LUGARES DE TRAVESSIA: MEMORIAIS, EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO



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Transcrição:

1 LUGARES DE TRAVESSIA: MEMORIAIS, EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Maximiano Martins de Meireles 1 Marta Martins Meireles 2 Formação de Professores, Memória e Narrativas Resumo O presente texto tem como objetivo refletir sobre as experiências formativas vivenciadas no curso de Formação Pró-Letramento e seus desdobramentos nas práticas cotidianas de alfabetização e letramento. Para tanto, utilizamos os relatórios e os memoriais que foram escritos pelos professores/as-cursistas, ao longo da formação continudada. Desse modo, analisamos o memorial de formação continuada de cinco cursistas - professores/as alfabetizadores/as. Em síntese, podemos dizer que os/as professores/as foram tecendo narrativas na busca de significar suas experiências formativas, construindo sentidos sobre suas aprendizagens e o quanto elas foram formadoras para as suas práticas cotidianas de alfabetização/letramento. Palavras-chave: Experiências formativas. Memoriais de formação. Práticas de alfabetização e letramento. Abstract This paper aims to reflect on the formative experiences in the course of experienced Training Pro-Literacy and its consequences in the daily practices of literacy and literacy. We used the reports and memorials that were written by teachers / thecourse participants, throughout the training continudada. Thus, we analyzed the memorial of five continuing education course participants - teachers / the literacy / them. In summary, we can say that / the teachers / weaving the narratives were in search of meaning their formative experiences, building on the learning senses and how they were forming their daily practices for literacy / literacy.

2 Keywords: formative experiences. Memorials training. Literacy practices and literacy. UM GESTO INICIAL: CONTEXTUALIZANDO ALGUMAS QUESTÕES O presente trabalho é resultado de uma experiência formativa desenvolvida pela parceria do Ministério da Educação, a Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG e a Secretaria Municipal de Educação do município de Tucano-BA, no curso de Formação Pró-Letramento 3, na Área de Alfabetização e Linguagem, o qual foi realizado entre o período de 2008 a 2009. Nosso objetivo, nesse texto, é refletir sobre as experiências formativas vivenciadas no referido curso e seus desdobramentos nas práticas cotidianas de professores/as alfabetizadoras/as, tomando como referência os memoriais escritos pelos professores-cursistas. O Pró-Letramento se constitui num programa de formação continuada de professores das séries iniciais do ensino fundamental, para melhoria da qualidade de aprendizagem da leitura/escrita e matemática. No tocante à Área de Alfabetização e Linguagem, participaram do curso, nesta etapa, cento e vinte professores que estavam em exercício, nas séries iniciais do ensino fundamental das escolas públicas municipais, os quais foram distribuídos em quatro turmas. O curso de formação continuada teve duração de 120 horas com encontros presenciais e atividades individuais com duração de oito meses. A estrutura foi alicerçada em material produzido pelos Centros de Formação da Universidade de Ponta Grossa e da Universidade Federal de Minas Gerais, organizadas em oito fascículos e quatro vídeos, os quais foram objetos de estudo dos professores, por meio de atividades individuais em encontros semanais, sob a orientação de um professor orientador de estudo, também chamado de tutor. Nessa experiência, a formação continuada foi concebida como um processo de caráter reflexivo, dinâmico e interativo, em uma perspectiva dialógica entre teoria e prática, que valoriza as experiências pessoais, entendendo o professor como sujeito de sua ação, sujeito-reflexivo, sujeito de sua história, de seu fazer pedagógico (BRASIL, 2007. Assim,

