Drauzio Varella, Folha de S. Paulo, 12/11/2005.



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Transcrição:

PORTUGUÊS Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade. A obesidade não foge à regra. Na Idade Média, a sociedade considerava a hanseníase um castigo de Deus para punir os ímpios. No século 19, quando proliferaram os aglomerados urbanos e a tuberculose adquiriu características epidêmicas, dizia-se que a enfermidade acometia pessoas enfraquecidas pela vida devassa que levavam. Com a epidemia de Aids, a mesma história: apenas os promíscuos adquiririam o HIV. Coube à ciência demonstrar que são bactérias os agentes causadores de tuberculose e da hanseníase, que a Aids é transmitida por um vírus e que esses microorganismos são alheios às virtudes e fraquezas humanas: infectam crianças, mulheres ou homens, não para puni-los ou vê-los sofrer, mas porque pretendem crescer e multiplicar-se como todos os seres vivos. Tanto se lhes dá se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. (...) Drauzio Varella, Folha de S. Paulo, 12/11/2005. 1 a) Crie uma frase com a palavra obesidade que possa ser acrescentada ao final do 2º parágrafo sem quebra de coerência. b) Fazendo as adaptações necessárias e respeitando a equivalência de sentido que a expressão Tanto se lhes dá (...) tem no texto, proponha uma frase, substituindo o pronome lhes pelo seu referente. a) Nos nossos dias, é comum atribuir às pessoas obesas a culpa por sua obesidade, como se sua condição fosse apenas resultado de seu descomedimento ao comer. A frase deve encaixar-se na série de exemplos contida no segundo parágrafo. Tais exemplos ilustram a primeira afirmação do texto: "Atribuir ao doente a culpa dos males que o afligem é procedimento tradicional na história da humanidade." O caso da obesidade seria a ilustração da afirmação complementar do parágrafo inicial: "A obesidade não foge à regra." b) Pouco importa a esses microorganismos se o organismo que lhes oferece condições de sobrevivência pertence à vestal ou ao pecador contumaz. A formulação deste quesito não é inteiramente precisa, pois não se esclarece se o pronome lhes deve ser substituído por seu referente em suas duas ocorrências na frase ou, o que parece mais razoável, apenas na primeira, na expressão cujo sentido se questiona. Outro defeito na formulação deste

quesito se encontra no trecho "respeitando a equivalência de sentido que a expressão 'Tanto se lhes dá (...)' tem no texto". Esse trecho deveria ser substituído por uma redação mais simples, direta e precisa: mantendo-se o sentido que a expressão "Tanto se lhes dá" tem no texto", pois não é a "equivalência de sentido que a expressão... tem no texto" que se quer respeitada. 2 Em um piano distante, alguém estuda uma lição lenta, em notas graves. (...) Esses sons soltos, indecisos, teimosos e tristes, de uma lição elementar qualquer, têm uma grave monotonia. Deus sabe por que acordei hoje com tendência a filosofia de bairro; mas agora me ocorre que a vida de muita gente parece um pouco essa lição de piano. Nunca chega a formar a linha de uma certa melodia. Começa a esboçar, com os pontos soltos de alguns sons, a curva de uma frase musical; mas logo se detém, e volta, e se perde numa incoerência monótona. Não tem ritmo nem cadência sensíveis. Rubem Braga, O homem rouco. a) O autor estabelece uma associação poética entre a vida de muita gente e uma lição de piano. Esclareça o sentido que ganha, no contexto dessa associação, a frase Nunca chega a formar a linha de uma certa melodia. b) Deus sabe por que acordei hoje com tendência a filosofia de bairro. Reescreva a frase acima, substituindo a expressão sublinhada por outra de sentido equivalente. a) A frase, no contexto, significa que muitas pessoas não concluem aquilo a que se propõem ou não chegam a viver experiências que se integrem num conjunto articulado, como as palavras ou as notas musicais se integram no conjunto de uma frase lingüística ou melódica, fazendo sentido ou compondo uma estrutura coerente. b) Deus sabe por que acordei hoje com vontade de refletir sobre assuntos triviais (ou fatos prosaicos).

