A nova PAC e a protecção da natureza



Documentos relacionados
Programa de Desenvolvimento Rural do Continente para

PROGRAMA DESENVOLVIMENTO RURAL CONTINENTE DESCRIÇÃO DA AÇÃO Versão: 1 Data: 28/10/2013

Seminário Novos desafios, novas oportunidades: o novo Programa de Desenvolvimento Rural ( )

de da reforma da PAC Análise de políticas agrícolas e perspectivas DG Agricultura e Desenvolvimento Rural Comissão Europeia


Ecologia para Aldeias de Pesquisa para a Paz

Uma estratégiacom o objectivoúnicode contribuirpara fixar população no interior do seu território.

Programa de Desenvolvimento Rural do Continente para Medida 9 MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA EM ZONAS DESFAVORECIDAS

Ferramentas para a Gestão do Espaço Rural Gestão Agronómica e Energética em duas espécies distintas Capítulo 1 Introdução

O que é biodiversidade?

Impostos sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros *

ESAPL IPVC. Licenciatura em Engenharia do Ambiente e dos Recursos Rurais. Economia Ambiental

Política agrícola e protecção e gestão eficiente da água

INOVAÇÃO PORTUGAL PROPOSTA DE PROGRAMA

DISCUSSÕES UE/EUA RELATIVAS AO ACORDO SOBRE EQUIVALÊNCIA VETERINÁRIA

ESTUDO STERN: Aspectos Económicos das Alterações Climáticas

Seminário sobre Energia Elétrica Luanda, 8 e 9 de Setembro de 2011

Página Web 1 de 1. Ana Oliveira

Estatísticas do Emprego 1º trimestre de 2010

Biodiversidade na base dos serviços dos ecossistemas Pobreza, desenvolvimento e recursos naturais. 5ª aula

Auto-suficiência alimentar: mitos e realidades

CFLinfo 180 Janeiro de Organizações de Produtores de F&H na UE Situação actual e perspectivas

CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA

A nova Politica Agrícola Comum. Cofinanciado pela Comissão Europeia

Implicações da alteração da Taxa de Juro nas Provisões Matemáticas do Seguro de Vida

Portugal 2020 Lançados Programas Operacionais

EVOLUÇÃO DO SEGURO DE SAÚDE EM PORTUGAL

agricultura TAGUS, 22 de Janeiro de 2015

PARLAMENTO EUROPEU. Comissão do Meio Ambiente, da Saúde Pública e da Política do Consumidor

Aspectos Sócio-Profissionais da Informática

A taxa de desemprego foi de 11,1% no 4º trimestre de 2010

NÚCLEO GERADOR: URBANISMO E MOBILIDADE. Tema: A Agricultura

GEOGRAFIA - 2 o ANO MÓDULO 15 AGROPECUÁRIA E MEIO AMBIENTE

DESENVOLVER E GERIR COMPETÊNCIAS EM CONTEXTO DE MUDANÇA (Publicado na Revista Hotéis de Portugal Julho/Agosto 2004)

Evolução da Agricultura Portuguesa no Período 1989/2010. Análise de Indicadores Relevantes.

RUMO AO FUTURO QUE QUEREMOS. Acabar com a fome e fazer a transição para sistemas agrícolas e alimentares sustentáveis

CONSERVAÇÃO DOS RECURSOS HALIÊUTICOS

NOVO CÓDIGO FLORESTAL: IMPLICAÇÕES E MUDANÇAS PARA A REALIDADE DO PRODUTOR DE LEITE BRASILEIRO

Relatório Anual de Actividades 2008

EDITAL. Iniciativa OTIC Oficinas de Transferência de Tecnologia e de Conhecimento

Ensino Fundamental II

Resolução de Vilnius: melhores escolas, escolas mais saudáveis - 17 de Junho de 2009

As regiões Portuguesas: Lisboa: Competitividade e Emprego; Madeira: Phasing-in; Algarve: Phasing-out; Norte, Centro, Alentejo, Açores: Convergência

FORMAÇÃO AGRICULTURA, AMBIENTE E INOVAÇÃO

ESTRATÉGIAS CORPORATIVAS COMPARADAS CMI-CEIC

Anexos Arquitectura: Recurso Estratégico de Portugal

MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

ASSUNTO: Processo de Auto-avaliação da Adequação do Capital Interno (ICAAP)

