Sumário. Autora: Valéria de Oliveira



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A psicologia do desenvolvimento e o estudo científico da adolescência: aspectos biológicos, emocionais, sexuais, psicossociais e cognitivos da adolescência. Autora: Valéria de Oliveira Sumário I. Introdução II. Adolescência: um fenômeno recente Mas afinal, o que é adolescência? III. Pubescência e Puberdade IV. Fases da Adolescência V. Desenvolvimento psicossexual, psicossocial e cognitivo na adolescência Desenvolvimento psicossexual Desenvolvimento psicossocial Desenvolvimento cognitivo VI. Voltando à adolescência VII. Conflitos e crises na adolescência A importância do grupo na adolescência VIII. Aborrecente ou adolescente? IX. Referências 1

I. Introdução Este texto tem como finalidade fornecer subsídios teóricos que possam instrumentalizar a prática de profissionais que trabalhem com adolescentes. O que se pretende é fornecer uma visão geral do que seja a adolescência, seu conceito, suas características e as implicações dessa etapa do ciclo vital humano no relacionamento do adolescente consigo mesmo e com seu entorno. O texto começa por abordar a adolescência, tal como se conhece no ocidente, neste início de século XXI, como um conceito histórico e um fenômeno recente. E a partir daí, serão apresentados os conceitos de pubescência e puberdade, demonstrado que enquanto o termo adolescência se refere a processos sociais, a puberdade se remete a orgânicos e biológicos. Serão apresentadas as principais características do período da adolescência, buscando estabelecer uma conexão entre os pressupostos teóricos abordados com os comportamentos observados no dia a dia dos adolescentes na atualidade, que se manifesta tanto no espaço privado quanto nos espaços públicos. E, consequentemente, nas salas de aulas. II. Adolescência: um fenômeno recente Será que a adolescência é um período de desenvolvimento no ciclo de vida do ser humano, ou é invenção de algumas sociedades e seu conceito é variável em função do tempo e do lugar? Palácios e Oliva (2002) assinalam que a adolescência, tal como a conhecemos hoje na nossa sociedade ocidental, é um produto do século XX, que também é quando ela passa a ser estudada desde diferentes perspectivas. O primeiro estudo publicado sobre essa fase da vida, desde o ponto de vista psicológico, aconteceu em 1904, por Stanley Hall: adolescência: sua psicologia e sua relação com a fisiologia, sociologia, sexo, crime, religião e educação. Na década de 1920, surgiram vários estudos sobre aspectos biológicos da adolescência, que se tornaram cada vez mais importantes para a compreensão da puberdade o aspecto biológico da adolescência. Antropólogos como Margareth Mead (1970) e historiadores como Philippe Ariés (1981 e 1990) também se detiveram em pesquisas dessa etapa de vida do ser humano, demonstrando que não existe um único tipo de adolescência no tempo e no espaço, mas que o conceito de adolescência varia por razões temporais, culturais, econômicas e sociais. Philippe Áries (1981) ressalta que nas sociedades pré industriais, quando o menino atingia a idade de se cuidar sozinho entre os 7 e 8 anos era retirado do mundo das mulheres, onde vivia desde o nascimento, sendo transferido sem nenhum período de transição para o mundo dos homens adultos, trabalhando não somente com eles, mas também como eles, nas oficinas, campos ou os acompanhando nas caçadas, viagens e guerras. Nessa sociedade medieval intermédia, dominava a aprendizagem direta: aprendia se com a prática. A transmissão do saber acontecia pela palavra, pelo gesto, pelo exemplo e era acompanhada pelo ensino do ofício no próprio local de trabalho e não na escola. Portanto, o traço dominante da adolescência nessas sociedades era um período de tempo reduzido, ao contrário do que ocorre nas sociedades em que a transmissão da cultura pressupõe a escrita, como nas sociedades escolares do tipo das sociedades 2

clássicas (ginásio e liceu) e na sociedade industrial, em que a adolescência se caracteriza por ser mais longa. A escola passa a ser o locus de transmissão das regras sociais e culturais do mundo adulto e só depois de passar por essa formação se tem o direito de ingressar no mundo dos adultos. Philippe Áries (1981) também assinala que as classes populares resistiram durante algum tempo às obrigações escolares, talvez porque não tinham outra alternativa. Seus filhos desde criança iam trabalhar na agricultura, nas minas e nas fábricas. Dessa forma, o término da adolescência ocorria não com o término da escolaridade, mas com o casamento ou com o ingresso no serviço militar. Sobre este tema assim escreve Palácios e Oliva: Ainda que os filhos dos operários tenham continuado a se incorporar ao mundo do trabalho em idades muito precoces, os filhos das classes médias e altas permaneceram nas escolas, que aumentaram em número, desenvolveram programas específicos e mais complexos. No final os filhos dos operários também foram unindo se a esse estilo de vida, segundo avançava o século, foi se introduzindo nos diversos paises ocidentais o conceito de escolaridade obrigatória, que foi se prolongando até chegar na atualidade, na maioria dos paises europeus aos 16 anos. Não são poucos os adolescentes que continuam seus estudos depois do ensino médio, permanecendo no sistema escolar por mais alguns anos [...] (PALACIOS; OLIVA, 2002, p. 310). Este é o cenário que temos ainda hoje na nossa sociedade ocidental e, neste início de século XXI, ou seja, a incorporação do adolescente no status de vida adulta foi adiado quando comparado à períodos anteriores da história da humanidade. Sem se esquecer de que em sociedades tribais, também chamadas primitivas, existe sempre um ritual de passagem à vida adulta, que é vivido pelo adolescente. Esse ritual pode ser a primeira caçada, uma noite no mato esperando um sonho profético etc. Após essa cerimônia a criança é aceita no mundo dos adultos e integrada na sociedade. Atividade Complementar 1 Assista ao documentário XINGU e produza um texto relacionando esse histórico com o ritual documentado para as adolescentes daquela nação indígena. Mas afinal, o que é adolescência? Já foi comentado que a adolescência é um conceito histórico que ganhou força no século XX e vem servindo para designar o tempo intermediário e indefinido entre a infância e a vida adulta (CALLIGARIS, 2000). No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, está escrito que adolescente é aquele que [...] está no começo, que ainda não atingiu todo o vigor. Segundo Rapapport (1981, p. 23) o termo adolescência vem do latim adolescere e significa crescer ou crescer até a maturidade. 3