3 O Brasil já está à beira do abismo. Mas ainda vai ser preciso um grande esforço de todo mundo pra colocarmos ele novamente lá em cima. Millôr Fernandes. a) Em seu sentido usual, a expressão sublinhada significa às vésperas de uma catástrofe. Tal significado se confirma no texto? Justifique sua resposta. b) Sem alterar o seu sentido, reescreva o texto em um único período, iniciando com Embora o Brasil (...) e substituindo a forma pra por para que. Faça as demais transformações que são necessárias para adequar o texto à norma escrita padrão. a) Não, o significado da expressão, no texto, é outro. A locução "à beira de..." é tomada em seu sentido próprio: "perto do limite extremo de", "à margem de", "na beirada de". O efeito humorístico se deve ao fato de o texto implicar o sentido de o país estar já imerso no abismo, no limite extremo dele, ou seja, na beirada do abismo, sendo, por isso, necessário muito esforço para que ele seja colocado de novo fora dele. b) Embora o Brasil já esteja à beira do abismo, ainda vai ser preciso um grande esforço de todo o mundo para que o coloquemos novamente lá em cima.

4 Crianças perguntam... Einstein responde! O professor da 5ª série de uma escola americana notou que seus alunos ficavam chocados ao aprender que os seres humanos são classificados no reino animal. Então sugeriu que escrevessem para grandes cientistas e intelectuais e pedissem a opinião deles sobre isto. Albert Einstein respondeu: Queridas crianças. Nós não devemos perguntar O que é um animal?, mas sim, Que coisa chamamos de animal? Bem, chamamos de animal quando essa coisa tem certas características: alimenta-se, descende de pais semelhantes a ela, cresce sozinha e morre quando seu tempo se esgotou. É por isso que chamamos minhoca, a galinha, o cachorro e o macaco de animais. E nós, humanos? Pensem nisto da maneira que eu propus anteriormente e então decidam por vocês mesmas se é uma coisa natural nós nos considerarmos animais. Ciência Hoje Crianças. a) Em sua resposta às crianças, Albert Einstein propõe a substituição da pergunta O que é um animal? por Que coisa chamamos de animal?. Explique por que essa substituição já revela uma atitude científica. b) Fazendo as adaptações necessárias e conservando o seu sentido original, reconstrua o último período do texto (... Pensem nisto da maneira que eu... animais. ), começando com (...) Decidam por vocês mesmas... animais. a) Na formulação que Einstein propõe para ela, a questão não se refere mais à "essência" do animal (o que ele é), mas sim à razão de atribuirmos essa denominação a um grupo muito grande e variado de "coisas" ou seres. Portanto, o cientista substitui uma questão abstrata, que visa a uma definição de essência uma questão de sentido metafísico, cuja resposta dependerá da admissão de um pressuposto (de que os animais têm uma essência definível), por uma questão concreta, que visa a estabelecer as razões de uma denominação e, por implicação, um princípio de classificação (por que classificamos essas coisas diferentes como animais?). A atitude científica está em formular uma pergunta que não implica nenhum pressuposto e que postula uma resposta cujos termos devem ser verificáveis. b) Decidam por vocês mesmas se é uma coisa natural nós nos considerarmos animais, pensando antes nesta questão da maneira que eu propus anteriormente.

5 (...) Num tempo Página infeliz da nossa história Passagem desbotada na memória Das nossas novas gerações Dormia A nossa pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações (...). Vai passar, Chico Buarque e Francis Hime. a) É correto afirmar que o verbo dormia tem uma conotação positiva, tendo em vista o contexto em que ele ocorre? Justifique sua resposta. b) Identifique, nos três últimos versos, um recurso expressivo sonoro e indique o efeito de sentido que ele produz. (Não considere a rima distraída / subtraída.) a) Não. Do contexto depreende-se que a pátria encontrava-se em uma situação letárgica diante das substrações ou tenebrosas transações de que era vítima. b) O recurso expressivo sonoro está na passagem tenebrosas transações. A aliteração da consoante linguodental surda t dá relevo à expressão e reforça a sugestão de soturnidade que a reveste.