IV Fórum do Sector Segurador e Fundos de Pensões. Lisboa, 15 de Abril de 2009

MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL - MI AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA - ADA

Tendo em conta a sua Resolução, de 9 de Outubro de 2008, sobre como enfrentar o desafio da escassez de água e das secas na União Europeia 2,

A inovação e essencial à competitividade

1. Tradicionalmente, a primeira missão do movimento associativo é a de defender os

Projeto de lei n.º 111/XIII/1ª. Inclusão de opção vegetariana em todas as cantinas públicas. Exposição de motivos

Norma Interpretativa 2 Uso de Técnicas de Valor Presente para mensurar o Valor de Uso

GUIA DE PROJECTO INTEGRADO PARA O CLIENTE VERSÃO FINAL

A PAC pós O Debate Europeu e os Desafios para Portugal

PROPOSTA DE LEI N. /2011 REGIME DA DÍVIDA PÚBLICA

PERSPECTIVAS MUNDIAIS DA TECNOLOGIA ENERGÉTICA 2050 (ESTUDO WETO-H2)

Tomada de posse do Novo Presidente do Instituto de Seguros de Portugal. Intervenção do Ministro de Estado e das Finanças. - 2 de Outubro de

NCRF 19 Contratos de construção

Capítulo 2. Processos de Software Pearson Prentice Hall. Todos os direitos reservados. slide 1

Capítulo 3-O Novo Problema Agrícola

A necessidade do profissional em projetos de recuperação de áreas degradadas

Fundo Brasileiro para a Biodiversidade FUNBIO

FORMULÁRIO PROGRAMA DE APOIO A PROJECTOS NO PAÍS

Seminário Nacional Direito da Agricultura e da Produção Agroindustrial. Faculdade da Universidade de Direito de Coimbra 9 de Outubro de 2015

INSPECÇÃO-GERAL DA EDUCAÇÃO PROGRAMA AFERIÇÃO

Apresentação do GIS - Grupo Imigração e Saúde / Parte 2: a utilidade do GIS para os imigrantes

Audição da CIP na Comissão de Trabalho e Segurança Social 27 de janeiro de 2016

DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS COMBINADAS

PORTUCEL SOPORCEL. INVESTIGAÇÃO NAS ÁREAS DA FLORESTA E DO PAPEL Uma renovação de raiz EMPRESA

A troca consiste no acto de obtermos qualquer coisa que desejamos, oferecendo algo desejado pela outra parte, em compensação. A necessidade de trocar

Posição da SPEA sobre a Energia Eólica em Portugal. Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves

XX CONGRESSO ENGENHARIA 2020 UMA ESTRATÉGIA PARA PORTUGAL 17 a 19 de outubro de 2014 ALFÂNDEGA DO PORTO

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA COMISSÃO DE ASSUNTOS EUROPEUS. Parecer

DECLARAÇÃO DE SUNDSVALL

CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA. Bruxelas, 3 Abril de /03 ADD 1 LIMITE FISC 59

SESSÃO TÉCNICA SOBRE O VALE I&DT E VALE INOVAÇÃO NOS SISTEMAS DE INCENTIVOS ÀS EMPRESAS

04 Financiar o Desenvolvimento Sustentável

De acordo com a definição dada pela OCDE,

newsletter Nº 86 MARÇO / 2014

DOCUMENTO DE TRABALHO DOS SERVIÇOS DA COMISSÃO RESUMO DA AVALIAÇÃO DE IMPACTO. que acompanha o documento

MANIFESTO VERDE. Açores Sustentáveis. Uma Voz Ecologista na Assembleia Legislativa dos Açores. Eleições para a Assembleia Legislativa

Questão 11. Questão 12. Resposta. Resposta. O mapa e os blocos-diagramas ilustram um dos grandes problemas do mundo moderno.

POC 13 - NORMAS DE CONSOLIDAÇÃO DE CONTAS

Serviços de Acção Social do IPVC. Normas de funcionamento da Bolsa de Colaboradores

Observações. Referência Título / Campo de Aplicação Emissor Data de adoção

TV CABO PORTUGAL, S.A.