3 O professor vem à cena. Sua pessoa, sua fala, sua interpretação do vivido, suas representações, seu olhar, a dimensão de suas necessidades e expectativas trazem novo panorama: o professor como pessoa, como profissional, como construtor de inteligibilidade, como ser reflexivo, como alguém que pensa, decide, se angustia (GHEDIN, 2008, p.60). Devido sua natureza reflexiva, que perpassa pelo viés do professor reflexivo, da atitude de reflexão, o memorial de formação tem sido cada vez mais utilizado enquanto ferramenta e instrumento em cursos formativos (NÓVOA, 1992). Nesse sentido, o exercício de produção de memoriais e a reflexão sobre si mesmo é uma perspectiva que vem se afirmando progressivamente nos espaços de formação continuada, à medida que toma as narrativas como gêneros discursivos privilegiados para os professores refletirem sobre seus saberes, suas aprendizagens e suas práticas pedagógicas. Dentro desse campo semântico, foi proposto no Curso de Formação Continuada Pró-Letramento a escrita do Memorial de Formação. A proposta da escrita, disseminada logo no primeiro encontro, aconteceu a partir de uma discussão teórico-metodológica com a intenção de que o grupo construísse alguns entendimentos sobre a estrutura textual e importância desse gênero no processo de formação. Salientamos que o memorial de formação pode ser considerado um gênero textual predominantemente narrativo, circunstanciado e analítico, que trata do processo de formação num determinado período combina elementos de textos narrativos com elementos de textos expositivos (os que apresentam conceitos e idéias, a que geralmente chamamos textos teóricos ). Se tomarmos em conta a definição mais clássica dos tipos de discurso narrativo, descritivo e argumentativo poderíamos dizer então que o memorial de formação é um gênero que comporta todos eles, embora evidentemente predomine o discurso narrativo. Em se tratando do estilo, também há lugar para diferentes possibilidades: a opção pode ser por um tratamento mais literário, ou mais reflexivo, ou pela combinação de ambos. (PRADO, SOLIGO, 2007, p.7). No tocante à importância desse gênero para a formação docente, ressaltamos, também na discussão, que a escrita do memorial favorece o pensamento reflexivo crítico e o exercício da autocrítica, criando um lugar para que

4 os educadores possam assumir a palavra e socializar as suas tensões, as suas inquietações, as suas experiências e as suas memórias escrevendo, assim, sobre o processo de formação e seus desdobramentos na prática profissional (PASSEGI, 2008). Desse modo, foi orientado que cada professor-cursista, pudesse ir registrando, ao longo do curso, as vivências formativas e também as experiências em sala de aula, com vistas a facilitar a escrita do memorial. Foi importante entender que o memorial deveria abordar, necessariamente, os elementos mais significativos da formação e do fazer docente, ou seja, as principais reflexões que tiveram lugar no Curso e as mudanças na prática pedagógica resultantes do processo formativo. Para constituir as reflexões que compõem o corpus desse trabalho, utilizamos os relatórios e os memoriais que foram escritos, ao longo da formação continuada, pelos sujeitos do processo: professores/as-cursistas e professor-formador. Analisamos o memorial de formação continuada de cinco cursistas - professores/as alfabetizadores/as. Como forma de consubstanciar nossa análise, os memoriais foram escolhidos a partir da leitura minuciosa, considerando mais pertinente, para o momento, os escritos que revelaram os desdobramentos da experiência formativa nas práticas cotidianas de ensino e aprendizagem. Dentre os dezoito memoriais produzidos pelos cursistas, foram selecionados cinco trabalhos que revelaram com mais expressividade os percursos formativos e as contribuições do curso no fazer pedagógico. A análise contemplou dois eixos interpretativos: a importância da experiência formativa e seus desdobramentos nas práticas de alfabetização. Apresentamos a seguir, nossas reflexões. EXPERIÊNCIAS FORMATIVAS E SEUS DESDOBRAMENTOS NA PRÁTICA DE PROFESSORES/AS ALFABETIZADORES/AS Os excertos das narrativas que aqui serão analisados sinalizam aprendizagens construídas pelos professores-cursistas a partir das experiências formadoras vivenciadas durante o curso, ao tempo em que sinalizam os desdobramentos dessas experiências em suas práticas de alfabetização e letramento. São recortes significativos que trazem em seu bojo reflexões reveladoras

