Professional Liability in the Treatment of Patients with Dental Traumatism

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Transcrição:

Responsabilidade profissional no atendimento de pacientes com traumatismo dentário Professional Liability in the Treatment of Patients with Dental Traumatism Recebido em 19/06/2008 Aprovado em 25/08/2008 Rhonan Ferreira da Silva I Cláudia Daniela Moreira Portilho II Eduardo Daruge Júnior III Mauro Machado do Prado IV Robson Rodrigues Garcia V RESUMO Os traumatismos dento-alveolares podem ser ocasionados em decorrência de vários fatores, como agressões, impactos acidentais e acidentes de trânsito. Dependendo do tipo de traumatismo associado à região e dentes afetados, as condutas podem ser conservadoras ou mais invasivas, inclusive, indicando-se a extração dos dentes traumatizados. Sabendo-se que, além das repercussões clínicas, os traumatismos dento-alveolares podem estar ligados a processos judiciais instaurados nas várias áreas do Direito (civil, criminal, securitário, etc), o presente trabalho ressalta, por meio de um caso clínico, a importância da documentação odontológica e a responsabilidade do profissional que atende um paciente vítima de traumatismo buco-facial. Portanto, o profissional deve estar atento ao registro detalhado das informações decorrentes dos tratamentos clínicos executados, arquivando adequadamente o prontuário odontológico e os demais documentos produzidos na prática clínica, visando resguardar o exercício profissional e determinados direitos do paciente. Descritores: Odontologia Legal. Traumatismos Dentários. Responsabilidade Legal. ABSTRACT Dentoalveolar trauma may be caused by various factors such as aggression, accidental impacts and traffic accidents. Depending on the type of trauma associated with the region and teeth affected, the dental procedures may be conservative or more invasive, including the indication of extraction of traumatized teeth. Bearing in mind that, in addition to the clinical repercussions, dentoalveolar trauma may be associated with legal proceedings, instituted in various areas of law (civil, criminal, security, etc), this paper shows, on the basis of a clinical case, the importance of dental records and the professional liability of the dentist treating a patient suffering from orofacial trauma. The practitioner must therefore take care to record in detail all information obtained from the clinical treatments performed, duly filing the patient s record and all other documents resulting from clinical practice with a view to safeguarding his or her professional conduct and the particular rights of the patient. Keywords: Forensic Dentistry. Tooth Injuries. Liability, Legal. I Mestre em Odontologia Legal FOP-UNICAMP. Prof. Adjunto de Odontologia Legal UNIP-GO. Perito Criminal Oficial da Polícia Técnico- Científica (GO). II Especialista em Endodontia FO-UFG. Mestranda em Clínica Odontológica FO-UFG. III Prof. Doutor de Odontologia Legal FOP-UNICAMP. Cirurgião-Dentista e Advogado. IV Doutor em Ciências da Saúde PPGCS-FS-UnB. Prof. de Odontologia Legal FO-UFG. Cirurgião-Dentista e Advogado. V Doutor em Clínica Odontológica Área de Cirurgia da FOP-UNICAMP. Prof. Titular de Cirurgia Traumatologia e Anestesiologia da UNIP-GO. ISSN 1679-5458 (versão impressa) ISSN 1808-5210 (versão online)