Rendimentos e despesas das famílias europeias

COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. Recomendação de PARECER DO CONSELHO

Resposta da Sonaecom Serviços de Comunicações, SA (Sonaecom) à consulta pública sobre o Quadro Nacional de Atribuição de Frequências 2010 (QNAF 2010)

Proposta de Plano de Desenvolvimento Local para a região do AHE Jirau

O Desenvolvimento Rural na Região. Carlos Pedro Trindade

Estratégias a utilizar

UMA APRECIAÇÃO GERAL AOS INVESTIMENTOS PORTUGUESES NO BRASIL

A PAC, os mercados locais e a importância das agriculturas familiares na sustentabilidade dos territórios

PROJECTO DE CARTA-CIRCULAR SOBRE POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS

Transcrição:

A nova PAC e a protecção da natureza Conferência proferida na Sociedade de Geografia de Lisboa 25-Out-2012 José Lima Santos Instituto Superior de Agronomia Universidade Técnica de Lisboa

Esquema da conferência: 1 Sistemas agrários e biodiversidade 2 Redefinindo intensidade agrícola: uma nova revolução verde (agora) sustentável? 3 A PAC e a conservação da natureza 4 E com a Nova PAC?

1 Sistemas agrários e biodiversidade Conversão e fragmentação de habitat natural pela agricultura Os sistemas agrários extensivos e a conservação da biodiversidade: High Nature Value farmland Conversão de habitat natural versus gestão da intensidade agrícola Segregação versus integração de espaços de produção e espaços de conservação 3

Causas directas da perda de biodiversidade Principais causas directas da perda de biodiversidade (Myers, 1997, e Millennium Ecosystem Assessment, 2005): - destruição de habitat natural por transformações do uso do solo, muito particularmente a conversão em terras agrícolas; - modificação e fragmentação de habitat natural; - exploração excessiva de recursos biológicos (pesqueiros, florestas); - difusão de espécies exóticas invasoras; - poluição ou enriquecimento nutritivo dos ecossistemas, e - alterações climáticas (seguramente mais importante no futuro) 4

Conversão e fragmentação de habitat natural A principal causa directa de perda de biodiversidade, a nível global, é: - a destruição de habitat (...) muito particularmente pela conversão de áreas naturais em áreas agrícolas e de pastagem -... acompanhada por alterações do habitat remanescente e sua fragmentação (Myers 1997) Segundo o Millennium Ecosystem Assessment (2005) : - No que se refere aos ecossistemas terrestres, a mais importante causa directa de mudança durante os últimos 50 anos tem sido a transformação do coberto vegetal. - Só biomas relativamente inadequados para as plantas cultivadas, como os desertos, as florestas boreais e a tundra, estão hoje relativamente intactos. (p. 49). 5

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Na Europa, contudo: - 2/3 das espécies de aves ameaçadas e vulneráveis dependem de habitats agrícolas (Tucker e Heath, 1994); - 40% das mesmas são afectadas pela intensificação da agricultura e 20% pelo abandono de sistemas agrários extensivos (Tucker e Heath, 1994); - 15% da área designada ao abrigo da Directiva Habitats corresponde a habitats naturais que dependem de uma gestão agrícola extensiva; - esta percentagem é superior a 35% no oeste da Península Ibérica, no centro do Reino Unido, no Maciço Central francês e no centro montanhoso de Itália (EEA 2004). Esta biodiversidade europeia está também em declínio, mas as causas prendem-se agora com o abandono dos usos agrários extensivos ou com a sua intensificação (EEA 2004), não com a conversão de habitat natural. 6

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Na Europa, a constatação destas associações positivas entre sistemas agrários extensivos e biodiversidade deu origem a uma preocupação pela manutenção dos sistemas agrários extensivos (Bignal e McCracken, 1996),... mais tarde incorporada numa linha de trabalho da Agência Europeia do Ambiente: as Áreas Agrícolas de Elevado Valor Natural (High Nature Value Farmland, HNVF EEA 2004), que incluem habitats como: - prados e pastagens semi-naturais, incluindo os das regiões alpinas e das terras altas, - dehesas e montados e - pseudo-estepes cerealíferas. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, os diversos tipos de HNVF ocupam 15-25% da SAU da UE. 7

