em todos os seus planos e dimensões



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Klagsbrunn, Victor Hugo - 1 MARX: VALOR (de mercado), PREÇO (de mercado) e DINHEIRO Victor Hugo Klagsbrunn 1. A Relação entre Valores e Preços: A categoria do valor e o dinheiro. A teoria do dinheiro de Marx se diferencia inicialmente das demais concepções por se basear na teoria do valor-trabalho. Segundo esta visão as mercadorias entram na circulação já tendo um valor expresso na forma do preço. Para desvendar os mistérios desta forma visível é necessário um trabalho teórico-analítico, já que ela esconde suas determinações por trás de uma aparência que encobre sua essência 1. Na determinidade do preço está pressuposta a duplicação da mercadoria em mercadoria e dinheiro e com isto a forma preço. Elas são tanto pressuposto para a circulação quanto resultado por elas constantemente reproduzidos". 2 O próprio conceito do valor, no entanto, só se constitui integralmente como conceito no mercado 3 : o valor é determinado pelo trabalho socialmente necessário, implicando tanto que corresponde às condições médias de produção - aspecto desenvolvido principalmente nos primeiros capítulos do Livro I de O Capital - quanto que depende da quantidade daquela mercadoria que a sociedade consome ao valor dado 4. No embate da concorrência o conceito de valor, na elaboração teórica acabada de Marx, se constitui em um valor de mercado 5, completando assim a determinação da categoria do valor com base no trabalho socialmente necesário. 6 Em "O Capital" o preço de uma mercadoria é derivado a partir das três formas do valor, passando pela forma equivalente geral do valor, mostrando a necessidade de que todas as 1 MARX,K. (1985), O Capital, Vol I, p.84/5 2 PEM - Projektgruppe Entwicklung des Marxschen Systems, Das Kapitel vom Geld - Interpretationen der verschiedenen Entwürfe, Interpretationen zum "Kapital" 2, VSA,, Westberlin 1973, p.118-119 (tradução do autor) 3 Àqueles que se sentem incomodados pela aparente circularidade do desenvolvimento teórico dialético de MARX, é preciso que se diga que este procedimento, partindo da categoria logicamente precedente - o valor - para chegar aos preços de mercado, passando pelo preço de produção, incorporando as determinações advindas do mercado sobre o próprio conceito de valor inicialmente introduzido, reproduz a própria lógica da realidade concreta e, também, o processo do conhecimento dialético assim como a prática humana, e por isto é o adotado por MARX. 4 MARX, K. (1985), O Capital, Vol I, pág.95/6 e 280 5 Idem, Vol.III, Capítulo X. 6 "O método da ascenção do abstrato ao concreto é o método do pensamento.... O processo do abstrato ao concreto, como método materialista do conhecimento da realidade, é a dialética da totalidade concreta, na qual se reproduz idealmente a realidade em todos os seus planos e dimensões. O processo do pensamento não se limita a transformar o todo caótico das representações no todo transparente dos conceitos; no curso do processo o próprio todo é concomitantemente delineado, determinado e compreendido" (KOSIK, K. 1986, p. 30). Este método de desenvolvimento do objeto pressupõe a dialética da realidade e o desenvolvimento lógico dialético do pensamento para dar conta desta realidade.

