Biografias Cênicas: o ensino do teatro a partir da memória com o público da terceira idade



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Transcrição:

Biografias Cênicas: o ensino do teatro a partir da memória com o público da terceira idade Mariana de Lima e Muniz Co-autor: Ricardo Carvalho (UFMG) Bolsistas: Elaine Paiva e Iasmim Marques Programa de Pós-graduação em Artes UFMG Professora Adjunta Doutora em História, Teoria e Prática do Teatro UAH Fundação Mendes Pimentel FUMP Resumo: Este texto relata a experiência desenvolvida desde setembro de 2009 nas comunidades Santa Rosa e Confisco em Belo Horizonte com público da terceira idade. O Projeto Biografias Cênicas, sob a coordenação dos professores Mariana Muniz e Ricardo Carvalho, está vinculado ao Núcleo Transdisciplinar de Pesquisa em Artes Cênicas, NACE- UFMG, e tem como objetivo o trabalho com o teatro e a improvisação a partir da memória dos participantes. Como metodologia, trabalha-se a ativação do relato memorial por meio de elementos concretos trazidos pelos alunos (fotografias, objetos, cartas, etc.). Também são introduzidas técnicas próprias da improvisação (trabalho em grupo, escuta, aceitação da proposta do outro, etc.) e trabalhadas as noções de ação e personagem presentes na narrativa dos mesmos. Palavras-chave: ensino do teatro, terceira idade, memória, improvisação. 1.0 Sobre as motivações Este projeto surge em um momento pessoal que motivou tanto o trabalho com a terceira idade, quanto com a memória. Os anos de 2008 e 2009 foram marcados pelo falecimento de todos meus avós, sendo que os dois últimos faleceram com um intervalo de menos de um mês entre eles. Estas mortes provocaram uma inevitável reflexão sobre o idoso e sobre a lembrança que eles deixam e a que vai com eles. Lembrança de um outro tempo, de outros valores, de outra forma de ver o mundo. Uma das lembranças mais vívidas da minha avó foi nossa última viagem para o Espírito Santo, meses antes do seu falecimento. Enquanto eu e minha mãe banhávamos meu filho (naquele tempo com menos de um ano de idade), minha avó, com oitenta e tantos anos, se aproximou da porta do banheiro e começou a cantar uma cantiga que parecia muito antiga, com palavras quase desaparecidas e um sabor de infância no lumiar do século XX. A esta música, que ela cantou na íntegra, seguiram-se várias e várias, uma após a outra, ela cantava para todos nós, para a filha, para a neta e para o bisneto. Nesse momento, tive a percepção nítida de que ela havia entrado em um fluxo de rememoração que não era de todo consciente e que a enchia de força e alegria, a ela e a todos que estávamos ao seu redor. A partir desse fato, surgiu a necessidade de fazer algum trabalho com o público de terceira idade em uma tentativa de recuperar este fluxo de memória vivido que tanto me impressionara e que se aproximava muito dos fluxos de criação (JOHNSTONE, 2000) que

costumo a desenvolver no meu trabalho com a improvisação. Neste texto tratarei de explicar o projeto Biografias Cênicas e apresentar seus resultados parciais, uma vez que o projeto se encerra apenas em dezembro de 2010. 2.0 Sobre o Projeto Biografias Cênicas é um projeto de extensão, com interface na pesquisa, que tem por objetivo a realização de oficinas de teatro para o público da terceira idade em Centros de Referência CRAS da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, em bairros populares da região da Pampulha. O projeto foi elaborado para um edital da Fundação Mendes Pimentel (FUMP) que previa bolsas para alunos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), classificados socioeconomicamente pela fundação. A FUMP é uma entidade que contribui para a manutenção de estudantes de baixa renda na universidade por meio de programas que vão desde alimentação e moradia, a bolsas por participação em projetos de pesquisa e/ou extensão. A vinculação do projeto Biografias Cênicas a esta instituição acabou por ampliar o público alvo deste, contemplando também os bolsistas que, por sua situação socioeconômica, muitas vezes sem veem na necessidade de trabalhar, dificultando sua inserção em projetos na universidade. Inicialmente obtivemos três bolsas que funcionaram experimentalmente nos quatro últimos meses de 2009, com encontros semanais com a orientação, familiarização com o projeto, leitura e revisão bibliográfica e com um mês de oficinas em três CRAS. Na renovação do projeto, em fevereiro de 2010, foram contempladas apenas duas bolsas, sendo aumentadas novamente para três em agosto deste ano. Por essa descontinuidade em um dos projetos, consideraremos apenas os CRAS Confisco e Santa Rosa. No início do projeto, tivemos diversas reuniões com a Secretaria Municipal de Assistência Social (SMAS) para conhecer o funcionamento e os objetivos do CRAS, bem como trajetória desta secretaria no oferecimento de oficinas na área da cultura para população em situação de risco social. Esse contato fazia-se indispensável uma vez que estaríamos relacionando-nos com um aparato 1 institucional, e os bolsistas estariam em contato direto com os coordenadores e assistentes sociais deste aparato. Isso nos pareceu fundamental para que nosso trabalho com o teatro pudesse ser discutido a partir de outros enfoques, uma vez que trabalharíamos com população em risco social. Na revisão bibliográfica, observamos que o tema da lembrança já havia sido trabalhado por Beatriz Venâncio (2004) com o público da terceira idade. A leitura desta experiência possibilitou um grande crescimento para o projeto e começamos a elaborar as 1 Assim o denomina a própria SMAS.