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Os diversos tipos de HNVF têm em comum: - baixo nível de intensidade produtiva, - elevado nível de biodiversidade e - duas ameaças mutuamente exclusivas para a biodiversidade - o abandono da gestão agrícola ou pastoril, incluindo a florestação de HNVF, - a intensificação agrícola. A relação entre nível de intensidade produtiva e nível de biodiversidade é explicitada na forma de um gráfico que associa o pico da biodiversidade com um nível intermédio (baixo mas não nulo) de intensidade agrícola ou pastoril. 8

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland HNV farmland Biodiversity Intensive farmland Fonte: EEA (2004: 5) Intensity of agriculture 9

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Portugal é um dos países europeus em que a importância dos sistemas agrários extensivos para a biodiversidade é mais elevada. Esta importância tem sido avaliada em 3 perspectivas diferentes: - por sistema de produção - por espécie / habitat - por sítio Abordagem por sistema de produção: - Beaufoy et al. (1994) estimaram, com base no conceito de Low Intensity Farming Systems (LIFS), que 60% da SAU em Portugal apresenta elevado interesse de conservação. - A Agência Europeia do Ambiente (2004), baseando-se no conceito de High Nature Value farmland, estimou que 37% da SAU em Portugal apresenta elevado interesse de conservação. 10

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Abordagem por espécie / habitat: Moreira et al. (2005) estimaram a dependência das espécies e habitats alvo da Rede Natura 2000 em Portugal face aos sistemas agrícolas e agro-florestais extensivos. Principais resultados: - 47% das 96 espécies alvo de vertebrados dependem desses sistemas extensivos - 38% das 72 espécies alvo de plantas dependem desses sistemas extensivos - 21% dos 91 habitats naturais alvo dependem destes sistemas extensivos de uso do solo. 11

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Abordagem por sítio: Santos et. al. (2006) construiram duas tipologias dos 91 sítios da Rede Natura 2000 de Portugal Continental: - uma baseada nos valores naturais (espécies e habitats) presentes; - outra baseada nos sistemas agrícolas e florestais que asseguram a gestão de cada sítio. Cruzando as duas, identificam-se os tipos de sítios que apresentam colecções semelhantes de valores naturais e sistemas idênticos de gestão agrícola e florestal. (Resultados no slide seguinte.) 12

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland Cruzamento das 2 tipologias Uma análise para o conjunto da Rede Natura 2000 em Portugal-Continente 13

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland - Os tipos de sítios em que existe forte consistência entre espécies/habitats presentes e sistemas agrários representam 90% da superfície terrestre da Rede Natura em Portugal Continental; - São, por exemplo, Terras calcárias, Floresta mediterrânica, Montados, Pseudo-estepes cerealíferas, Grandes montanhas do Norte e Vales do Douro ; - Neste casos, o principal objectivo de conservação é o de manter os sistemas agrários extensivos existentes, que proporcionam as condições de habitat pretendidas, evitando o seu abandono, florestação ou intensificação; - Existem apenas 4 tipos em que não se encontra forte consistência entre espécies/habitats presentes e sistemas agrários; são todos zonas húmidas ou costeiras. 14

Sist. agr. extensivos: High Nature Value farmland 12 TIPOS FINAIS DE SÍTIOS RETIDOS 15

Um exemplo: Castro Laboreiro - O sistema de agricultura extensiva de montanha de Castro Laboreiro fornece um bom exemplo de High Nature Value farmland. - Ele ilustra bem o caso geral de: - uma paisagem de montanha, - originariamente florestal, - em que um uso agro-pastoril introduziu, ao longo dos séculos, diferentes tipos de espaços abertos, - que foram depois mantidos pelo fogo, pelo pastoreio, pelo corte de feno ou pelo trabalho do solo. - Aos poucos, uma paisagem florestal foi sendo transformada numa paisagem muito mais heterogénea, dividida nas 4 unidades espaciais descritas nos slides seguintes, juntamente com algumas das espécies de aves que os utilizam como habitat. 16

Planalto aberto (1100-1350 m de altitude) terra de pastagem comum (baldio); sem coberto arbóreo; mosaico de pastagens, tojalurzal baixo, urzal alto, turfeiras e pequenos cabeços rochosos. 17

Brandas aldeias ocupadas na Primavera-Verão, localizadas no bordo do planalto (1050-1150 m de altitude); mosaico de prados de feno, terra arável, sebes, muros de pedra, giestais e carvalhais. 18