Klagsbrunn, Victor Hugo - 2 mercadorias expressem o seu valor como quantidades de uma mercadoria que se diferencia socialmente das demais. Esta constitui o equivalente geral ou o dinheiro, que na origem é necessariamente uma mercadoria 7. 1.1. A evolução da concepção de Marx a partir dos Grundrisse a respeito da determinação do valor. A partir da derivação do dinheiro temos uma primeira diferenciação entre valor e preço como sendo este último a expressão do valor em termos de uma quantidade determinada do equivalente geral. "El precio es este valor de cambio expresado en dinero". Por lo tanto, en primera instância la diferencia entre valor y precio parece puramente nominal" 8 Neste ponto ROSDOLSKI enfatiza a diferença entre valor e preço, com base na exposição exploratória de Marx nos Grundrisse, assumindo a idéia do valor como "centro de oscilación, como de los ascensos e descensos medios de la oscilación por encima o por debajo de este centro". 9 Como se verá logo a seguir esta colocação é nitidamente diferente daquela desenvolvida em O Capital, segundo a qual o valor é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário, incluindo a determinação posterior do valor como valor de mercado. Nos Grundrisse, a colocação de Marx é a seguinte: "El valor (el real valor de cambio) de todas las mercancías (incluso el trabajo) está determinado por sus costos de producción, en otros términos, por el tiempo de trabajo requerido para su producción. Es precio es este valor de cambio expresado en dinero. La substitución del dinero metálico (y del papel moneda) [dinheiro de papel, VHK] 10, o 7 "O ouro só se confronta com outras mercadorias como dinheiro por já antes ter-se contraposto a elas como mercadoria". MARX, K. (1985), Vol.I, p.69. Veja-se também ROSDOLSKY (1989) p.140 e segs. assim como HILFERDING, R. (1985), Capítulo I. A tentativa de se livrar desta exigência de que o equivalente geral seja uma mercadoria leva forçosamente a uma concepção idealista (= quantitativista) do dinheiro, por se afastar da teoria do valor que lhe serve como fundamento. Esta tendência começou, no campo marxista, com Hilferding e seguiu mais tarde com Brunhoff, Lipietz, etc. e foi muito difundida. Ela reflete o fato de que o dinheiro de papel não convertível do banco central não só passou a ser a única forma de dinheiro em circulação nos países capitalistas (o que em alguns países já ocorria nos tempos de MARX) mas, sobretudo, que este tipo de dinheiro passou a circular também para efeito de pagamentos internacionais. Uma crítica a estas posições foi objeto de outro texto. 8 ROSDOLSKI,R., 1989, p. 133 9 Cita MARX, K. (1973), Grundrisse, na pág.56 (na verdade 61) da edição espanhola, na edição alemã: pág.56. 10 A tradução correta é dinheiro de papel, em alemão, na pág.55: Papiergeld. Quanto à importância de se distinguir dinheiro e moeda, de acordo com o desenvolvimento de Marx

Klagsbrunn, Victor Hugo - 3 moneda de crédito [dinheiro de crédito, VHK] que recibe de él su denominación) por dinero-trabajo, que recibiría su denominación del tiempo de trabajo mismo, equipararía por lo tanto el valor real (valor de cambio) de las mercancías y su valor nominal, su precio, su valor monetario. Equiparación del valor real y del valor nominal, del valor y del precio. Pero a esto se llegaría solamente si se presupone que valor y precio son distintos sólo nominalmente. Pero tal cosa de ningún modo es cierta. El valor de las mercancías determinado mediante el tiempo de trabajo es sólo su valor medio... El precio de las mercancías es constantemente superior o inferior a su valor, y el mismo valor de las mercancías existe solamente en el up and down de los precios de las mercancías." 11 Em outras palavras, o preço não seria apenas o valor expresso em termos nominais, mas as duas grandezas seriam também no geral quantitativamente diferentes. O preço oscilaria em torno do valor, sendo este, derivado em termos formais, igual a uma média de longo prazo das variações dos preços. Trata-se, na verdade, de uma primeira constatação do que e de que forma valor e preço se distinguem, como fica claro na sequência deste trecho, nos mesmos Grundrisse, depois da introdução da depreciação constante das mercadorias: "La diferencia entre precio y valor, entre la mercancía medida a través del tiempo de trabajo de la que es producto del tiempo de trabajo por el cual ella se cambia, crea el requerimiento de una tercera mercancía como medida en la que se expresa el valor de cambio real de la mercancía.... Dado que el tiempo de trabajo como medida de valor existe sólo idealmente, no puede servir como materia de confrontación de los precios.... El precio distinto del valor es necessariamente el precio monetario. Aquí se ve que la diferencia nominal entre precio y valor es condicionada por sua diferencia real." (ps.64/65) Impõe-se, portanto, ir mais além da diferença nominal e desenvolver a diferença "real" entre valores e preços. Não se pode partir da forma preço como forma acabada para chegar-se ao valor e isto MARX altera ao escrever O Capital.( 12 ) Constata-se, portanto, que a utilização de valor de mercado como sendo igual a preço de mercado não corresponde ainda ao desenvolvimento mais completo exposto em O Capital. Nos Grundrisse temos, de fato, apenas a descrição da gravitação dos preços reais em torno de um ponto que seria aquele explicado pelo Lei do Valor, já que o jogo entre oferta e demanda não explica o valor de uma mercadoria. Este procedimento mostra para MARX a necessidade de desenvolver o valor antes dos preços, o que só será feito em no Cap.III do Livro I de O Capital, veja-se mais adiante a parte deste texto sobre as funções do dinheiro. 11 MARX, K. (1973), pág.61/62 12 "Já que se trata de derivar a relação interna necessária entre mercadoria e dinheiro, não se pode tomar a forma preço, expressão desta relação, como uma relação acabada. Este círculo só pode ser rompido se se retorna ao movimento mediador contido no resultado. Este retorno às relações básicas simples e a compreensão correta de suas estruturas representam, de fato, a dificuldade propriamente dita da derivação do dinheiro. É só através da abstração da relação aparente, a forma preço, que pode-se avançar até as relações mais simples. Se, como nos Grundrisse, toma-se simplesmente a mercadoria determinada pelo preço para, a partir dela derivar a duplicação da mercadoria, portanto, o resultado que se quer apresentar está contido na sua premissa, a argumentação se movimenta em círculo; aquele que exatamente se quer romper". PEM (1973), p.119 (Tradução do autor).

