Projeto de educação sanitária em comunidades de baixa renda



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Transcrição:

Projeto de educação sanitária em comunidades de baixa renda Abal Simões de Magalhães * Alberto de Magalhães Ferreira Neto ** Resumo O objetivo deste artigo é discutir a necessidade de se tomarem medidas para educação e conscientização da população quanto ao uso racional da água, no âmbito do combate às perdas. Neste contexto, são apresentadas as diretrizes para implementação de um projeto de educação sanitária em comunidades de baixa renda, denominado de Projeto ASA Agente Social Avançado, visando a, principalmente, o controle doméstico do uso da água, de forma a se obter a redução das perdas oriundas do desperdício interno em imóveis, com ligações de água não medidas. Constitui também objetivo deste projeto reduzir as perdas comerciais da concessionária, por meio do combate a ligações clandestinas e irregularidades nas ligações, além de realizar ações para correção de erros cadastrais, vazamentos internos e outras atividades. Palavras-chave: ASA, Agente Social Avançado, comunidade de baixa renda, perdas, desperdício interno. Abstract The main objective of this paper is to discuss, under the scope of combating water losses, the requirement to make people aware of the need to take care of the water and as for its rational use. In this context, are presented the line of direction for implementation of a project of sanitary education in communities of low income, called of PROJETO ASA Agente Social Avançado (Advanced Social Agent), aiming at, mainly, the domestic control of the use of the water, to get the reduction of the deriving losses of internal wastefulness in property with unmetered consumption. It also constitutes objective of this project to reduce the apparent losses of the concessionaire, by means of the combat the unauthorized consumption and irregularities in the service connections, besides carrying through action for correction of errors at commercial register, indoors leakage, and other activities. Key words: ASA, Advanced Social Agent, communities of low income, losses, internal wastefulness. INTRODUÇÃO As companhias de saneamento estaduais são responsáveis pelo abastecimento de água de mais de 50% da população beneficiada por esse recurso vital, exercendo, portanto, um papel essencial na gestão deste recurso natural limitado. * Engenheiro Civil pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduando pela Fundação Getúlio Vargas, no MBA em Saneamento Ambiental. Superintendente da RMS da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A. Embasa. om@embasa.ba.gov.br e contato@abalmagalhaes.eng.br / home page: www.abalmagalhaes.eng.br ** Engenheiro Civil pela Universidade Católica do Salvador. Pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas, no MBA em Gestão Empresarial. Gerente da Unidade Setorial de Apoio Técnico da RMS da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S. A. Embasa. omt@embasa.ba.gov.br e alberto.neto@ embasa.ba.gov.br Devemos lembrar que a água doce representa apenas 3% das águas do globo. Considerando que parte dessas águas encontra-se na forma de geleiras ou calotas polares e nos aqüíferos profundos, menos de 1% da água disponível no planeta está diretamente acessível ao homem (BOUGUERRA, 2003) e que alguns países (a maioria deles na África e no Oriente Médio) sofrem de escassez crônica (CASTRO, 2001). O Brasil, apesar de bem aquinhoado quantitativamente em termos de recursos hídricos (possui 13,7% do estoque hídrico doce do mundo), se comparado a outros países, possui escassez de recursos financeiros para aplicação em obras de saneamento, aí incluídas obras de captação, adução, tra- BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003 533