Em nossa cultura ocidental, a adolescência é o período que se caracteriza pelo ajustamento sexual, social, ideológico, vocacional e de luta pela emancipação dos pais. E não somente uma fase terminal do crescimento biológico. Considera se que a principal tarefa da adolescência é a conquista de uma identidade própria. Para Knobel (1992) a adolescência se caracteriza por ser uma fase do desenvolvimento em que o indivíduo estabelece sua identidade adulta a partir de internalizações e identificações ocorridas na infância, principalmente na relação com seus pais, mas também levando em conta as influências da sociedade em que vive. Mas, como caracterizar a passagem da adolescência para a vida adulta? Diríamos que após viver a adolescência o ser humano teria condições de ter: definição da identidade sexual e a capacidade de estabelecer relações afetivas estáveis; independência econômica; consolidação do seu sistema de valores pessoais, o seu código de ética próprio; estabelecimento de uma relação de reciprocidade com a geração precedente. A puberdade é um processo decorrente das transformações biológicas e a adolescência é fundamentalmente psicossocial. Atividade Complementar 2 Acesse a página web abaixo, leia o artigo Rituais de passagem segundo os adolescentes e elabore uma lista das mudanças que ocorrem na adolescência percebidas pelos adolescentes pesquisados: http:/ / www.scielo.br/ scielo.php?pid=s0103 1002008000300004&script=sci_arttext III. Pubescência e Puberdade Os termos puberdade e pubescência derivadas do latim pubertas, a idade da maioridade, e pubescere, apresentar cabelos no corpo, atingir a puberdade são, muitas vezes, utilizados como sinônimo de adolescência. No entanto, já foi discutido no início deste texto que a adolescência é uma invenção social. Diferentemente da adolescência, o conceito de puberdade está relacionado com transformações em nível fisiológico e é um fenômeno universal, que ocorre de forma semelhante na maioria dos seres humanos, independentemente de sua raça ou cultura. As transformações físicas que ocorrem neste período de vida dependem da ação do hipotálamo, que está situado na base do cérebro, cujos hormônios estimulam os ovários, os testículos e as glândulas adrenais a produzirem os hormônios sexuais que desencadeiam todo processo de crescimento físico e maturidade reprodutiva. O surto de crescimento em ritmo acelerado, gerado por essa ação endócrina, é um sinal da pubescência, que constitui um período de transformações físicas que conduzem à maturidade da capacidade reprodutiva. Portanto, a pubescência se refere ao desenvolvimento fisiológico durante o qual as funções reprodutivas amadurecem, aparecem as características sexuais secundárias e a 4

maturidade fisiológica dos órgãos sexuais primários. O início desse desenvolvimento pode variar de pessoa para pessoa. Para o sexo feminino a puberdade ocorre entre os nove e treze anos de idade, enquanto que para o sexo masculino entre os dez e catorze anos de idade, geralmente. As principais características dessas transformações biológicas nos meninos são: surgimento de pêlos nas regiões axilares (axila), inguinais (pubianos) e torácicos (peito); aumento em volume dos testículos e tamanho do pênis; crescimento de pêlos faciais (barba); oscilação com posterior entonação da voz; alargamento da omoplata (escápula/ ombros); desenvolvimento da massa muscular; aumento de peso e estatura; início da produção de espermatozóides. Nas meninas se observa as seguintes mudanças: expansão óssea da cintura pélvica (bacia); início do ciclo menstrual; surgimento de pêlos nas regiões axilares (axila) e inguinais (pubianos); depósito de gordura nas nádegas, nos quadris e nas coxas; surgimento do broto mamário e desenvolvimento das mamas. Essas mudanças são coordenadas pelos hormônios hipotalâmicos, desencadeando a síntese de hormônios hipofisários, que irão estimular as glândulas sexuais a produzirem, respectivamente: testosterona nos testículos (gônada masculina) e estrógeno nos ovários (gônada feminina). A produção desses hormônios além de desencadear transformações a nível corporal, no qual o corpo infantil, de maneira gradual, vai se metamorfoseando em um corpo adulto, também influencia diretamente no comportamento dos adolescentes. 5

