Trabalho, logo existo! Maurício Santos da Luz Graduando em filosofia pela Unioeste Introdução A filosofia se debateu durante muitos séculos, e ainda se debate, para responder a seguinte questão: de onde viemos? O que diferencia o ser humano dos demais seres existentes no planeta? A partir desta questão, filósofos construíram verdadeiras colunas de Hércules da abstração, que se materializaram em extensos, e muitas vezes incompreensíveis, tratados de ontologia, ética e metafísica. Os antigos se empenharam exaustivamente em uma jornada épica para tentar demonstrar através da essência o que poderia ser o homem. Porém, acabaram, em muitas vezes, somente levantando mais questões do que respostas. Os medievais, que não conseguiam enxergar muito além das muralhas dos monastérios, se apegaram a soluções mais fáceis, pois, se deus está a nosso favor quem estará contra? Na modernidade, o forte apelo à razão proporcionou várias teorias avançadas sobre esta questão, mas a maioria delas não conseguiu se desligar do idealismo, o que ocasionou teorias que buscavam respostas em fatores que transcendem o material, privilegiando a razão como se ela fosse algo autônomo, independente da estrutura física que compõe o ser humano. Também na contemporaneidade ainda existem vários equívocos sobre o tema, a maioria dos filósofos fez como escreveu Lênin, maquiaram defuntos e apresentaram como se fossem novos. Mas também houveram os que preferiram entrar em crise existencial. Tudo bem. Não vamos ser tão radicais, claro que nestes mais de 5 mil anos em busca de uma resposta existiram algumas que podemos levar a sério, sem ter que cair na masturbação teórica tão comum na nossa área, mas disso trataremos adiante. Com as descobertas de Darwin acerca da evolução das espécies, muitas destas teorias caíram por terra. Quão difícil foi, e ainda é para os mais ingênuos,
admitir que não foram criados por um ser superior, mas ao invés disso, que descendem de primatas, animais desprovidos da tão prezada racionalidade. Darwin destruiu a base de sustentação dos santos filósofos amigos do Senhor, e deixou sem palavras os defensores do idealismo, pois, seria um tanto quanto engraçado ver os tão ilustres filósofos discutindo se os primatas também tinham certeza do seu eu pensante. Após o estabelecimento do paradigma darwiniano, que afirma que as espécies animais e vegetais existentes na Terra não são imutáveis, mas sofrem ao longo das gerações uma modificação gradual, que possibilita a formação de novas raças e espécies, a questão mudou de foco. Aceitando que somos descendentes dos primatas, faz-se necessário saber como um primata, parecido com aqueles macacos do zoológico, pode ter se transformado neste ser capaz de tantas realizações fabulosas? Infelizmente, a ciência não evoluiu ainda a ponto de abrir espaço para uma teoria indubitável que busque responder esta pergunta, tendo nós, que nos contentarmos (por enquanto) com respostas hipotéticas. Hipóteses todos podem levantar, das mais simples as mais absurdas, encontrando argumentos para garantir sua veracidade. Como por exemplo, afirmar que somos resultado de uma experiência realizada por alienígenas com os macacos de nosso planeta. Acreditar nisso pode parecer ridículo para a maioria das pessoas, mas quem garante que não foi assim? Mesmo sendo hipotéticos, podemos evitar estes absurdos. É só nos atermos aos fatos até então descobertos pela ciência. Como não queremos tratar de ficção cientifica, procuraremos desviar desses delírios (que, aliás, são muito parecidos com mitologia religiosa, seres superiores engendrando criaturas inferiores). Neste trabalho, tentaremos expor como uma linha do pensamento filosófico (o marxismo) tenta explicar o fato da racionalidade humana. Desenvolvimento Em 1876, Friedrich Engels, colaborador de Karl Marx, interrompe um de seus trabalhos para dedicar-se a organização e publicação dos manuscritos deixados por Marx após sua morte. Esta obra interrompida, da qual o autor nunca
mais se ocupou em virtude da grandiosa tarefa que iniciara, denomina-se A humanização do macaco pelo trabalho (ou em outra tradução mais utilizada pela literatura marxista: O papel do trabalho na transformação do macaco em homem ), texto que só viria a ser publicado em 1935 pelo Instituto Marx-Engels- Lenin de Moscou. Nesta obra, partindo do paradigma darwiniano da evolução das espécies, Engels, através do método materialista-histórico, que busca explicar os fatos a partir da análise das condições materiais e do estágio de desenvolvimento das forças produtivas, procura dar uma explicação para o surgimento do que, segundo os cientistas é a grande diferença entre o homem e os demais animais, ou seja, o surgimento da tão complexa racionalidade humana. Logo de inicio, o autor deixa claro o que na sua opinião transformou o primata em homem: O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas, e o é, de fato, ao lado da natureza, que fornece a matéria por ele transformada em riqueza. Mas é infinitamente mais do que isso. É a condição fundamental de toda vida humana; e o é num grau tão elevado que, num certo sentido, pode-se dizer: o trabalho, por si mesmo, criou o homem. Dissemos a um parágrafo atrás que procuraríamos desviar dos absurdos, e agora afirmamos que o trabalho criou o homem, aparentemente esta hipótese pode ser tão absurda quanto à hipótese dos alienígenas. Obviamente que não devemos pensar o trabalho da mesma maneira que alguns pensão o Espírito Absoluto de Hegel, como um ser autônomo que sai por ai criando as coisas. Temos que pensá-lo como uma característica humana, que devido as necessidades se incorporou ao primata, dando condições para que este se transformasse em humano. Quando dizemos trabalho como característica humana, pode-se levantar a seguinte questão: os macacos que na selva colhem frutas não exercem um trabalho?