PROJETO DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA tamento, reservação e distribuição de água. Além disso, a distribuição desigual dos recursos hídricos (somente a região amazônica possui 80% do volume de água do território nacional, para apenas 5% da população), agrava a situação, justificando a necessidade de um gerenciamento eficaz das águas, de forma multidisciplinar (COÊLHO, 2001). É exatamente neste contexto que desponta como necessidade inexorável o combate às perdas, tanto físicas (vazamentos em tubulações, equipamentos e estruturas do sistema e extravasamentos em reservatórios) quanto comerciais (ligações inativas com consumo irregular, desperdícios em ligações não medidas, ligações clandestinas ou não cadastradas, parque de hidrômetros inadequado idade, submedição, fraudes, etc.). No caso específico da Região Metropolitana de Salvador, aparecem com maior relevância as perdas comerciais (também denominadas de perdas de faturamento, perdas não físicas ou perdas aparentes), com destaque para o consumo irregular em ligações inativas e o desperdício em ligações não medidas, principalmente em comunidades de baixa renda. Vale salientar que existem no estado da Bahia milhares de comunidades de baixa renda e, somente no município de Salvador, mais de uma centena. Tais comunidades, em sua maioria, possuem abastecimento precário, uma vez que predomina o desarranjo urbanístico de áreas sem um controle eficaz do uso e ocupação do solo. Face à dinâmica dessas comunidades, as ligações existentes raramente encontram-se com suas instalações hidráulicas internas de acordo com as normas técnicas, assim como também o seu cadastro comercial, dificultando desde a leitura do hidrômetro (quando existente) até à manutenção das instalações, aumentando a inadimplência. Uma grande quantidade de moradias nessas comunidades simplesmente possui abastecimento clandestino (MAGALHÃES, 2001a). PERDAS EM LIGAÇÕES NÃO MEDIDAS As perdas oriundas das ligações não medidas (aí incluídas as ligações clandestinas e as fraudes) são caracterizadas pelo desperdício intradomiciliar e representam um dos fatores de maior impacto nas perdas comerciais de um sistema com baixa hidrometração (micromedição). Estima-se, com base em pesquisas realizadas, que são gastos, numa ligação unidomiciliar não medida, uma média de 32.000 litros de água por mês, aproximadamente, enquanto numa ligação unidomiciliar medida são gastos, em média, cerca de 17.000 litros de água por mês, nos seus mais diversos usos. O volume estimado referente às ligações não medidas para o cálculo das perdas, está condicionado à média das ligações medidas faturadas e essa diferença de consumo (15.000 l/mês) referese ao descontrole intradomiciliar, à falta de manutenção nas instalações hidráulicas internas, aos hábitos domésticos e à falta de uma política educacional para as comunidades de baixa renda, que conscientize as populações mais carentes sobre a necessidade de se utilizar a água de modo mais racional, gerando uma nova cultura nessas comunidades. A simples instalação de hidrômetros nesses locais, sem estar vinculada a uma política de educação sanitária, quando não gera o furto do hidrômetro, gera fraudes na ligação, como o by-pass do hidrômetro, por exemplo, ou a alteração nos mecanismos do medidor do consumo, além da inadimplência, que, por sua vez, gera a suspensão do fornecimento de água (corte da ligação), por parte da concessionária. Como já referido, outro fator que contribui para as perdas comerciais no sistema de abastecimento, são as ligações clandestinas que, em sua maioria, são provenientes de áreas com inexistência de rede distribuidora de água. A identificação dos bolsões de clandestinidade, muitas vezes concentrados, deve ter um tratamento especial, pois a falta de rede distribuidora pode causar problemas de contaminação por inexistência, também, de rede coletora de esgotos (MAGALHÃES, 2001b). SETORIZAÇÃO E MINIDISTRITOS PITOMÉTRICOS Uma das principais metodologias utilizadas no planejamento das ações para redução e controle das perdas, implementada pelas companhias de saneamento nacionais e internacionais, são os de- 534 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003

ABAL SIMÕES DE MAGALHÃES, ALBERTO DE MAGALHÃES FERREIRA NETO nominados distritos pitométricos. Os distritos pitométricos consistem, basicamente, em divisões da malha distribuidora do sistema de abastecimento de água, em que se conhecem as vazões de entrada e saída, bem como o perfil de consumo dos imóveis atendidos, com destaque para o consumo noturno, pois é durante a noite que ocorrem, com maior freqüência, as perdas físicas (vazamentos), dada a maior pressurização da rede, decorrente da menor demanda por parte dos imóveis abastecidos. Nessa linha de ação, a Embasa, por intermédio da Superintendência Metropolitana de Salvador, desenvolveu, em 1998, dois importantes projetos voltados ao aperfeiçoamento do controle operacional e