais 13, que defendiam a transformação deste país em uma economia rural e atrasada. A rápida escalada da Guerra Fria nesta região fez com que o Japão viesse a ser incorporado pelos EUA na governança regional e na formação de uma rede conjunta e cooperativa. A derrota japonesa e principalmente a derrota do projeto militarista na Segunda Guerra Mundial mostrou a debilidade de basear uma estratégia de Estado predominantemente na força militar. O resultado de tal postura foi a destruição do parque produtivo nipônico, a desestruturação do sistema político interno, aliados com uma profunda redução do status de potência regional do Japão, o que ameaçava 12 Democracia Taisho corresponde ao breve período de Governo Civil no início do século XX, experimentado pelo advento de empregos na melhoria da forma de conduta do novo Estado japonês após a Restauração. Contudo, devido a uma série de assassinatos de Primeiros Ministros na época, incidentes com países vizinhos e o Grande Terremoto de Tóquio em 1923 que podou o crescimento econômico da época, tal processo político foi contido e derrubado pelas alas militaristas. 13 Dentre os mais árduos defensores de um desmantelamento completo e irreversível da economia japonesa estava o General Douglas MacArthur, que defendia o desmonte da indústria japonesa, um forte tributo de compensação de Guerra e imposição de forças de ocupação em massa no país. Contudo, com o estouro da Revolução Vermelha e a Vitória de Mao na China, o governo americano muda sua postura e empossa George Keenan no comando das forças de ocupação, promovendo uma industrialização no Japão para dar suporte as forças aliadas na Guerra da Coréia, esta postura foi conhecida como Curso Reverso (MAGNO et. al. 2010a)

profundamente as perspectivas de retomada do desenvolvimento. As atrocidades cometidas em territórios ocupados (principalmente na Coréia e na China) tornaram estes países extremamente receosos frente às intenções japonesas, além de criar pressões sociais internas que demandavam um maior isolamento e enfraquecimento desta nação. Este foi um dos piores cenários que o Japão enquanto Estado poderia encontrar: o isolamento frente à sua esfera natural de co-prosperidade, o receio dos vizinhos dos quais o Japão necessita profundamente da cooperação para aumentar a interdependência e a perda de poder necessário para coordenar as políticas que permitissem o prosseguimento da industrialização interna. Apesar de todas estas consequências da derrota, o Japão não sentiu a desestruturação do tecido social a qual a Alemanha foi submetida após a Primeira Guerra Mundial. Este destino diferente deveu-se à posição nipônica no tabuleiro mundial da Guerra Fria. Para Monden Kazuhiro [a]s sucessivas derrotas dos chineses nacionalistas fizeram com que o governo americano realizasse movimentos de pressão sobre Tóquio em relação ao alinhamento diplomático do Japão, forçando a declaração de uma política externa próamericana (KAZUHIRO, 2008, apud CHIARELLI, 2009). Mas em compensação, para ter um aliado confiável (i.e. não propenso a grandes oscilações sociais internas), os norte-americanos tiveram que incentivar a reconstrução da economia japonesa. Segundo Alexandre Uehara: [C]om o afastamento da possibilidade de a China ser a principal aliada americana na região asiática, deixava de ser interessante fazer do Japão um país desmilitarizado e fraco. As circunstâncias estavam alteradas. Era preciso recuperá-lo, tê-lo como aliado, suficientemente forte para dar apoio às iniciativas e interesses americanos na região. (UEHARA. 2003, apud PERES, 2009). O último empurrão que levou à formação desta aliança estratégica e prioritária entre os dois países foi a Guerra da Coréia (1950), que demonstrou a necessidade dos norte-americanos contarem com uma base fornecedora de insumos para suas ações no continente asiático. Segundo Giovanni Arrighi (1998) a Guerra da Coréia delineou a

esfera capitalista na Ásia e funcionou como o Plano Marshall para o Japão 14. As bases estavam postas para a criação do que ficou conhecida como Doutrina Yoshida, uma estratégia de ação para o governo japonês formulada pelo premier Shigueru Yoshida (1946-7 e 1948-54). Segundo Lorenzo Peres os princípios que ficaram conhecidos como Doutrina Yoshida são o economicismo, o minimalismo diplomático e o bilateralismo dominante com relação aos Estados Unidos. (PERES, 2009) Por economicismo entende-se uma política voltada principalmente para o desenvolvimento econômico, necessitando para tanto manter uma diplomacia de baixo perfil (MAGNO et. al. 2010a). Esta necessidade explicava-se principalmente pela necessidade dos japoneses de negociarem com todos, precisando para tanto manter suas mãos desatadas em relação a alianças permanentes que ameaçariam estes objetivos. Por fim, dentro desta tríade de Yoshida, a aproximação incondicional frente aos Estados Unidos permitiu que os outros dois objetivos fossem alcançados: por um lado a inserção privilegiada japonesa dentro da rede norte-americana (rede comercial, tecnológica, diplomática, empresarial, etc.) permitiu que sua economia desenvolve-se mais rapidamente, beneficiando-se de incentivos estadunidenses, vindos na forma de transferência de tecnologias, investimentos externos diretos, proteção comercial, entre outros; pelo outro lado o minimalismo diplomático somente foi possível devido à proteção dada pelo guarda-chuva nuclear americano, que livraram o Japão do fardo de ter que garantir sua segurança. Neste período, conforme Arrighi [a] bem da segurança nacional, o governo dos Estados Unidos promoveu as exportações japonesas para seu próprio mercado interno e, mais ainda, tolerou que os investimentos norteamericanos fossem excluídos do Japão uma exclusão que forçou as empresas norte-americanas que buscavam acesso ao mercado japonês a fornecerem sua tecnologia, sob licença, a firmas japonesas. (ARRIGHI, 1996) É dentro desta estrutura estabelecida pela Doutrina Yoshida que o Japão passa a trabalhar novamente em prol da integração asiática. Impedido de exercer a liderança no extremo oriente devido à carência de poder, seja consensual ou coercitivo, coube a este 14 O Plano Marshall para o Japão aqui tratado se refere ao Plano Colombo, que pretendia reestruturar a economia de países asiáticos aliados dos Estados Unidos na região. Entre os principais países contemplados destaca-se o Japão, Índia e Indonésia. Sem iniciativas como esta, instituições tias como o Banco de Desenvolvimento Asiático não seriam possíveis.