Klagsbrunn, Victor Hugo - 4 escritos posteriores. Em O Capital MARX desenvolve a categoria dos preços de produção, em torno dos quais os preços de mercado oscilam no capitalismo. O cuidado necessário ao citar trechos de MARX evita contorcionismos supérfluos para conciliar colocações aparentes ou realmente contraditórias daquele autor. Um exemplo ilustrativo podemos encontrar em DENIS (1951): "Pour nous, la réponse est aisée, puisque nous savons que les prix sont l'expression de la valeur des marchandises relativemente à la valeur de la monnaie. Certes, nous savons qu'il ne s'agit pas d'une expression parfaite et rigoureuse dans tous les cas. Mais nous pouvons poser néanmoins qu'il existe pour chaque prix un niveau normal qui correspond, au moins de façon approximative, au rapport de la valeur de la marchandise à la valeur de l'unité monétaire" 13 Não há dúvida de que o desenvolvimento partindo de valores para chegar aos preços passa pela intermediação do valor do dinheiro, mas o valor do dinheiro afeta a todos os preços da mesma forma. A questão do valor é subjacente e explica, de fato, as relações entre os preços das mercadorias (que refletem as relações entre as quantidades de trabalho socialmente necessário contidas nelas). As relações entre os preços, que na teoria de Marx são fundadas no valor-trabalho, vêm expressas, a grosso modo, na teoria econômica convencional pelo conceito de preços relativos. O que é também importante ressaltar é que nos Grundrisse o valor é inicialmente determinado com base no tempo de trabalho objetivado médio (solução "tecnológica", segundo Rosdolky 14 ) e não com a designação de tempo de trabalho socialmente necessário. Ou seja: Devido à sua linha de argumentação nos Grundrisse, de determinação inicial do valor sem se basear no trabalho socialmente necessário, Marx ainda podia empregar a expressão valor de mercado ao se referir ao preço de mercado e podia desenvolver a diferenciação de valor e preço na forma aludida. A rigor esta não pode ser mantida se se leva em conta o socialmente necessário, também enquanto demanda de um determinado valor de uso, já na primeira determinação do valor. Isto porque não só o preço incluiria o mercado e sua relação entre oferta e demanda (como na diferenciação desenvolvida por Marx nos Grundrisse) mas também o valor. Isto implicaria em que o preço oscila - acompanhando a relação entre oferta e demanda - em torno do valor que também varia segundo o mercado. A linha argumentativa, de cunho nitidamente formal (valor = média dos preços em um prazo longo), adotada nos Grundrisse não dá conta da relação dialética e mais complexa entre as duas categorias. 1.2. O tempo de trabalho socialmente necessário como categoria-chave e intermediação necessária do valor. 13 DENIS (1951), p.124. Para o autor o "prix normal" é aquele que incorpora a taxa média de lucro, para a qual tendem as taxas individuais de lucro (veja o parágrafo seguinte, na mesma página). O erro de DENIS é não reconhecer que a relação entre valores e preços intermediada apenas pelo dinheiro, desenvolvida nos GRUNDRISSE é um procedimento formal que depois foi abandonado em O Capital. 14 ROSDOLSKY, 1978, pág. 118 e segs.

