Palavras-chave: Processo pedagógico, mudança educacional, atuação de pedagogas.



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Transcrição:

1 MUDANÇAS EDUCACIONAIS E PROCESSO PEDAGÓGICO Nara L. C. Salamunes Doutoranda em Informática na Educação pela UFRGS, Mestre em Educação pela UFPR Maria Iolanda Fontana Mestranda em Educação pela PUCPR Maria Leonor Nunez Pedagoga da rede municipal de ensino de Curitiba Resumo O presente trabalho foi elaborado a partir de estudos de três pedagogas sobre sua prática profissional, desenvolvida na Secretaria Municipal da Educação de Curitiba. É resultado de estudos sobre sua experiência na coordenação e na elaboração de documentos deflagradores de mudanças institucionais. Com a apresentação deste estudo, pretende-se registrar aspectos histórico-educacionais relacionados com a proposição daqueles documentos para a discussão às equipes escolares, e, fomentar o debate sobre princípios fundamentais à prática pedagógica pelo apontamento de aspectos relevantes para a revisão de propostas curriculares para o ensino fundamental. Palavras-chave: Processo pedagógico, mudança educacional, atuação de pedagogas. 1. Introdução Somente um ser que é capaz de sair de seu contexto, de distanciar-se dele para ficar com ele; capaz de admirá-lo para, objetivando-o, transformá-lo e, transformando-o, saberse transformado pela sua própria criação; um ser que é e está sendo no tempo que é o seu, um ser histórico, somente este é capaz, por tudo isto, de comprometer-se (FREIRE, 1979, 17). O presente estudo foi desenvolvido por três pedagogas da Secretaria Municipal da Educação de Curitiba a partir de sua atuação profissional na coordenação e elaboração dos documentos intitulados A Escola Municipal e os Ciclos de Aprendizagem - Projeto de Implantação na Rede Municipal de Ensino de Curitiba e A Escola Organizada em Ciclos de Aprendizagem Diretrizes curriculares em discussão, editados pela mesma Secretaria, em 1999 e em 2000, respectivamente. Foi na Gerência de Currículo da SMEC que as autoras iniciaram seu trabalho conjunto. Foi a partir da elaboração do projeto de implantação dos ciclos de aprendizagem na rede municipal de ensino de Curitiba, em 1999, e, do processo de revisão da proposta curricular oficial do município de Curitiba, em 2000, que perceberam a coincidência de valores e ideais pedagógicos, os quais foram as bases do encontro afetivo e profissional que elas construíram e mantém.

2 Por terem participado ativamente da construção desses documentos em um dos momentos de mobilização dos profissionais da rede curitibana de ensino municipal para a reflexão conjunta e sistemática sobre princípios que fundamentam a ação educacional e educativa, tais pedagogas sentiram-se impelidas a responder a seguinte questão: Por que a revisões de projetos pedagógicos e de respectivas propostas curriculares de escolas públicas municipais de Curitiba são, muitas vezes, realizadas dependentemente de processos de mobilização externos ao contexto escolar imediato? Tal questão adveio de observações informais desenvolvidas pelas três pedagogas em diferentes momentos de sua atuação profissional com diferentes equipes escolares da rede municipal de ensino de Curitiba. De tais observações destacava-se a recorrente afirmação dessas equipes de que o projeto pedagógico estava sendo elaborado porque e conforme solicitação da Secretaria da Educação e deliberações do Conselho Estadual de Educação. 2. Método de investigação Durante o desenvolvimento de suas atividades profissionais na Gerência de Currículo da SMEC, as autoras procederam registros de observações pessoais e de falas de profissionais envolvidos no processo de elaboração de projetos pedagógicos e de revisão da proposta curricular básica do município de Curitiba, o que já vinha sendo discutido nas várias instâncias da instituição havia algum tempo. Inicialmente, esse procedimento não compunha um quadro investigativo intencional. Era, na verdade, um registro pessoal de dados que cada uma das autoras fazia com o objetivo de facilitar análises e decisões corriqueiras de trabalho. Os registros dessas observações passaram a ser comparados sistematicamente pelas autoras e a se configurar como instrumentos significativos de pesquisa. Desses registros, foram destacados para análise os que se referiam aos motivos pelos quais equipes escolares agilizavam mudanças ou escreviam o documentoreferência de suas escolas intitulado Projeto pedagógico, e, as que revelavam as ações efetivadas pelas equipes nas mudanças das respectivas propostas curriculares. As falas das autoras também eram registradas: de início, para a manutenção de um consenso discursivo e procedimental da equipe de trabalho da gerência de currículo; posteriormente, já na fase intencional de investigação, para passarem pela análise distanciada do trabalho. Dessas falas, foram destacadas para análise as que