Puberdade é o ponto do desenvolvimento, no qual as mudanças biológicas da pubescência atingem o início do desenvolvimento sexual. As alterações na puberdade não são unicamente físicas, mas também psicológicas, pois nesse período ocorrem grandes oscilações emocionais. Por isso, se observa nos adolescentes as rápidas e abruptas mudanças de humor, surgindo comportamentos agressivos, a agitação e preguiça, alterações no ciclo do sono. Além de sentimentos de tristeza e felicidade que se alternam. IV. Fases da Adolescência A adolescência pode ser dividida em duas fases principais. A primeira desencadeada pelo aumento das forças instituais, iniciadas a partir da maturação dos órgãos reprodutores e as mudanças fisiológicas da puberdade. Essa primeira fase é marcada por intensos e repentinos impulsos eróticos e agressivos, que por sua vez acabam gerando muitos conflitos internos e a busca do equilíbrio e da manutenção do controle. Os adolescentes, principalmente os meninos, precisam gastar muita energia no controle de sensações eróticas repentinas e isso pode provocar uma certa inibição do potencial intelectual neste período. Isso se reflete no espaço escolar, pois muitos desses alunos acabam por registrar uma queda no rendimento no oitavo ou nono ano. Essa fase costuma terminar aproximadamente aos 16 anos. As características dessa primeira fase são: 1. rebelião contra os adultos e seus valores; 2. intenso narcisismo com acentuada preocupação com o próprio corpo; 3. busca por pertencer a um grupo, uma tribo; 4. os impulsos e emoções sexuais se intensificam e ganham expressão, a princípio em fantasias, depois em atividades masturbatórias e a busca de relações sexuais; 5. aumento da agressividade; 6. aumento da capacidade intelectual e emocional; 7. mudanças repentinas e imprevisíveis de humor e comportamento. A segunda fase da adolescência, que acontece depois dos 16 anos, caracteriza se por uma maior estabilidade, no que diz respeito às terríveis oscilações hormonais e 6

suas conseqüências. Com o apoio das identidades já adquiridas, nessa segunda fase da adolescência constrói se um novo mundo social. No entanto, a crença de que se é poderoso, que nada de mal pode lhe atingir, que a realidade é reversível e o imediatismo fazem com que o adolescente se envolva em situações sem pensar nas conseqüências futuras: o abandonar a escola, a gravidez não desejada, o envolvimento em acidentes de trânsito, o consumo de drogas e bebidas alcoólicas, são exemplos dessas situações frequentemente vivenciadas por muitos adolescentes. Além disso, a inconstância é presente o que gera freqüente troca de objetos de amor, a necessidade de pertencer a grupos diferentes e às vezes marginais. Ao final dessa segunda fase o adolescente consegue: 1. efetuar a separação e independência dos pais; 2. estabelecer uma identidade sexual; 3. ser capaz de desenvolver uma atividade econômica; 4. desenvolver um sistema pessoal de valores morais; 5. ter capacidade de estabelecer relações amorosas duradouras; 6. regressar aos pais numa relação baseada em igualdade relativa. As condutas típicas desse período são: a busca de reconhecimento entre o grupo de pares e entre os adultos e o ingresso em atividades sociais, políticas e profissionais. Na nossa sociedade ocidental, a primeira oportunidade para exercer e usufruir as prerrogativas adultas ocorre na segunda fase da adolescência: votar, dirigir, fumar são exemplos dessas prerrogativas. Portanto, nesse momento o adolescente entra no mundo adulto, embora nem sempre aceite as regras e valores impostos. V. Desenvolvimento psicossexual, psicossocial e cognitivo na adolescência Para que ocorram as mudanças relatadas no item anterior, muitas coisas acontecem internamente no adolescente. O desenvolvimento nessa etapa da vida não é apenas físico, mas também na maneira de raciocinar e de interagir com o mundo a seu redor. Para entender todo este processo, primeiramente será abordado o que significa desenvolvimento psicossexual, psicossocial e cognitivo, para isso recorremos a importantes teóricos que abordaram cada um desses temas: Sigmund Freud, que estudou o desenvolvimento psicossexual; Eric Erikson, que estudou o desenvolvimento psicossocial; Jean Piaget, que estudou o desenvolvimento cognitivo. 7

