MANOLO FLORENTINO. Douglas Mansur da Silva, A Oposição ao Estado Novo no Exílio Brasileiro 1956-1974, Lisboa, ICS, 2006, 162 páginas.



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1144 cantes de Rio de Janeiro, Salvador e Recife passaram a dominar o fundamental das etapas empresariais que garantiam o comércio negreiro, provendo-o de naus, de bens para o escambo, arregimentando tripulantes e garantindo o negócio por meio de suas próprias empresas seguradoras. Em suma, de pequeno, o excelente livro de João Pedro Marques tem apenas o tamanho. São grandes as suas ambições, precisos os caminhos que as afiançam e cirúrgicas as suas conclusões. Resta torcer para que Portugal e a Escravatura dos Africanos contribua para que a relativa invisibilidade que se impôs ao negro em Portugal seja igualmente revertida. MANOLO FLORENTINO Douglas Mansur da Silva, A Oposição ao Estado Novo no Exílio Brasileiro 1956-1974, Lisboa, ICS, 2006, 162 páginas. Muito se tem avançado no estudo da resistência à ditadura portuguesa. Depois da revolução de Abril de 1974 reconhece-se unanimemente a importância de recuperar a memória e fazer a história dos que haviam estado «na outra margem». Todavia, quase esquecida permanece a oposição no exílio. Porventura pela maior dificuldade de acesso às fontes, pelo parco eco que as suas acções tiveram em Portugal ou mesmo por um certo desinteresse, em consequência da distância geográfica. Ocasionalmente, são publicados testemunhos que evocam essas lutas, mas os investigadores concentram-se no interior do país, considerado o verdadeiro centro de todas as batalhas. A actividade dos vários núcleos de emigrados políticos espalhados pelo continente americano, africano e europeu é, em geral, abordada apenas superficialmente, cingindo-se à actuação de figuras notáveis e, quantas vezes, à repetição de ideias preconcebidas. Na sombra tem ficado a acção desenvolvida por tantos «militantes de base» reunidos em torno daqueles líderes ou organizados em pequenos agrupamentos e que, a par da sua vida profissional, asseguram a publicação de periódicos, colaboram na preparação de conferências e de outras iniciativas, garantem emissões de rádio ou simplesmente redigem documentos onde procuram divulgar a situação portuguesa. O livro de Mansur da Silva é, justamente, um contributo para colmatar essa lacuna. Partindo da análise do Portugal Democrático, jornal publicado por emigrados políticos portugueses no Brasil entre 1956 e 1975, o autor fala das actividades desenvolvidas pelos oposicionistas residentes nesse país e dos principais debates que os aproximaram ou dividiram durante esse período. Avança ainda elementos sobre a sua relação

com a restante comunidade portuguesa aí estabelecida e com a sociedade brasileira em geral, dando particular destaque ao esforço de adaptação às mudanças políticas ocorridas no país de acolhimento. A iniciativa de lançar um periódico de oposição ao regime salazarista no Brasil parte de Vítor de Almeida Ramos e Manuel Ferreira de Moura, dois comunistas portugueses chegados ao país há pouco mais de um ano. Nesse sentido diligenciam junto de compatriotas de diferentes quadrantes políticos residentes em São Paulo que se associam ao projecto. A 7 de Julho de 1956 sai a público o primeiro número do jornal. As dificuldades em granjear audiência entre a comunidade portuguesa imigrada e na própria sociedade brasileira, pouco interessadas no discurso oposicionista, aliadas à falta de recursos económicos e humanos, levam à suspensão do jornal um ano depois. A publicação é retomada em Junho de 1958, para o que muito contribui a chegada ao Brasil de um grupo de jornalistas, ex-quadros do jornal lisboeta Diário Ilustrado, no ano anterior. São nessa altura formados o primeiro conselho de redacção e o conselho de administração, instalando-se a sede no Centro Republicano Português de São Paulo. A ampla divulgação da campanha presidencial de 1958 no Brasil alerta para a situação portuguesa e o Portugal Democrático vai conquistando público ou, mais propriamente, criando uma rede de solidariedade nos meios políticos, intelectuais e artísticos brasileiros. Nos primeiros tempos, a preocupação fundamental é desmistificar a propaganda do regime português, contestando a justaposição de pátria e governo defendida no discurso oficial, questionando a representatividade da sua presença institucional, personificada nos «comendadores», defendendo a liberdade de expressão e o fim da censura, apelando à amnistia dos presos e exilados políticos. Procura-se igualmente o apoio junto dos emigrantes económicos e políticos, sublinhando que ambos haviam sido forçados a sair da terra natal pelo mesmo poder político. Mais tarde, o mensário centra-se nos debates sobre a questão colonial, o papel que cabe à oposição no exílio e as estratégias a adoptar para o derrube da ditadura e no Portugal que se pretende quando esse objectivo for alcançado. A partir de 1964, com a ditadura militar brasileira, abster-se-á completamente de comentar a realidade brasileira. Esta opção, defende Mansur da Silva, aliada ao grande enfoque dado à guerra nas colónias, por um lado, e ao sentimento nacionalista brasileiro contra o colonizador português presente em certos sectores militares, por outro, terá assegurado a sobrevivência do periódico. O jornal passa a ser mais informativo, recebendo colaborações de diversas partes do mundo onde estão estabelecidos exilados portugueses, tornando-se mais lido fora do que dentro do Brasil. Simultaneamente à edição do Portugal Democrático, o grupo responsável promove várias iniciativas de contestação ao Estado Novo, de 1145