com foco na redução e controle de perdas. O primeiro desses projetos foi o da criação e implantação dos minidistritos, isto é, distritos pitométricos com dimensões mais reduzidas do que as normalmente adotadas, já que o principal objetivo do trabalho era o levantamento dos parâmetros de consumo das comunidades onde se implementariam ações de combate às perdas comerciais, em pontos distintos da cidade, abrangendo principalmente comunidades de baixa renda. A concepção dos minidistritos deu-se em 1998, durante a execução do planejamento de ações para redução de perdas físicas e comerciais na Unidade de Negócios de Pirajá (uma das quatro Unidades de Negócios de Salvador), caracterizada por uma baixa hidrometração e uma população residente, na sua maioria, de baixa renda. Uma das medidas do planejamento era conhecer o consumo dos imóveis com ligações não medidas, com o propósito de levantar o real consumo per capita residencial desses imóveis, além de aferir a sua contribuição para as perdas do sistema (MAGALHÃES, 2001a). O outro projeto foi o da setorização (Mapa 1), que consistiu na adequação dos setores de abastecimento (do ponto de vista hidráulico operacional) às zonas comerciais (ou de faturamento), com enfoque no combate às perdas em um sistema de abastecimento de água de grande porte. Durante o desenvolvimento do projeto, foi apontada a necessidade de se melhor conhecer o real consumo de imóveis com ligações não medidas, clandestinas e com algum tipo de fraude, além do consumo por habitante por dia (consumo per capita), a fim de levantar parâmetros para um cálculo mais realista das perdas oriundas dessa situação (MAGALHÃES, 2001b). Constituiu também objetivo do trabalho traçar diretrizes para implementação de um plano de ação voltado para o combate às perdas comerciais, principalmente em comunidades de baixa renda, com ênfase na redução dos desperdícios em ligações não medidas. BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003 535

PROJETO DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA PROJETO ASA AGENTE SOCIAL AVANÇADO Neste contexto do planejamento é que surgiu o Projeto ASA Agente Social Avançado, com o objetivo principal de implementar ações de educação sanitária em comunidades de baixa renda, visando a desenvolver atividades de conscientização quanto ao uso racional da água, com maior ênfase na necessidade de evitar desperdícios intradomiciliares, por meio da mudança de hábitos e atitudes. O projeto também atua em outras vertentes, no intuito de dar combate a ligações clandestinas e irregularidades nas ligações (aí incluídas as fraudes) e correção de erros no cadastro comercial, além de ações de combate a perdas físicas, como pesquisa e correção de vazamentos na rede distribuidora, por exemplo (MAGALHÃES, 2001c). A vertente fundamental do projeto, entretanto, conforme já abordado acima, é a educação sanitária dos moradores das comunidades, direcionada à conscientização da necessidade de eliminar ou reduzir desperdícios, causados, principalmente, por vazamentos nas instalações hidráulicas intradomiciliares, instalações mal feitas, utilização de material inadequado nas tubulações e peças hidrossanitárias, hábitos domésticos de consumo descontrolado da água, desconhecimento dos custos envolvidos nos processos de captação, adução, tratamento, reservação e distribuição da água, desde os mananciais até à casa do consumidor. A necessidade de conscientização quanto ao uso racional da água encontra-se plenamente justificada quando se observa, enraizada em nossa sociedade, de modo geral, e nos meios onde o acesso à informação é mais precário, como nas comunidades de baixa renda, a cultura do desperdício, principalmente quando se trata de produtos ou serviços considerados essenciais, como energia elétrica e água potável, por exemplo. Essa cultura é ainda reforçada, quando os custos para produção e comercialização do bem (a água potável) não são conhecidos da população usuária. No caso específico da água para abastecimento público, costuma-se imaginar que, devido ao fato de se encontrar na natureza (ainda que em estado bruto, impróprio para consumo humano), pode ser utilizada de forma irracional, sem nenhum tipo de controle, ao sabor das necessidades individuais ou domésticas, sem levar em conta as necessidades coletivas, pois não é suficientemente esclarecido para a população que