3 se referiam às justificativas das alterações na proposta curricular básica vigente até então na rede municipal de ensino de Curitiba e as que revelavam argumentações em defesa de uma revisão curricular. Tal procedimento se caracterizou como uma prática auto-reflexiva e dialógica das autoras na construção de possibilidades pedagógicas para um determinado espaço/tempo; de possibilidades pedagógicas que se construiriam em função da interação desses sujeitos nas condições contextuais que se apresentavam. A iniciativa da investigação decorreu da necessidade das autoras estarem se reunindo para analisar o processo pedagógico por elas vivido/construído na elaboração de documentos oficiais para um sistema de ensino, e com isso, melhor compreender aspectos da atuação profissional de pedagogos. A pesquisa se realizou não vinculada a qualquer instituição. Ocorreu, portanto, de forma independente e somente com recursos próprios sa autoras. A formação acadêmica e de pesquisa das autoras foi importante para a viabilização desse estudo. 4. Das lacunas observadas aos fundamentos construídos No mundo, mudanças tecnológicas, econômicas e sociais do modelo capitalista de produção do final do segundo milênio impactavam o modelo educativo construído historicamente, cuja configuração já não era satisfatória nem mesmo para o modelo econômico que o gerou. No município, realizavam-se capacitações em serviço nas escolas para aprofundamento teórico-metodológico sobre os processos de alfabetização (ENDIPE, 1998); efetivavam-se mudanças nos sistemas de avaliação de aprendizagem (PMC, 1999); professores desenvolviam projetos didáticos individuais sob orientações de docentes das diversas instituições de ensino superior de Curitiba; projetava-se a viabilização da formação de nível superior para todos os professores da rede municipal de ensino; uma revisão da proposta curricular era anunciada e expirava o tempo de uma gestão governamental. Para a revisão da proposta curricular vigente na rede municipal de ensino de Curitiba no período anterior ao da publicação dos documentos citados no início deste texto, as três pedagogas imergiram no estudo histórico dos documentos da SMEC para buscar subsídios sobre a ação pedagógica das escolas municipais de Curitiba desde a sua criação. Nessa imersão histórica, encontraram, arquivados, exemplares de documentos oficialmente editados pelo município que serviram de

4 orientação político-pedagógica às escolas, mas não encontraram registros de estudos e reflexões, pessoais ou de equipes de pedagogas sobre o cotidiano de sua atuação na esfera administrativa daquela secretaria. Tal lacuna, no entendimento das autoras, limitava a explicação dos processos que deram origem àqueles documentos, pois as explicações encontradas, apesar de evidenciarem relações entre estudos sobre movimentos políticos e teóricoeducacionais mais amplos e o conteúdo apresentado nesses documentos, não revelavam como se configuraram as construções elaboradas pelos agentes internos àqueles processos. Acreditou-se, portanto, que seria importante, para equipes futuras, encontrar registros que indicassem alguns dos caminhos percorridos por pedagogas que tivessem atuado em movimentos de mudanças curriculares no âmbito da SMEC. As construções dos profissionais da educação são sempre originais, embora eivadas pelos movimentos amplos. Elas são sempre intervenientes nos movimentos amplos, embora decorrentes de movimentos individuais. Acreditava-se, portanto, que parte desta dialética poderia ser trazida por um estudo como o ora apresentado. Com base nisso e com leituras que se faziam para a produção das novas diretrizes curriculares (PMC, 2000), buscou-se tomar consciência do processo vivido pelas autoras, pois o seu trabalho não teria como resultado somente a coordenação e participação na elaboração de mais um documento oficial. O resultado de seu trabalho também seria a aprendizagem do fazer das próprias autoras. Um fazer que se configurava na participação do processo de proposição de mudanças de caráter pedagógico no âmbito de uma rede municipal de ensino.. Sabiam as autoras que proposições e mudanças educacionais não dependeriam exclusivamente de suas ações, falas e escritos, pois outros profissionais participavam do processo. Assim, o fazer pedagógico se constitui objeto de estudo. Um fazer que se revelava nas falas e nos escritos das autoras, e, efetivamente, de alguma forma, poderia participar da mudança do pensar e do fazer de outros profissionais da educação naquele contexto. Era preciso, portanto, entender a mudança na qual elas atuavam. 4.1. Mudanças científicas e institucionais