país estabelecer uma nova estratégia para atingir seus objetivos regionais. Percebendo que a posição de fragilidade militar cristalizada no artigo 9º da constituição seria extremamente difícil de ser superada no médio prazo, os japoneses passaram a considerar trabalhar através da ampliação de seu soft power (NYE, 2009). Para tanto, foi estabelecida uma estratégia de diplomacia via os meios de pagamentos, onde os recursos das reparações pela guerra e das Assistências Oficiais para o Desenvolvimento (ODA, na sigla em inglês) passaram a ser usados visando permitir ao Japão atingir seus objetivos políticos externos (CHIARELLI, 2009). O apoio americano a esta iniciativa japonesa foi essencial para que o poder consensual nipônico fosse gradativamente sendo ampliado. Este arranjo beneficiava ambos os lados: seja os Estados Unidos, que usou o Japão como ponta de lança para fortalecer economicamente o bloco capitalista no extremo oriente; seja o Japão, que recebeu incentivos econômicos do hegemon na forma de acesso privilegiado ao mercado estadunidense, através das vistas grossas que este país fazia às barreiras comerciais nipônicas e principalmente através do fornecimento de tecnologias via licenciamento por empresas americanas de suas tecnologias para empresas japonesas. Entretanto, no início da década de 60, o aumento da dívida externa norteamericana começava a tomar ares alarmantes. A realização de reformas no sistema internacional tornava-se imprescindível. No âmbito da relação bilateral com os japoneses, os norte-americanos perceberam que a manutenção de um crescimento japonês financiado pelos bancos e consumidores americanos não seria sustentável. Neste sentido, os EUA começaram a trabalhar diretamente em prol dos objetivos do Estado japonês ao incentivar os países do Leste Asiático a passarem a exportar mais para o Japão, ao mesmo tempo em que deveriam importar mais deste país. Tal política buscava diminuir a dependência asiática do mercado americano, diminuindo assim os défices deste país. Destarte, o peso político e econômico dos EUA foi central para que os países da região deixassem os ressentimentos de lado e passassem a aceitar os investimentos japoneses (ARRIGHI, 1998). O auxílio norte-americano figurado no parágrafo anterior e a ampliação da diplomacia dos meios de pagamento característica da Doutrina Yoshida permitiram ao Japão nuclear a criação de uma segunda rede capitalista na região, paralela à rede americana. Diversas situações conjunturais da década de 60 e 70 apontavam para a importância vital que esta rede viria a assumir nos anos seguintes: (1) o final do período