6 Há certas expressões significativas: Contra fato não há argumento. Elas querem dizer que, diante da evidência do real, não cabem as argumentações em contrário, o que em princípio parece estar certo. Mas, na verdade, significam também coisas como o que vale é a força ou idéia não resolve. Assim, pregam o reconhecimento do fato consumado, a capitulação diante do que se impôs no terreno prático, negando o direito de discutir, de argumentar para mudar a realidade. E então se tornam sinistras. Antonio Candido, Recortes. Entre as expressões significativas, a que se refere o autor do texto, podem-se incluir certos provérbios, como, por exemplo, Cada macaco no seu galho. Indique o sentido que esse provérbio assume, a) se for entendido como uma afirmação aceitável, que em princípio parece estar certa. b) se for entendido como uma afirmação autoritária, que impõe um fato consumado. a) Em sentido positivo, o provérbio deve ser entendido como indicação de que cada pessoa deve reconhecer suas limitações e agir de acordo com elas, sem cometer exageros ou extrapolações deletérias. Outro entendimento positivo do provérbio implica a idéia de que cada um se limite à sua competência. b) Como afirmação autoritária, o provérbio implica a idéia de que cada pessoa deve restringir-se ao âmbito de ação que lhe foi atribuído, numa divisão que pode ser injusta ou arbitrária, mas que não se quer discutir. Ou seja, o sentido autoritário é o de que cada um tem seu lugar e deve nele permanecer, não se questionando o princípio de tal atribuição.

7 POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL João Gostoso era carregador de feira livre e morava no [morro da Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu [afogado. Manuel Bandeira, Libertinagem. a) Relacione o título do poema à corrente estética da qual o texto participa. b) O poema adota o procedimento de relatar os acontecimentos sem comentá-los ou interpretá-los diretamente. Que atitude esse procedimento pede ao leitor? Explique brevemente. a) O que há de Modernismo no título é a incorporação poética do cotidiano, já enunciada na intenção de extrair de uma notícia de jornal a matéria-prima do lirismo e da poeticidade. É modernista, também, a atitude, já no título provocativa, de buscar poesia onde a tradição e as convenções viam antipoesia, informação e notícia. b) O despojamento com que Bandeira narra o episódio, reproduzindo a linguagem de uma hipotética notícia de jornal, sem qualquer metaforização, sem um adjetivo sequer, deixa inteiramente ao leitor a possibilidade de sentir (ou não) o drama humano do suicida que se mata sem explicação. Cabe à sensibilidade do leitor a percepção da dimensão trágica do cotidiano, o lirismo que se esconde no fato, na vida, estampados nas páginas dos jornais. Esta é uma das grandes qualidades de Bandeira: a poesia desentranhada do cotidiano, das situações banais da vida, despojada, anti-retórica, por vezes áspera e dissonante, outras, terna e delicada, que surpreende e comove exatamente pelo que contidamente revela.

8 a) Referindo-se a suas intenções ao escrever o livro Macunaíma, Mário de Andrade afirmou: Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas. No livro, esse interesse é alcançado? Justifique brevemente. b) Sobre a personagem Macunaíma, Mário de Andrade afirmou: É fácil de provar que estabeleci bem dentro de todo o livro que Macunaíma é uma contradição de si mesmo. A afirmação sublinhada se justifica? Explique sucintamente. a) Tanto neste quesito como no seguinte as respostas que se impõem são cabalmente afirmativas. Em a, com efeito, Mário de Andrade opera uma desgeografização e uma desregionalização da fauna, da flora e do folclore nacionais. Peixes, pássaros e mitos amazônicos nadam no Tietê, sobrevoam bairros de São Paulo e se projetam na aventura paulistana de Macunaíma. Lendas gaúchas são invocadas no Uraricoera amazônico. O Wenceslau Pietro de Pietra é a um só tempo o regatão venezuelano, o imigrante italiano e o gigante Piaimã, o devorador de gente das lendas indígenas. A rapsódia marioandradiana constitui-se como um caleidoscópio do Brasil, como uma colagem na qual o tempo e o espaço são reorganizados para comporem uma síntese representativa de todo o país. b) Macunaíma, o herói da nossa gente, o herói sem nenhum caráter compõe uma síntese representativa de um presumido modo de ser brasileiro, de um povo mestiço, em formação. O epíteto herói sem nenhum caráter contempla exatamente o caráter polimorfo do protagonista: índio, negro e branco, corpo de adulto e carinha enjoativa de piá, herói e anti-herói, vitorioso e derrotado, esperto e ludibriado.

