EXPANSÃO RÁPIDA DA MAXILA CIRURGICAMENTE ASSISTIDA REVISTA DA LITERATURA, TÉCNICA CIRÚRGICA E RELATO DE CASO



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914 EXPANSÃO RÁPIDA DA MAXILA CIRURGICAMENTE ASSISTIDA REVISTA DA LITERATURA, TÉCNICA CIRÚRGICA E RELATO DE CASO SURGICALLY ASSISTED RAPID MAXILLARY EXPANSION LITERATURE REVIEW, SURGICAL TECHNIQUE AND CASE REPORT Cláudio Maldonado PASTORI *** Clóvis MARZOLA ** João Lopes TOLEDO-FILHO *** Marcelo Rodrigues AZENHA * Lucas CAVALIERI-PEREIRA * * Residentes 3 ano em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial Hospital de Base Bauru São Paulo Brasil. Professor Titular de Cirurgia da Faculdade de Odontologia de Bauru da USP. Aposentado. Especialista em Cirurgia e Traumatologia BMF. Professor dos Cursos de Especialização e Residência em Cirurgia e Traumatologia BMF da APCD regional de Bauru e do Hospital de Base da Associação Hospitalar de Bauru com o apoio do Colégio Brasileiro de Cirurgia e Traumatologia BMF. *** Professores do Curso de Pós-Graduação (Residência / Especialização) em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial Hospital de Base Bauru São Paulo Brasil.

915 RESUMO A expansão rápida da maxila apresenta alto índice de insucesso se realizada em pacientes com idade esquelética avançada, sendo indicada apenas àqueles com maturidade óssea incompleta. As aplicações das técnicas ortodôntico-cirúrgicas possibilitam a correção de deformidades transversais em pacientes adultos com uma previsibilidade bastante aceitável e, com poucos relatos de complicações, tornandose uma excelente escolha de tratamento para estes pacientes. Uma breve revisão de literatura e a apresentação de um caso clínico-cirúrgico tratado no Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais do Hospital de Base de Bauru, São Paulo, Brasil é demonstrado neste artigo, com as vantagens, indicações e técnica cirúrgicas sendo discutidas. ABSTRACT The rapid maxilla expansion presents a high failure index if carry out in patients with increased age, being indicated only to those with incomplete bone formation. The surgical-orthodontic technique makes the correction of maxillary transversal deformities in adult patients possible, with a sufficiently acceptable previsibility and few cases of complications, becoming an excellent choice of treatment for these patients. A literature review and the presentation of a surgical case treated at the Service of Oral and Maxillofacial Surgery at Base Hospital in Bauru, São Paulo, Brazil is demonstrated in this article, with the advantages, surgical indications and technique being argued. Unitermos: Expansão da maxila; Cirurgia ortognática; Expansão rápida em adultos. Uniterms: Maxillary expansion; Orthognathic surgery; Adult rapid palatal expansion. INTRODUÇÃO Inicialmente descrita por ANGELL (1860), a Expansão Rápida da Maxila (ERM) para correção de deficiências transversais foi reavaliada (HASS, 1961), sendo preconizado que a faixa etária ideal para a ERM através do aparato ortodôntico-ortopédico é aquela correspondente a pacientes jovens, com idade máxima variando de 14 anos para mulheres e 16 anos para homens (ROCHA et al., 2005). Isso vem justificar os altos índices de insucesso além da dificuldade da realização deste procedimento em pacientes com 20 anos ou mais (BELL; JACOBS, 1979; BAYS; GRECO, 1992 e RABELO et al., 2002). Estes pacientes podem requerer procedimentos cirúrgicos auxiliares para que ocorra a separação da sutura palatina mediana com conseqüente expansão maxilar e a diminuição dos efeitos da inclinação ortodôntica (BERNARDES; VIEIRA, 2003). Para pacientes adultos com mais de 30 anos e que necessitem de uma grande expansão na base óssea, também é indicada a ERMCA (CAPELOZZA

