Rastreio oftalmológico infantil dos 0 aos 6 meses Recomendações da Secção de Pediatria do Ambulatório da SPP (Aprovadas pela Sociedade Portuguesa de Oftalmologia) Autores Fátima Pinto Assistente Graduada de Pediatria Centro de Saúde da Carvalhosa e Foz do Douro fatymapynto@gmail.com Vogal da SPA/SPP José Luís Fonseca Assistente Graduado de Pediatria e Neonatologia Centro Hospitalar do Alto Ave Guimarães joseluisfonseca@netcabo.pt Presidente da SPA/SPP 1
Argumentação Os problemas visuais são frequentes nas crianças sendo que 20% delas, até aos 5 anos, têm algum tipo de doença dos olhos muitas das vezes sem que disso os cuidadores se apercebam. Estas doenças podem influenciar de forma negativa o desenvolvimento infantil, especialmente se não detectadas durante os três primeiros anos de vida. O diagnóstico precoce destas situações é o passo que melhor permite o sucesso do tratamento, possibilitando uma vida adulta onde as potencialidades de cada um serão plenamente atingidas. A ambliopia, com uma incidência de 4 a 5% e principal causa de deficiência visual irreversível no adulto dos 20 aos 70 anos, resulta muitas vezes da ausência do seu tratamento na infância durante o período crítico do desenvolvimento visual, entre os 0 e os 6 anos. O seu diagnóstico precoce, simples e económico, permite o sucesso terapêutico, sendo o tratamento a penalização ocular bilateral programada conforme a idade. A Academia Americana de Pediatria (AAP), a Associação Americana de Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo (AAPOS) e a Academia Americana de Oftalmologia (AAO) recomendam: 1. O Pediatra deve adquirir competência no exame visual da criança 2. Avaliação visual sistemática de todos os recém-nascidos pelo Pediatra. 3. Avaliação periódica da função visual da criança na consulta de vigilância infantil 2
Protocolo do Rastreio Oftalmológico Infantil dos 0 aos 6 meses de idade A visão é um sentido extremamente importante para o desenvolvimento físico, educativo e psicológico da criança influenciando a aprendizagem, sendo que 85% do conhecimento é com ele adquirido. A visão vai-se desenvolvendo do nascimento aos 6 anos, período crítico do desenvolvimento visual. Para que haja visão é necessária a entrada de luz e a transparência dos meios ópticos, o alinhamento dos eixos oculares e um poder refractivo das lentes eficaz e semelhante nos dois olhos. A binocularidade é a percepção das duas imagens formadas nos dois olhos numa imagem única final. Depende da visão simultânea com os dois olhos (percepção simultânea), da formação de imagens idênticas de ambos os lados (fusão) e da percepção única final no córtex visual (estereopsia). A binocularidade melhora a acuidade visual, aumenta o campo visual e permite a noção de relevo e profundidade. A ambliopia, falta de visão de um olho estruturalmente normal que não é corrigível com refracção, é sempre a consequência do não desenvolvimento durante o período crítico visual. A sua classificação depende da causa e pode ser de privação quando há impedimento de entrada de luz no aparelho óptico por obstáculo no segmento externo (hemangioma palpebral, ptose) ou opacidades dos meios transparentes (glaucoma, catarata), estrábica quando não há paralelismo dos eixos oculares e refractiva quando existe doença refractiva grave ou diferença de poder refractivo nos dois olhos: anisometropia. A ambliopia é uma doença da infância e apenas durante ela tratável; no entanto o seu tratamento é 100% eficaz se efectuado num tempo que depende da etiologia mas sempre antes da idade escolar. Assim, nas ambliopias de privação o tempo de 3
intervenção eficaz é de cerca de 12 semanas, enquanto nas estrábicas se estende até aos 2 anos e nas refractivas até aos 6 anos. A incidência das ambliopias é de cerca de 4%. Na ausência de um teste único para o seu diagnóstico, propõe-se um conjunto de exames capazes, no seu todo, de funcionar como um crivo capaz de atempadamente as detectar O Rastreio Oftalmológico efectuado nas consultas de vigilância Infantil é passível de ser executado sem um acréscimo significativo de gastos económicos em material diminuindo a necessidade de ocupação de tempo de consulta da especialidade de oftalmologia, exigindo apenas o seguimento de um protocolo de exame adaptado às diferentes idades por parte dos