de reconstrução, no início da década de 60, começou a introduzir entraves para o crescimento dos grandes zaibatsus (INOGUSHI, 2008:69 & ARRIGHI, 1998). O crescimento acelerado que se seguiu à reconstrução começou a criar sobreposições entre estas empresas, que diminuíam os ganhos das mesmas ao aumentar a competição entre elas; (2) a desvalorização forçada do dólar em 1971 e 73 encareceu os produtos nipônicos; (3) a entrada dos japoneses na Era da Informação e das Telecomunicações criou um novo mercado extremamente lucrativo a ser explorado por suas empresas 15 (PEREZ, 2002 & BERLIN, 2005). O capitalismo orientado japonês, que implicava em uma íntima relação entre a burocracia e as grandes corporações e entre os próprios zaibatsus 16 demonstrou-se ser bem sucedido, tendo em vista a rápida recuperação econômica apresentada, seguida de um crescimento acelerado. O sucesso do modelo japonês deveu-se à capacidade de suas elites planejarem o setor produtivo, evitando entrar em competições por mercados. Tal pacto político interno pode ter sua origem traçada a partir da estrutura de relação de comando entre interesses privados de famílias providas de recursos econômicos e políticos, visto que estas grandes corporações possuíam não só participação da decisão da própria empresa, como também participavam de setor estratégicos do governo. Além disso, a posição nipônica como principal aliado americano na região, permitia que os investimentos destas corporações usufruíssem de benefícios comerciais e tecnológicos únicos (MORI, 2006). Entretanto, no final da década de 60 e início da de 70, entraves relacionados à saturação crescente do mercado nipônico começaram a surgir. Por um lado, o aumento da escala produtiva e o esgotamento dos estoques de mão de obra barata domésticos fizeram com que crescentemente as grandes corporações começassem a se sobrepor na tentativa de competir pelo mercado consumidor e pelos trabalhadores. Esta sobreposição ameaçava o pacto que havia guiado suas atividades nas décadas anteriores (ARRIGHI, 1998). Por outro lado, a crescente dívida externa estadunidense levou a um aumento das pressões deste país para que o Japão contribuísse 15 O rápido desenvolvimento do Japão permitiu que o mesmo, já em 1970, possuísse capital financeiro suficiente para associar-se a Robert Noyce, o criador do semicondutor em base de silício, na viabilização financeira da Intel. Na época, as empresas americanas associadas aos europeus, como a Texas Instruments, contavam apenas com os semicondutores em base de germânio, os quais podiam ser economicamente viáveis para mísseis balísticos intercontinentais como o Titan, mas não para produtos eletrônicos de consumo de massa. 16 Os Zaibatsus são indústrias controladas por famílias que participavam do núcleo decisório do governo japonês. Tal característica demonstra uma articulação entre Estado e setor privado como formas de coordenar as economias sobre a influência japonesa (CHIARELLI, 2009)

mais com os custos da Guerra Fria através de uma diminuição de seu protecionismo e da valorização do iene 17. Outro fator essencial para entender esta maior pressão americana sobre a política econômica japonesa era o processo de aproximação da China com o mundo capitalista, o que retirava a exclusividade do Japão como único aliado americano na região. Mao Tse Tung, tendo consolidado o poder do Partido Comunista internamente, conseguiu utilizar sua envergadura política e icônica para promover uma maior aproximação com com o Japão, contornando um dos mitos fundadores da República Popular da China: a vitória sobre os japoneses. A necessidade deste peso da figura de Mao era necessário para controlar as forças internas que tendiam a usar temas relacionados ao Japão para obter poder ou para desestabilizar o regime (SHIRK, 2007). A aproximação chinesa com o Japão era vista como um modo de contrabalançar a influência americana sobre o mesmo. Esta relação foi realizada em grande parte de modo informal, sem estabelecer relações diplomáticas. No início dos anos 70, visando conter a principal ameaça à segurança de seu país, a União Soviética, Mao passa a buscar fortalecer as relações não somente com o Japão como também com os EUA 18. Deste modo, começa-se a estabelecer as bases sobre as quais se assentarão o processo de abertura da economia chinesa promovidos por Deng Xiaoping e que gerarão as bases para a rápida ascensão chinesa. A GRANDE CRISE DA HEGEMONIA AMERICANA O início dos anos 70 é marcado por alguns autores como Giovanni Arrighi como a grande crise da hegemonia americana, quando o seu poder passa a ser ameaçado pela emergência de novas potências. Estas análises, que avançaram até a virada do século, apontavam inicialmente para o Japão como o possível país a ultrapassar os Estados Unidos na liderança político-econômica global, passando, anos mais tarde, a mostrar a 17 Estas valorizações sucessivas tiveram início em 1971, quando dos Acordos de Smithsonian, passando por 1973, quando os EUA abandonam o câmbio fixo e atinge seu ápice nos acordos de Plaza em 1985. Cabe ressaltar que esta mudança no sistema monetário internacional ensejou um processo de transnacionalização das economias dos EUA e do Japão para a Ásia. Estas mudanças monetárias globais aliadas a mudanças tecnológicas profundas permitiram a estes países desterritorializar a base industrial, estabelecendo formas de gestão transregionais. Tal estratégia conduziu a um sistema societal de parcerias criadas entre os Estados Unidos e a Ásia que, devido o défice externo estadunidense, exigia uma governança compartilhada da própria base industrial (BUENO, 2009). O Japão neste contexto, teria a função de ser um dos acionistas deste sistema de governança econômica regional. 18 As relações oficiais com o Japão foram estabelecidas em 1972, 7 anos antes das relações com os EUA. Ao restabelecerem os laços, os japoneses pediram desculpas aos danos causados aos chineses, assim como Mao perdoou e não pediu qualquer indenização dos japoneses (SHIRK, 2007)