5 sobre esse percurso formativo e as contribuições dessa formação em suas práticas pedagógicas. Que fatos marcaram essa formação e como esses fatos se desdobraram em suas práticas profissionais (PASSEGI, 2008) são questões fundantes que norteiam as reflexões presente nas narrativas que se seguem. As leituras e discussões das primeiras unidades do fascículo me permitiram compreender que a alfabetização e o letramento são indissociáveis, esse foi um ponto crucial de aprendizagem, nesse período. Compreendi ainda, que o processo de alfabetização não se limitava apenas ao domínio do sistema de escrita, mas se estendia aos usos da língua escrita em suas práticas sociais, em uma proposta de alfabetizar letrando (Professora Mariana). Ao tratar da experiência formativa, mais especificamente dos estudos relacionados aos pressupostos da aprendizagem e do ensino da alfabetização, a professora Mariana, em suas narrativas, destaca reflexões que provocam, de algum modo, deslocamentos e rupturas na forma de conceber a alfabetização: a alfabetização para além do ensino de letras, introduzindo, assim, um ensino que se estrutura no uso e para uso escrito e falado da língua, o qual deve ser sempre contextualizado, contemplando assim, ao mesmo tempo, a alfabetização e o letramento (SOARES, 2003). Nesse mesmo sentido, a professora-alfabetizadora ressalta que Uma das propostas para efetivar isso [...] foi o trabalho com diversos gêneros textuais que permitem conciliar, simultaneamente, alfabetização e letramento. Um exemplo disso foi o trabalho com cantigas de roda na sala de aula, sugerido pelo curso como atividade seqüenciada de grande relevância, pois favoreceu um ensino pautado na alfabetização e no letramento, uma vez que esse gênero textual permitiu o contato com a escrita e a leitura de maneira lúdica e prazerosa. Essa foi uma atividade de confronto entre teoria e prática, envolvendo uma prática alfabetizadora onde as crianças puderam avançar na compreensão, leitura e escrita de palavras e textos, bem como perceberam a importância desse tipo de texto e sua circulação na sociedade (Professora Mariana). Ademais, a professora Mariana traz a seguinte questão:

6 As aprendizagens experenciadas/vivenciadas durante esse período contribuíram para que mudanças acontecessem na minha prática diária de alfabetizar, a experiência de alfabetizar letrando, a partir de diversos gêneros textuais foi muito enriquecedora, promoveu um ensino pautado na função social dos textos que circulam no nosso cotidiano, gerando um ensino mais dinâmico, o que provocou nas crianças uma maior curiosidade em aprender a ler e a escrever, descobrindo letras, levantando hipóteses de leituras e descobrindo a funcionalidade da língua em nosso dia-a-dia (Professora Mariana). A perspectiva de alfabetizar-letrando, demarcada em suas três falas, toma relevância em sua prática cotidiana, visto que a professora passa a investir no trabalho com gêneros textuais como possibilidade de constituir, no processo de ensino e aprendizagem, o imbricamento alfabetização-letramento (SOARES, 2003). Isso possibilitou mudanças em seu fazer cotidiano, gerando mudanças também na forma como os estudantes foram se apropriando da língua escrita, construindo ao mesmo tempo, um aprendizado sobre o sistema de escrita e seu uso social. Os termos alfabetização e letramento foram trabalhados no curso a partir das noções apresentadas no módulo, tomando como referência as ideias de Magda Soares (2003). Desse modo, o termo Alfabetização é utilizado, didaticamente, para designar, conforme muitos pesquisadores, o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e do funcionamento do sistema de escrita. (BRASIL, 2007). Já a expressão Letramento diz respeito ao resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, fazendo uso desse aprendizado em práticas sociais, ou seja, é apropriação do sistema de escrita e a inserção do sujeito num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita (BRASIL, 2007). A preocupação em colocar em prática as aprendizagens que foram sendo construídas durante a formação, no sentido de trabalhar na perspectiva do alfabetizar letrando é revelada, também, nas narrativas do professor Otaviano, conforme podemos ver abaixo: As discussões, assim como as leituras e os momentos lúdicos, foram de grande importância para o desenvolvimento, planejamento e reflexão do meu trabalho pedagógico em sala de aula. Além disso, outro fator que contribuiu bastante foi a aplicação da sequência didática, pois me ajudou a sistematizar e colocar em prática as aprendizagens que vinha construindo ao longo do curso. O objetivo