Penedos (850-1150 m de altitude); mosaico de grandes cabeços rochosos, frequentemente escarpados, pastagens, giestais, tojalurzal e bosquetes de carvalhos, vidoeiros ou pinheiros. 19

Vale das Inverneiras aldeias ocupadas no Inverno (750-950 m de altitude); mosaico de campos e prados, rodeados por uma matriz de carvalhal em expansão com o abandono agrícola e pastoril. 20

O caso de Castro Laboreiro (Cont.) - Impacte mais visível do sistema agro-pastoril: perda parcial e fragmentação do ecossistema florestal original o carvalhal. - Apenas 2 espécies de aves florestais (o tetraz e o pica-pau-médio) sofreram extinção local. - Outras espécies florestais, como a felosa de Bonelli, a trepadeira-azul, o chapim-de-poupa e o gaio, viram as suas populações algo reduzidas. - Contudo, o sistema agro-pastoril aumentou, muito significativamente, a heterogeneidade ecológica ao nível da paisagem, - entre carvalhal e áreas abertas de origem humana - entre os diversos tipos de áreas abertas (terra arável, giestais, pastagens, lameiros...). 21

O caso de Castro Laboreiro (Conclusão) O impacte líquido na diversidade de espécies à escala da paisagem é assim claramente positivo: - Mais 30 espécies (41 -> 71 espécies); - Ou seja: 32 novas espécies nos habitats abertos menos 2 espécies florestais. Considerando apenas as espécies em risco ou vulneráveis verifica-se que, das 32 novas espécies dos habitats abertos, 14 têm um elevado estatuto de conservação. Conclusão: o abandono dos usos agrícolas e pastoris tradicionais levará a uma significativa perda de espécies com elevado estatuto de conservação. 22

Conversão de habitat natural versus gestão da intensidade agrícola Como conciliar estas duas perspectivas sobre a relação entre sistemas agrários e biodiversidade? - Uma, de tonalidades mais sombrias, que aponta a conversão de habitat natural para a agricultura como a principal causa global da perda de biodiversidade; - Outra, mais optimista, que põe ênfase na gestão do continuum de intensidade agrícola como instrumento principal de conservação da biodiversidade. 23

Segregação versus integração de espaços de produção e espaços de conservação Estas duas perspectivas estão ligadas a um debate central para as políticas públicas de agricultura e conservação. Qual a melhor opção para a conservação da biodiversidade? - Utilizar intensivamente áreas de maior potencial agrícola e florestal, para dedicar extensas áreas à protecção estrita da natureza (i.e.: opção segregação espacial); - Praticar sistemas menos intensivos de uso agrícola e florestal, que necessitam de maiores áreas, mas em que é possível compatibilizar produção e conservação num mesmo espaço multifuncional (opção integração espacial). A opção a escolher deve permitir-nos produzir uma quantidade global suficiente de alimentos e outros biomateriais a um custo aceitável a restrição de terra introduz um elemento de escassez global, i.e. dá uma dimensão económica ao debate). 24

Segregação versus integração de espaços de produção e espaços de conservação Trata-se de um debate crucial para o futuro das políticas de agricultura e ambiente, pois existe aqui uma diferença de paradigma entre os EUA e a UE. As crenças, finalidades e abordagens fundadoras das políticas de agricultura e ambiente são diferentes dos dois lados do Atlântico: a orientação global da política agro-ambiental da UE remete para o modelo europeu de agricultura, multifuncional, sustentável e competitiva através de todo o espaço da UE (Conselho Europeu do Luxemburgo, 1998); a intervenção traduz-se na regulação da intensidade agrícola, combinada com o apoio à manutenção do uso agrícola extensivo em terras marginais. a orientação global da política dos EUA para a agricultura e ambiente é uma agricultura intensiva, competitiva e mono-funcional, com significativo potencial exportador, nas terras mais produtivas, para poder entregar mais terra marginal à conservação da natureza, através de um programa maciço de set aside para esse efeito. 25

2 Redefinindo a intensidade agrícola: uma nova revolução verde (agora) sustentável? O que é intensidade agrícola? E quais os seus efeitos ambientais? Um novo modelo tecnológico? 26