os investimentos para que o produto chegue até ao consumidor, em quantidade, qualidade e regularidade satisfatórias, são extremamente significativos. Considerando essa perspectiva, ao definir e executar ações de educação sanitária, voltadas ao esclarecimento e conscientização das pessoas, que vivem nas comunidades mais carentes, quanto ao real valor da água potável, em termos de sua importância para a saúde, da sua escassez como produto em condições de ser consumido pela população e dos custos associados às diversas etapas para sua efetiva utilização, é que o Projeto ASA atinge seus objetivos, principalmente com a redução dos desperdícios internos. No contexto do projeto, é fornecido material educativo e são realizadas palestras abordando diversos temas relativos aos assuntos anteriormente referidos, esclarecendo a respeito de onde vem a água, formas de combate aos desperdícios domiciliares, doenças de veiculação hídrica, importância da micromedição no combate aos desperdícios, os custos da produção/tratamento/distribuição da água (e da coleta e tratamento de esgotos) versus a inadimplência, direitos e deveres do consumidor, dentre outros. Além das palestras, é efetuado o cadastro e a inspeção dos imóveis, para verificação das instalações hidráulicas internas, visando a identificar e corrigir possíveis vazamentos e analisar a situação sócio-econômica das famílias, para avaliação das suas condições de pagamento, de forma a fornecer elementos para planejamento de ações contra a inadimplência (MAGALHÃES, 2001a). Além disso, são promovidas visitas a instalações da concessionária, para gerar e/ou incrementar a percepção, junto à população local, dos processos (e custos associados) que se encontram agregados ao produto final que chega aos domicílios e que não são de conhecimento da grande maioria da população. Esse procedimento objetiva fornecer a real dimensão do valor da água para aquelas pessoas que se beneficiam do produto e que pouco ou nada pagam por ele, principalmente devido às suas condições econômicas. 536 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003

ABAL SIMÕES DE MAGALHÃES, ALBERTO DE MAGALHÃES FERREIRA NETO Projeto ASA na escola Uma variante do Projeto ASA é o Projeto ASA na Escola, que visa a educar crianças de escolas públicas e particulares, buscando conscientizá-las do uso racional da água e a preservação dos mananciais, numa linguagem acessível e dinâmica, entendendo que as crianças serão os adultos de amanhã e que encontrarão mais dificuldades quanto à disponibilidade de água no planeta. Além disso, essas crianças irão se tornar ótimas aliadas quando conscientizadas e conquistadas pela filosofia do projeto, qual seja, a necessidade de racionalizar o uso da água, principalmente em regiões ou países carentes de recursos financeiros para grandes investimentos, como o nosso. Benefícios do projeto ASA Como o principal objetivo do projeto é recuperar o volume de água desperdiçada pela população, devido à ausência da consciência do valor da água, com hábitos domésticos inadequados e precária situação das instalações hidráulicas domiciliares, o ganho do volume recuperado teria como principais benefícios a postergação de investimentos, a melhoria do abastecimento de outras áreas e a redução da produção (adequação da oferta à demanda), com a conseqüente redução dos custos operacionais e comerciais. No Gráfico 2, apresenta-se a mesma equação e curva do pay back, considerando a redução do consumo per capita e a redução das perdas físicas na rede distribuidora. Além das premissas anteriores, admite-se uma recuperação adicional de R$ 2,39 por ligação, referente à correção de vazamentos na rede. Custo x Benefício do projeto Redução do consumo per capita, considerando apenas a recuperação de volume, decorrente da redução do desperdício domiciliar. O tempo de retorno do investimento ( pay back ) é variável, em função do número de imóveis (ligações) em que se irá trabalhar, conforme estudo de viabilidade técnica e econômica do projeto, desenvolvido pela Unidade Setorial de Apoio Técnico da Superintendência Metropolitana de Salvador Embasa. No Gráfico 1, apresenta-se a equação e a curva do pay back, considerando apenas a redução do consumo per capita residencial (admitindo um custo variável de R$ 71,34 por ligação de água para implementação do projeto e um retorno de R$ 11,96 por ligação). No Gráfico 3, a equação e a curva do pay back consideram, além das premissas anteriores (redução do consumo per capita e a redução das perdas físicas, decorrente de pesquisa e correção de vazamentos na rede), o incremento na arrecadação mensal, devido à recuperação das ligações inativas, clandestinas e o acréscimo de novas ligações, BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003 537