5 O estudo de Gimenez e Nistal (2000) sobre como se produzem mudanças e conseqüências científicas indica a presença de três níveis inseparáveis nesses processos: a) Mudanças teóricas, relativas à criação, modificação, ampliação ou substituição de velhas hipóteses por outras mais férteis; b) Mudanças nos procedimentos, relativos aos métodos e aos usos que caracterizam o trabalho da ciência e ao modo como se criam e se modificam as estratégias empregadas por seus agentes; c) Mudanças institucionais, relativas aos contextos da comunidade científica que potencializam, direcionam e determinam ações e processos que devem ser contemplados como fatores eficazes no devir histórico. Os três níveis acima, embora se refiram a mudanças científicas, têm relações com os processos de mudança que ocorrem em instituições que regem políticas educacionais. Seja pela interação profissional entre seus agentes e os da produção científica, seja pelas ações que aquelas desenvolvem em consonância ou não com o discurso científico hegemônico em um dado contexto histórico, seja porque o contexto social constitui uma unidade. Atuar naquele processo de mudança exigia ousadia e responsabilidade dos profissionais envolvidos. Efetivava-se a elaboração de um documento que, se por um lado representaria a síntese possível de uma equipe de profissionais que atuavam na gestão municipal de um determinado grupo político, por outro, representaria um fomento significativo no processo de discussões sobre o para quem o por que, o o que e o como ensinar no ensino fundamental de Curitiba no início do terceiro milênio. Tomava-se consciência de que o que até então estava apresentado como proposta curricular básica para a rede municipal de ensino de Curitiba não contemplava explicitamente o fato de que idéias e teorias não refletem, mas interpretam a realidade. Além disso, valorizava o conhecimento científico sem explicitar suas limitações quando concebido de forma fragmentária e localista. Sabiase que o conhecimento pertinente deve enfrentar a contradição e a complexidade presentes na união entre a unidade e a multiplicidade (Morin, 2000) ; e enfrentar o dogmatismo e a polarização de qualquer ordem. Sabia-se que:

6 Na superação, o que é superado é abolido, suprimido num certo sentido. Não obstante, em outro sentido, o superado não deixa de existir, não recai no puro e simples nada; ao contrário, o superado é elevado a nível superior. E isso porque ele serviu de etapa, de mediação para a obtenção do resultado superior; certamente, a etapa atravessada não mais existe em si mesma, isoladamente, como ocorria num estágio anterior; mas persiste no resultado, através de sua negação.(lefebvre, 1991, 230). Para as autoras, mudança eram necessárias e estavam em gênese. Em sua prática profissional pregressa, elas observavam um desinteresse recorrente de muitas (os) professoras (es) pelo estudo aprofundado da proposta curricular básica que completava cinco anos na sua última versão. O desinteresse era atribuído à sua linguagem, organização textual e não entendimento de seus objetivos. Na visão de muitos docentes, a proposta curricular básica não respondia à necessidade de um documento prescritivo da ação pedagógica. Assentava-se aí um problema a ser resolvido: Como produzir um referencial curricular para o município sem que ele fosse distante do entendimento da maioria dos docentes e, ao mesmo tempo, incorporasse o movimento histórico? Como produzir um referencial curricular que não induzisse os docentes a supor necessário o seguimento de uma seqüência linear de conteúdos prévia e exteriormente determinada? Como explicitar os conhecimentos emergentes da prática pedagógica construída por profissionais do interior do próprio sistema e não incorrer no equívoco de simplesmente apresentar formulações explicativas alheias às especificidades e necessidades de um sistema de ensino? Como manter e provocar o exercício de criticidade que os últimos vinte anos possibilitaram? Entendia-se que o referencial denominado Currículo Básico, e com ele as ações desenvolvidas para sua efetivação, não atendera à necessidade de provocar uma perturbação na auto-organização de todos os ambientes educativos do município, e, de desencadear aberturas a diferentes interpretações e perspectivas de trabalho pedagógico (Doll,1997). As autoras não podiam deixar de observar esse fato, pois atuavam na criação de mudanças procedimentais em uma instância e em um momento político-