Klagsbrunn, Victor Hugo - 5 No primeiro capítulo de "Para a Crítica da Economia Política", de 1859 (dois anos após os Grundrisse), Marx desenvolve de forma mais explícita os dois aspectos do valor, como tempo de trabalho socialmente médio necessário para a produção da mercadoria e a quantidade de trabalho posta na quantidade da mercadoria que corresponde à demanda social por ela. Mas a expressão "trabalho socialmente necessário" não aparece ainda. Ela é utilizada pela primeira vez na primeira edição de O Capital, a de 1867 15. ROSDOLKY (1989) discute a questão com base no trabalho socialmente necessário (p.118) ao sublinhar a importância do valor de uso da mercadoria, já que este se expressa novamente na quantidade socialmente necessária de uma determinada mercadoria. Aquele autor salienta que há, portanto, em Marx, dois níveis de abstração, "en dos etapas diferentes" (p.124) e cita Marx (O Capital, Livro.III): "La necesidad social, es decir el valor de uso elevado a la potencia social, aparece aquí como determinante de la cuota del tiempo global de trabalho social correspondiente a las diversas esferas de la producción en particular, pero sólo se trata de la misma ley que se manifiesta ya en la mercancía individual, a saber, la de que su valor de uso es un supuesto de su valor de cambio, y por ende de su valor". Não é por acaso que esta como as demais indicações e citações de MARX sobre o tempo de trabalho socialmente necessário, mencionadas por ROSDOLSKY no trecho mencionado (páginas 118 e segs.), foram extraídas de O Capital (especialmente do Livro III) e não dos Grundrisse. É incontestável que nos Grundrisse Marx adota ainda outra forma de desenvolvimento para a categoria do tempo de trabalho socialmente necessário e, por conseguinte, do valor, fato para o qual ROSDOLSKY não chama a atenção. A intermediação entre valores e preços só se completa, como MARX expõe na Seção II do Livro III, Capítulos VIII a X de O Capital, através da consideração das categorias valor de mercado -, preço de produção e preço de mercado, como sendo só plenamente determinadas incluindo a esfera da concorrência, do mercado. A esfera da concorrência é parte integrante do modo de produção capitalista e isto Marx deixa explícito desde o início do Livro I de O Capital. No entanto, ao expor as leis de movimento do modo de produção o autor desenvolve de modo sistemático várias categorias centrais que vão agregando elementos para o entendimento do modo de funcionamento da concorrência no mercado capitalista. 15 Ver MARX, K., Das Kapital, Erstes Buch - Der Produktionsprozess des Kapitals, Erstes Kapitel: Ware und Geld (1867), in: Iring Fetscher (Ed.) 1966, MARX-ENGELS II - Studienausgabe in 4 Bãnde. Politische Õkonomie, Fischer Bücherei.Frankfurt am Main, pág.218. Dos Grundrisse até a primeira edição de O Capital transcorreram portanto dez anos de aperfeiçoamento do pensamento de Marx. Para a sequencia e evolução dos textos econômicos de Marx, bem como a atividade de organização de seus textos por Engels, veja-se Hecker, R. Überblick über Marx Arbeit am Kapital und Engels Herausgeberschaft http://home.tonline.de/home/r.hecker/marxnf.htm.