PROJETO DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA provenientes da extensão de rede na área objeto do trabalho (admite-se que este acréscimo seja de R$ 3,17 por ligação, sendo R$ 0,99 da reabilitação de ligações inativas, R$ 0,72 da recuperação de ligações clandestinas e R$ 1,46 da implantação de novas ligações). implantação do hidrômetro, neste contexto, traduzse no risco da inadimplência, na subseqüente suspensão do fornecimento da água (corte da ligação), na posterior reabertura indevida, por parte do usuário, e no conseqüente aumento do número de ligações inativas e das fraudes ( by-pass do hidrômetro), etc. Proposições/alternativas Reflexões sobre a implementação do projeto Com a implementação do projeto, observa-se a redução das perdas intradomiciliares, relativas a um descontrole do consumo (desperdícios) e vazamentos internos. A instalação do hidrômetro é um fator positivo, mas não isolado, na obtenção da retração do consumo. A simples implantação do hidrômetro, considerando a atual estrutura tarifária e a situação sócio-econômica das famílias, gera um aumento da inadimplência Nesta situação, é preferível tolerar os desperdícios domiciliares, já reduzidos com a implementação do projeto, por meio de ações educacionais e de esclarecimento, e não implantar o hidrômetro. A 1. Adoção de uma tarifa residencial popular, admitindo um consumo médio mensal por imóvel, para cálculo das perdas. 2. Condicionar a instalação de hidrômetros em ligações existentes não medidas, após a implementação do projeto nas comunidades de baixa renda, em que a renda familiar possa arcar com a despesa da fatura de água, instalando um redutor de vazão para garantir a diminuição do consumo. 3. Retirar o hidrômetro existente, ou não instalar, nas habitações em que o valor da fatura de água seja superior a 3% (havendo coleta de esgoto, esse valor subiria para 5%) da renda familiar, mesmo após a redução do consumo com a implantação do programa, analisando o cadastro social, assumindo a perda de faturamento de parte do volume consumido (decorrente da falta de medição), mas garantindo parte do faturamento. Instalar redutor de vazão. 4. Instalar 100% de hidrômetros, criar no sistema uma tarifa subsidiada (residencial de baixa renda) em que seria computado o volume efetivamente consumido, apenas cobrando o valor correspondente à condição de pagamento (o valor da fatura de água não pode ser superior a 3% da renda familiar). Nesses casos, implantar o projeto e instalar o redutor de vazão. Resultados da implementação do projeto Em 1998, quando da implantação dos minidistritos, foi efetuado o levantamento do consumo per capita residencial nas comunidades Penacho Verde, Parque Setúbal, Boca da Mata (Valéria), Éden do Vale, Marinalva Gonzales e Gamboa. Nessas comunidades, encontrou-se um consumo per capita elevado, de cerca de 296 litros por hab/dia. O 538 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003

ABAL SIMÕES DE MAGALHÃES, ALBERTO DE MAGALHÃES FERREIRA NETO esperado, caso fossem imóveis com hidrômetros, da mesma tipologia habitacional, para populações do mesmo estrato sócio-econômico, seria um consumo per capita em torno de 100 litros por hab/dia. Foram cadastrados 1.666 domicílios (5.925 habitantes). No entanto, somente em 2001 o Projeto ASA foi, efetivamente, iniciado nas comunidades Calabetão, Bate Facho (Boca do Rio), Góes Calmon (município de Simões Filho), Dom Avelar (município de Candeias), Chácara do Monte e Jardim Mangabeira (Cajazeiras VIII). Nestas comunidades, além do cadastro dos imóveis e do censo demográfico, foi desenvolvida a metodologia do projeto, incluindo as ações de educação sanitária. Atuou-se em 5.238 imóveis total de 20.844 habitantes. No gráfico 4, verifica-se a redução do consumo per capita, decorrente das ações de conscientização quanto à necessidade de conservação da água. O período de análise corresponde ao ciclo de faturamento, isto é, o período de leitura, processamento e entrega