O que é intensidade agrícola? E quais são os seus efeitos ambientais? Definindo intensidade como nível de produção por hectare, a intensificação poderá ser a chave para evitar mais conversão de habitat natural em terras agrícolas nas mais diversas partes do mundo (dada a pressão crescente da nossa procura de alimentos, bio-energias, e bio-materiais). Contudo, no passado, geralmente aumentámos a produção por hectare recorrendo a... aumentos do nível de inputs por hectare (adubos, pesticidas, água ou energia),... o que conduziu a uma quebra na eficiência do uso destes inputs,... e finalmente também a problemas ambientais - eutrofização, envenenamento das cadeias alimentares, declínio dos aquíferos e caudais, ou emissão de GEE,... e, além disso, custos mais elevados e menor competitividade. 27

Um novo modelo tecnológico? Parece portanto crucial desligar, tanto quanto possível, o aumento da produção por hectare do nível de inputs por hectare. Isto permitir-nos-ia ser, ao mesmo tempo, mais competitivos e mais amigos do ambiente. O grau em que este desligamento é possível não é ainda claro. Há certamente limites a esta estratégia tecnológica para obter soluções win-win e reduzir trade offs entre ambiente e economia. Estes limites são evidentes a curto prazo (lock-ins tecnológicos). Por exemplo, a total expressão do potencial genético das variedades de plantas que hoje usamos depende de agroecossistemas simples (reduzida competição, mas também reduzida ajuda de predadores e parasitoides, logo necessidade de pesticidas) com níveis elevados de nutrientes no solo (logo adubações copiosas). 28

Um novo modelo tecnológico? Existem pelo menos duas vias estratégicas para desligar a produção por hectare dos níveis de utilização de inputs por hectare: aumentar a eficiência na utilização dos inputs aplicando-os de um modo mais preciso e dirigido o que é geralmente referido como agricultura de precisão, mas inclui também novos métodos de rega bem como a designada produção integrada; copiar e usar processos ecológicos (predação, parasitismo e doenças, fixação simbiótica de azoto, micorrizas, combinações de culturas permanentes e anuais) para substituir inputs comprados de origem industrial (pesticidas, fertilizantes e energia). A primeira depende sobretudo das novas tecnologias da informação e a segunda de um melhor conhecimento da forma como os agro-ecossistemas funcionam. Ambas poderão vir a utilizar também as bio-tecnologias. 29

3 A PAC e a conservação da natureza Emergência da Política de Desenvolvimento Rural enquanto 2º Pilar da PAC O ambiente e a legitimidade da PAC A política comunitária de conservação da natureza 30

Emergência da Política de Desenvolvimento Rural enquanto 2º Pilar da PAC A política de desenvolvimento rural (PDR) da UE emergiu num contexto de sucessivas reformas da PAC o que determinou necessariamente o seu conteúdo enquanto política pública da UE para os espaços rurais Muitas das actuais medidas de PDR são anteriores a 1992 Modernização agrícola e das agro-indústrias (desde os anos 70) Ajustamento estrutural e zonas desfavorecidas e de montanha (anos 70) Diversificação, set aside e ESAs (anos 80) Outras foram criadas pela reforma da PAC de 1992 (MacSharry) Medidas agro-ambientais Florestação de terras agrícolas Reforma antecipada Em 1999, a Agenda 2000 integrou estas medidas num único pacote, financeiramente reforçado: a PDR, segundo pilar da PAC Os EM poderiam aumentar os seus fundos de PDR modulando os pagamentos do 1º pilar aos seus agricultores Poderiam ainda tornar os pagamentos do 1º pilar dependentes do pleno cumprimento pelos agricultores das boas práticas agrícolas 31

Emergência da Política de Desenvolvimento Rural enquanto 2º Pilar da PAC (Cont.) A reforma da PAC de 2003 e o regulamento relativo à PDR (2005) completaram estas mudanças: Modulação e a condicionalidade das ajudas obrigatória para os EM Condicionalidade das ajudas estendida ao cumprimento de normas de segurança dos alimentos, bem-estar animal e outras de natureza não ambiental Fazendo da legislação comunitária nestes domínios o nível básico da condicionalidade em toda a UE (harmonização) Criando novos instrumentos de PDR tais como: Os pagamentos Natura 2000 Os apoios temporários ao cumprimento de novas normas, particularmente exigentes; Os apoios ao aconselhamento técnico em matéria de cumprimento de normas e gestão ambiental activa 32