9 Capítulo LXVIII / O Vergalho Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão! Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado! Meu senhor! gemia o outro. Cala a boca, besta! replicava o vergalho. Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, o que meu pai libertara alguns anos antes. Chegueime; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; pergunteilhe se aquele preto era escravo dele. É, sim, nhonhô. Fez-te alguma cousa? É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber. Está bom, perdoa-lhe, disse eu. Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado! Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas. a) Este trecho remete a episódio anterior, da mesma obra, no qual interagem Brás Cubas e Prudêncio, então crianças. Compare sucintamente os papéis que as personagens desempenham nesses episódios. b) Neste trecho, a variedade lingüística utilizada pelas personagens contribui para caracterizá-las? Explique brevemente. a) O trecho apresentado (Capítulo LXVIII O Vergalho) faz referência ao Capítulo XI O Menino é o Pai do Homem, em que Brás Cubas, ao relatar sua infância, conta-nos que humilhava o então escravo Prudêncio, fazendo-o de montaria. No primeiro episódio, o narrador era o opressor, enquanto Prudêncio era o oprimido. Já liberto, este compra um escravo, tornando-se agora o opressor, pois passa a descontar no infeliz tudo o que havia sofrido quando criança. Curiosamente, chega até a usar a mesma frase Cala a boca, besta! que havia ouvido na sua época de cativeiro. Dessa forma, nota-se que Prudêncio, vítima de um sistema escravista, acaba fortalecendo-o ao reproduzir as injustiças a que fora submetido. b) As variedades lingüísticas empregadas conseguem

de fato caracterizar o nível social das personagens. Brás Cubas demonstra pertencer à classe alta quando utiliza a norma culta, bem percebida pela ênclise em Fez-te e Perdoa-lhe. Prudêncio demonstra pertencer à classe baixa ao empregar a variante coloquial, captada por vocábulos como nhonhô ; pelo emprego do pronome pessoal ele em deixei ele na quitanda, quando o padrão gramatical pede deixei-o na quitanda ; pela utilização da preposição em como regime do verbo ir ( para ir na venda ), quando a norma culta exige a ( para ir à venda ).

10 Havia cinco anos que D. Felicidade o amava. (...) Acácio tornara-se a sua mania: admirava a sua figura e a sua gravidade, arregalava grandes olhos para a sua eloqüência, achava-o numa linda posição. O Conselheiro era a sua ambição e o seu vício! Havia sobretudo nele uma beleza, cuja contemplação demorada a estonteava como um vinho forte; era a calva. Sempre tivera o gosto perverso de certas mulheres pela calva dos homens, e aquele apetite insatisfeito inflamara-se com a idade. Quando se punha a olhar para a calva do Conselheiro, larga, redonda, polida, brilhante às luzes, uma transpiração ansiosa umedecia-lhe as costas, os olhos dardejavam-lhe, tinha uma vontade absurda, ávida de lhe deitar as mãos, palpá-la, sentir-lhe as formas, amassá-la, penetrar-se dela! Mas disfarçava, punha-se a falar alto com um sorriso parvo, abanava-se convulsivamente, e o suor gotejava-lhe nas roscas anafadas* do pescoço. Ia para casa rezar estações, impunha-se penitências de muitas coroas à Virgem; mas apenas as orações findavam, começava o temperamento a latejar. E a boa, a pobre D. Felicidade tinha agora pesadelos lascivos e as melancolias do histerismo velho. * anafadas = gordas Eça de Queirós, O primo Basílio. a) Qual é a escola literária cujas características mais se fazem sentir neste trecho? Justifique brevemente sua resposta. b) Considere a seguinte afirmação: Em Eça de Queirós, a sátira e a caricatura tornamse, com freqüência, cruéis e sombrias, por isso mesmo incompatíveis com o riso e o humor. Essa afirmação aplica-se ao trecho acima reproduzido? Justifique sucintamente sua resposta. a) O trecho evidencia o Realismo-Naturalismo em quase todos os seus aspectos. Estão presentes: a descrição objetiva e minuciosa; a desidealização do ser humano, captado em seus aspectos ridículos e grotescos; o determinismo biológico, na prevalência do instinto e da sexualidade ( os pesadelos lascivos, as melancolias do histerismo velho ); a crítica social na retração da hipocrisia moral de quem dissimulava no ritualismo das rezas e penitências a sexualidade mal resolvida; a ironia que beira o sarcasmo; o cuidado estilístico. b) A maneira como Eça de Queirós articula a caracterização de D. Felicidade e de sua paixão serôdia e não-correspondida pelo Conselheiro Acácio pode, efetivamente, esconder um drama humano e uma tragédia existencial. Nada tem de alegre a condição de quem, condicionada por valores sociais equivocados, reprimiu dolorosamente um impulso essencial à vida. Contudo, não é este o viés pelo qual o narrador pretende conduzir o leitor. Seria negar uma das virtudes do estilo queirosiano fazer rir, mesmo quando sob o riso se escondem as misérias da condição humana. Não deixa de ser risível, no trecho,