das contas de água, na zona de abastecimento onde está a comunidade. A instalação seletiva de hidrômetros, associada às atividades de educação sanitária, gerou um crescimento do volume micromedido, como se vê no gráfico 6. O aumento da micromedição (efetuado de forma seletiva para não aumentar a inadimplência), obtido em paralelo às ações de conscientização da população, acarretou aumento do faturamento, expresso pela evolução positiva do volume faturado, como visto no gráfico 7. O menor consumo per capita, agregado ao combate a perdas físicas (correção de vazamentos na rede distribuidora), permitiu uma redução da quantidade de água ofertada à comunidade (correspondente à parcela gasta em desperdícios internos e vazamentos na rede), o que se traduz pela redução do volume distribuído, conforme gráfico 5. Nesse caso, o período de análise corresponde ao ciclo de macromedição, ou seja, o período correspondente à leitura do(s) macromedidor(es) da zona de abastecimento onde está a comunidade. BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003 539

PROJETO DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA Como decorrência das ações voltadas para a conscientização quanto ao uso racional da água e o aumento da micromedição, observa-se a redução das águas não contabilizadas (ANC), importante indicador de perdas, de natureza operacional, dos sistemas de abastecimento de água. A evolução desse indicador pode ser vista no gráfico 8. portância da área em termos de potencial para recuperação de águas não faturadas, com expressiva representatividade sobre os índices de perdas de todo o sistema de abastecimento de água de Salvador, com destaque para as perdas comerciais. Nesta comunidade, foram cadastrados 3.891 imóveis, perfazendo 14.423 habitantes, com base em censo demográfico recentemente efetuado pela Embasa. Depoimentos O aumento do volume faturado, aliado à redução do volume distribuído, resultou na redução das águas não faturadas (ANF), outro importante indicador de perdas, porém de natureza mais estratégica, pois permite avaliar o quanto a concessionária deixou, efetivamente, de faturar pela água distribuída à população. A evolução deste indicador pode ser vista no gráfico 9. Durante as atividades de implementação do Projeto ASA, colhemos algumas frases ditas por moradores das comunidades, apresentadas a seguir. Suas transcrições, neste artigo, justificam-se por retratarem, de forma singular, a visão do morador local, refletindo a necessidade de implantação de uma política educacional em comunidades de baixa renda, necessidade reconhecida sob uma ótica própria, considerando serem os moradores das comunidades em questão, ao mesmo tempo, sujeito e objeto das ações preconizadas. Agora sim vou conseguir diminuir o desperdício de água ; Vixe Maria, não sabia que dava tanto trabalho para a água chegar até à minha casa ; Vou falar com tanta gente pra poupar a água... ; Na seca, o pessoal anda léguas pra pegar um litro de água e, aqui, tem gente que acha na porta e esbanja. CONCLUSÕES Atualmente, as ações do Projeto estão concentradas, principalmente, na comunidade do Bairro da Paz (antiga Invasão das Malvinas), com acesso a partir da Av. Luiz Viana Filho (Paralela), tendo em vista a im- Vencer a falta de saneamento no país custa caro. A deterioração da qualidade da água gerada pela conurbação das cidades e a procura de mananciais cada vez mais afastados dos centros urbanos, são fatores que oneram os investimentos em saneamento. Porque o Brasil possui grandes bacias hidrográficas (mesmo que desigualmente distribuídas geograficamente e com regiões apresentando graves crises de abastecimento de água), há uma impressão, disseminada em nossa cultura, de que a racionalização do uso da água não tem caráter prioritário. Felizmente nota-se uma mudança neste cenário, com a sociedade incorporando gradativamente 540 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003