China como a futura grande potência. Alguns exageros postos a parte, o início dos anos 70 marca a crise das instituições instauradas pelo Bretton Woods, quando as elites empresariais do núcleo orgânico do capitalismo passaram a transnacionalizar-se buscando fugir das cada vez mais rígidas legislações trabalhistas e dos crescentes controles impostos pelos Estados. O desmantelamento do Bretton Woods teve início com a desvinculação do dólar frente ao ouro realizado por Richard Nixon em 1971, que tornou possível aos EUA incorrerem em elevados défices em transações correntes, que eram compensados com a entrada de fluxos automáticos de capitais financeiros. A transformação do dólar em ativo de maior liquidez e de reserva permitiu às elites norte-americanas promoverem a marcha para o leste, fortalecendo o processo de desenvolvimento dos países asiáticos. Ao mesmo tempo, a desvalorização do dólar e a ampliação da concorrência de empresas americanas começou a ameaçar a competitividade das empresas japonesas. Pressionado domesticamente e internacionalmente pela redução das margens de lucro, o setor produtivo japonês não encontrou alternativa a não ser seguir sua vocação natural e a tendência reintroduzida pela elite produtiva e financeira americana: transnacionalizar-se rumo aos seus vizinhos asiáticos. Neste momento os frutos da Doutrina Yoshida e de seus ODA s começaram a ser colhidos. O financiamento nipônico de projetos educacionais e produtivos nesta região havia criado um espaço cuja mão de obra qualificada estava intocada. O característico modelo de subcontratação nipônico, com grandes zaibatsus subcontratando suas atividades para pequenas e médias empresas, encontrou um terreno fértil para expandir-se. Através da intervenção das sogo shosha (enormes empresas comerciais detentoras de redes de contatos internacionais) as empresas japonesas passaram a transplantar maciçamente os setores produtivos intensivos em mão de obra para quatro países: Coréia do Sul, Formosa, Cingapura e Hong Kong. A revoada dos gansos começava, com os futuros Novos Países Industrializados (NPI) assumindo a produção de menor valor agregado, enquanto as empresas japonesas mantinham as fases de maior valor agregado intensivas em capital (VIZENTINI, 2005). O projeto de integração asiática baseada nos meios de pagamento iniciada pelo governo passou a ser seguido com maior força pelas corporações domésticas japonesas 19. 19 Isto não significa que o governo tornou-se passivo no processo, pelo contrário, a nova dinâmica criada pelo setor empresarial nipônico foi cristalizada em Manila, durante reunião da ASEAN em 1977. Na ocasião, o premier

O diferencial de salários entre os países asiáticos pavimentou o caminho para que o Japão liderasse uma crescente divisão do trabalho dentro da região. Dentro de uma abordagem centro-periferia, a expansão doméstica de cada ganso levava o mesmo a expandir crescentemente os setores de menor valor agregado para um país periférico. O amadurecimento das indústrias em cada país fazia com que os mesmos passassem as indústrias onde não tinham mais vantagem comparativa para países menos desenvolvidos (HAMAGUSHI, 2007). O sucesso do projeto de transnacionalização ensejado pela ampliação da rede capitalista japonesa permitiu que os países da região superassem as consecutivas crises econômicas internacionais das décadas de 70 e 80. A manutenção da liderança japonesa sobre os gansos voadores deveu-se à preservação da superioridade da rede capitalista japonesa no leste asiático no que diz respeito à rede produtiva (a manutenção da superioridade tecnológica mantinha as empresas japonesas no topo da divisão do trabalho asiática), à rede comercial (a ampliação das redes das sogo shosha) e à rede financeira (criação de um pujante mercado financeiro em Tóquio). A entrada da Ásia no quinto paradigma técnico-econômico de Carlota Perez (2002), a Era da Informação e das Telecomunicações (com sua base material nos semicondutores) 20, estaria na raiz do que Jeffrey Sachs denominaria de o ressurgimento da Ásia 21. Normalmente, este soerguimento do Leste Asiático é atribuído à revolução chinesa e à consecutiva reforma agrária que permitiram à China criar as bases para sua futura industrialização. Entretanto, ao adotar somente esta abordagem, corre-se o risco de esquecer que foi a microeletrônica que ofereceu o valor agregado que materializou o referido desenvolvimento acelerado. Tanto o milagre japonês, como o subsequente chinês e, mais recentemente, o sul-coreano (YUAN, 2010), teriam nas altas taxas de valor agregado dos produtos eletrônicos a chave de seu êxito. Além disso, tão Fukuda Takeo declarou os princípios da nova política externa japonesa (que viriam a ser conhecidos por Doutrina Fukuda), segundos os quais o Japão deveria engajar-se em consolidar a confiança mútua na Ásia, comprometendose para tanto a jamais travar guerras novamente e também a ser o primeiro prestador de assistência para os países vizinhos. Esta política visava estabelecer mecanismos duradouros para uma esfera de co-prosperidade asiática, que beneficiariam diretamente o setor produtivo nipônico, através da consolidação da rede capitalista japonesa. (CHIARELLI, 2009) 20 Como foi mencionado anteriormente, o empresariado japonês teve um papel protagonista na criação desta tecnologia revolucionária, ao viabilizar financeiramente e tecnologicamente o desenvolvimento dos primeiros chips da Intel. 21 A Ásia, com 66% da população mundial [em 1950], detinha menos de 19% da renda mundial, em comparação com os 58% que detinha em 1820. Em 1950, porém, teve início uma das maiores transformações da história moderna, com diversas economias asiáticas apresentando altas taxas de crescimento. Por volta de 1992, impulsionada por esta expansão acelerada, a participação da Ásia na renda mundial já atingia 33%. Esta mudança de maré tende a se prolongar, com a Ásia ressurgindo, já no início do século XXI, como centro mundial da atividade econômica. (RADELET & SACHS, 1997)

