Escolas da rede estadual do município de Canoinhas, em Santa Cantarina, usam programas da Escola em projetos para a recuperação do meio ambiente e da cultura de seus antepassados. Reportagem: Dóris Fleury Fotos: Vera Jursys Aregião de Canoinhas, Santa Catarina, é marcada por duas perdas expressivas: a devastação de suas florestas e o esquecimento das origens de sua população. Vivíamos da indústria da madeira. Cortávamos as árvores, sem pensar no futuro. Agora, a madeira acabou e estamos chorando, sentados no cepo da imbuia, diz Arnaldo Erwin Mews, diretor da Escola Manoel da Silva Quadros. Mudou o cenário, perdeu-se o roteiro: As crianças não sabem mais de onde vieram os pais, os avós. Perderam suas origens, acrescenta Arnaldo. O quadro é preocupante, mas as escolas não estão indiferentes. Vários projetos em andamento na rede estadual tratam da História da região e de seus problemas ambientais. Parte deles foi desenvolvida em resposta ao concurso Minha escola participando da História, promovido no ano passado pela Coordenadoria Regional de Educação. 20 O principal objetivo do concurso era estimular a utilização da Escola e de outras tecnologias. Muitas escolas tinham o kit de equipamentos, mas aproveitavam pouco o recurso. Por isso, usar programas da Escola em seus trabalhos foi pré-requisito para os participantes. Por isso, também, os 22 projetos selecionados, de 48 inscritos, foram documentados em vídeo. Queríamos incentivar o uso da tecnologia de todas as formas, explica a coordenadora de Educação a Distância, Zilda Hatschbach Freitas. Os professores fugiam do microfone e da câmera. Veja, nas próximas páginas, alguns dos projetos premiados. Mapa de Santa Catarina, criado pelos alunos da Escola João José de Souza Cabral, em atividade sobre migração.
Daniele Martins, da Escola Júlia Zaniolo (à esquerda) participa de reflorestamento e os alunos da Escola João José de Souza Cabral (abaixo) revivem as tradições dos imigrantes: duas frentes de trabalho na redescoberta da identidade de Canoinhas. Os europeus que se estabeleceram em Canoinhas, a partir das primeiras décadas deste século, deixaram suas marcas em construções típicas como esta casa (à direita). As tradições da imigração européia, entretanto, foram aos poucos sendo esquecidas. Hoje, boa parte do patrimônio histórico da cidade está ameaçado. 21
NAS PEGADAS DA HISTÓRIA 22 Turma da Escola Manoel Quadros da Silva exibe placa da rua Elza Baukat, uma pioneira da história de Marcílio Dias. QUERÍAMOS CONHECER NOSSAS ORIGENS. COM O TRABALHO, NOS LOCALIZAMOS NO MUNDO A professora de Geografia da Escola João José de Souza Cabral, Teresinha Hoickesfeld Woitexem, lembra até hoje da reação de seus alunos ao programa da Escola As viagens portuguesas do descobrimento. Eles sabiam que os seus antepassados não eram portugueses e se perguntaram de onde eles vinham. Na ocasião, fiz uma pesquisa e descobri que a maioria de nossos alunos descendia de alemães, conta a professora, ela também descendente de alemães e casada com um descendente de ucranianos. Puxando o fio desta meada, a professora que dá aula da 3ª série do ensino fundamental à 3ª série do médio elaborou o projeto interdisciplinar Imigração e migração no Brasil, com atividades de Geografia, História e Língua Portuguesa. Resolvi fazer mapas quebra-cabeça. Neles, a turma localiza a Europa e a Alemanha, a América do Sul e o Brasil. De- pois, acham Santa Catarina e dentro dela, finalmente, Canoinhas, explica Teresinha. Em História, os alunos fizeram uma pesquisa sobre os itinerários dos antepassados alemães dos canoinhenses. Foram batendo de porta em porta, fazendo perguntas e pesquisando até na Internet. Trouxeram relíquias familiares para a escola; visitaram a tradicional Cervejaria Canoinhense, de Rupperecht Loeffler, pertencente a uma família austríaca que fabrica cerveja há gerações e produziram textos, orientados pela professora de Língua Portuguesa. Hoje, no 3º ano, fazem uma avaliação positiva do projeto. Tínhamos curiosidade de saber de onde vínhamos. Com o trabalho, a gente se localizou no mundo, afirma o descendente de alemães e italianos Luiz Mateus Moreschi. Depois do trabalho, alguns alunos juntaram-se ao grupo folclórico alemão Teewald (floresta de chá, nome alusivo à cultura local da erva-mate).
