COMUNIDADES VIRTUAIS PARA EDUCADORES DE JOVENS E ADULTOS: ARMADILHA OU DESAFIO? MÁRCIA LYGIA CASARIN (Mestrado PUCSP Ação Educativa) RESUMO Esta comunicação visa a coletivizar os primeiros resultados obtidos com a implantação de uma comunidade virtual pedagógica que congrega educadores que atuam na Educação de Jovens e Adultos. Esse espaço está vinculado ao projeto de pesquisa da autora, mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC-SP, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Jaú (SP) e com apoio da ong Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação. Foi construído no Moodle, programa de licença livre desenvolvido por Martin Dougiamas, com base na pedagogia sócio-construtivista e no saber conectado. A Comunidade Virtual para Educadores de Jovens e Adultos permite a inserção de educadores e estudantes desta modalidade nas práticas sociais de leitura e produção de textos em contexto digital, reforçando suas necessidades de aprendizagem. Palavras-chaves: comunidade virtual pedagógica, Educação de Jovens e Adultos, tecnologia, educação. INTRODUÇÃO Baseada em minha vivência relacionada a comunidades virtuais pedagógicas direcionadas à EJA Educação de Jovens e Adultos verifiquei que tais espaços virtuais não são eficazes para a modalidade como referências pedagógicas com a propriedade de estabelecer uma cultura de uso. Essa constatação motivou direcionar meu foco para a construção de parâmetros de implantação e implementação de comunidades virtuais pedagógicas direcionadas a EJA bastante eficientes para torná-las referências capazes de estabelecer uma cultura de uso e inserir educadores e estudantes nas práticas sociais de leitura e produção de textos em contexto digital. Meu estudo tem como objetivo, portanto, analisar a estrutura e funcionamento de um espaço virtual pedagógico direcionado a educadores de jovens e adultos, especialmente idealizado e construído para este fim, com o intuito de conceber parâmetros de implantação e implementação que favoreçam seu funcionamento otimizado. A observação da organização e funcionamento de um número de espaços virtuais ligados à Educação de Jovens e Adultos demonstrou que, em geral, são espaços de convergência ideológica, veículos de divulgação de informações relacionadas à EJA e promotores de discussões e projetos colaborativos. Entre os sites pesquisados, destaco o do Instituto Paulo Freire (www.paulofreire.org), o da Ação Educativa (www.acaoeducativa.org.br), ressaltando-se o segmento Observatório da Educação, o do CEAAL Conselho de Educação de Adultos da América Latina (www.ceaal.org), o do ICAE Conselho internacional de Educação
de Jovens e Adultos (www.icae.org.uy) e o do RAAAB Rede de Apoio à Ação Alfabetizadora no Brasil (www.raaab.org.br). Na esfera oficial, cito o Programa Nacional de Informática na Educação (www.mec.gov.br/seed/proinfo.shtm) e o CIM Construção da Identidade Midiática (http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/ educacao/projetos/informatica_educativa/0002). Em um âmbito mais amplo, a título de comparação, contemplei o trabalho desenvolvido pelo Educar na Sociedade da Informação, módulo integrante da Cidade do Conhecimento, USP (www.cidade.usp.br) e os projetos e pesquisas desenvolvidos pelos grupos EDULANG (www.lael.pucsp.br), ressaltando-se o segmento Teachers Links (www.teacherslinks.lael.pucsp.br) e NIED (http://www.nied.unicamp.br/). Ao longo dos últimos anos alguns autores no Brasil, como Ribeiro (1999), Vóvio (2000) e Oliveira (2000), têm se dedicado a pesquisas acadêmicas focalizando a Educação de Jovens e Adultos, sem conectá-las ao campo da informática. Já pesquisadores como Ropoli (2002) e Brito (2002) abarcaram em seus estudos a EJA e a informática. As pesquisas realizadas por Inocêncio (1999), Waquil (1999), Munhoz (2000), Tavares (2001), Oliveira (2001) e Dias (2002) focaram a utilização de computadores e ambientes virtuais como instrumentos pedagógicos. Alguns teóricos, como Gonçalves (1999), Franco (2000) e Lopes (2000), pesquisaram a informática ligada a vertentes filosóficas, interacionais e relacionais. Constatei a presença marcante de pesquisas relacionadas à interface das áreas da informática e do ensino da língua inglesa. 