SILVA et al. INTRODUÇÃO Os traumatismos dentários constituem uma situação relativamente frequente no cotidiano dos atendimentos clínicos efetuados pelo Cirurgião- Dentista. Habitualmente, esses traumas estão relacionados a quedas e impactos acidentais 1, práticas desportivas 2, acidentes de trânsito 3, agressões físicas, dentre outros. Dos Traumatismos As consequências decorrentes dos traumatismos vão desde a necrose pulpar, mineralizações pulpares, reabsorções internas e externas das raízes, perda de parte da estrutura periodontal de proteção e suporte, fraturas coronárias e/ou radiculares até a perda do próprio dente 4. Por esses motivos, as condutas terapêuticas a serem efetuadas e o prognóstico do caso dependem do tipo de traumatismo, da região e do tipo de tecidos dentários acometidos 1,2. O tratamento de um dente permanente com fratura radicular, especificamente é determinado pelo nível da linha de fratura e sua relação com o sulco gengival 5. Quanto mais cervical a linha de fratura, maior a dificuldade de preservação do fragmento coronário. Quando existe comunicação da fratura com o sulco gengival ou a fratura se encontra acima da crista óssea, pode-se optar pela remoção do fragmento coronário e extrusão ortodôntica do fragmento apical. Por outro lado, se a fratura está abaixo da crista óssea, é possível a realização de um tratamento mais conservador, por meio da redução da fratura, com fixação do fragmento coronário nos dentes vizinhos e preservação dos remanescentes radiculares. Há casos demonstrando que a adoção dessas condutas, associadas à observação clínicoradiográfica e ao controle rigoroso da higiene bucal podem manter os fragmentos traumatizados na cavidade bucal, inclusive sem a necessidade de intervenção endodôntica 4-6. Entretanto, dependendo das particularidades envolvidas no caso, uma fratura radicular pode resultar em um prognóstico desfavorável, em que um procedimento endodôntico associado à reabilitação protética unitária pode não constituir um tratamento eficaz. Considerando-se a região e o do tipo de fratura, o elemento dentário traumatizado poderá ter a sua exodontia indicada, e os procedimentos reabilitadores envolverão a confecção de próteses fixas dento ou implanto-suportadas. Das Esferas de Responsabilidade Além do tratamento clínico, a associação entre o fator causal e as circunstâncias que originaram o traumatismo dentário e suas repercussões propicia ao paciente/vítima o direito de solicitar a reparação, em âmbito judicial, dos danos causados que, normalmente, está associada à instauração de processos nas esferas civil e/ou penal, respectivamente. A discussão sobre a responsabilização civil refere-se a contexto em que o lesado procura o restabelecimento da situação anterior (status quo ante) ou, na impossibilidade, pleiteia uma indenização perante o causador dos danos, o que tem sido buscado cada vez mais por pessoas que entendem terem tido direitos lesados. Já a responsabilidade penal advém do enquadramento do ato praticado pelo agressor e de suas consequências como conduta penalmente tipificada (contravenção ou crime), passível de aplicação de punição (pena), para que seja mantida pelo Estado a ordem e a paz social. Em regra, as questões penais na Odontologia demandam a verificação pelo Cirurgião-Dentista de lesões incidentes nos diferentes tecidos e estruturas do complexo bucomaxilofacial, cujo registro criterioso é fundamental para subsidiarem análises futuras que visem resolução de questões legais. Numa outra situação, caso as lesões produzidas, dentre elas, o traumatismo dentário, estejam relacionadas a acidente de trânsito, a vítima tem direito a solicitar determinada importância pecuniária relacionada ao seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (seguro DPVAT), conforme estabelece a Lei 54

nº 6.194/747. Neste contexto e sabendo-se que, além das repercussões clínicas, as diversas circunstâncias envolvidas nos traumatismos dentários podem resultar em processos judiciais, o presente trabalho tem como objetivo discutir aspectos relacionados à responsabilidade profissional do Cirurgião-Dentista ao atender um paciente com traumatismos, com ênfase na importância da documentação odontológica como fonte de informação para a resolução de questões legais. SILVA et al. pela extração dos incisivos centrais, com colocação imediata de implantes dentários Figura 2. Desta forma, as coroas dos dentes traumatizados foram fixadas provisoriamente sobre os implantes. RELATO DE CASO Indivíduo do sexo masculino, 24 anos, relatou ter sido atingido na boca pelo braço de seu adversário durante uma partida de futebol amador. Por sentir dores nessa região, o paciente procurou atendimento odontológico, e, por meio de exame clínico-radiográfico, foram constatadas fraturas radiculares oblíquas nos dentes 11 e 21, nos terços cervical e transição entre cervical e médio, respectivamente Figura 1. Figura 1 - Ilustra as fraturas radiculares nos incisivos centrais. No tratamento inicial de urgência, foi feita uma contenção rígida dos dentes traumatizados, com fio metálico e bráquetes ortodônticos, até que fosse decidido qual o tratamento mais adequado. Após análise do caso, profissional e paciente pactuaram v.9, n.1, p. 9-16, jan./mar. 2009 Figura 2 - Presença de implantes substituindo os incisivos traumatizados. Após a realização desses procedimentos clínicos e por considerar que o agressor teria lhe atingido deslealmente durante a referida prática esportiva, o paciente procurou uma delegacia de polícia e registrou ocorrência alegando ter sofrido lesões corporais. Um Termo Circunstanciado de Ocorrência foi instaurado, e a autoridade policial encaminhou o paciente para a realização de Exame de Corpo de Delito no Instituto Médico-Legal da região. Durante o exame pericial, foi solicitada a documentação clínica odontológica dos profissionais que intervieram no caso, além de uma radiografia periapical atualizada dos dentes traumatizados. Após exame clínico-radiográfico, constatou-se que a vítima sofreu traumatismo nos dentes 11 e 21, em decorrência de força aplicada por instrumento ou meio de ação contundente, compatível com o histórico relatado, confirmando o nexo de causalidade entre o tipo de ação e as lesões. 55