7 administrativo de final de gestão governamental, em que a pressa nos encaminhamentos, muitas vezes, atropela construções estruturais. Sabiam elas, no entanto, que o impacto causado por rupturas rápidas pode engendrar movimentos a novos patamares de reflexão sobre a relação entre os dizeres e os fazeres educacionais. 4.2 Mudar é viabilizar mudanças Teve-se sempre presente que diretrizes curriculares municipais deveriam ser de tal forma flexíveis, que pudessem provocar a construção de propostas pedagógicas diversificadas, tendo em vista os contextos sócio-ambientais específicos das escolas e a unidade do sistema de ensino. Novas diretrizes não poderiam levar à fragmentação da ação educativa neste sistema e tampouco fortalecer os discursos que levam à desobrigação do estado de investir e financiar o ensino fundamental. Um documento oficial que enuncia diretrizes curriculares, no entender das autoras, deve ser um instrumento de trabalho que suscite reflexões e tomadas de consciência às equipes escolares tanto sobre o que deve ser conservado, quanto sobre o que deve ser transformado na prática escolar e na sociedade, pois é o movimento da práxis que apresenta as possibilidades de intervenção na realidade em um dado momento histórico. No entanto, Freire (1979) ensina que a reflexão e a tomada de consciência podem ser ingênuas, se não há mudança na percepção que os sujeitos têm do mundo. Isto é, tomar consciência de uma ação própria não significa a mudança dessa ação. O mesmo autor ensina que a mudança de visão de mundo dos sujeitos depende de um processo de aprofundamento dessa tomada de consciência; depende da conscientização que se dá pela interação dialógica dos sujeitos em uma dada realidade social. Isso significa que, em si, um documento de caráter oficial sobre e para educação não leva a transformações de práticas escolares excludentes. Pode, ao máximo, suscitar movimentos de estudo e de reflexão nos profissionais que estejam abertos a identificar possibilidades em meio à complexidade contextual. As autoras aprendiam que um equívoco não poderia ser repetido: o de considerar que um texto com linguagem academicista pudesse ser compreendido e discutido em sua totalidade pelo conjunto dos profissionais do município de Curitiba. E que o que pode suscitar transformações pedagógicas é a ação conjunta de

8 profissionais da educação, ocorrida a partir da análise destes sobre sua própria prática educativa, à luz das contribuições teóricas acessadas e compreendidas em um dado momento histórico - concreto - em que a prática se dá. Isso quer dizer que a criação de possibilidades de intervenção está diretamente relacionada à capacidade desses profissionais perceberem: as contingências, as atitudes, as decisões e os discursos que viabilizam ou não a democratização dos processos educativos e sociais. De perceberem e desejarem intervir nas conexões diretas e indiretas existentes entre estes dois processos do seu fazer, isto é, na práxis que objetiva formação de cidadãos, o que significa, introduzir alguém ao passado de sua cultura; ; despertar alguém para as questões que esse passado engendra para o presente, e estimular a passagem do instituído ao instituinte (Chauí, 2003). E como afirma Marques (1988, 171): Trate-se de idéias, de posturas comportamentais ou de habilidades, de interesses e valores ou de modelos sociais, são sempre objetivações com que se defrontam os sujeitos para assumi-los ou não, para delas tomarem consciência e frente a elas se posicionarem lúcida, crítica e criativamente de vez que produtos nunca acabados da vida humana em sociedade. Implica essa dimensão cognoscitiva da educação em ruptura com a inércia das consciências como que em mundos acabados, exige confronto de provocação dos sujeitos e de suas objetivações. Sem o confronto e a estranheza dos sujeitos defronte a objetos precisos e desafiantes que os façam despertos no mundo social-humano, portanto, sem o esforço e a disciplina exigidos pela construção progressiva do conhecimento, não há educação. 5. Respostas possíveis Foi prerrogativa daquela gestão a autonomia administrativa e pedagógica das escolas, respaldada pela LDBN/96. Freire (1996) contribuiu para o entendimento das autoras, de que, de fato, a autonomia é uma das condições para que as escolas articulem seus projetos pedagógicos e, conseqüentemente, reorganizem seus espaços e tempos com vistas à superação do modelo pedagógico bancário (Freire, 1997). Para isso, é condição a assunção da autonomia pedagógica no âmbito da escola e no âmbito da sala de aula. Aí estava a origem de um dos princípios educacionais enunciados no que viria ser o novo referencial para a educação do município, o princípio da gestão democrática do processo pedagógico.