1. A VIABILIZAÇÃO DO AMBIENTE VIRTUAL DE PESQUISA O projeto inicial previa a coleta de dados em um espaço pedagógico online com características similares às do grupo virtual sem vínculo institucional, sediado em domínio público e criado por esta pesquisadora em 2005. Esse grupo congregava sessenta e hum educadores de jovens e adultos de diversas partes do Brasil, participantes de oficinas realizadas em diversos estados, coordenadas pela pesquisadora. Essa comunidade virtual não resultou em produtos adequados e especulo se um dos motivos da falta de operacionalidade do ambiente foi a ausência de um vínculo institucional que solicitasse formalmente a participação dos membros. Como os ambientes encontrados online não preencheram os requisitos necessários para se constituírem objetos de estudo, foi criada a Comunidade Virtual para Educadores de Jovens e Adultos. Trata-se de uma área restrita, vinculada à minha condição de mestranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que conta com a participação de educadores de jovens e adultos de um projeto ligado à Secretaria Municipal de Educação de Jaú e apoiado pela ong Ação Educativa. O ambiente pedagógico online sediado pelo servidor da PUC-SP, por se caracterizar como um espaço de pesquisa acadêmica, foi construído no Moodle A Free Open Source Course Management System for Online Learning. O Moodle foi
idealizado e desenvolvido por Martin Dougiamas e Peter C. Taylor, do National Key Centre for Science and Mathematics Education/ Curtin University of Technology/ Austrália, tendo como base principal o sócio-construcionismo e o saber conectado. Seymour Papert (1991) nos remete ao construtivismo ao propor o construcionismo e aponta como base comum dos dois conceitos o aprendizado como a construção de estruturas de conhecimento pelo indivíduo, independentemente das circunstâncias nas quais ele ocorre. O construcionismo adiciona a idéia de que a aprendizagem é mais eficiente nos contextos nos quais o aluno esteja conscientemente engajado na construção coletiva do conhecimento. O sócio-construcionismo implica na construção de conhecimento realizada por, para e entre os membros de uma comunidade de aprendizagem mediada. O saber conectado provém da teoria sobre as formas de aprender, segundo Dougiamas originária de pesquisas em gênero (Belenky, Clinchy, Goldberger, et Tarule, 1986), a qual fornece subsídios para monitoração da qualidade dos discursos realizados em ambientes colaborativos. O processo de apropriação do conhecimento em ambientes colaborativos pode ocorrer por meio de dois estilos de aprendizagem: o saber isolado e o saber conectado. Os alunos que pertencem ao grupo do saber conectado aprendem por meio da interação cooperativa e constroem suas idéias coletivamente. Os que pertencem ao grupo do saber isolado adotam uma postura mais crítica e argumentativa em relação ao aprendizado e são resistentes a interações. Esses dois estilos de aprendizagem não dependem da inteligência ou da capacidade de aprender do indivíduo e são independentes entre si, podendo ser usados em momentos diferentes pelo mesmo indivíduo. O embrião do Moodle foi o projeto de doutorado de seu autor, cuja principal pergunta de pesquisa foi Como pode um programa de internet alicerçar com sucesso epistemologias construcionistas de ensino e aprendizagem? Mais especificamente, que estruturas da web e quais interfaces encorajam, retardam ou impedem o engajamento dos participantes nos diálogos reflexivos propostos? Tal questão direcionou o pesquisador a investigar maneiras de melhorar suas aptidões em usar a Internet para facilitar o aprendizado à distância, aprimorar as habilidades pedagógicas de outros educadores por meio da criação de instrumentos computacionais de licença livre, o que significa a ausência de custos em sua utilização, e a encorajar, assessorar e facilitar o processo da construção coletiva emoldurada por um processo reflexivo que envolve alunos, professores e profissionais da área de informática, como ele próprio. Desde sua fase inicial de pesquisa, Dougiamas conta com a colaboração de Peter C. Taylor, co-autor de inúmeros artigos publicados. Taylor, professor membro do staff do Science and Mathematics Education Centre (SMEC) na Curtin University of Technology, conduz estudos que têm como objeto a prática crítica reflexiva do professor. Foi em um dos seus cursos de quatro meses denominado Construtivismo, classificado na universidade como uma unidade, que o Moodle foi pilotado e os participantes do curso eram professores interessados em seu desenvolvimento profissional por meio do ensino à distância. O foco da pesquisa foi o exame da prática docente por meio do Moodle e os resultados obtidos foram