916 FILHO e SILVA FILHO, 1999). Outras indicações, segundo estes mesmos autores, são os pacientes que apresentam atresia unilateral real da maxila que tenham tentado, sem êxito, a expansão ortopédica, além de pacientes com acentuada perda óssea horizontal. A ERMCA é também indicada para pacientes fissurados com deformidade transversa de maxila e, com estenose nasal (BAYS; GRECO, 1992 e HASS, 1961). Foi também estudada a relação da ERMCA e a qualidade da respiração nasal, concluindo que 70% dos pacientes submetidos a este procedimento cirúrgico relataram melhora na respiração nasal (MANGANELLO; CAPPELETTE, 1996). Um estudo foi efetuado em pacientes submetidos à ERM para avaliar o efeito deste procedimento na permeabilidade nasal, concluindo que a abertura da sutura palatina mediana com o propósito de melhorar apenas a respiração nasal não é justificada, a não ser que a obstrução esteja presente na porção mais inferior anterior da cavidade nasal e associada com uma deficiência maxilar (WERTZ, 1970). Historicamente, a sutura palatina mediana tem sido considerada a área de maior resistência à expansão maxilar e, baseados nesta teoria foram definidas ainda a sutura pterigomaxilar e a região zigomaticomaxilar como outras áreas responsáveis pelo aumento da resistência maxilar (BELL; EPKER, 1976). Para a Expansão Rápida da Maxila Cirurgicamente Assistida (ERMCA), a utilização de um aparelho expansor convencional é indispensável, podendo ser ele dento-suportado ou dento-muco-suportado, com o parafuso ativador devendo ser adequado à quantidade de expansão requerida. Pode ser realizada sob anestesia geral ou anestesia local e sedação e, este procedimento tem como objetivo separar as suturas que impedem a disjunção palatina, através das técnicas propostas (EPKER; WOLFORD, 1980), onde uma osteotomia do tipo LE FORT I é realizada associada a uma osteotomia com cinzel e martelo das suturas pterigomaxilares e da sutura palatina mediana. Quanto ao plano de tratamento é importante determinar se o problema é dentário ou esquelético, sendo necessária a avaliação e a classificação das deficiências transversais em absolutas ou relativas. A deficiência absoluta é caracterizada pela manutenção da mordida cruzada uni ou bilateral após avaliação dos modelos de gesso em relação Classe I de caninos. Na deficiência transversal relativa, quando os modelos de estudo são colocados em Classe I de caninos, não é observada uma mordida cruzada posterior. Na primeira situação é necessária uma intervenção orto-cirúrgica para correção dessas deformidades (JACOBS et al., 1980; KRAUT, 1984 e BAYS; GRECO, 1992), sendo que na segunda nenhum tratamento cirúrgico para correção da dimensão transversal da maxila é indicado. Outro método de correção das deformidades transversas da maxila, classificada como osteotomia segmentada ou multi-segmentar da maxila, está indicado quando discrepâncias transversais acentuadas estão presentes e associadas à deformidades verticais ou ântero-posteriores dos maxilares (BELL; EPKER, 1976 e GURGEL; SANT ANA; HENRIQUES, 2001). Uma breve revista da literatura e a apresentação de um caso clínicocirúrgico tratado no Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais do Hospital de Base de Bauru, São Paulo, Brasil é demonstrado neste artigo, com as vantagens, indicações e técnicas cirúrgicas sendo discutidas.