médicos responsáveis pela saúde da criança. Este rastreio permite a suspeição atempada das patologias oftalmológicas, nomeadamente das ambliopias, permitindo a correcta e rápida orientação hospitalar das crianças com necessidade de tratamento. Antes dos 6 meses de idade os sinais de alarme são as anomalias ao nível das pálpebras, dos globos oculares, das córneas e das pupilas, os estrabismos fixos e os intermitentes que persistem para além dos 4 meses, os nistagmos, os torcicolos e as alterações do comportamento visual como a falta de interesse aos estímulos visuais, o não encerramento dos olhos com a luz forte e a ausência de fixação depois do primeiro mês e de seguimento depois do segundo. A ausência de interacção e da preensão dos objectos, bem como a constante estimulação dos olhos com as mãos (síndrome óculo digital) são sinais importantes de comprometimento visual. 4
ANAMNESE NOME MF/MA: TM: DATA (DD-MM-AAAA) IDADE MESES 1. Há na família (pais biológicos e irmãos/meios-irmãos) alguém que teve ou tem problemas de estrabismo? Sim Não Não sabe 2. Há na família (pais biológicos e irmãos/meios-irmãos) alguém que teve ao nascimento cataratas, retinoblastoma ou glaucoma? Sim Não Não sabe 3. A criança tem doença neurológica, metabólica ou cromossómica conhecida? Sim Não Não sabe 3.1. Se sim, qual? 3.2. O feto sofreu alguma doença infecciosa congénita (Sífilis, Citomegalovírus, Toxoplasmose)? 4. A criança teve algum traumatismo craneo encefálico com necessidade de internamento hospitalar? Sim Não Não sabe 5. A criança teve alguma infecção pós natal do SNC (meningite, encefalite)? Sim Não Não sabe 6. Está preocupado/a com a saúde visual da criança? Sim Não 7. A criança tem lacrimejo frequente? 8. A criança tem fotofobia? 9. Pensa que a criança não consegue manusear bem os objectos por falta de visão? Sim Não Não sabe 10. Alguma vez a criança foi observada pelo médico Oftalmologista? Sim Não Não sabe (termina) 10.1. Quando? - - (dd-mm-aaaa) ou aos meses 10.2. Qual foi o resultado do exame? 10.3. Foram prescritos tratamentos? Sim Não (termina) 10.4. Os tratamentos prescritos foram: Penalização com oclusão ou outro método Sim Não Uso de óculos Sim Não Outro 10.5. Se foi o uso de óculos, a criança está com eles? Sim (termina) Não 10.6. Se não, porquê? 5
Registo do Rastreio Oftalmológico Infantil (0-6 meses) NOME MF/MA: TM: DATA (DD-MM-AAAA) MÉDICO IDADE MESES Posição viciosa da cabeça S N Coloboma da íris S N Ptose S N Coloboma da pálpebra S N Exame ocular externo Nistagmo S N Blefarite S N Aspecto transparente do segmento anterior S N Conjuntivite S N Córnea 11mm S N Outras S N Reflexo vermelho pupilar S Vermelho S Róseo S Branco Simétrico S N Reflexo na córnea (Hirschberg) Centrado S N OD OE Para cima S N Para cima S N Movimentos oculares conjugados (partindo do olhar primário) Para baixo S N Para baixo S N Para dentro S N Para dentro S N Para fora S N Para fora S N Para cima e para dentro S N Para cima e para dentro S N Para cima e para fora S N Para cima e para fora S N Para baixo e para dentro S N Para baixo e para dentro S N Para baixo e para fora S N Para baixo e para fora S N OD OE Reflexo pupilar fotomotor Directo S N Directo S N Consensual S N Consensual S N Fixação S N Convergência S N Acomodação S N Seguimento S N Teste de cover Teste de cover/uncover OD OE Movimento S N Movimento S N OD OE Movimento S N Movimento S N Visão estereoscópica Lang 1 S Bom S Mau S Duvidoso Coordenação olho-mão S Boa S Má Desconforto à oclusão OD S N OE S N 6
Componentes do Rastreio Recomendações Situação a enviar à especialidade de Oftalmologia Anamnese Realizada desde o nascimento Identificar antecedentes familiares de doença oftalmológica Identificar antecedentes pessoais patológicos Antecedentes familiares de estrabismo, glaucoma congénito ou retinoblastoma Prematuridade Peso ao nascimento <1.500 gramas Doença neurológica, metabólica ou cromossómica Exame ocular externo Realizado desde o nascimento Coloboma da íris e da pálpebra Hiperemia conjuntival Hemangiomas das pálpebras Ptose palpebral Nistagmo Qualquer anomalia 7