9 Para as pedagogas, este princípio expressava o entendimento de autonomia pedagógica como autodeterminação de práticas educativas, de projetos pedagógicos e de sua condução administrativa. Expressava o objetivo último de todo processo educativo: formar cidadãos que pensem, autonomamente, sobre o já pensado, dito e feito e possam propor novos pensares, dizeres e modos de fazer. As observações registradas pelas autoras em sua atividade profissional, no âmbito educacional do sistema municipal de ensino de Curitiba, indicavam que a elaboração/revisão do projeto pedagógico das escolas se realiza, muitas vezes, dependentemente de processos de mobilização externos ao contexto escolar imediato. É a adequação do trabalho escolar a prerrogativas oficiais e/ou legais advindas de mudanças na legislação educacional, (Leis, estatutos, deliberações entre outros) que têm suscitado elaborações e revisões de projetos pedagógicos. São raras as manifestações verbais de profissionais das escolas da rede municipal de ensino de Curitiba que enunciem a construção coletiva de um projeto pedagógico, entendido aqui como base norteadora das ações escolares, sem que para isso houvesse um efeito deflagrador externo. As razões apresentadas verbalmente para isso são variadas. Vão das quase inexistentes condições de debates e estudos sistemáticos pela totalidade dos profissionais de uma escola sobre os fundamentos e os métodos de ação pedagógica à ausência de percepção da necessidade desses estudos por determinados profissionais. Sobre a manifesta ausência de necessidade de estudos sobre o seu fazer as autoras ressaltam algumas das verbalizações que consideram significativas. Alguns profissionais, ao se depararem com explicações sobre procedimentos didáticos na perspectiva da educação pela filosofia, princípio metodológico presente no documento de cujo processo de produção participaram as autoras, afirmam: Nós já fazemos isso. Tais falas podem indicar uma indiferenciação de procedimentos e práticas pedagógicas, mas podem revelar também a não identificação de possibilidades de mudanças educativas, o que depende de os profissionais estabelecerem relações entre sua ação, ações de interlocutores e fins educacionais. Outra fala bastante registrada e também relativa a diferentes modos de fazer pedagógicos é a que segue: Nós já usamos. Tal expressão pode indicar que determinadas práticas realmente sejam repetidas vezes encontradas em diferentes contextos educativos. Mas podem também revelar, além de uma concepção utilitária

10 sobre o tema, que mudanças em processo dificilmente são compreendidas no seu todo enquanto acontecem e, em qualquer tempo, poderão ser compreendidas de diferentes formas. As autoras se perguntaram muitas vezes como os profissionais das escolas da rede municipal de ensino de Curitiba conceberiam documentos a eles apresentados para discussão. Saberiam eles sobre o seu próprio poder? Há investigações por fazer. Uma investigação para se saber se a discussão proposta sobre as diretrizes curriculares municipais ajudou àqueles profissionais a superarem a busca pelo documento prescritivo e alcançaram a elaboração própria de um projeto pedagógico. Uma outra investigação, pelo menos, que elucide se a fala Temos, mas não funciona., a qual se refere comumente à existência de um documento que se pretende norteador da prática pedagógica na escola, vem sendo substituída por outra algumas vezes encontrada: Estamos construindo a partir de reflexões sobre o que vínhamos fazendo e abordagens teóricas que nos iluminam para a melhoria da qualidade de vida de todos os seres do Planeta. Tal fala registra o exercício da autonomia e da gestão democrática do processo pedagógico; registra o exercício filosófico como forma de construção de comprometimento e de intervenção consciente dos sujeitos nos rumos da escola e da sociedade. Certamente, esta fala antecipa mudanças, não as provocadas por leis e textos oficiais. Não as promovidas por sujeitos que atuam isoladamente em projetos individuais alheios ao projeto pedagógico escolar, mas as construídas pela ação coletiva de todos os profissionais da escola. 6. Referências bibliográficas CHAUÍ, M.. Universidade pública sob nova perspectiva. In: ANPED, 27ª, Poços de Caldas, 2003. DOLL JR., W.E. Currículo: uma perspectiva pós-moderna. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979 GIMENEZ, M. DEL C. & NISTAL, M.T.F. As mudanças da antiguidade ao renascimento. In: MORENO, M. et all. Conhecimento e mudança os modelos organizadores do conhecimento. Campinas: UNICAMP/Moderna, 2000. p.327-356.

11 LEFEBVRE, H. Lógica formal/lógica dialética. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1991. MARQUES, MARIO O. Conhecimento e educação.ijuí: Unijuí, 1988. MORIN, E. & MOIGNE,J-L. A inteligência da complexidade. São Paulo: Peirópolis, 2000. PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Secretaria municipal da educação.a escola organizada em ciclos de aprendizagem diretrizes curriculares em discussão. Curitiba, 2000. PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Secretaria municipal da educação.a escola e os em ciclos de aprendizagem Projeto de implantação Rede municipal de ensino de Curitiba. Curitiba, 1999.