Desenvolvimento psicossexual Sigmund Freud propõe uma explicação interessante do desenvolvimento humano. Para ele, o comportamento humano é orientado pelo impulso sexual, que ele chamou de libido, palavra feminina latina que significa desejo, vontade. Esse impulso pela busca do prazer, libido, já se manifesta no ser humano desde os primórdios da vida. Freud demonstrou que o ser humano é movido por suas pulsões libidinais direcionadas à busca do prazer e elas se manifestam muito precocemente. Freud classificou o desenvolvimento psicossexual em cinco fases que para ele, correspondem a estádios do desenvolvimento da personalidade: oral, anal, fálica, latência e genital, conforme a idade do indivíduo e a localização corporal da principal fonte de sentimentos prazerosos. Portanto, o desenvolvimento psicossexual se faz por meio dos vários estádios que correspondem à prevalência de diferentes zonas erógenas, isto é, de partes do corpo cuja estimulação pode produzir prazer. Para Freud, o ser humano está sujeito desde o nascimento a um desenvolvimento estreitamente relacionado com o direcionamento da libido em cada uma das fases, que determina a construção e estruturação da personalidade, ou seja, o desenvolvimento emocional adequado, a construção e a estruturação da personalidade do ser humano estão diretamente relacionadas, segundo Freud, à maneira pela qual o ser humano vivencia diferentes fases do seu desenvolvimento psicossexual. O desenvolvimento da personalidade é, na perspectiva freudiana, centrado no desenvolvimento psicossexual, ou seja, as características da personalidade de cada um resultariam, além das características inatas, das relações que estabelece, das identificações, das formas de resolução de conflitos intrapsíquicos e dos mecanismos de defesa que privilegiou. Desenvolvimento psicossocial Eric Eriksonm, discípulo de Freud, elaborou uma teoria do desenvolvimento psicossocial e, em seu livro Infância e sociedade, apresenta uma detalhada descrição do desenvolvimento, abrangendo toda a vida humana. Sua teoria também é conhecida como as oito idades do homem. Para Eric Erikson, o desenvolvimento psicossocial é sinônimo de desenvolvimento da personalidade e acontece ao longo de oito etapas que, no seu conjunto, constituem o ciclo da vida (Tabela 1): 1. Confiança Básica X Desconfiança 2. Autonomia X Vergonha Eric Erikson (1902 1994), alemão naturalizado americano, foi um psiquiatra que desenvolveu a Teoria do desenvolvimento Psicossocial. Erikson acreditava que o ser humano passa por estágios de desenvolvimento, até atingir sua completa maturidade, divididos em oito fases, e não cinco como teorizava Freud. 3. Iniciativa X Culpa 4. Diligência X Inferioridade 5. Identidade X Confusão de Papeis 6. Intimidade X Isolamento 7. Generatividade X Auto Absorção 8. Integridade do Ego X Desesperança 8

Um dos conceitos fundamentais na teoria de Erikson é o de crise ou conflito que o indivíduo vive ao longo dos períodos por que vai passando, desde o nascimento até à velhice. Por isso, cada etapa é apresentada como se fosse uma oposição entre duas questões, um conflito que é resolvido positiva ou negativamente pelo indivíduo. A resolução positiva se traduz numa virtude, que é um ganho psicológico, emocional e social: uma qualidade, um valor, um sentimento, enfim, uma característica de personalidade que lhe confere equilíbrio mental e capacidade de um bom relacionamento social. É interessante ressaltar que, para Erikson, se a resolução da crise for negativa, o indivíduo sentir se á socialmente desajustado e tenderá a desenvolver sentimentos de ansiedade e de fracasso. No entanto, é importante que se diga que numa fase posterior, a pessoa pode passar por vivências que lhe permitam refazer o equilíbrio e reconstruir o seu autoconceito (Tabela 1). Podem se dividir essas etapas, agrupando as em três momentos e a cada um deles corresponde à formação de um aspecto particular da personalidade. O primeiro momento, incluindo as quatro crises iniciais nos estágios da infância, cuja resolução estabelece um modelo básico de relação com o mundo (Confiança Básica X Desconfiança, Autonomia X Vergonha, Iniciativa X Culpa, Diligência X Inferioridade). O segundo é a configuração da identidade propriamente dita período correspondente à adolescência (Identidade X Confusão de Papeis) e o terceiro corresponde às três etapas finais da vida, em que cada uma delas corresponde a um momento de produção quer ao nível interno ou social (Intimidade X Isolamento, Generatividade X Auto Absorção, Integridade do Ego X Desesperança) (BOSSA, 1998). Desenvolvimento cognitivo Para Piaget (1973), o ser humano ao nascer é possuidor de uma estrutura biológica que permite o seu desenvolvimento mental e sua capacidade de raciocínio. Contudo, essa estrutura biológica por si só não é suficiente para assegurar o desencadeamento de fatores que propiciarão o seu pleno desenvolvimento. Isso só ocorrerá a partir da interação do sujeito com o meio e da experimentação do objeto a conhecer. No entanto, só a experimentação e a interação com o meio não são condições suficientes para o pleno desenvolvimento cognitivo, é necessário ainda o exercício do raciocínio, o processo interno de reflexão. Jean Piaget assinala que a maneira de pensar, de raciocinar, do ser humano sofre mudanças ao longo de seu desenvolvimento cognitivo. Ou seja, uma criança tem estruturas mentais diferente de um adulto. A maneira como raciocina e encontra soluções para desafios e problemas que lhe são apresentados varia em função do estádio, período de desenvolvimento cognitivo em que esteja. Piaget considera quatro períodos ou estádios no processo de desenvolvimento cognitivo do ser humano que são: Sensório motor, Pré operatório, Operações concretas e Operações formais. Cada um deles é caracterizado por formas diferentes de organização mental que possibilitam as diferentes maneiras do indivíduo relacionar se com a realidade a seu redor. Cada estádio é um sistema de pensamento qualitativamente diferente do anterior, isto é, cada estádio constitui uma transformação fundamental dos processos de pensamento. 9