importante quanto este fator técnico-econômico, foi a formação de um pacto que institucionalizou um modelo de desenvolvimento nativo nucleado pelo Japão 22. Sob o prisma da política doméstica japonesa, o período do milagre nipônico que se seguiu à transnacionalização dos capitais provocou profundas mudanças que muitas vezes são esquecidas. Como foi visto, a rapidez com que esta nação ascendeu ao posto de segunda maior economia do mundo deveu-se principalmente à estrutura sóciopolítica da mesma. Esta estrutura era caracterizada principalmente pela aliança estabelecida entre a burocracia japonesa e os grandes conglomerados empresariais, a qual permitiu ao Japão criar um modelo de desenvolvimento politicamente orientado e que proporcionou o desenvolvimento robusto da economia nacional (OZAWA, 1994). Tal modelo era permeado por uma constante luta de poder entre estes dois atores, que buscavam a supremacia sobre as decisões políticas. Deste modo, se no período de reconstrução a burocracia levava vantagem, a transnacionalização dos capitais japoneses representaram a virada do jogo em prol das elites empresariais. (NAGASAKA, 2008) Enquanto isto na China, a transição do poder político de Mao Tse Tung para Deng Xiaoping representava uma alteração nos objetivos estratégicos do PCCh. Enquanto que o governo de Mao conseguiu consolidar a independência e a soberania da China continental, o novo governo passou a ter um foco no desenvolvimento econômico visando incorporar o enorme contingente de trabalhadores a um mercado de trabalho mais dinâmico do que o rural. Segundo Robert Kuhn (2010), a segunda geração do Partido Comunista, ao procurar uma maior abertura frente ao mundo, teve que romper com a centralidade ideológica da luta de classes característica do período maoísta. Este rompimento levou à centralidade para o PCCh da idéia de desenvolvimento econômico. Neste contexto, a maior abertura da economia chinesa para a cooperação com americanos e japoneses condizia com os interesses estratégicos da China. Quanto às relações sino-japonesas especificamente, Deng Xiaoping também contava com um enorme prestígio, de modo que pôde manter as relações estabelecidas por Mao com o Japão. O líder via que tal aproximação era vital para o projeto de 22 Assim como o Japão desenvolveu um sistema econômico nucleado por grandes corporações gerenciadas por poderosas famílias que dispunham de poderes não só econômicos, mas também políticos, destaca-se que, dentre os últimos Primeiros Ministros do Japão, dois destes, detinham relações com grandes empresas: Taro Aso (onde seu irmão mais novo, dirige a companhia de mineração Aso Group, com sede no Brasil inclusive) e Hatoyama Yukio (onde seu avô materno, Ishibashi Shôjiro é fundador da Bridgestone Corporation). Este modelo de corporação também foi adotado na República da Coréia, com a denominação de Chaebol, grandes conglomerados econômicos que são dirigidos por famílias tradicionais e que possuem influência sobre o governo local.

abertura econômica (que foi explicitado em dezembro de 1978). Apesar de rusgas táticas (como o cancelamento do pagamento a uma indústria japonesa que havia se instalado na China), a relação entre os dois países era amigável. Como exemplo pode ser citado a criação no início dos anos 80 da Associação Sino-Japonesa de Intercâmbio de Conhecimento Econômico, que buscava auxiliar os chineses a adotarem suas reformas econômicas. O forte crescimento econômico em ambos países permitia que seus líderes dobrassem a oposição que via com maus olhos esta aproximação. Um exemplo desta força política interna foi a visita do premier japonês Nakazone ao Santuário de Yasukuni em 1985, que promoveu uma onda de protestos estudantis na China. Contudo, este princípio de animosidade pôde ser contornado com um pedido de desculpas pelo governo japonês (algo que hoje geraria uma insustentável crise política no Japão) e através do controle das manifestações pelas autoridades chinesas, passando por cima daqueles estratos da elite política que viam com bons olhos os protestos dos estudantes. Entretanto, com o passar do tempo, a pujança destas duas economias e a liderança do ganso japonês começaram a ser ameaçadas. A relação sinérgica entre os três países dentro de uma rede compartilhada onde o centro era o Japão e os Estados Unidos passou a ser ameaçado pela introdução de dois novos processos: (1) a intensificação da dinâmica de globalização, figurada nos acordos de Plaza de 1985 e (2) a criação de uma terceira rede capitalista na região, a chinesa. Quanto ao primeiro fator, os acordos de Plaza são um marco para a economia e a política japonesa. Para Inogushi (2008) e Nagasaka (2008) tais acordos representam uma intensificação da transnacionalização do parque produtivo nipônico (tendo em vista a desvalorização do dólar acordada), a qual acarretaria, anos mais tarde, um aumento da contestação frente ao sistema político doméstico baseado na interação entre a burocracia e as grandes corporações. A ampliação da transnacionalização japonesa, entretanto, já não apresentava os mesmos efeitos da ocorrida na década de 70, quando a mesma mostrouse extremamente efetiva para manter as margens de lucros das corporações elevadas. Isto se deveu ao fato de a expansão dos gansos voadores ter criado novos centros de alta tecnologia rivais, que passavam a competir com os japoneses nos setores de alto valor agregado. A participação japonesa na divisão internacional do trabalho, que antes abarcava vastos setores no alto da cadeia produtiva, começava a apresentar uma redução