QUEM FOI ELZA BAUKAT? Enquanto isso, no distrito de Marcílio Dias a parte mais germânica de Canoinhas Arnaldo Erwin Mews, diretor da Escola Manoel da Silva Quadros, também se preocupava com o mesmo problema. As crianças daqui não se vêem como participantes e co-autores da História. Seu cotidiano está muito distanciado do que aprendem na escola, diz Arnaldo. Se eu perguntar aos meus alunos o que é uma floresta, eles vão se lembrar da Amazônia mesmo que passem todo dia por um bosque de araucárias. Programas da Escola, como os da série PCN / Temas Transversais Pluralidade Cultural, deram ao diretor algumas idéias para atravessar este abismo. No ano passado ele lançou, numa turma-piloto da 8 a série, o projeto Nomes de ruas de Marcílio Dias. A idéia era descobrir, por meio de pesquisas e entrevistas, quem foram os imigrantes cujos nomes batizaram as ruas do distrito. Voltando algumas gera- MADEIRA ABAIXO A região de Canoinhas já foi coberta por uma floresta nativa dominada pelo pinheiro araucária e rica em espécies como a imbuia, cedro, canela e erva-mate. Este tipo de vegetação conhecida como floresta ombrófila mista sobrevive, hoje, apenas em reservas como a Floresta Nacional de Três Barras, município a 12 km de Canoinhas. É difícil calcular a extensão do desmatamento na região. Só para se ter uma idéia: o Estado de Santa Catarina, de acordo com estimativa do Ibama, conserva apenas 14% de sua cobertura vegetal original, formada por Mata Atlântica de encosta (do litoral) e floresta ombrófila mista. COMO PRESERVAR Dá para explorar as riquezas da mata nativa, sem provocar o desmatamento em larga escala? Fábio Poggiani, professor de Ecologia Florestal da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, da USP, em Piracicaba, São Paulo, aponta uma possibilidade: estudar previamente a floresta, levantar o número de espécimes nela existente, cortar apenas uma quantidade de árvores que não afete a biodiversidade e depois deixar o local em repouso, no mínimo por 30 anos, para que a vegetação se recomponha. Nas áreas em que a devastação já está consumada, o remédio é reflorestar. Mas a maior parte do reflorestamento em Canoinhas (cerca de 10 mil hectares) é feita, pelas madeireiras, apenas com pinus para fabricar papel e celulose, principalmente. E as florestas de pinus não permitem a reconstituição da flora nem da fauna nativas. Elas até têm um certo valor ecológico, porque protegem contra a erosão e produzem oxigênio. Mas, a rigor, nem poderiam ser chamadas de florestas; o termo correto seria plantação de pinus., explica o professor. ções, esses meninos começaram a perceber o que significa ser descendente dessas pessoas, explica o diretor. Para ouvir a história da rua Elza Baukat, por exemplo, os estudantes não precisaram ir muito longe. Bastou entrevistar seu filho, o torneiro-mecânico Rudolph Baukat, que mora na rua com o nome da mãe. Os pesquisadores ficaram sabendo que D. Elza foi, durante muitos anos, a parteira de Marcílio Dias. Trouxe centenas de bebês ao mundo e, depois dos partos, não dispensava um copinho de cerveja preta. Neste ano, a pesquisa será retomada Leonel Hercílio com uma metodologia mais rigorosa (ampliação das fontes de informação, por colhe cenouras na horta da Escola exemplo) e deve resultar num livro sobre Horácio Nunes, em Irineópolis, região o assunto. Será um presente para a comunidade de Marcílio Dias. de Canoinhas. 23