917 TÉCNICA CIRÚRGICA A técnica cirúrgica realizada pela equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial do Hospital de Base de Bauru São Paulo Brasil é uma variação da técnica muito utilizada (BELL; EPKER, 1976), onde um aparelho fixo e rígido, com o objetivo de produzir as forças ortodônticas é cimentado nos primeiros pré-molares e molares superiores previamente ao procedimento cirúrgico. O método anestésico deve ser de escolha do profissional, podendo a cirurgia ser realizada sob anestesia geral ou local com sedação, sendo essencial a infiltração de um anestésico com vasoconstritor no vestíbulo bucal para auxiliar no descolamento do retalho, promover hemostasia, além de diminuir o desconforto pósoperatório do paciente (MARZOLA, 2005). Através de uma incisão mucoperiostal da linha média da maxila até a região dos primeiros molares, acima da junção muco-gengival, um retalho de espessura total é confeccionado expondo toda a extensão da parede lateral da maxila. A osteotomia do tipo Le Fort I é realizada cerca de 5 mm acima dos ápices dos dentes superiores, desde a abertura piriforme até o processo zigomáticomaxilar bilateralmente. A maxila é então separada das lâminas pterigóideas com a utilização de um osteótomo curvo, sendo realizada a ativação do aparelho expansor 8 ¼ de voltas com o objetivo de facilitar a separação das maxilas. Com o auxílio de um martelo cirúrgico e um cinzel reto fino posicionado entre os incisivos centrais e direcionado no sentido palatino, as maxilas são separadas. O dedo indicador do cirurgião deve estar posicionado na região da papila incisiva para proteger a mucosa, guiando o instrumento durante sua utilização. Verificada a separação das maxilas, o aparelho expansor é deixado ativado 4 ¼ de voltas (1 mm), sendo as feridas lavadas com soro fisiológico e, suturas contínuas realizadas com fio absorvível Vicryl simples 4-0. O paciente está apto a receber alta hospitalar no primeiro dia de pósoperatório, sendo orientado a utilizar a medicação prescrita e retornar para controle ambulatorial no terceiro dia pós-cirúrgico, onde é iniciado o ciclo de ativações do aparelho com 1 ¼ de volta no período da manhã e o mesmo procedimento no período noturno, até obtenção da expansão desejada. Essa expansão poderá ser observada pela formação de um diastema interincisivos centrais superiores e pelo descruzamento da mordida na região planejada. O aparelho é mantido em posição de 3 a 6 meses para completa neoformação óssea, diminuindo as chances de recidiva, período onde é observado o fechamento natural do diastema. Após este período, aparelhos ortodônticos fixos poderão ser montados para dar início à movimentação dentária e finalização do caso. RELATO DO CASO Paciente C. C., gênero feminino, 22 anos, má oclusão Classe I de caninos, apresentou-se ao Ambulatório de Cirurgia e Traumatologia Buco- Maxilo-Facial do curso de Residência / Especialização do Hospital de Base da Associação Hospitalar de Bauru, SP, Brasil, com queixas de dores musculares intensas, cefaléia e estalidos na A.T.M. Em exame físico intra-oral, observou-se acentuada mordida cruzada posterior do lado direito e discreta do lado esquerdo, mascarada pelo desvio de linha média mandibular, além de incisivo lateral superior

918 direito levemente apinhado, palato ogival, atresia maxilar e higiene oral satisfatória. Na análise de modelos, foi diagnosticada deficiência transversal absoluta da maxila (Figs. 1 e 2). Fig. 1 - Modelos de gesso onde se observa mordida cruzada posterior. Fig. 2 - Vista intra-oral pré-operatória. O plano de tratamento proposto foi uma interação ortodônticocirúrgica, sendo solicitada ao ortodontista a instalação de um aparelho expansor maxilar para posterior realização do procedimento cirúrgico. Após cimentação do dispositivo ortodôntico nos dentes superiores, foi realizada uma radiografia oclusal para avaliação da sutura palatina mediana e uma radiografia panorâmica, onde foram

919 observadas as estruturas dentárias, o posicionamento radicular dos incisivos centrais superiores e a relação dos processos pterigomaxilares com os dentes adjacentes. Após verificação dos exames laboratoriais e avaliação pré-anestésica, a paciente foi submetida ao procedimento cirúrgico, sob anestesia geral, de acordo com a técnica descrita anteriormente (Figs. 3 a 5). No primeiro dia pós-cirúrgico a paciente recebeu condição de alta hospitalar, com os controles pós-operatórios realizados ambulatorialmente e orientada a fazer ativações diárias do aparelho expansor de 1¼ de volta no período da manhã e, o mesmo procedimento no período noturno a partir do terceiro dia de pós-operatório. Após 17 dias de ativações a expansão desejada foi obtida. Fig. 3 - Exposição da parede lateral da maxila. Fig. 4 - Osteotomia do tipo Lê Fort I realizada e liberação das zonas de resistência da maxila. Observe o diastema trans-operatório.

920 Fig. 5 - Sutura contínua com fio Vicryl 4-0. O aparelho expansor foi mantido por 3 meses sendo então removido e instalada a placa palatina, devendo permanecer de 3 a 6 meses, passando a seguir para a instalação do aparelho fixo convencional, com a finalização da movimentação dentária (Figs. 6 e 7). Neste momento a paciente encontra-se em preparo ortodôntico para correção do desvio da linha média mandibular pela técnica da osteotomia sagital de ramo mandibular. Fig. 6 - Controle pós-operatório de 4 meses, onde é observado descruzamento da mordida e fechamento do diastema inter-incisivo pela ação das fibras periodontais.