De fato, ao colher um alimento, ao subir em uma árvore ou ao tecer uma teia, o animal constitui um ato que podemos classificar de trabalho. Mas, quando usamos o termo trabalho, não nos referimos aos movimentos instintivos ou meramente mecânicos, e sim ao trabalho intencionalmente realizado. Intencional, no sentido de que ele não está dependente somente da natureza para que possa sobreviver, ele a modifica de maneira intencional, produzindo assim, os meios que permitam a realização de sua sobrevivência. O autor parte do pressuposto de que há milhares de anos atrás, em uma época ainda não determinada pela ciência, existia uma raça de macacos com um desenvolvimento um pouco mais avançado do que os demais, que em função da superpopulação e da escassez de alimentos, foi abrigada a descer das árvores para buscar alimento em outras regiões. Com o passar do tempo, este fato tornouse um dos mais significativos para o surgimento da espécie humana, pois deu condições para que estes primatas descobrissem outra função para as mãos, além da até então usual ajuda no ato de caminhar. Ao se movimentar pelas planícies em busca de alimento, não era incomum que grupos de primatas viessem a disputar o mesmo território, o que algumas vezes causava confronto violento entre os grupos. Pois, foi em um destes confrontos que o primata descobriu que poderia utilizar-se de outros meios, além de seu próprio corpo para defender-se. Não se sabe se foi ao arremessar uma pedra, ao usar um osso ou pedaço de madeira, o importante é que em dado momento o macaco percebeu que poderia se utilizar da natureza em beneficio próprio. A partir disto, o primata utilizou-se destes instrumentos com tanta freqüência que começou a modificá-los, adaptando-o as suas necessidades. E assim surgiram os primeiros instrumentos de trabalho humano. No início eram equipamentos para a caça e a pesca que com o tempo foram sendo aperfeiçoados até que se tornassem sofisticados a ponto de um simples macaco não poder mais manejá-los. Da mesma maneira que os instrumentos de trabalho foram evoluindo, o corpo também evoluiu. Sua postura tornou-se ereta, as mãos mais habilidosas e,
principalmente, seu cérebro evoluiu de maneira espantosa, o que proporcionou o surgimento da linguagem. Dado o fato de que estes primatas viviam em famílias, foi necessário, para que o trabalho de caça se tornasse mais eficiente, que eles desenvolvessem um mecanismo de comunicação. No principio era utilizado as expressões faciais, olhares e gestos. Porém, este mecanismo era demasiadamente falho, pois, bastasse que um deles se virasse de costas para que perdesse o contato com o grupo, sem contar o fato de que o numero de expressões e sinais era muito limitado. Em seguida, começaram a utilizar os grunhidos, que com sua constante utilização transformou-se no que conhecemos como voz. Neste momento da história, temos o que poderíamos chamar de protohomem, pois, este primata, que já não pode ser chamado de macaco, tem todas as condições necessárias para que se transformar em homem. A capacidade da nova espécie de se adaptar era tão grande que conseguiu habitar vários locais do planeta, desenvolvendo dessa maneira variações que denominamos raças, que por sua vez, desenvolveram suas maneiras de se organizarem, com algumas variações (alguns eram nômades, outros estabeleciam morada fixa, uns caçadores, outros coletores, e ainda, alguns agricultores), mas que sempre continham um elo de ligação através da divisão social do trabalho. Obviamente que cada um a sua maneira, mas é inegável que por mais diversificada que fosse, sempre existia uma organização social do trabalho. Conclusão Após o exposto acima, reafirmamos então, que o trabalho foi o fator que proporcionou ao primata sua transformação em homem. Obviamente que este processo não aconteceu ao longo de alguns séculos, mas sim, ao longo de milhares de anos, pois foi necessário inúmeras gerações para que as adaptações se configurassem a ponto de ser possível a transformação. A ciência não evoluiu a ponto de que possamos afirmar em que geração exata aconteceu tal transformação. Tão pouco poderia afirmar qual dos fatores foi o mais importante neste processo, se foi a descida das árvores, a invenção de ferramentas ou o
desenvolvimento da linguagem. Acredito que o conjunto das condições tem igual importância, pois elas reunidas é que proporcionaram a metamorfose. Porém, somente para demarcar um espaço no tempo da história humana, preferimos dizer que o momento fundamental neste processo é a divisão social do trabalho. Pois, neste momento o proto-homem, deixou de agir como os demais animais, executando seu trabalho somente de maneira instintiva. E passou a organizá-lo de maneira a tirar o maior proveito da natureza com o menor esforço, buscando não somente satisfazer o imediato, mas também, se precavendo para os possíveis tempos de dificuldades. Caracterizando desta maneira, o desenvolvimento do uso da razão. E foi desta maneira que o trabalho transformou o macaco em homem.