significativa. A crescente formação de uma rede comercial coreana, aos moldes da japonesa caracteriza esta diminuição do poder relativo. É importante ressaltar que o Acordo do Plaza visava incentivar através de estratagemas táticos o parque produtivo estadunidense. Esperava-se que a valorização do Iene e do Marco alemão levaria a um aumento das importações por estes países de mercadorias americanas, podendo então reverter a marcha para o leste iniciada nos anos 70. Entretanto, o Acordo não levou ao resultado esperado: ao invés de um aumento do consumo de bens americanos pelos japoneses, o que houve foi um aumento dos investimentos japoneses no mercado de capitais estadunidense, aproveitando-se da moeda valorizada. O resultado deste aumento dos fluxos de capitais para os Estados Unidos foi a amplificação da bolha especulativa que viria a explodir em 1987. Entretanto, mais determinante por ser estrutural para a diminuição da liderança do ganso japonês foi o segundo ponto: a formação de uma terceira rede capitalista, a chinesa. Logo no início da revoada dos gansos a possibilidade deste cenário era vislumbrada: entre os quatro NPI s, três (Formosa, Hong Kong, Cingapura) contavam com uma grande parcela de sua população composta por chineses da etnia Han. Detentores de pequenos negócios comerciais e industriais nestes países, esta parcela da população retinha grande parte do que ficou conhecido como capital chinês ultramarino. O desenvolvimento tecnológico e o crescimento econômico destes países sob influência dos japoneses permitiu um aumento quantitativo e qualitativo deste capital. Enquanto isso, na República Popular da China, a distensão iniciada pelo governo Nixon, as reformas econômicas instauradas por Deng Xiaoping e a associação chinesa ao vôo dos gansos começou a ameaçar a liderança japonesa ao promover uma crescente atração desta diáspora chinesa. As dimensões territoriais e populacionais chinesas, aliadas com sua independência política no cenário internacional, o apoio americano e a possibilidade de trazer de volta os capitais da diáspora chinesa transformavam este país comunista uma séria ameaça para a liderança japonesa no extremo oriente. O discurso do Partido Comunista Chinês de estabelecimento de uma nação e dois sistemas começou a atrair os capitais chineses ultramarinos. Inicialmente temerosas de investir na China, as corporações japonesas foram forçadas a tomar esta atitude tendo em vista o efeito manada e as oportunidades oferecidas pelo gigante vizinho. A integração da economia chinesa à rede produtiva asiática começou a nuclear uma nova rede produtiva regional,

com o potencial de deslocar o Japão da liderança das redes tecnológicas e comerciais no extremo oriente. Deste modo, os Acordos de Plaza e a ascensão chinesa determinaram o dilema japonês: onde investir os capitais excedentes criados pelo explosivo crescimento? (1) Por um lado, a manutenção dos investimentos elevados na expansão da rede de subcontratação significava ampliar o já robusto crescimento chinês, o que implicava na criação de um incontrolável rival gigante na vizinhança regional. (2) Por outro lado, manter os fluxos de investimentos em direção aos EUA mostrou-se temerário, tendo em vista que tais fluxos além de desencadear a animosidade dos norte-americanos diante da invasão japonesa estava criando uma bolha no mercado financeiro deste país, o que criava perspectivas negativas para o investidor japonês. Acuado pelas duas alternativas sub-ótimas, o Japão procurou trilhar uma terceira via igualmente sub-ótima: investir no próprio país. Parecia ser o mais sábio e acertado a fazer. Impossibilitado de ampliar aceleradamente os investimentos no setor de microeletrônica devido à ausência de um marco regulatório internacional que salvaguardasse estes investimentos e que criassem novos grande projetos lucrativos, os capitais japoneses passaram a migrar para o setor especulativo e para o setor de imóveis 23. Em outras palavras, a globalização ensejada pelos Acordos de Plaza e a entrada do dragão chinês na rede produtiva asiática, iniciando um processo de formação de uma terceira rede capitalista nucleada na República Popular da China, tiveram um efeito adverso sobre a economia japonesa. A desterritorialização do parque produtivo aliado com a pujança do modelo estabelecido (gansos voadores) refletiu-se em imensos influxos de divisas no Japão. O sucesso da estratégia empresarial nipônica levou à formação de uma bolha financeira que, ao estourar no início dos anos 90, lançou o Japão em uma recessão que duraria mais de uma década. O sucesso do modelo de transnacionalização do capital japonês levou à crise econômica nipônica. A estrutura político-econômica que sustentou o crescimento japonês do pós-guerra esgotou-se, 23 Cabe ressaltar que esta valorização dos imóveis e ações foi incentivada pelo governo. Após os Acordos de Plaza em 1985, o MOF passou a exercer uma política monetária expansionista e direcionada a corretoras que buscava valorizar os ativos das empresas (ações, terras, imóveis, etc.), de modo a ampliar os colaterais das mesmas, o que permitiria uma expansão da tomada de crédito. Além disso, tal política visava criar um efeito riqueza sobre as rendas das famílias, incentivando deste modo o consumo das mesmas. É necessário ressaltar que inicialmente tal política foi bem sucedida. Entretanto, a bolha criada explodiu na virada da década de 80.