921 Fig. 7 - Controle pós-operatório de 1 ano com aparelho fixo em posição para finalização da movimentação dentária neste estágio do tratamento. DISCUSSÃO As deficiências transversas da maxila podem estar presentes tanto em pacientes jovens quanto em adultos, com diferentes modalidades de tratamentos podendo ser utilizadas para sua correção (EPKER; WOLFORD, 1980; HAAS, 1980; GLASSMAN et al., 1984 e CAPELOZZA FILHO; SILVA FILHO, 1999). A expansão palatina, através das técnicas ortodôntico-ortopédicas, está indicada nos casos de pacientes em que as zonas anatômicas de resistência da expansão maxilar não completaram a fase de maturação óssea (PROFFIT; TURVEY; PHILLIPS, 1996). CAPELOZZA FILHO et al., 1996 avaliaram a ERM em pacientes adultos com deficiência transversal de maxila, obtendo sucesso em 81,5% dos casos, concluindo que em pacientes adultos com discrepâncias maxilares horizontais menores do que 5 mm a ERM não cirúrgica pode apresentar bons resultados. No caso apresentado por estes autores, a paciente apresentava uma mordida cruzada posterior de 7 mm sendo, portanto indicada a ERMCA. BAYS; GRECO, 1992 estudaram 19 pacientes que foram submetidos à ERMCA e que haviam retirado o aparelho há mais de 6 meses, observando um índice de recidiva baixo, concluindo que a ERMCA pode ser considerado um procedimento estável e, sem a necessidade de sobrecorreções. Diferentes estudos também apresentam casos de recidiva, sem, contudo expressar valores (BAYS; GRECO, 1992 e BERGER et al., 1998). Pela experiência clínica e através da demonstração deste caso clínico-cirúrgico pode-se concluir que a ERMCA é um procedimento bastante estável e que apresenta resultados satisfatórios. A idade média dos pacientes submetidos à ERMCA varia de 19 a 29 anos de acordo com a literatura (BAYS; GRECO, 1992 e BERGER et al., 1998), com o período de manutenção do aparelho expansor após o procedimento cirúrgico variando de 2 a 12 meses, sendo o período de 3 meses o mais utilizado. Neste

922 estudo, a paciente apresentava 22 anos de idade e permaneceu com o aparelho por 4 meses após a cirurgia, sendo acompanhada por 14 meses após a ERMCA. O exame clínico, a análise de modelos e a avaliação radiográfica nas consultas iniciais são de grande importância para o diagnóstico e elaboração do plano de tratamento. Se a deficiência é considerada absoluta e está presente em pacientes adultos, a ERMCA está indicada (JACOBS et al., 1980; KRAUT, 1984 e BAYS; GRECO, 1992). Para este tipo de procedimento, utiliza-se um aparelho expansor convencional, associado ao procedimento cirúrgico, que pode ser tanto o do tipo Haas como o Hyrax, que devem ser ancorados nos primeiros pré-molares e nos primeiros molares superiores. Nos casos onde não seja possível a cimentação do aparelho ortodôntico nos dentes citados, os segundos pré-molares e molares devem ser os elementos de escolha (GLASSMAN et al., 1984). Neste caso, a paciente apresentava agenesia do canino superior esquerdo, o que dificultou a instalação do aparelho nos dois primeiros pré-molares superiores. Assim, foi utilizado o canino superior direito e o primeiro pré-molar superior esquerdo como ancoragens dos primeiros ganchos do aparelho, com o objetivo de impedir um inadequado posicionamento do dispositivo expansor após a sua instalação, o que poderia resultar em uma expansão diferente das maxilas. Na técnica da ERMCA, o objetivo principal das osteotomias é reduzir a resistência à expansão maxilar, sendo realizadas nas paredes laterais da maxila, nas suturas ptérigomaxilares e na sutura palatina mediana (BELL; EPKER, 1976; EPKER; WOLFORD, 1980; BETTS et al., 1995). A presença de um diastema interincisivos centrais no pós-operatório imediato indica que houve uma expansão maxilar tanto na região anterior quanto na posterior. Diferentes autores têm como preferência a realização deste tipo de procedimento sob anestesia local (BAYS; GRECO, 1992; RABELO et al., 2002). A conduta, para este tipo de cirurgia e para o caso discutido, é realizá-la sob anestesia geral, por apresentar um maior conforto ao paciente no trans-operatório, pela liberdade da realização das osteotomias e agilidade e facilidade da resolução de possíveis acidentes que venham a ocorrer durante o procedimento cirúrgico. Os principais acidentes e complicações presentes nos procedimentos de ERMCA são infecções sinusais, desvitalizações dentárias, necroses avasculares, hemorragias, perda dos elementos dentais, epistaxe e extrusões dentárias (KRAMER et al., 2004). CRUZ; SANTOS (2006) relatam um caso de perda de visão durante um procedimento de ERMCA. No presente relato, ocorreu epistaxe nas primeiras 24 horas pós-operatória, sendo controlada com o tamponamento nasal anterior e utilização de medicação vasoconstritora de ação local. BENTLEY et al., (1999) compararam o uso da antibioticoterapia em dois grupos de pacientes submetidos a cirurgias ortognáticas. No grupo um a medicação foi utilizada por cinco dias e no grupo dois por apenas 1 dia, obtendo um maior índice de infecção (60%) no grupo dois se comparado ao grupo um (6.7%). BRESAOLA et al., (2006) preconizam a utilização da profilaxia antibiótica endovenosa no trans-operatório e nas primeiras 48 horas de pós-operatório, além da utilização da medicação por via oral por mais sete dias, conceito compartilhado por estes autores, que utilizam uma cefalosporina de primeira geração como medicação oral de escolha. Dentre as inúmeras vantagens apresentadas pela ERMCA, pode-se destacar que no final do tratamento os dentes não se apresentam compensados