De uma forma geral, todos os indivíduos vivenciam esses quatro períodos na mesma seqüência, porém o início e o término de cada um deles pode sofrer variações em função das características da estrutura biológica de cada indivíduo e da quantidade e qualidade (ou não) dos estímulos proporcionados pelo meio ambiente em que ele estiver inserido. Por isso, a divisão nessas faixas etárias é uma referência e não uma norma rígida. Além disso, não existe dia e hora para se passar de um estádio de desenvolvimento cognitivo para o outro, a capacidade de raciocínio, as estruturas de pensamento vão ao longo do tempo se desenvolvendo de tal forma, que permitem períodos de gradual transição, entre um estádio e outro (PIAGET, 1973). Embora estejamos falando sobre a adolescência é interessante ter uma noção das diferentes etapas do ciclo vital, pois não há como falar do desenvolvimento ocorrido nesta fase da vida sem mencionar as etapas anteriores e posteriores do desenvolvimento do ser humano. Para isso se efetuará um paralelo entre três autores. A tabela a seguir apresenta as etapas propostas por cada um desses autores do nascimento até a velhice. Tabela 1. Estágios de desenvolvimento proposto pelos três teóricos: Freud, Erikson e Piaget. Anos Freud Erikson Piaget Fases do desenvolvimento psicossexual Etapas do desenvolvimento psicossocial (as 8 idades) 0 a 1 e meio Fase Oral Confiança Básica X Desconfiança 1 e meio Fase Anal Autonomia X Vergonha a 3 anos 3 a 6 Fase Fálica Iniciativa X Culpa 7 a 12 Período de Latência Diligência X Inferioridade 12 a 18 Fase Genital Identidade X Confusão de Papeis 18 a Intimidade X Isolamento 30 30 a 60 Generatividade X Auto Absorção 60... Integridade do Ego x Desesperança Etapas do desenvolvimento cognitivo Período Sensório Motor Período pré Operatório Período Operatório Concreto Período Operatório Formal Internet Aqui vou me ater a discutir o período correspondente à adolescência, mas se desejar conhecer mais a respeito das características de cada uma dessas fases consulte as paginas da web: Sobre a Teoria Freudiana e o desenvolvimento Psicossexual: <http:/ / cienciahoje.uol.com.br/ 3361> <http:/ / www.fw2.com.br/ clientes/ artesdecura/ > <http:/ / www.cefetsp.br/ edu/ eso/ filosofia/ glossariofreud.html> Sobre Erikson e o desenvolvimento Psicossocial: <http:/ / www.josesilveira.com/ artigos/ erikson.pdf> <http:/ / web.educom.pt/ ~pr1327/ psy_antigo/ 63 65_licao_erikson.pdf> Sobre Piaget e sua teoria do desenvolvimento cognitivo: <http:/ / www.unicamp.br/ iel/ site/ alunos/ publicacoes/ textos/ d00005.htm> 10

VI. Voltando à adolescência... A adolescência é uma fase singular. É quando simultaneamente estão acontecendo um conjunto de mudanças evolutivas significativas, em nível orgânico, cognitivo, afetivo e social, ou seja, tudo acontece ao mesmo tempo. E é interessante se ter isso em mente para compreender as profundas mudanças ocorridas na maneira de pensar e agir do adolescente. Quando se chega ao período operatório formal, que normalmente ocorre em torno dos 12, 13 anos, o adolescente é capaz de pensar não somente em termos concretos, mas de ter um pensamento hipotético dedutivo, isto é, ele consegue formular mentalmente todo um conjunto de explicações e possibilidades partir de dados que possue, elaborando hipóteses e deduções. Ter o pensamento hipotético dedutivo significa ser capaz de desprender se do real e raciocinar sem se apoiar em fatos. Isso permite com que o adolescente perceba que existem múltiplas formas de perceber a realidade. Outro aspecto interessante dessa etapa do desenvolvimento cognitivo é que a partir da chegada ao período operatório formal, o ser humano é capaz de pensar sobre o próprio pensamento e sobre o pensamento de outras pessoas, percebendo que diante a uma mesma situação diferentes pessoas podem ter diferentes pontos de vista. É essa estrutura de raciocínio que permite ao adolescente questionar se e questionar o seu universo, seu contexto social e cultural. Por isso, também se observa no adolescente um aumento da intelectualização, o gosto pela discussão, a busca de soluções teóricas de problemas como o amor, a liberdade, educação, religião, sexo etc. A esse respeito escreve Bossa (1998, p. 217): A adolescência é a conquista do pensamento, se o jovem agora pode pensar sobre o abstrato, isso traz mudanças também na esfera das emoções. Agora ele é capaz de dirigir suas emoções para idéias e não apenas para pessoas. Enquanto que antes ele podia amar a mãe e odiar um amigo, agora pode amar a liberdade ou odiar a exploração, ou seja, pode canalizar suas emoções para coisas abstratas. Esse fato permite ao adolescente desenvolver a sua própria identidade, levando em conta que já tem as estruturas mentais que lhe permite pensar sobre a existência, ponderar sobre o certo e o errado, manifestar outros interesses e ideais diferentes daqueles que foram ensinados ao longo de sua infância e que defende segundo suas próprias idéias. Desde a perspectiva do desenvolvimento psicossexual de Freud, atingir a adolescência é alcançar a fase genital que constitui a organização genital propriamente dita, ocorrida com os processos de amadurecimento orgânico desencadeados na puberdade. Isso é abordado por Freud (1905), na parte III de seu texto Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), onde o autor nos mostra como a chegada da puberdade opera mudanças destinadas a dar à vida sexual infantil sua forma final normal, que consiste basicamente na passagem do auto erotismo para a procura de um objeto real. Portanto, desde a perspectiva freudiana, a resolução e reintegração bemsucedida nos estágios psicossexuais anteriores à adolescência, que é plenamente genital, normalmente estabelece o cenário para uma personalidade totalmente madura. Atingida essa fase, portanto, o adolescente teria condições de: aprender a amar, trabalhar e competir; 11