demonstrando a necessidade da sociedade japonesa passar por reformas, que incluiriam mudanças em seu modo de agir internacionalmente. Segundo Lorenzo Peres: O biênio 1989-1990 é chave para a história econômica do Japão. Nesse período, o país vivenciou uma grande crise econômica, ingressando em uma era de recessão que dura até os dias de hoje. Entre as causas principais dessa crise pode-se destacar o esgotamento do modelo econômico e político japonês, a revisão da aliança por parte dos Estados Unidos em função do fim da Guerra Fria e a natural perda de dinamismo frente ao avanço relativo da China. (PERES, 2009) No Japão, a eclosão da crise passou a gerar pressões internas por mudanças políticas, as quais colocaram sobre a mesa uma nova agenda política. Temas tais como a segurança nacional, práticas protecionistas e nacionalismo 24, acabaram por limitar o ciclo ascendente de cooperação mútua entre os países da região. Enquanto o Partido Liberal japonês pregava políticas de proteção econômica e de valorização de temas nacionais que criavam atritos com seus vizinhos, o Partido Comunista chinês retomou a agenda de fortalecimento da uma política baseada no hard power, não só como medidas de pressão contra postura de barganha dos investimentos japoneses na China, mas como sinal de se estabelecer um novo hegemon na ásia, um claro sinal para os Estados Unidos e Rússia. A situação chinesa também refletia estas mudanças pelas quais se passavam a rede capitalista regional. A necessária rapidez com que se desenvolveu o processo de abertura e desenvolvimento econômico chinês fez com que fosse criado um descompasso entre as evoluções econômicas e as políticas. Neste contexto, no mesmo ano em que ocorria a crise japonesa, os estudantes chineses ocupavam a Praça da Paz Celestial em Pequim, demandando o quinto passo da modernização: a democratização do país. Cabe ressaltar que as ondas de protestos estudantis tiveram início em 1985, como fruto da visita do premier japonês ao Santuário de Yasukuni, e coincidiram com comemorações relacionadas ao aniversário da invasão japonesa à Manchúria. Entretanto, como foi visto, o desejo de facções governantes do 24 Empregamos entre aspas o termo nacionalista porque, de acordo com uma visão nacionalista ortodoxa, aqueles que defendem um processo de integração regional mais forte e cooperativo não seriam nacionalistas. A concepção de que somente projetos militaristas são nacionalistas não seria verdadeira, do mesmo modo que a concepção de que os projetos de cooperação regional não possuem uma agenda de segurança própria é igualmente falha.

PCCh de aproximar-se com o Japão fez com que estes movimentos fossem dispersados. Insatisfeitos com a falta de representatividade uma vez que acreditavam que o governo preferia agradar aos imperialistas japoneses a escutar os seus estudantes e com outros fatores tais como a inflação crescente, as ondas de protestos estudantis se alastraram novamente e redundaram no grande confronto da Praça da Paz Celestial (SHIRK, 2007). A repressão violenta às manifestações estudantis levou não somente à interrupção da onda de protestos, como também ao início da emergência de um estrato da burocracia chinesa que via a aproximação com o Japão como potencialmente desestabilizador internamente. Este grupo pôs a culpa das turbulências internas nos governos que tentaram uma maior aproximação com o Japão, e passaram a defender uma postura mais confrontativa (ou pelo menos mais condescendente com os protestos anti-japão) de modo a obter apoio interno. Pode-se perceber que a virada dos anos 80 para os 90 representa o início da crise na relação entre as elites empresariais, políticas e burocráticas dos dois países, que caracterizaram o processo de expansão da rede capitalista no leste asiático desde os anos 70. A GRANDE CRISE DOS ANOS 90 As crises político-econômicas que se iniciaram no início da década de 90 na região assumiram uma trajetória de turbulências crescentes que desembocariam na crise asiática e na crise de 2008 nos Estados Unidos. Como pano de fundo e causador destas crises pode ser colocado a deterioração do pacto de elites transnacional que estabeleceu nos anos 70 um modelo de negócios e de desenvolvimento que incentivavam a migração dos capitais para as regiões que ofereciam menores salários, visando deste modo aumentar a competitividade das empresas. Este processo, além de provocar uma crescente instabilidade econômica (fruto dos desequilíbrios financeiros internacionais, ampliados pela acumulação de reservas nos países asiáticos após a crise de 1997-8), promoveu profundas turbulências político-econômicas dentro dos três países analisados neste artigo. No caso chinês, o resultado das ondas de protestos estudantis foi a emergência da terceira geração de governantes do PCCh, liderado pelo premier Jiang Zemin. Andando sobre o fio da navalha, Zemin teve que lutar para conciliar os interesses das