SILVA et al. DISCUSSÃO A perda de dentes permanentes na região anterior, principalmente os superiores, ocasiona alterações significativas nas funções mastigatória e fonética, além de comprometer seriamente a estética buco-facial durante o sorriso e a conversação. Os dentes anteriores estão relacionados com a harmonia da fala pela pronúncia de fonemas classificados como línguo-dentais (palavras com as letras c, d, l, t e s ) e lábio-dentais (palavras com a letra f e v ). A perda de um único dente nessa região leva à desarmonia na pronúncia de diversas palavras, pelo avanço da língua através dos espaços edêntulos, debilitando a função fonética. Em relação à função mastigatória, a perda de elementos dentários anteriores diminui a propriedade de apreensão e corte dos alimentos, funções relacionadas aos incisivos centrais e laterais. Esteticamente, esses mesmos dentes são imprescindíveis para a composição harmônica do sorriso, com implicações na vida de relações e na auto-estima do indivíduo, evitando constrangimentos ou situações desagradáveis durante o convívio familiar, de trabalho e social em geral 8. No presente trabalho, o indivíduo periciado apresentou-se para exame em condição póscirúrgica, em que os dentes 11 e 21 haviam sido substituídos por implantes dentários após a fratura destes em decorrência da ação traumática descrita. A perda desses dentes configurou uma debilidade permanente das funções fonética, mastigatória e da estética buco-facial em que o restabelecimento pós-trauma dessas funções não aconteceria naturalmente. Considerando-se que um indivíduo lesado não é obrigado a repor sua estrutura corporal atingida ou perdida, no todo ou em parte, por estrutura protética ou implantes 8, torna-se importante quantificar essa debilidade por meio das fórmulas propostas por autores diversos, cujos resultados se encontram na Tabela 1. Tabela 1. Valores relativos da debilidade das funções mastigatória, fonética e estética pela perda conjunta dos dentes 11 e 21. Função Autor Mastigatória Fonética Estética Análise simultânea nas três funções Samico 11 -- -- 14 -- Álvaro Dória 11-12 4 16 12 -- Dueñas 11-12 4,2 13,8 10,2 -- Hentz 11-12 2 -- -- -- Moreira 11-12 -- -- -- 8 Uma vez configurada a debilidade permanente de membro, sentido ou função (mastigatória, fonética ou estética dentária, por exemplo), esta situação pode resultar em aplicação de sanção penal de reclusão, de um a cinco anos como penalidade ao agressor, conforme estabelece o inciso III, 1º do artigo 129 do Código Penal Brasileiro, além de indenização pecuniária pelos eventuais danos materiais e morais sofridos 9. Ao Cirurgião-Dentista que realiza os diversos tratamentos em indivíduos com traumatismos, relacionados à intervenção de urgência, cirúrgica ou reabilitadora, cabe o registro adequado das informações pertinentes aos referidos procedimentos. As lesões devem ser minuciosamente descritas quanto à localização, aspecto, extensão, relacionando os dentes envolvidos em suas faces e regiões atingidas. Toda a documentação produzida em função do atendimento e tratamento, sendo composta pelo prontuário, pelas radiografias, pelos modelos em gesso e por outros documentos, deve ser arquivada de maneira adequada, para que possa ser utilizada como consulta ou como meio de prova 10. Serão as informações presentes nesta documentação que subsidiarão a determinação do nexo causal e a compatibilidade entre os danos apresentados e o histórico relatado. Caso o paciente solicite esta documentação produzida durante o atendimento clínico, para que seja utilizada com finalidade legal, como recebimento de seguro, ação de indenização ou para subsidiar exame pericial de corpo de delito, o profissional deve disponibilizar estes documentos por meio de recibo de entrega. 56