SEMENTES DO FUTURO Participando do projeto de reciclagem do lixo, os alunos da Gertrudes Müller ajudam sua escola a recuperar a auto-estima. 24 AS COISAS MUDARAM POR AQUI. OS ALUNOS CUIDAM DA LIMPEZA E A ESCOLA JÁ NÃO SE SENTE TÃO ABANDONADA Desde o início do século, a indústria madeireira da região de Canoinhas derrubou milhares de hectares de espécies como a imbuia, o cedro, a canela, a cerejeira e a araucária. É possível recuperar um pouco da floresta perdida? O projeto premiado da Escola Júlia Baleoli Zaniolo, Reflorestamento com espécies nativas, tenta fazer sua parte. Hoje em dia, só as escolas promovem este tipo de reflorestamento, diz a professora de Geografia de 5 a a 8 a série, Maria José Pereira. Maria José sempre procurou interessar seus alunos pelo problema ambiental, por meio de séries da Escola como Paisagens brasileiras, Santuários selvagens, Animais do mundo. Desde 1996, a escola batizada com o nome de uma dona de madeireira planta árvores nativas nos arredores e no pá- HORTA PEDAGÓGICA Há seis anos, Vanir Isaura Selau Koppe, professora de 1 a a 4 a série, plantou uma horta na Escola Horácio Nunes, em Irineópolis, região de Canoinhas. Na época, ela só queria complementar o cardápio da merenda escolar. Mas há um ano, assistindo ao programa da Escola Horta, da série Meio ambiente e cidadania, veio o estalo: por que não usar o trabalho pedagogicamente? Hoje, Vanir trabalha boa parte do currículo em torno da horta. Ela é usada em Ciências, Língua Portuguesa e, principalmente, em Matemática. O aprendizado começa no traçado dos canteiros em diferentes figuras geométricas. A gente aprende a fazer uma circunferência: é só colocar um galhinho no meio, amarrar um
tio da escola. Nossa grande preocupação aqui é com a araucária, que tem uma importância não só econômica, mas também histórica para a região, diz Maria José. SHOPPING NO LIXO Além da questão do reflorestamento, as escolas de Canoinhas se preocupam em evitar a degradação do ambiente. A professora de Ciências da 5 a à 8 a série do ensino fundamental da Escola Gertrudes Müller, Léia Orfa Paul, ouvia seus alunos dizerem, às vezes, que iam ao shopping. Não entendia, porque aqui em Canoinhas não temos shopping, conta Léia. Depois percebi que elas estavam falando do lixão do bairro, onde freqüentemente iam pegar coisas. Eu não queria humilhar esses alunos, apontar o dedo para eles, mas precisava fazer alguma coisa. Em vez de repreender, Léia exibiu o programa Lixo e desperdício, da série Natureza sabe tudo e começou um trabalho de esclarecimento sobre os tipos de lixo, o destino que podem receber, os perigos A professora Léia Orfa Paul usou a Escola para explicar a seus alunos o problema ambiental do lixo, e criar um projeto de reciclagem. que oferecem para a saúde e as vantagens da reciclagem. Não demorou muito e os alunos da Gertrudes Müller estavam na rua, distribuindo panfletos à população sobre a coleta seletiva, recolhendo e vendendo material reciclável. Formou-se também a Comissão Interna de Prevenção Ambiental Cipa, um comitê de alunos e professores que cuida da questão do meio ambiente, começando pela própria limpeza da escola. A Cipa é apoiada pelo Programa Aprendendo com a Árvore iniciativa patrocinada pela madeireira Rigesa. A atividade ambiental ajudou a levantar a auto-estima da escola. Antes, até os pais dos alunos achavam que o ensino aqui era fraco. Agora, as coisas estão mudando, conta a professora de Educação Física, Margareth Bunn. Os alunos cuidam da limpeza, e a escola já não se sente tão abandonada. No ano passado, pela primeira vez, o Gertrudes se animou a participar do desfile do 7 