maneiras com as quais iríamos acessar esta lembrança e como a trabalharíamos como material cênico em jogos, improvisações e, posteriormente, cenas. Havia um grande interesse por parte da coordenação, compartilhada com o Prof. Ricardo Carvalho (EBA/UFMG), que as alunas-bolsistas desenvolvessem certa autonomia na elaboração dos planos de aula e em sua execução. Como professores da área da licenciatura em teatro, buscamos propiciar a eles material necessário para o entendimento do plano de aula e sua sistematização em objetivos, metodologias e avaliação da prática. No decorrer do projeto, que consistia em duas horas semanais de oficina atendendo uma média de 20 idosos entre 60 e 80 anos em cada um dos CRAS, percebemos grande dificuldade por parte das bolsistas em elaborar o plano de aula de acordo com os objetivos discutidos anteriormente. Observamos que havia uma tendência a transpor exercícios do Curso de Graduação em Teatro da EBA/UFMG, do qual elas são alunas, diretamente para a oficina sem levar em consideração as diferenças entre o públicoalvo, principalmente, entre os objetivos das duas práticas pedagógicas. Em conversas semanais, pudemos aferir que esta transposição advinha de uma dificuldade de entender que o exercício não é uma entidade autônoma dentro da prática pedagógica, ou seja, que o exercício em si não propicia, necessariamente, uma situação de ensino-aprendizagem. Esta situação parecia derivar também do medo de mostrar-se despreparado ante os alunos. Este medo, natural a qualquer professor, acabou gerando uma falta de flexibilidade e abertura para a percepção da turma, suas especificidades e seus desejos. Houve, ainda, mais um fator avaliado: a dificuldade em articular os exercícios propostos em cada aula ao objetivo maior do projeto, ou seja, ao trabalho cênico a partir da memória. Fez-se necessário recuperar o material bibliográfico estudado e as reflexões próprias da área da pedagogia teatral para que as bolsistas pudessem se sentir mais preparadas para experimentar com os alunos. Foi pedido que elas começassem a criar, a partir das leituras e das reflexões estabelecidas, propostas de acesso à lembrança nas formas mais variadas possíveis. A partir deste momento começamos a observar uma maior escuta das alunas/professoras em relação aos seus alunos. Não havia tanta necessidade de trazer tudo pronto de casa e uma abertura às experiências que iam se construindo no momento mesmo da aula. 3.0 Relato de algumas experiências Uma das experiências mais bem sucedidas foi no CRAS Santa Rosa, quando a aluna/professora trouxe um barbante como elemento cênico. Os alunos começaram a explorá-lo e a tecer suas estórias e lembranças em volta dele, de maneira muito natural e

um tanto quanto inesperada. Na semana seguinte, a aluna/professora relatou o ocorrido à coordenação e a relação com o fio de Ariadne, metáfora tão cara à narrativa, fez-se evidente. Foi proposto à aluna/professora que tentasse trabalhar a partir da improvisação feita pelos alunos, mas introduzindo elementos do mito como suporte dramatúrgico ou apenas como material de motivação. Este trabalho está em desenvolvimento. Outra experiência destacável, realizada em ambos os CRAS, foi o estímulo à narrativa a partir de fotografias trazidas pelos alunos. Foi pedido que os alunos trouxessem fotografias que remetessem a um momento especial da vida deles que eles quisessem compartilhar com os demais. A partir da contação de cada uma das histórias reveladas pelas fotografias, as turmas ficavam mais e mais interessadas na dinâmica. Mesmo os alunos que não trouxeram nenhuma foto se sentiram impelidos a contar suas histórias, provocando um fluxo coletivo de livre-associações entre elas. Essas histórias começaram a ser trabalhadas cenicamente a partir de jogos de improvisação oriundos, principalmente, de três fontes: Keith Johnstone, Augusto Boal e Viola Spolin. Nesta etapa de finalização do projeto, estão sendo preparadas duas mostras finais a serem apresentadas à comunidade no Centro de Referência do Idoso em comemoração organizada pela SMAS. O convite surgiu da secretaria e foi muito bem acolhido pela coordenação, bolsistas e, principalmente, pelos alunos das oficinas. Essa rápida aceitação nos permitiu observar a importância que, para o público de terceira idade, tem apresentar-se diante dos demais. Não há teatro sem público e, por isso, acreditamos importante incluí-los em um processo de experimentação teatral. É claro que estamos tratando de preservar nosso processo da cobrança por resultados. Apresentaremos o que tivermos no momento. A frequência dos idosos não é regular e os encontros são poucos. Ainda assim, acreditamos que a potência da vontade saudável de ver e ser visto acabará provocando um engajamento diferenciado dos idosos e uma aceleração do processo até agora desenvolvido. 4.0. Considerações parciais Percebe-se a importância do engajamento de alunos classificados socioeconomicamente pela FUMP nesse tipo de iniciativa que trata de relacionar pesquisa e extensão. Esse projeto é uma oportunidade para ampliar o espectro da formação dos mesmos na universidade. Da mesma forma, o acesso ao teatro pela lembrança, já experimentado por outros pesquisadores anteriormente, voltou a se demonstrar de grande importância no trabalho com a terceira idade. Faz-se necessário a conclusão deste processo para que possamos tecer maiores considerações sobre a metodologia seguida.

Como principal reflexão até agora surge a necessidade de desenvolver a autonomia como professores em nossos alunos de licenciatura e reafirmar o entendimento do exercício como meio e não como fim. A superação desta dificuldade inicial propiciou uma abertura para a escuta do outro tão fundamental à improvisação também nas situações de ensino-aprendizagem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JOHNSTONE, Keith. Impro: improvisación y el teatro. Ed. Cuatro Vientos. Santiago de Chile, 2000. VENÂNCIO, Beatriz. O Teatro da Lembrança: registro cênico-dramatúrgico da memória. Tese Doutoral. UNIRIO, 2004.