alas militaristas- nacionalistas que buscavam apoio popular via discursos antinipônicos ao mesmo tempo em que buscava se proteger deste grupo, que promoveu uma série de golpes nos bastidores que redundaram com a queda de seu antecessor Zhao Ziyang. Deste modo, seu governo foi marcado por um maior distanciamento frente aos grupos que buscavam a aproximação com os japoneses (vitais para a manutenção do desenvolvimento econômico e para a estabilidade política internacional), ao passo em que promovia uma maior institucionalização do Partido Comunista, visando garantir sua preservação no controle do partido. O governo de Zemin, assim como o governo de Xiaoping, legou para seu sucessor, Hu Jintao, os problemas oriundos do sucesso de suas políticas. De fato, a ascensão da quarta geração do PCCh encontrou como principal desafio lidar com os dois problemas criados por estes sucessos: (1) o aumento das desigualdades e as condições precárias de vida e de trabalho, frutos do crescimento acelerado iniciado por Xiaoping; (2) a percepção de que há um défice democrático no sistema político chinês, percepção que foi ressaltada pelo processo de institucionalização da burocracia governamental na China, aliado com a emergência da classe média e a pressão de grupos políticos de regiões não hegemônicas no Partido Comunista. Dentre estes grupos sub-representados, destacam-se a as elites locais de Hong Kong e Taiwan, além de minorias tibetanas e muçulmanas Uyghures. Visando lidar com estes problemas, o premier Hu Jintao lançou no 17º Congresso do Partido Comunista a Perspectiva Científica do Desenvolvimento, projeto que buscava manter o foco da política econômica do governo no crescimento, mas retomando o foco das mesmas no indivíduo, na população. Estabeleceu-se deste modo, os quatro principais problemas a serem lidados pelo governo: a desigualdade de renda, o desenvolvimento sustentável, a questão ambiental e a abertura política (KUHN, 2010). Tornava-se vital conciliar o crescimento com o desenvolvimento, ou seja, incorporar não somente as fases de menor valor agregado do processo produtivo, mas também os setores de P&D das multinacionais. Além disso, tornava-se necessário criar um arcabouço institucional internacional que permitisse a melhora nas condições de renda dos trabalhadores, buscando tornar a melhora de seus direitos algo que não gerasse uma diminuição nos investimentos diretos na China. Deste modo, a reaproximação com o Japão tornou-se novamente uma política do governo, buscando um parceiro que poderia auxiliar o governo de Hu Jintao a cumprir seus objetivos político-econômicos. Tal

aproximação tornou-se patente na série de acordos trilaterais ocorridos nos últimos anos entre a China, o Japão e a Coréia do Sul 25. Já no caso americano, a vitória sobre a União Soviética no final dos anos 80 criou a ilusão do fim da história e de que finalmente o mundo viveria sob um sistema unipolar. Entretanto, ao invés de promover uma maior aproximação com os supostos inimigos derrotados, a ascensão de governos conservadores fez com que os EUA adotassem uma política mais unilateral e belicista, levando a Rússia e a China a uma espécie de ostracismo político-econômico. A aliança com o Japão foi retomada, mas tomando um caráter muito mais militar e de contenção à China do que econômico e de desenvolvimento mundial. No âmbito da política econômica, houve a manutenção do processo de transnacionalização do capital americano e de manutenção do parque produtivo no exterior 26 (mantendo assim os desequilíbrios no balanço de pagamentos). A falha desta abordagem tornou-se evidente com o desenrolar das guerras do Afeganistão e do Iraque e com o unilateralismo do governo neocon 27 de George W. Bush. A vitória russa sobre um aliado americano na Guerra da Geórgia em 2008 ao mesmo tempo em que explodia a crise do subprime marca um enfraquecimento profundo desta via de governança global, redundando na eleição do democrata Barack Obama, que passou a defender uma política de maior cooperação com o Pacífico, em detrimento da agenda de segurança adotada pelos governos anteriores. No caso japonês, os anos 90 representam a consolidação de uma terceira rede capitalista nucleada na República Popular da China, a qual começou a tirar do Japão o controle da integração regional. A supremacia dos capitais nipônicos na região passou a ser corroída. O enfraquecimento internacional destas elites japonesas refletiu-se em uma crise no âmbito doméstico. Esta crise atingiu tanto o âmbito econômico quanto o 25 Em 28 de novembro e 1999 ocorre a primeira reunião mútua dos representantes de Estado dos três países da região, tendo a participação do Primeiro Ministro do Japão, Obuchi Keizo, o Primeiro Ministro da RPC, Zhu Rongji e o Presidente da República coreana, Kim Dae-Jung. Esta iniciativa foi essencial não só para estabelecer planos de cooperação conjunta entre estes países, como também viabilizou a constituição da ASEAN+3 neste mesmo período (CHIARELLI, 2009) 26 É interessante ressaltar que de fato há uma mudança na transnacionalização americana, que da Marcha para o Leste passa para uma Marcha para o Sul (Estados menos desenvolvidos dos EUA e México), entretanto esta mudança não atinge o marco regulatório que permitiria o desenvolvimento pleno do paradigma técnico-econômico da microeletrônica, lançado nos anos 70 (PEREZ, 2009) 27 Neocon refere-se a postura política protecionista e do emprego de mecanismos de Hard Power como mecanismo de manutenção ou perduração do poder hegemônico americano após a Guerra Fria. Neocon refere-se ao termo neo-conservadores.