Outra situação que merece atenção está relacionada ao acompanhamento clínico-radiográfico dos dentes remanescentes para identificação de possíveis alterações decorrentes do trauma, tais como necrose e obliteração pulpares e reabsorção radicular. Os pedidos de radiografia devem ser realizados em duas vias, e a cópia que ficará com o profissional deve conter data e assinatura do paciente. Desse modo, fica registrado que o Cirurgião-Dentista realizou os procedimentos adequados, no sentido de identificar precocemente outras alterações, além de resguardar o profissional diante de questionamentos judiciais por falta de cuidados com o paciente, caso este não realize os exames radiográficos solicitados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do caso exposto, evidencia-se que a documentação produzida pelo profissional da Odontologia, especificamente no atendimento de pessoas que sofreram traumatismos na região do complexo bucomaxilofacial, pode assumir relevante valor legal no esclarecimento de questões judiciais. Portanto, o profissional deve estar atento ao registro detalhado das informações decorrentes dos tratamentos clínicos executados, arquivando adequadamente o prontuário odontológico e demais documentos produzidos na prática clínica, visando resguardar o exercício profissional e determinados direitos do paciente. SILVA et al. de veículos decorrentes de acidentes de trânsito [Dissertação]. São Paulo: Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo; 1990. 4. Melo LL, Andrade SCSM. Lesões traumáticas dos tecidos duros do dente e polpa. In: Melo LL. Traumatismos alvéolo-dentário. São Paulo: Artes Médicas (EAP-APCD); 1998. p.13-92. 5. Araújo MAM, Valera MC. Fraturas radiculares. In: Melo LL. Tratamento clínico dos traumatismos dentários. São Paulo: Artes Médicas (EAP-APCD); 1999. p.159-85. 6. Côrtes MIS, Bastos JV. Lesões traumáticas da dentição permanente. In: Estrela C. Ciência endodôntica. São Paulo: Artes Médicas; 2004. p.799-917. 7. Brasil. Lei 6.194, de 19 de dezembro de 1974. Dispõe sobre seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga a pessoas transportadas ou não. Disponível na internet em www.dpvatseguro.com.br. Acessada em 20/03/2008. 8. Cardozo HF. Avaliação das lesões dentárias em âmbito civil e a atuação do cirurgião-dentista. Rev Odontol UNICID. 1994;6(1):45-56. REFERÊNCIAS 1. Bonanato K, Marinho KC, Castro WH, Meneses LF, Auad SM, Martins LHPM, Paiva SM. Intrusão de incisivos decíduos e permanentes: relato de caso clínico. Arq Odontologia. 2005;41(4):273-68. 2. Santos Filho PC, Quagliatto PS, Simamoto PC Jr, Soares CS. Dental trauma: restorative procedures using composite resin and mouthguards for prevention. J Contemp Dent Pract. 2007;8(6):89-95. 3. Cardozo HF. Verificação da ocorrência de traumatismos faciais e de elementos dentários em ocupantes v.9, n.1, p. 9-16, jan./mar. 2009 9. Cardozo HF. Avaliação médico-legal das lesões do complexo maxilomandibular. In: Silva M. Compêndio de odontologia legal. Rio de Janeiro: Medsi; 1997. p. 289-317. 10. Simões MP, Possamal P. Documentação de lesões buco-maxilo-faciais: implicações legais. Rev Bras Odontol. 2001;58(6):393-95. 11. Moreira RP, Freitas AZVM. Dicionário de odontologia legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1999. p.165. 57

SILVA et al. 12. Campos MLB. A perícia em odontologia legal. In: Vanrel JP. Odontologia legal e antropologia forense. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 133-39. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Rhonan Ferreira da Silva Avenida Arumã Qd. 186 Lt. 06, Parque Amazônia Goiânia (GO). 74835-320. E-mail: rhonanfs@terra.com.br Fone: (62) 9952 5787. 58