considerados satisfatórios, gerando experimentos posteriores e aprofundamentos de ordem teórica. 2. COMUNIDADES VIRTUAIS PEDAGÓGICAS E A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Atualmente a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino em evidência, tanto no âmbito governamental como no pedagógico. Um número considerável de jovens e adultos retoma seus estudos com a intenção de obter a certificação oficial que lhes facilitará o trânsito nas diferentes atividades e setores da sociedade. Apresento os dados divulgados pelo INEP em 2004, ocasião em que o índice de volta à escola foi mais marcante: População adulta volta à sala de aula Educação básica tem 3,7 milhões de alunos com mais de 25 anos Pela idade, eles já poderiam ter concluído o ensino superior, mas ainda freqüentam as salas de aula da educação básica. De acordo com o Censo Escolar de 2003, 3,7 milhões de alunos com 25 anos ou mais estavam matriculados nos ensinos fundamental e médio regulares e na educação de jovens e adultos. Eles, que não tiveram a oportunidade de terminar os estudos no período apropriado à faixa etária, representam 7,7% dos 47,9 milhões de estudantes dessas etapas de escolarização. Os dados do Censo Escolar, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), comprovam a volta à escola da população adulta. Há cinco anos 2,6 milhões dos alunos da educação básica tinham idade de 25 anos ou mais. Em 1999, eles representavam 5,5% das 46,9 milhões de matrículas do ensino fundamental e médio e da educação de jovens e adultos. 1 A educação formal é o ponto de partida de um processo de lapidação mais amplo que almeja o desenvolvimento global de cidadãos já atuantes, conduzindo-os à continuidade de estudos com qualificação, à disputa de posições no mercado de trabalho e à participação cidadã plena, compartilhando os princípios éticos, políticos, e estéticos da unidade e da diversidade nacionais, colocando-se como ator no contexto de transformação social. 2 O processo ensino/aprendizagem de jovens e adultos que se reintegram ao sistema escolar regular é revestido de características próprias que demandam a elaboração de mecanismos pedagógicos que atendam às necessidades específicas deste público, composto por indivíduos com pleno conhecimento de mundo. 1- http://www.inep.gov.br/imprensa/noticias/censo/escolar/news04_18.htm 2- ENNCEJA. Livro introdutório: Documento básico: ensino fundamental e médio
Cabe aos teóricos e elaboradores de materiais didáticos construírem uma metodologia adequada ao educando alvo, tendo como referência a bagagem de conhecimento prévio oferecida por ele. A instância da ação escolar formal deve ser ampliada, transformando os diferentes contextos culturais, sociais e econômicos em situações de expansão cognitiva. A Comunidade Virtual Pedagógica de Educadores de Jovens e Adultos, com o intuito de contribuir para esta expansão, aspira sua distinção como um espaço virtual colaborativo que se transforme em ponto de encontro e fonte de conhecimento e informação para os educadores de uma determinada coletividade, em sua primeira etapa de implantação, e posteriormente também para os educandos desta coletividade, estabelecendo como canal de comunicação e aprendizado os recursos digitais e suas incomensuráveis possibilidades. Também tenho como objetivo a pesquisa e a construção de conhecimento por meio de combinações inusitadas produzidas coletivamente pelos membros do grupo. 3. PROCEDIMENTOS ADOTADOS O Moodle, ao prover uma vasta gama de opções de design, permite que os moderadores personalizem o espaço virtual de acordo com as necessidades específicas de sua comunidade. Optei por formatar o ambiente em tópicos, oferecendo aos participantes chats, fóruns, publicações didáticas, links de instituições públicas e outras ligadas à Educação de Jovens e Adultos, notícias sobre a EJA e arquivos pedagógicos com conteúdo relevante ao interesse dos educadores. Além dos tópicos, a tela inicial explicita os objetivos desta área restrita do Moodle, permite que se acesse informações sobre os moderadores e participantes, apresenta um calendário de atividades e eventos programados, registro de atividades recentes, mostra os usuários online e avisa sobre mensagens recebidas. O programa também oferece recursos para o monitoramento da atuação dos membros. Como parceiro