1146 que são exemplos a criação do Comité dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão, em 1958, e a realização da I Conferência Sul-Americana Pró-Amnistia para os Presos e Exilados Políticos da Espanha e Portugal (Janeiro de 1960), do «Acto Público de Solidariedade aos Trabalhadores e aos Povos de Espanha e Portugal» (27 de Maio de 1962) ou do debate «42 anos de fascismo em Portugal» na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (finais de 1968). Procura também contactar com outros núcleos de oposição portugueses, no Brasil e fora, visando constituir uma rede de representantes locais que pudessem encarregar- -se da divulgação e distribuição do jornal. Reflexo da preocupação do grupo em conseguir o entendimento e articulação do conjunto da emigração política no Brasil e a sua unidade em torno de um plano de acção comum aos restantes núcleos de exilados espalhados pelo mundo. A criação do Serviço de Informação Internacional Portugal Democrático no Rio de Janeiro em Agosto de 1960, espécie de sucursal do periódico, resulta em parte desse esforço. Idêntico objectivo tem a formação da Unidade Democrática Portuguesa em Outubro do ano seguinte. Estas organizações pretenderiam minimizar divergências políticas decorrentes da crescente influência comunista no Portugal Democrático e contribuir para uma maior denúncia da ditadura portuguesa e das guerras coloniais. Mas os impasses que inviabilizam a unidade mantêm-se a posição perante a questão colonial, o alcance que deveria ter a transformação social almejada, as formas de actuação da resistência no exílio e no interior mesmo entre a oposição radicada no Brasil. A revolução em Portugal é saudada com entusiasmo nas páginas do jornal. A partir daí, o propósito principal é o de fazer a cobertura dos acontecimentos. Em Outubro de 1974, a periodicidade passa a ser semanal. Na edição comemorativa do 1.º aniversário do 25 de Abril é, por fim, anunciado o encerramento do periódico, cumprido que está o objectivo que lhe dera origem. A anunciada intenção de retomar a publicação acabará por não acontecer, consequência da pressão exercida junto ao comando de caça aos comunistas brasileiro pelos partidários do Estado Novo português «refugiados» no país. O trabalho de Mansur da Silva explicita bem a importância do jornal como espaço privilegiado para a circulação e debate de questões políticas e culturais, o seu carácter unitário (apesar de mais formal do que real) e o facto de este resultar da colaboração de gente com formação profissional e académica diversa, desde operários a artistas. É interessante a descrição da composição do periódico e as referências a alguns dos nomes a ele ligados. Pena é que o autor não tenha optado pela introdução de notas biográficas dos elementos citados, ao menos dos colaboradores mais empenhados. Os