de setembro, junto com as outras escolas. barbante e girar em volta. Aí você tem o raio. Nem precisa usar compasso!, explica a aluna Jocasta Lerner, da 4 a série. No plantio, os alunos dividem em centímetros a distância adequada entre cada semente. E, depois que os canteiros ficam prontos, calculam seu perímetro e área. Na hora da colheita, surgem novas oportunidades de aprender. A professora Vanir ensina a fazer o seu famoso bolo de cenoura, que depois é dividido entre todos. Dois bolos são cortados em 15 pedaços cada um. Problema: há mais de 15 alunos, como dividir o bolo? Nesta brincadeira, entram as noções de frações próprias e impróprias. A horta tem superprodução todo ano. Os alunos vão às ruas vender o que sobra, aprendendo a somar, multiplicar e fazer o troco. O rendimento é utilizado na compra de mais sementes e no aluguel de um ônibus que leva as crianças para conhecer o município. Quero que eles saibam onde estão e para onde vão, explica a professora. Vanir com seus alunos na horta da Escola Horácio Nunes: aqui ela ensina Matemática, das quatro operações à Geometria. 25
QUE LUGAR É ESSE QUASE PARANÁ De qualquer lugar um pouco mais elevado de Canoinhas vê-se o Paraná. A fronteira fica a 12km do perímetro urbano da cidade. Curitiba, capital do Paraná, fica bem mais perto (180km) que Florianópolis, a capital catarinense (380 km). Canoinhas é salpicada de araucárias, árvore-símbolo do Estado vizinho. FRIO A temperatura média anual é de 17º. A média de geadas, que ocorrem nos meses de junho, julho e agosto, é de 17,4. CHIMARRÃO NA CUIA Com uma área de 1.453 km 2 e população de 49.282 habitantes, Canoinhas vive da agropecuária (feijão, milho, fumo, gado leiteiro) e da indústria (madeira, compensados, laminados, esquadrias, papel higiênico e erva-mate). O município tem 28 indústrias de erva-mate. A cuia de chimarrão é presença indispensável nas casas e escolas da cidade. GUERRA DO CONTESTADO O conflito, ocorrido entre 1912 e 1916, atingiu em cheio a região. Os revoltosos do Contestado camponeses pobres atacavam a vila de Canoinhas e outros povoados. Para combatê-los, o exército brasileiro chegou a estacionar 80% do seu efetivo no local. Construções em estilo enxaimel no centro de Canoinhas. A região foi povoada por imigrantes de origem alemã, polonesa, ucraniana e italiana entre outras etnias. PLURALIDADE A região já recebeu diferentes grupos de migrantes estrangeiros, a partir de 1768: portugueses, espanhóis, poloneses, ucranianos, alemães, sírios, libaneses e italianos. O povoado de Canoinhas foi criado em 1888, pelo agricultor brasileiro Francisco de Paula Pereira, de São Bento do Sul, RS. EVASÃO E REPETÊNCIA Em 1999, o município de Canoinhas teve 8.038 alunos matriculados nas escolas estaduais, 5.429 nas municipais e 929 em escolas particulares. Nas escolas estaduais, a taxa de evasão foi de 4,44% (2,6% no ensino fundamental e 1,84% no ensino médio); a de repetência, 7,31% (6,35% no ensino fundamental e 0,95% no ensino médio. LOUCO DE BOM É o que dizem os canoinhenses quando consideram alguma coisa muito boa. DEVASTAÇÃO O grande vilão ecológico de Canoinhas foi a Brasil Railway Company. No começo deste século, ao construir a estrada de ferro Rio Grande do Sul-São Paulo, a empresa ferroviária, por meio de uma subsidiária, exigiu o direito de derrubar a mata de 15 km de cada lado da linha férrea para explorar a madeira. Canoinhas fica perto da fronteira com o Paraná (mapa) e é salpicada de araucárias, árvores-símbolo do Estado vizinho (à direita). 26