ABAL SIMÕES DE MAGALHÃES, ALBERTO DE MAGALHÃES FERREIRA NETO esse novo valor, em função da importância da água não só para a manutenção da vida, como para o crescimento econômico-social de um povo e para o bem estar da população (COÊLHO, 2001). Para atender todos os brasileiros nos próximos dez anos, segundo cálculos oficiais do Programa de Modernização do Setor Saneamento (PMSS), serão necessários investimentos da ordem de 70 bilhões de reais (SACCO, 2003). Estudo mais recente, elaborado pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades, chega a valores ainda mais expressivos, concluindo que a universalização dos serviços de abastecimento de água e coleta/tratamento de esgotos custará ao país cerca de R$ 178 bilhões até 2020. Esse estudo estima que, para o cumprimento dessa meta de universalização, devem ser realizados investimentos de 0,45% do PIB, com hipótese de crescimento anual médio de 4%, em 20 anos (CONEXÃO, 2003). Face ao exposto, faz-se necessário racionalizar e sistematizar o combate às perdas, visando, prioritariamente, ao uso racional da água utilizada no abastecimento, em benefício da saúde pública, do saneamento ambiental e da eficiência dos serviços prestados à população, pelas companhias de saneamento. Nesse contexto, o planejamento para controle e redução de perdas deve integrar todas as atividades (a gestão operacional não deve estar desvinculada da gestão comercial), de forma que as ações de combate a perdas físicas sejam desenvolvidas paralelamente e em consonância com as ações de combate às perdas comerciais. Os investimentos devem ser realizados de modo a conjugar os setores comercial e operacional em esforços voltados para a redução de desperdícios de todos os tipos e na recuperação das perdas de faturamento, por meio de planos, programas e projetos que visem, sobretudo, a uma mudança na cultura das comunidades atendidas pelos sistemas de abastecimento de água, para se obter resultados consistentes e duradouros. Seguindo esta linha de pensamento é que o Projeto ASA preconiza a educação sanitária como fator fundamental para as mudanças desejadas, principalmente quanto ao uso racional da água, ao mesmo tempo um bem natural e econômico, recurso natural limitado e essencial à vida. Este artigo procurou mostrar como as ferramentas da setorização e dos minidistritos, aliadas a um processo de educação sanitária da população, principalmente aquela dos estratos mais carentes, contribuem para o êxito na redução das perdas e no seu controle, em patamares técnica e economicamente aceitáveis. REFERÊNCIAS BOUGUERRA, Mohamed Larbi. A guerra pela água. Le Monde Diplomatique n. 3, 2003. CASTRO, Moema Soares de et al. Tecnologias para aquecimento de água no setor residencial brasileiro, Revista Água e Energia, Campina Grande: Aliança para Conservação de Energia/ USAID, 2001. COÊLHO, Adalberto Cavalcanti. Manual de economia de água (conservação de água). Olinda: Editora do Autor, 2001. CONEJO, João Gilberto Lotufo; LOPES, Antônio Roberto Gonçalves; MARCKA, Estanislau. Recomendações gerais e normas de referência para controle de perdas nos sistemas públicos de abastecimento de água. Documentos Técnicos de Apoio ao Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água PNCDA (Documento C1). Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento, Secretaria de Política Urbana, 1999. CONEXÃO. Salvador: Embasa, ago. 2003. 1 f. Publicação interna da Empresa Baiana de Águas e Saneamento. EMPRESA BAIANA DE ÁGUAS E SANEAMENTO. Superintendência Metropolitana de Salvador Projeto Asa. Salvador: 2002. MAGALHÃES, Abal Simões de. Metodologia para diagnóstico e controle de perdas. Salvador: Embasa. Assessoria de Comunicação Social, 2001a.. Minidistritos: consumo de ligações não medidas, clandestinas e com fraudes. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 21º. Trabalho técnico. João Pessoa, 2001b. 7 f.. Política educacional de esclarecimento para população de baixa renda asa agente social avançado. In: CONGRES- SO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIEN- TAL, 21º. Trabalho técnico. João Pessoa, 2001c. 6 f. SACCO, Denise. A esperança nacional. Le Monde Diplomatique n. 3, 2003. SILVA, Ricardo Toledo; CONEJO, João Gilberto Lotufo. Definições de perdas nos sistemas públicos de abastecimento. Documentos Técnicos de Apoio ao Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Água PNCDA (Documento A2). Brasília: Ministério do Planejamento e Orçamento, Secretaria de Política Urbana, 1998. BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 533-541, 2003 541