discriminar seu papel sexual; atingir o pleno desenvolvimento intelectual e socialmente; ser capaz de amar num sentido genital amplo e de definir um vínculo heterossexual significativo e duradouro; ter capacidade orgástica plena e ligada a capacidade de amar. Essas conquistas só são possíveis porque, como já vimos, o adolescente também está se desenvolvendo cognitivamente, porque as estruturas mentais próprias do estádio operatório formal permitem que o raciocínio abstrato surja e o adolescente então pode elaborar hipótese e deduções, como também pensar sobre seu próprio pensamento e dirigir suas emoções para idéias e não somente para pessoas. Atividade Complementar 3 Baseado no que você leu até agora, elabore um texto a partir da frase abaixo: A adolescência como fase do desenvolvimento humano tem um princípio biológico e um término psicológico. VII. Conflitos e crises na adolescência Amparo Caridade (1999) assinala que quando o ser humano passa por intensas transformações ele vivencia um processo de crise. Dessa maneira, a crise seria algo próprio do sujeito humano. A adolescência é uma etapa de vida marcada por desorganizações físicas, hormonais, psíquicas e emocionais e, claro, as conseqüentes reorganizações. É, portanto, um momento de crise. Aberastury e Knobel (1992) relacionam os lutos e as perdas vividas pelo adolescente. Lutos estes que se referem a aspectos infantis, alguns são perdidos outros renunciados para darem passo ao crescimento, a maturidade a vida adulta: A expressão crise vem do grego Krisis ato ou faculdade de distinguir, escolher, dividir ou resolver. Não se caracteriza, portanto como uma tragédia, mas um ponto conjuntural necessário ao desenvolvimento tanto do individuo como das instituições O luto pelo corpo infantil perdido através da mudança biológica que se impõe ao indivíduo que não poucas vezes tem que sentir suas mudanças como algo externo, frente ao que se encontra como expectador impotente do que ocorre no seu próprio organismo; o luto pelo papel e identidade infantis, que o obriga a uma renúncia da dependência e a uma aceitação de responsabilidades que muitas vezes desconhece; o luto pelos pais da infância, os quais persistentemente tentam reter na sua personalidade, procurando o refúgio e a proteção que eles significam (ABERASTURY; KNOBEL, 1992, p. 10). As transformações corporais que ocorrem a partir da puberdade são vividas pelo adolescente, geralmente, com ansiedade. Nessa etapa da vida, o ser humano possui uma mentalidade ainda infantil, num corpo que vai se transformando rapidamente sem que ele tenha controle. Na realidade, o adolescente vivencia essas mudanças como um espectador. A imagem e o esquema corporal também necessitam ser mudados e isso só se torna possível à medida que ocorre a elaboração da perda, do luto pelo corpo infantil. 12

Freud (1905) falou que ao elaborar o luto pelo corpo infantil perdido, a aceitação da genitalidade surge com força na adolescência, imposta pela presença da menstruação ou do aparecimento do sêmen. Na infância, ocorre a relação de dependência natural no convívio da criança com os pais. No entanto, quando chega a adolescência, há uma confusão de papéis, pois o adolescente não é mais criança e não é ainda adulto. E ao mesmo tempo não sabe qual o papel deve desempenhar, pois ora dizem que ele é criança para fazer determinadas coisas e ora exigem que seja um adulto e dizem que ele já é bem grandinho. Mas, para amadurecer e chegar ao status de adulto é necessário renunciar a identidade infantil: é o que Aberastury e Knobel chamam de luto pelo papel e identidade infantil. Já foi visto aqui que Erikson denomina de Identidade x Confusão de Papéis ao período da adolescência. Outra perda vivida pelo adolescente e que também gera conflitos é o que Aberastury e Knobel vão denominar de luto pelos pais da infância. Nessa fase da vida existe uma dicotomia entre dependência e independência dos filhos em relação aos pais e vice versa, em que o crescimento é desejado e temido por ambas as partes. Os pais que até então eram vistos como personificação de super heróis passam e ser alvos de críticas e questionamentos. E o adolescente acaba tendo sentimentos ambíguos, essa alternância de sentimentos positivos e negativos leva o adolescente a interromper a comunicação com os pais e muitas vezes a se refugiar no quarto e até mesmo passar a escrever um diário. Esse destronar da imagem paterna leva a uma busca de figuras de identificação fora do ambiente familiar e a projetar a imagem paterna idealizada em amigos, atletas, políticos, professores etc. O diário de Anne Frank é um livro muito interessante para ser lido por adolescentes, educadores e pais, para perceber como essas teorias se manifestam na vida de uma adolescente durante a Segunda Guerra Mundial. O adolescente vivendo a instabilidade do processo de transição entre ser criança e ser adulto por meio do luto pelo corpo infantil, pelo papel e identidade infantis e pelos pais da infância, acaba por estar sujeito a certa desestruturação psicológica, que causa muita dor, angústia e conflitos internos. 13