a caracterização da velhota a tentar sufocar com a beatice parva as melancolias do histerismo velho, os pesadelos lascivos ressuscitados na calva afrodisíaca do Conselheiro Acácio, ambição, vício e mania de D. Felicidade.

REDAÇÃO Texto 1 O trabalho não é uma essência atemporal do homem. Ele é uma invenção histórica e, como tal, pode ser transformado e mesmo desaparecer. Texto 2 Adaptado de A.Simões Há algumas décadas, pensava-se que o progresso técnico e o aumento da capacidade de produção permitiriam que o trabalho ficasse razoavelmente fora de moda e a humanidade tivesse mais tempo para si mesma. Na verdade, o que se passa hoje é que uma parte da humanidade está se matando de tanto trabalhar, enquanto a outra parte está morrendo por falta de emprego. Texto 3 M.A. Marques O trabalho de arte é um processo. Resulta de uma vida. Em 1501, Michelangelo retorna de viagem a Florença e concentra seu trabalho artístico em um grande bloco de mármore abandonado. Quatro anos mais tarde fica pronta a escultura David. Adaptado de site da Internet INSTRUÇÃO: Os três textos acima apresentam diferentes visões de trabalho. O primeiro procura conceituar essa atividade e prever seu futuro. O segundo trata de suas condições no mundo contemporâneo e o último, ilustrado pela famosa escultura de Michelangelo, refere-se ao trabalho de

artista. Relacione esses três textos e com base nas idéias neles contidas, além de outras que julgue relevantes, redija uma DISSERTAÇÃO EM PROSA, argumentando sobre o que leu acima e também sobre os outros pontos que você tenha considerado pertinentes. Comentário à proposta de Redação O trabalho, apresentado sob três diferentes óticas, foi o tema sobre o qual o candidato deveria dissertar, "argumentando sobre o que leu e também sobre outros pontos que tenha considerado pertinentes". O primeiro texto, que define o trabalho como uma "invenção histórica" passível, portanto, de sofrer transformações e até mesmo desaparecer, poderia ser utilizado pelo candidato como ponto de partida de sua dissertação. Caberia, nesse caso, reconhecer o surgimento do trabalho como forma de sobrevivência, que vem se diversificando à medida que a humanidade tem evoluído. A automação, desenvolvida para substituir o trabalho braçal por máquinas e robôs, concedendo mais tempo livre ao homem, poderia ser usada como ilustração de uma expectativa que não se realizou. Na seqüência dessas considerações, o segundo texto poderia ser usado para demonstrar a frustração da humanidade, que, longe de ter conseguido "mais tempo para si mesma", hoje se divide entre uma parte que "está se matando de trabalhar" e outra que "está morrendo por falta de emprego". Esse paradoxo poderia ser analisado pelo candidato como resultado de um processo perverso gerado pela globalização, que produziu uma profunda reestruturação do mundo do trabalho, em grande parte baseada na exploração da mão-de-obra barata dos países do Terceiro Mundo. Em meio às preocupações decorrentes dessa situação, extensivas inclusive a jovens vestibulandos cujas carreiras foram escolhidas em função do mercado de trabalho caberia ainda considerar o terceiro texto, que, acompanhado da escultura "David", de Michelangelo, define o trabalho de arte como "um processo", algo que "resulta de uma vida". Uma possível forma de relacionar essa visão às anteriores seria pela comparação entre o trabalho artístico e o trabalho imposto pelas necessidades da vida ou, em termos mais gerais, entre o trabalho criador e o trabalho de natureza puramente repetitiva.

Comentário da Prova Prova bem elaborada, exigente e inteligente, com equilibrada distribuição das questões de compreensão e interpretação de textos, língua e literatura. Lamentese o pequeno deslize que apontamos na formulação de um dos quesitos (1 b) e louve-se a inteligência com que foram elaboradas diversas questões, especialmente o quesito b da última.