motivos da saída de Portugal, o campo político a que pertenciam, as funções desempenhadas no jornal e o período cronológico da colaboração de cada um seriam dados relevantes para melhor compreender o tema em análise. Como importante seria aproveitar os depoimentos orais recolhidos e avançar informações acerca dos responsáveis de «segunda linha», sempre tão difíceis de identificar e biografar. Quando constam, esses elementos surgem de forma dispersa e algo desorganizada. O autor faz a necessária contextualização do objecto, inserindo breves notas sobre a história da oposição em Portugal e da imigração política no Brasil. Já a introdução do subcapítulo dedicado ao debate em torno da natureza do regime português parece um pouco descabida. Reconhece-se a dificuldade de sintetizar sem que a descrição da realidade se assemelhe a uma imagem monocromática, mas é menos aceitável que não se actualize a bibliografia consultada (tanto mais que a publicação da tese é feita seis anos depois da sua apresentação) e que estas descrições contenham diversas imprecisões e omissões. Por exemplo, não é consultada a dissertação de doutoramento de Heloísa Paulo, obra dedicada exclusivamente à comunidade portuguesa radicada no Brasil e sua relação com o regime salazarista até ao limiar da década de 1960 (Aqui Também é Portugal. A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo, Coimbra, Quarteto, 2000). Quanto ao resumo da actividade oposicionista em Portugal, o autor cinge-se, sem que seja explicitado, aos movimentos unitários da década de 1940. De entre estes, enquanto o Movimento Nacional Democrático merece um desenvolvimento razoável, o Movimento de Unidade Democrática é referido muito de passagem, não obstante ter tido um impacto relativo bastante maior. Como também mereceria ser desenvolvido o período das eleições presidenciais de 1958 e os anos imediatamente subsequentes, motivo de exílio de vários dos elementos do núcleo do Portugal Democrático. Outra lacuna é o silêncio quase absoluto sobre outros núcleos de exilados portugueses e a sua relação com o jornal, particularmente os de Paris ou de Argel, destinos preferenciais da emigração política a partir do início dos anos 1960. Refira-se ainda que toda a nota de rodapé dedicada à Frente Patriótica de Libertação Nacional, organização com quem o grupo mantém uma ligação significativa, é pouco rigorosa. Positiva é a incursão na história da oposição portuguesa no Brasil. O asilo político de Humberto Delgado e algumas actividades por ele desenvolvidas nesse período, o aparecimento do Portugal Livre, a ruptura com Henrique Galvão, a forte influência da revolução cubana na luta dos oposicionistas portugueses ou a vigilância que sobre eles é exercida pelo Departamento de Ordem Política e Social brasileiro são alguns dos pontos aflorados. Ainda assim, poderiam ter sido mais exploradas as razões do distanciamento e corte entre 1147

1148 Delgado e alguns membros do núcleo do Portugal Democrático, que terão estado na base da saída desses elementos em Março de 1963 (e que o autor relaciona unicamente com o aumento da influência do PCP), ou a criação da Comissão de Interligação em Março de 1961, precursora da Unidade Democrática Portuguesa. Finalmente, de salientar a chamada de atenção para a contribuição dos intelectuais portugueses para a cultura brasileira do século XX, protagonizada em grande medida por personalidades da oposição. Como podemos ler na introdução, fazer a história do Portugal Democrático e da ética de resistência política do núcleo flutuante por ele responsável é o propósito do livro de Mansur da Silva, intento assaz atingido. Mas a escolha de um título de capa mais lato e ambicioso, quiçá mais apelativo comercialmente, acaba por deixar o sentimento de que o trabalho fica aquém do prometido. SUSANA MARTINS Dieter Nohlen, Os Sistemas Eleitorais: o Contexto Faz a Diferença, Lisboa, Livros Horizonte, 2007. Quando os fundadores do governo representativo estabeleceram os alicerces deste modelo, por certo não imaginaram nem essa foi a sua preocupação central a dinâmica do debate que se seguiria sobre os sistemas eleitorais. Mesmo Thomas Hare, a quem devemos o Treatise on the Election of Representatives, como produto mais acabado da machinery of representation, e Stuart Mill, sobretudo nas suas Considerations on Representative Government, seguem a linha de Locke, Montesquieu, Madison, Burke e Sieyès. O que é comum a estes autores é a preocupação em construir um modelo de governo onde o povo pudesse governar através de representantes; no fundo, um sistema particular de instituições políticas enquanto mecanismo estrutural de tomada de decisão nas sociedades complexas. Contudo, no quadro desta nova formulação sobre a teoria da representação política, surgiria o debate seminal entre princípios de representação (proporcional e maioritária), travado entre Stuart Mill e Walter Bagehot, que estabeleceria as bases para compreender a essência dos sistemas eleitorais, entendidos em sentido amplo, e que influenciaria a abordagem a este fenómeno por parte de alguns dos actuais investigadores. Um deles é Dieter Nolhen, que, desde muito cedo, orientou o seu trabalho, não sem alguma controvérsia, para a compreensão dos sistemas eleitorais a partir da teoria da representação política. Seria fastidioso, mesmo em formato sintético, traçar aqui a evolução do debate sobre os sistemas eleito-