923 vestibularmente, a estabilidade e previsibilidade do tratamento são esperadas e a agressão a dentes com comprometimento periodontal pode ser minimizada, além da melhora estética e a função (ROCHA et al., 2005), resultados compatíveis com os que foram obtidos neste estudo. CONCLUSÕES Com base nos resultados obtidos neste estudo e das informações da literatura, pode-se concluir que: Existe ainda uma controvérsia na literatura a respeito da idade ideal para a realização da ERMCA e a técnica mais adequada. A ERMCA é uma modalidade de tratamento bastante eficaz e estável para correção de deformidades transversais de maxila em pacientes adultos. Tais discrepâncias podem estar mascaradas por deformidades sagitais, com o exame físico e radiográfico, além da análise dos modelos fundamentais para a elaboração do plano de tratamento. REFERÊNCIAS * ANGELL, E. H. Treatment of irregularities of the permanent adult tooth. Dent. Cosmos, v. 1, p. 540-4, 1860. HASS, A. J. Rapid expansion of the maxillary dental arch and nasal cavity by opening the midpalatal suture. Angle Orthod., v. 31, 73-90, 1961. ROCHA, N. S. et al., Discrepância transversal da maxila: tratamento ortodônticocirúrgico. Rev. Cir. Traumatol. BMF., v. 5, n. 2, p. 55-60, 2005. BELL, W. H.; JACOBS, J. D. Surgical orthodontic correction of horizontal maxillary deficiency. J. oral Surg., v. 37, p. 897-902, 1979. BAYS, R. A.; GRECO, J. M. Surgically assisted rapid palatal expansion: an outpatient technique with long-term stability. J. oral Maxillofac. Surg. v. 50, p. 110-3, 1992. RABELO, L. R. S. et al., Expansão de maxila cirurgicamente assistida sob anestesia local. Rev. dent. Press Ortodon. Ortop. Fac., v. 7, n. 1, p. 73-9, 2002. BERNARDES, L. A. A.; VIEIRA, P. S. R. Disjunção palatal cirurgicamente assistida: relato de caso. Rev. Clin. Ortod. Dent. Press, v. 2, n. 1, p. 63-9, 2003. CAPELOZZA FILHO, L.; SILVA FILHO, O. G. Expansão rápida da maxila: considerações e aplicações clínicas. Ortodontia: bases para a iniciação. 4 a ed., São Paulo: Ed. Artes Médicas, 1999. MANGANELLO, L. C.; CAPPELETTE, M. Tratamento cirúrgico de pacientes com palato ogival e com obstrução nasal. Rev. Assoc. paul. Cir. Dent., v. 50, n. 1, p. 79-81, 1996. WERTZ, R. A. Skeletal and dental changes accompanying rapid midpalatal suture opening. Am. J. Orthod. (St. Louis), v. 58, p. 41-66, 1970. BELL, W. H.; EPKER, B. N. Surgical-orthodontic expansion of the maxilla. Am. J. Orthod. (St. Louis), v. 70, n. 5, p. 517-28, 1976. EPKER, B. N.; WOLFORD, L. M. Dentofacial Deformities: surgical-orthodontic correction. St. Louis: Ed. Mosby, 1980. * De acordo com as normas da ABNT.

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