Klagsbrunn, Victor Hugo - 6 Considerar os valores e preços na concorrência, necessariamente social, implica analisálos no jogo de mercado, da interação oferta-demanda-valores de mercado-preços de mercado. É na aludida seção do Livro III que se completa o desenvolvimento de Marx sobre Valores e Preços. O valor que importa é o valor de mercado, que não é mera média das condições de produção da mercadoria. o que é socialmente necessário impõe incluir a esfera da concorrência, também a procura social a um certo valor, para determinar que e como cada produtor influi na quantidade considerada necessária de trabalho que é demandada pela sociedade, quer dizer no mercado, já que outra instância econômica o capitalismo não conhece. Os preços obviamente de mercado têm nos valores de mercado seu centro de gravitação. E no curto prazo são as variações nas quantidades de trabalho socialmente necessárias que afetam mais fortemente os preços de produção, pois afetam o preço de custo das mercadorias individuais, tanto produzidos por capitais específicos quanto na sua interação social no mercado, que impõe a tendência à equalização constante de taxas constantemente cambiantes das taxas de lucro dos capitais individuais. Os preços de custo de cada mercadoria produzida capitalisticamente são diferentes conforme, além de fatores fortuitos, seja a composição orgânica dos capitais individuais, em cada esfera da produção e no conjunto da sociedade. Por serem diferentes e atuarem de modo autônomo, mas sempre tendo em vista a concorrência, os capitais individuais apresentam Composições Orgânicas diferentes. Este é o ponto de partida para a análise do valor de mercado e do preço de mercado, mas este não se determina apenas e nem diretamente pela composição orgânica dos capitais que participam do mercado. Com essa diferenciação chega Marx à categoria de preço de produção, pano de fundo para os preços de mercado. 2. Valor e preços. O papel do dinheiro. Não é através do dinheiro - ou a moeda como querem alguns, sem discernir a diferença entre esses dois conceitos - que Marx determina logicamente os preços a partir do valor, mas sim através da distribuição da mais-valia produzida como partes alíquotas não do trabalho socialmente necessário para a produção de cada mercadoria mas sim proporcional ao capital investido, no processo constante de igualação das taxas de lucro constantemente diferentes. Esta derivação é a que explica porque, no capitalismo, os preços diferem dos valores. O dinheiro e seu poder de compra - seja dinheiro metálico seja dinheiro de papel - só explicam as variações do nível geral de preços e, portanto, deixam intocável a relação fundamental entre valor e preço. É evidente que se o preço de todas as mercadorias se multiplica por dois, porque o poder de compra do dinheiro diminui para a metade, cada mercadoria continuará representando o mesmo tempo de trabalho socialmente necessário e por isto os preços relativos não mudarão. Apenas sua expressão nominal muda, seu conteúdo continua o mesmo. Marx deixa no entanto muito claro que, na circulação de signos de dinheiro, a quantidade de dinheiro em circulação é uma variável chave para a determinação do poder de compra de cada bilhete. Trata-se de uma determinação derivada, subordinada à Teoria do Valor,

Klagsbrunn, Victor Hugo - 7 porém importante. A Teoria Quantitativa da Moeda - incluindo as versões monetaristas atuais - faz dela o principal elemento explicador para a elevação generalizada dos preços. A discordância com esta teoria tem levado muitos autores marxistas a não considerar a questão da quantidade de dinheiro de papel em circulação 16. Esta problemática é, de fato, mais complexa, tendo em vista que o dinheiro de papel que circula nas sociedades capitalistas plenamente desenvolvidas é uma forma de dinheiro de crédito: o bilhete inconvertível do Banco Central. Sua circulação está relacionada com a circulação de letras comerciais, dos depósitos bancários e com a criação de dinheiro através da concessão de empréstimos (17). Entender como circulam estas diversas formas de dinheiro de crédito e de que modo a sua quantidade afeta o nível geral de preços é um imperativo também para a teoria marxista. Para tal MARX desenvolve a categoria da quantidade de dinheiro de crédito, incluindo