Como um momento crucial da vida do ser humano, a adolescência é um momento de crise vital, chamada de crise normativa, ou seja, é um momento evolutivo assinalado por um processo normativo de organização da estrutura de personalidade constituíndose como uma etapa decisiva de um processo de desprendimento. Aberastury (1992) assinala que a conduta do adolescente é uma conduta perturbada e ao mesmo tempo perturbadora para o meio familiar e social em que está inserido, mas que é necessária para sua reestruturação interna formando uma identidade, o que lhe resultará em uma vida adulta saudável. Oliveira e outros autores (2003, p. 62) falam da crise e do conflito como estruturantes da personalidade do adolescente, ou seja, o conflito existe e é inerente ao processo de diferenciação e construção de identidade do adolescente: Termos como transformação, conflito e separação são centrais à compreensão dos processos desenvolvimentais da adolescência. As transformações referem se a um conjunto de processos que vão da maturação biológica à adoção de novos papéis sociais, no curso dos quais o adolescente ressignifica a si, ao outro e à realidade. Os conflitos têm relação com a necessidade premente de diferenciação sujeito/ outro, que se intensifica no curso dessa fase da vida. A separação envolve um processo de paulatino distanciamento entre os adolescentes e as antigas figuras de referência, como a família e a escola, quando eles tendem a privilegiar o compartilhamento de experiências com os grupos de companheiro. À medida que se passa da primeira para a segunda fase da adolescência e dentro do processo de configuração de identidade, o adolescente vivencia muitas crises. Os adultos respondem ao crescimento e à maturidade crescente do adolescente e esperam que este assuma um papel cada vez maior na sociedade. Essa expectativa gera muitas cobranças principalmente nos últimos anos do ensino médio e nos início do curso superior: agora é hora de levar a vida a sério. Dessa forma, o adolescente sente se pressionado a efetuar escolhas dentro de seu mundo: deverá definir suas identidades sexual, profissional e também ideológica. Cada uma dessas escolhas é geradora de crises, pois implicam trazer à tona os prós e os contras de cada opção, gerando dúvidas e ansiedade. Além disso, o adolescente deve atualizar a energia, vitalidade e coragem necessárias no processo de escolhas e conquista de seus objetivos. Assim, devido ao turbilhão de sentimentos vivenciados nessa etapa da vida, busca se maneiras alternativas para aliviar as tensões provocadas por todas essas pressões. Essa busca de alívio de tensão se manifesta em comportamentos de briga, hostilidade, contestações, de afrontas, de desafio a ordens, normas e conflitos com pessoas que representam autoridade. Conflito de gerações é algo que sempre existiu ao longo da história, algumas vezes apresentando se de forma mais suave, pouco expressiva, e outras vezes de forma nítida e manifesta. Esse conflito pode ser uma experiência enriquecedora para uma sociedade e é, com freqüência, o ponto desencadeador de mudanças culturais a partir da contestação de regras, normas e valores que provocam um repensar, um reconstruir e criar novas maneiras de atuar no mundo. No entanto, é comum ocorrer um cerceamento dos adolescentes por parte dos adultos, por uma razão defensiva compreensível, pois se imaginam deslocados e perdendo a autoridade conquistada pelos anos de experiência de vida. 14