O Ambiente e a legitimidade da PAC Conclusão: um sucessivo esverdeamento da PAC e uma transferência de ênfase do 1º para o 2º pilar da PAC Porquê? Principalmente por causa da mudança de natureza das reformas da PAC A reforma da PAC de 1992 foi ainda uma reforma justificada em termos internos à própria PAC: necessária para eliminar os excedentes um problema interno da própria PAC; Foi assim possível alterar substancialmente os instrumentos de apoio (ajudas directas em vez de suporte de preços) sem mudar nem os objectivos (regulação do mercado, rendimento agrícola) nem a base de legitimidade da PAC como política pública; 33

O Ambiente e a legitimidade da PAC (Cont.) Já as reformas de 1999 e 2003 apresentam uma natureza muito diferente. Foram feitas para responder a factores externos à PAC: a posição da UE nas negociações da OMC, e as novas necessidades financeiras do alargamento a mais 10 EM combinadas com restrições orçamentais mais apertadas. A comunidade de políticas relacionada com a PAC necessitava agora uma nova linguagem para legitimar os novos pagamentos desligados da produção. Estes pagamentos, agora desprovidos do seu papel de regulação do mercado, assemelhavam-se mais a puras rendas de política. 34

O Ambiente e a legitimidade da PAC (Conclusão) Esta nova linguagem foi a transferência do primeiro para o segundo pilar e o esverdeamento da PAC: - pagando aos agricultores pela gestão do território - fazendo depender os pagamentos do cumprimento das boas condições agrícolas e ambientais Assim, durante estas duas últimas reformas da PAC, a política agrícola da UE recorreu ao esverdeamento da política para lhe dar uma nova base de legitimidade. 35

A política comunitária de conservação da natureza O que se passava entretanto com a política de conservação da natureza da UE? Na negociação da Directiva Habitats, a questão do financiamento comunitário da Rede Natura 2000 bloqueou as negociações até ao final. Tratava-se de disponibilizar, ao nível da UE, meios financeiros para compensar os agricultores e proprietários florestais nas áreas (maiores nuns EM que noutros) que viriam a ser designadas para atingir objectivos de conservação de nível comunitário. Outras necessidades de financiamento foram surgindo à medida que a opção de trabalhar com os agricultores e proprietários florestais, e não contra eles, se foi tornando a opção preferencial para muitas ONG ambientais que operam ao nível da UE (Birdlife Int, WWF). 36

A política comunitária de conservação da natureza O problema do financiamento da Rede Natura 2000 (não) foi resolvido na forma de um artigo pouco claro da Directiva que dispõe em matéria de financiamento comunitário mas que nunca foi regulamentado. Assim, a questão emergiu de novo, quando da discussão das Perspectivas Financeiras da UE para 2007-2013 o período de tempo em que a Rede Natura 2000 teria de estar completamente implementada. A Comissão Europeia equacionou 3 opções de financiamento. 37

A política comunitária de conservação da natureza A opção então adoptada assentava no uso, pelos EMs, dos fundos existentes, incluindo o então novo FEADER, para implementar a Rede Natura. Isto remeteu para os EM as decisões difíceis em matéria de estabelecimento de prioridades entre diferentes necessidades e objectivos de política: criação de empregos rurais, inovação e competitividade, serviços rurais, ou conservação da natureza. A questão ficou então resolvida ao nível da UE mas não ao nível de cada EM. 38

Para trabalhar com os agricultures e não contra eles, tornava-se necessário que um montante suficiente do FEADER (e outros fundos) fosse afectado a medidas de gestão agrícola e florestal da Rede Natura 2000 pelos respectivos agricultores e proprietários florestais. Com a política agrícola a necessitar do ambiente enquanto nova base de legitimidade e a política de conservação virada para o trabalho com os agricultores enquanto protagonistas da conservação da natureza, e, portanto, com um interesse na programação do desenvolvimento rural... estavam criadas algumas condições para um casamento, ao nível nacional, entre estas duas áreas de políticas públicas senão por amor pelo menos por interesse! Hoje sabemos que este casamento não chegou a consumar-se... 39

4 E com a Nova PAC? O que muda no 1º pilar? (pagamento único e greening) Efeitos destas mudanças na conservação da natureza O que muda no segundo pilar? (a nível comunitário e nacional) 40