o dinheiro de papel - que circula, que difere radicalmente daquela usualmente utilizada da quantidade de dinheiro total, muitas vezes confundida com a quantidade de dinheiro emitida. O desenvolvimento desta questão extrapolaria os limites deste trabalho e foi objeto de texto específico mencionado acima. Marx é o autor que, por excelência, não toma o dinheiro como um dado da realidade, mas se propõe a explicar a sua gênese lógica a partir da circulação das mercadorias. Para o autor o dinheiro é o outro lado da circulação de mercadorias. Esta gênese lógica e histórica só se completa, a partir da teoria do valor, passando pela "seleção" por parte da sociedade de uma mercadoria isolada para ser o equivalente geral. Bibliografia AGLIETTA, Michel (1979); Regulación y Crisis del Capitalismo. La Experiencia de los Estados Unidos, Siglo XXI. BRUNHOFF, Suzanne de (1978a); A Moeda em Marx, Ed.Paz e Terra. BRUNHOFF, Suzanne de (1978b); A Política Monetária, Ed.Paz e Terra. 16 Veja-se por exemplo os autores franceses com influência marxista, como BRUNHOFF, AGLIETTA e LIPIETZ. BRUNHOFF (1979) chega a afirmar que "aucun auteur marxiste n'adopte une analyse monétaire que reviendrait à faire de l'éxcès d'émission de la monnaie une cause de l'inflation" (pág.131). O próprio Marx se encarrega de desmentir esta afirmação, já que dedica boa parte de sua principal obra a estudar a determinação sucessiva desta quantidade de dinheiro à medida que vai avançando na derivação lógica-dialética das categorias inerentes ao sistema capitalista. A própria Brunhoff, em seu livro editado no Brasil em 1976, faz observações sobre os efeitos da quantidade de "moeda" para a determinação de seu valor, o que é o mesmo que dizer nível geral de preços. É, no entanto, verdade que a maioria dos autores principalmente franceses (por exemplo AGLIETTA, 1979, e LIPIETZ, 1983 e 1986), adotando a análise da inflação de BRUNHOFF (1979) abandonou completamente a trilha indicada por DENIS,H. (1951) que dedica boa parte de sua obra clássica sobre a "moeda" à questão da quantidade de dinheiro e suas implicações para as variações do nível geral de preços. 17 Sobre o dinheiro de crédito, veja KLAGSBRUNN, 1992.

Klagsbrunn, Victor Hugo - 8 BRUNHOFF, Suzanne de (1979); Une Analyse Marxiste de l'inflation. In: Les Rapports d'argent, PUG-Maspero, ParisDENIS (1951 HECKER, R. Überblick über Marx Arbeit am Kapital und Engels Herausgeberschaft http://home.t-online.de/home/r.hecker/marxnf.htm. DENIS, Henri (1951), La Monnaie, Editions Sociales, Paris HILFERDING, Rudolf (1985), O Capital Financeiro, Ed.Nova Cultural. Edição alemã (1973); Das Finanzkapital, Europãische Verlagsanstalt-EVA, Frankfurt/M, KLAGSBRUNN, Victor (1992), Considerações sobre a Categoria Dinheiro de Crédito, in: Ensaios FEE, Porto Alegre, Ano 13, nº 2, 1992. pp.592-615 KOSIK,K. (1986), Dialética do Concreto, Ed.Paz e Terra, Rio de Janeiro LIPIETZ, Alain (1983), Le Monde Enchanté de la valeur à l'envoi inflationniste, La Découverter/Maspero, Paris, 1983 LIPIETZ, Alain (1986); Moeda Crédito: uma condição que permite a crise inflacionária. In: Ensaios FEE, Porto Alegre, 7(2): 51-68. MARX,K. (1973); Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (borrador) 1857-1858 (Grundrisse), Siglo XXI Argentina Editores (4ª edição corrigida). Ed.alemã: 1974, Dietz Verlag Berlin MARX, K. (1985); O Capital, Vols. I a III, Livros Primeiro (Tomos 1 e 2) e Segundo, Ed. Nova Cultural, 2ª ed., São Paulo. MARX, K. (1985-6), O Capital, Vol.V, Livro Terceiro, Tomo 2, Editora Nova Cultural, 2ª ed., São Paulo. MARX, K. (1986), Para a Crítica da Economia Política, Ed. Nova Cultural, 2ª ed., São Paulo. Ed.alemã: Zur Kritik der Politischen Oekonomie, MEW- 13, Dietz Verlag Berlin, 1969. MARX,K. (1988), O Capital, Vol.IV, Livro Terceiro/Tomo 1, Ed. Nova Cultural, 2ª ed. São Paulo. PEM - Projektgruppe Entwicklung des Marxschen Systems, 1973, Das Kapitel vom Geld - Interpretationen der verschiedenen Entwürfe, Interpretationen zum "Kapital" 2, VSA,, Westberlin 1973 PEM - Projektgruppe Entwicklung des Marxschen Systems, 1978, Grundrisse der Kritik der Politischen Oekonomie (Rohentwurf), VSA, Westberlin. ROSDOLSKI, R. (1989), Genesis y estructura de El Capital de Marx (estudios sobre los Grundrisse), Siglo Veintiuno Editores, 6ª ed. Mexico,D.F.