Reflexo pupilar vermelho ( luar pupilar ) Realizado, desde o nascimento, a 20 e a 100 cm com Oftalmoscópio directo em sala escura. Avaliar: Cor, brilho e simetria Pupila branca (leucocoria) Qualquer alteração da cor e brilho Assimetria Reflexo da luz na córnea (Hirschberg) Realizado, logo que possível, com lanterna a 60 cm da face da criança com a fixação de objecto real: Reflexo da luz centrado em ambas as pupilas e simétrico Qualquer assimetria Movimentos oculares conjugados Avaliados a partir dos 3 meses com olho-de-boi ou brinquedo Observação dos movimentos conjugados nas 9 posições do olhar Qualquer alteração Reflexo pupilar fotomotor Realizado, logo que possível, com lanterna Dilatação pupilar com a luz (no olho iluminado e no Ausência de reflexo fotomotor directo e consensual Desigualdade de reflexo 8
outro) fotomotor Resposta à luz igual dos dois lados Fixação Observado com olho-de-boi ou brinquedo com contraste (riscas), colocado a 30cm da face Fixação do objecto Ausência ou deficiência da fixação Convergência e acomodação Observado, a partir dos 4 meses, com brinquedo colocado a 50m da face e aproximado até ao nariz Convergência e acomodação Ausência de convergência Seguimento Observado com olho-de-boi ou brinquedo a 50cm de distância deslocado na vertical e horizontal. Seguimento do objecto em todas as direcções Ausência ou deficiência do seguimento 9
Teste de cover e cover alternante Efectuado, a partir dos 4 meses, com oclusor, polegar ou mão e com fixação de objecto real a 60 cm Qualquer desvio ocular Visão estereoscópica Efectuado aos 6 meses com o teste de Lang 1 colocado a 40 cm da face da criança. Fixação de cada um dos 3 elementos do teste O teste só tem valor quando bem sucedido Coordenação olho-mão Efectuada aos 6 meses com oferta de brinquedos atractivos Ausência de boa coordenação olho-mão Efectuado com brinquedo atractivo que é mostrado à Reacção assimétrica; (a oclusão do olho com Desconforto à oclusão criança tapando alternadamente cada um dos olhos maior acuidade visual - olho dominante - leva a uma reacção de Reacção à oclusão desconforto traduzida pela recusa da criança a essa oclusão) 10
Procedimento geral no Rastreio Oftalmológico Infantil O propósito do Rastreio Oftalmológico Infantil é a confirmação da saúde visual da criança. Os examinadores deverão procurar situações de presunção de doença, nomeadamente aquela com capacidade ambliogénica. A criança deverá estar calma e por isso é recomendável a marcação de consulta com horário a cumprir para que a espera não seja um factor de não colaboração por cansaço, fome ou agitação. Será evitada a entrada de pessoas na sala de observação durante todo o exame. Antes de iniciar o rastreio o examinador certificar-se-á de que todo o material necessário está ao seu alcance. Serão destinados os primeiros minutos da consulta para conversar com os pais/acompanhantes para que a criança possa ganhar confiança no examinador. A observação será iniciada pelos testes mais simples e mais divertidos para incentivar a criança. De preferência a criança será observada ao colo do pai/mãe/acompanhante para que se sinta mais protegida e confiante. Será pedido ao pai/mãe/acompanhante que não ajude ou dê pistas à criança. Serão usados brinquedos sem estímulos sonoros, a não ser quando necessário. As crianças que usam óculos serão testadas com eles colocados. Se a criança não colabora deverá ser agendada uma nova observação. 11
Bibliografia: 1. Colorado Department of Education Visual Screening Guidelines: Children Birth through Five Years. Developed for the Use of Child Find Personnel. January 2005 2. Domínguez JJ, Labañou CS, Coruña A. Detección de trastornos visuales. Rev Pediatr Aten Primaria. 2006; 8 Supl 2:93-112 3. ANAES. Service des recommandations et références professionnelles. Dépistage Précoce des Troubles de la Fonction Visuelle chez L enfant pour Prévenir L amblyopie. Octobre 2002 4. Agency for Healthcare Research and Quality. U.S. Preventive Services Task Force. Screening for visual impairment in children younger than age 5 years. Update of the evidence from randomized controlled trials, 1999-2003. Rockville, 2004 5. Donald H. Vision Screening Essentials: Screening Today for Eye Disorders in the Pediatric Patient. Pediatr. Rev. 2007;28:54-61 6. HAS. Service des recommandations professionnelles. Propositions portant sur le dépistage individuel chez l enfant de 28 jours à 6 ans, destinés aux médecins généralistes, pédiatres, médecins de PMI et médecins scolaires. Septembre 2005 12