Demandas de Água Tanto o uso consuntivo da água, onde existe redução do volume devolvido ao corpo d água, em função do seu uso, resultando numa mudança quantitativa da disponibilidade, quanto o uso não consuntivo, onde não ocorre redução no volume, mas pode alterar os condicionantes físicos que afetam outros setores usuários, devem ser suficientemente conhecidos e quantificados para um gerenciamento adequado do recurso água. Abastecimento Urbano O estado da Bahia extrai, diariamente, cerca de 1,8 milhão de m³ de água para abastecimento urbano, correspondente a uma média de 230 l/hab.dia. Destes, apenas 946 mil m³ de água são efetivamente consumidos, perfazendo um per capita médio de fornecimento de 120 l/hab.dia. As perdas médias nos sistemas de abastecimento do Estado estão estimadas em cerca de 49%, ou seja, quase a metade do volume de água captado não chega às torneiras dos consumidores. Apenas uma pequena parcela da água fornecida pelos sistemas de abastecimento urbano é consumida (da ordem de 20%), sendo o restante devolvido aos corpos d água, após o uso, sob a forma de esgotos. Esta água servida, devolvida, normalmente contém impurezas e precisa sofrer tratamento a fim de não prejudicar a qualidade do corpo d água receptor. Abastecimento Doméstico Rural O abastecimento doméstico da área rural é pouco significativo, por serem as demandas dispersas e de pequeno valor. Esses sistemas de abastecimento são geralmente individualizados em cada residência, por meio de poços e cisternas e, de modo geral, seus efluentes de águas servidas se perdem por infiltração no terreno. O volume demandado para esse fim, considerando um per capita mínimo de consumo na ordem de 80 l/hab.dia, totaliza cerca de 331 mil m³ por dia para o consumo humano de água na zona rural em todo o Estado. O abastecimento urbano e o doméstico rural são considerados usos prioritários da água, uma vez que se relacionam diretamente com o direito à vida. Dessedentação de Animais Outro uso dos recursos hídricos na área rural, a dessedentação de animais, embora se constitua numa demanda de pouca monta, poderá ter importância nas regiões semi-áridas. Estima-se o consumo anual em 230,6 milhões de metros cúbicos. Abastecimento Industrial As indústrias utilizam os recursos hídricos de várias formas em seu processo produtivo: umas com alto consumo, agregando grande parte da água em seu produto, como no caso das indústrias de bebidas e de conservas; outras, utilizando a água para serviços auxiliares como, por exemplo, resfriamento dos equipamentos, quando a água é devolvida praticamente na mesma quantidade que é captada, porém com elevação da temperatura, ou para geração de vapor, onde a água é, em boa parte, recirculada, ou lavagem das instalações e equipamentos, onde também é possível reaproveitar-se parte da água mediante tratamento adequado, e, também, para a diluição dos efluentes do processo, de forma a respeitar os padrões de lançamento estabelecidos. 542 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 542-543, 2003

No estado da Bahia existe demanda de água para fins industriais na ordem de 285 mil m³/dia, dos quais 56% provêm de captação própria e o restante é fornecido pela Embasa, por meio de contratos especiais, quando quase a totalidade é fornecida sem tratamento. Irrigação A irrigação é, das atividades que fazem uso da água, aquela que apresenta maior demanda, uma vez que exige grandes volumes por unidade de área irrigada; além disso, representa, também, grande consumo, pois uma grande parcela desta água é efetivamente consumida pelas plantas, evaporada ou infiltra-se profundamente no solo. Este uso da água, portanto, exige cuidados e técnicas especiais para o aproveitamento racional dos recursos hídricos, devendo se processar com o máximo de eficiência. Da mesma forma, cuidados devem ser tomados com relação ao retorno do excesso de água aos mananciais, pois as águas utilizadas na irrigação podem provocar poluição hídrica, devido ao uso de agrotóxicos, corretivos e fertilizantes nas lavouras. A demanda anual de água para irrigação, na Bahia, é de 4.620,6 milhões de metros cúbicos. A demanda de água na Bahia,em 2000, foi de 6.029 bilhões de metros cúbicos, sendo: irrigação - 4.620,6 bilhões de metros cúbicos (76,6%) abastecimento humano - urbano e rural - 1.167,6 bilhões de metros cúbicos (19,4%) dessedentação animal - 230,6 bilhões de metros cúbicos (3,8%) abastecimento industrial - 10,25 bilhões de metros cúbicos (0,2%) Fonte: Superintendência de Recursos Hídricos do Estado da Bahia SRH. 2003 BAHIA ANÁLISE & DADOS Salvador, v. 13, n. ESPECIAL, p. 542-543, 2003 543