Atividade Complementar 4 Reflita acerca do parágrafo anterior e responda: O que foi escrito acontece também no espaço escolar? De que maneira esse conflito se manifesta na escola? A importância do grupo na adolescência Você já percebeu que adolescente adora andar em grupo? A necessidade de constituir se como ser único e independente, rompendo com a dependência dos pais, faz que de maneira geral o adolescente vá de encontro aos preceitos, crenças e valores de seus progenitores, faz que o adolescente experimente novas alternativas sócio afetivas e se una a seus iguais. O grupo constitui a transição necessária entre a família e o mundo externo para alcançar a individualização adulta. Assim, fazer parte de um grupo facilita ao adolescente estabelecer uma identidade adulta, pois permite o distanciamento necessário dos pais e, ao mesmo tempo, permite novas identificações, o que o leva a novas construções e reestruturações da personalidade. Aberastury e Knobel (1992) assinalam que as atuações do grupo e dos seus integrantes representam a oposição aos pais e às regras preestabelecidas por eles, determinando uma identidade diferente à do meio familiar. Portanto, os grupos têm um papel fundamental na superação da confusão de papéis (assinalada por Erikson), típica da adolescência. A busca pela inserção em um grupo é uma característica da primeira fase da adolescência, quando o grupo passa a ter papel mais expressivo como fonte de referências identitárias. Durante certo período, o adolescente pertence mais ao grupo de amigos que ao grupo familiar, transferindo para o grupo grande parte da dependência afetiva que mantinha com sua família. Essa influência diminui quando se aproxima o final da adolescência. Nos contextos urbanos contemporâneos se presencia crescer o que foi denominado de as tribos urbanas. No grupo, na sua tribo, entre iguais, o adolescente compartilha códigos (gírias, jargões, música, comportamento), elementos estéticos (roupas, acessórios) e práticas sociais (formas de lazer, expressão política, uso dos espaços urbanos). No grupo, o adolescente se sente mais compreendido, pois este lhe proporciona um sentido de relação íntima e um sentimento de força e poder muito grande. Por isso ser aceito por um grupo ou fazer parte de um grupo é muito importante. E, a fim de ser aceito, por vezes, o adolescente muda o corte de cabelo, utiliza as mesmas roupas que todos do grupo, lê as mesmas coisas (livros, revistas, mangas...), vê o mesmo tipo de filme, ouve e gosta do mesmo tipo de música. Oliveira e colaboradores (2003, p. 66) escrevem que é lícito afirmar que: Maffesoli (2000), define tribos urbanas como agrupamentos semi estruturados, constituídos predominantemente de pessoas que se aproximam pela identificação comum a rituais e elementos da cultura que expressam valores e estilos de vida, moda, música e lazer típicos de um espaçotempo [...] a transição do mundo da casa para o da rua, que marca o início da adolescência, transfira da família para o grupo o monitoramento do sujeito, o que justificaria, em certos casos, o papel coercitivo que esse último pode assumir na definição das pautas comportamentais dos sujeitos. Por outro lado, os próprios processos de desenvolvimento da adolescência, que concorrem para uma maior estabilização do self nos anos finais, 15

contribuem para que um sentimento de autonomia em relação aos pares possa crescer. VIII. Aborrecente ou adolescente? Aborrecente é um termo muito utilizado pelos adultos para designar aquele que está nesta etapa do desenvolvimento, que é essencial à construção da identidade. Por que o adolescente aborrece? Será que é por sua inconstância e por não saber o que quer da vida? Mas, isso não seria o transparecer das próprias incertezas e inseguranças, oriundas de alguém que tem um corpo que se transforma dia a dia? Será por sua sexualidade aflorada? Mas seu desenvolvimento também é um sinal que revela saúde, à medida que amadurecem seus órgãos reprodutivos. Além do que é o sinal da própria preservação da raça humana, pois novos indivíduos estão aptos a procriarem e sinaliza que a espécie não está fadada a extinção. Será por suas atitudes contestatórias e reivindicatórias? Mas, como vimos essas atitudes são manifestação de saúde, pois revelam que o adolescente pode pensar de maneira abstrata. Além disso, é a maneira de extravasar a sensação de impotência diante das tremendas mudanças em seu corpo. Essa impotência faz com que ele desloque sua rebeldia para a esfera do pensar. Quer coisa mais saudável? E a contestação de valores e costumes acaba por renovarem e transformarem a sociedade. Como educadores, devemos compreender que o aborrecer causado pelo adolescente nada mais é do que a manifestação da sua normalidade e que ele está passando por essa etapa da vida de maneira saudável. Atividade Complementar 5 Acesse o site abaixo, assista ao filme e faça um enlace com tudo o que você aprendeu sobre adolescência, redigindo uma síntese deste módulo. http:/ / palavraaberta.blogspot.com/ 2007/ 11/ tribos urbanas caic profmarianocosta.html IX. Referências ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. 10. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1992. ARIÉS, P. História Social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos; Ed. S. A., 1981. BOSSA, N.A. O normal e o patológico na adolescência. In: OLIVEIRA, V. B.; BOSSA, N. A. Avaliação Psicopedagógica do Adolescente. Petrópolis: Vozes, 1998. CALLIGARIS, C. A adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000. FREUD, S. Três Ensaios Sobre a Sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1972. (Edição Standard Brasileira). 16

GUIMARÃES, E. M. B.; ALVES, M. F. C.; VIEIRA, M. A. S. Saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes um desafio para os profissionais de saúde no município de Goiânia/ GO. Revista da UFG, Goiás, v. 6, n. 1, jun. 2004. KNOBEL, M. A síndrome da adolescência normal. In: ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal. 10. ed. Porto Alegre, RS: Artes Médicas, 1992. p. 24 62. MAFESOLI, M. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. MEAD, M. O conflito de gerações. Lisboa: Dom Quixote, 1970. OLIVEIRA, M. C, L.; CAMILO, A. A.; ASSUNÇÃO, C. V. Tribos urbanas como contexto de desenvolvimento de adolescentes: relação com pares e negociação de diferenças. Temas em Psicologia da SBP, Brasília, v. 11, n. 1, p. 61 75, 2003. OSÓRIO, L. C. Adolescente hoje. Porto Alegre: Ed. Artes médicas, 1989. PALACIOS. J.; OLIVA, A. Adolescência e seu significado evolutivo. In: COLL, C. Desenvolvimento psicológico e educação. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 309 322. PIAGET, J. Problemas de psicologia genética. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1973. RAPPAPORT, C. R. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1981. 17