ativo conto com a participação do Prof. Paulo Eduardo Guerra, Coordenador da Educação de Jovens e Adultos da Secretaria de Educação de Jaú, que atua como moderador principal da comunidade Virtual de Educadores de Jovens e Adultos e co-autor na fomentação do ambiente. Como pesquisadora intervencionista, a observação do funcionamento da comunidade virtual, das características de participação dos membros e dos mecanismos interativos me fornece subsídios para ajustar e reformular sucessivamente o ambiente, visando aprimorar sua funcionalidade e intensidade dos processos participativos. Os fóruns e os chats são as atividades que dão maior visibilidade às características da participação individual e dos processos interativos. Como exemplo de temas de fóruns em funcionamento cito O currículo na Educação de Jovens e Adultos, Avaliação Diagnóstica e Objetivos da Educação de Jovens e Adultos, idealizados pelo mediador principal. Como exemplo de chat temático cito Novos
Rumos para a EJA no Brasil, com a presença do Prof. Roberto Giansanti, da ong Ação Educativa. 4. RESULTADOS Atribuo à intensa intervenção do moderador principal os resultados obtidos até o momento. Como representante do vínculo institucional ao qual os educadores de jovens e adultos estão ligados, estimula e solicita formalmente a participação dos membros por meio da inserção de material pertinente à atuação docente e procura fazer do ambiente virtual um reforço para a prática das ações presenciais. Reconhecendo a dificuldade da maioria dos educadores, organiza oficinas de letramento digital, estimulando e monitorando individualmente os professores mais resistentes e intimidados pelas novas tecnologias. Considero significativos os resultados constatados até o presente estágio da pesquisa. Lentamente, porém decididos, os educadores estão se inserindo no universo digital com alegria e otimismo e começam a aceitar a Comunidade Virtual como parte integrante de sua prática pedagógica. O apoio afetivo do mediador principal e da pesquisadora parece ser um dos fatores que tem contribuído para este processo. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Comunidade Virtual para Educadores de Jovens e Adultos revelou-se o agente do letramento digital dos educadores da modalidade no município de Jaú. A atuação do moderador tem contribuído enormemente para a inserção gradativa dos profissionais nas práticas sociais de leitura e produção de textos em contexto digital. O ambiente virtual já não é mais considerado como uma armadilha que deve ser evitada pelos educadores de Jaú, mas sim um desafio que os impulsionará a adquirir as habilidades digitais demandadas para que desempenhem plenamente seu papel de atores no contexto de transformação cultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, T. & ELLOUMNI, F. (Eds.) 2004. Theory and practice of online learning. Athabasca: Athabasca University Press. On-line: http://cde.athabascau.ca/online_book/ DOUGIAMAS, M. 1998. A Journey into Construtivism. On-line: http://dougiamas.com/writing/constructivism.html DOUGIAMAS, M. and Taylor, P.C.2002.Interpretive analysis of an internet-based course constructed using a new courseware tool called Moodle. Paper published at the HERDSA 2002 conference. On-line: http://dougiamas.com/writing/herdsa2002/
DOUGIAMAS, M. and TAYLOR, P.C. 2003. Moodle: using learning communities to create an open source course management system. Proceedings of the EDMEDIA 2003 Conference.Honolulu, Hawaii. http://dougiamas.com/writing/edmedia2003/ GALLOTI, K. M., CLINCHY, B. M., AINSWORTH, K., LAVIN, B., & MANSFIELD, A. 1999. A New Way of Assessing Ways of Knowing: The Attitudes Towards Thinking and Learning Survey (ATTLS). Sex Roles, 40(9/10), 745-766. GARRISON, D. R. 2006. Online community of inquiry review: social, cognitive, and teaching presence issues. Unpulished paper. On-line: http://communitiesofinquiry.com/documents/workshop%202006_coi%20issues.pdf PAPERT, S. and HAREL, Idit. 1991.Situating Construtionism. Ablex Publishing Corporation.http://www.papert.org/articles/SituatingConstructionism.html TAYLOR, P. C., & MAOR, D. 2000. Assessing the efficacy of online teaching with the Constructivist On-Line Learning Environment Survye (COLLES). Paper presented at the 9th Annual Teaching Learning Forum - Flexible Futures in Tertiary Teaching, Perth: Curtin University of Technology. http://cleo.murdoch.edu.au/confs/tlf/tlf2000/taylor.html