7 era trabalhar sistematicamente em sala de aula um gênero textual. Depois de algumas reflexões, naquele momento, optei por trabalhar com contos, pois me daria a oportunidade de trabalhar com a alfabetização e letramento ao mesmo tempo (Professor Otaviano). Para tanto, o professor Otaviano, assim como a professora Mariana, também, se utilizou do trabalho com gêneros textuais como possibilidade de desenvolver uma prática pedagógica que articule os dois processos de apropriação da língua: aprendizagem do sistema de escrita e os modos de uso da escrita em práticas sociais cotidianas. Essas questões nos remetem às ideias de Marcuschi (2003) no sentido de entender os gêneros textuais como textos materializados que nos deparamos em nosso cotidiano, os quais apresentam características comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Os gêneros textuais são maneiras de organizar as informações linguísticas e sociais, considerando a finalidade do texto, o papel dos interlocutores e as características da situação (MARCUSCHI, 2003). Assim, o trabalho com gêneros textuais em sala de aula, requer um estudo da finalidade do texto, de suas características, adequação a situação sócio-comunicativa, suporte textual e locais de circulação do gênero. Concordamos que, na busca da formação do sujeito usuário da língua, a escola, assim como o/a professor/a, deve realizar um trabalho com diferentes gêneros textuais, ou seja, com diferentes textos que circulam na sociedade (BRASIL, 1998). O contato e a exploração de diferentes textos possibilitarão, dentre outras coisas, a formação de um leitor e um escritor reflexivo-investigativo, que para além da decodificação, deve ser capaz de identificar as intenções comunicativas, os aspectos ideológicos, as finalidades e intenções do interlocutor. A professora Lindaracy, além da perspectiva de desenvolver uma prática que contemple a relação alfabetização-letramento, demarca, em síntese, outras questões que foram significativas em sua formação, conforme aparece abaixo: Durante o período de estudos, discutimos várias outras questões relevantes para a realização de minha prática pedagógica. Questões como: alfabetizar-letrando; avaliar de forma mais significativa; conceber o planejamento com ponto inicial do nosso trabalho; valorizar o uso constante da biblioteca ou salas de leitura, bem como

8 do dicionário; utilizar o lúdico de forma significativa, não apenas para passar o tempo; analisar e encontrar no livro didático um apoio para o trabalho em sala de aula; e, por fim, conciliar o modo de falar e o modo de escrever, dando valor a cada uma das formas de se expressar (Professora Lindaracy). Em suas narrativas, aparecem questões que sintetizam as discussões e as aprendizagens que foram construídas ao longo dos encontros realizados. Desse modo, a professora revela que as experiências formativas contribuíram para a construção de princípios conceituais, didáticos e pedagógicos relevantes ao seu fazer pedagógico na prática de alfabetizar letrando ou de letrar alfabetizando, considerando, assim, diferentes saberes necessários ao desenvolvimento de seu trabalho docente. Também, nesse sentido, outras vozes emergem: A partir dos estudos, leituras e discussões, pude introduzir em sala de aula diversas sugestões que foram apresentadas ao longo do curso; nisso minhas aulas se tornaram mais dinâmicas e instrutivas. Desse modo, desenvolvi a sequência didática de atividades abordando o gênero textual jornal. Foi um trabalho muito proveitoso, pois os alunos desempenharam um ótimo papel como leitores e mais ainda como autores de seus próprios textos. Além disso, eles perceberam a importância de se respeitar e valorizar as ideias dos outros e a relevância de se trabalhar em conjunto (Professor Jackson). Uma grande contribuição do curso para mim foi perceber como devemos usar a avaliação diagnóstica e monitorar o aluno; eu já fazia esse trabalho em sala de aula, porém não com tanta eficiência. O curso me norteou explicando que monitorar o processo de alfabetização significa acompanhar, intervir na aprendizagem, para reorientar o ensino e resgatar o sucesso dos alunos. Posso dizer que tenho mais cuidado na hora de avaliar meus alunos alternando produção de textos, orientando devidamente, tentando mostrar a melhor maneira de produzir sem limitar criatividade e a capacidade de cada aluno ao construir seu próprio texto (Professora Suzana). Nas narrativas dos professores/as alfabetizadores/as fica notório o trabalho de alfabetização para além do ensino de letras, ou apenas do sistema de escrita. O texto, assim como a leitura e a escrita, passa a ter centralidade em suas práticas

9 cotidianas de alfabetizar, a partir da presença dos gêneros textuais em sala de aula. Isso aponta para a perspectiva que concebe, no processo de ensino-aprendizagem da língua, o texto como ponto de partida e de chegada. O texto não como pretexto para apenas o sistema de escrita, mas sim como possibilidade de contribuir na formação de leitores e escritores. Conforme destaca o PCN (1997, p. 35) Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e interpretar textos, não é possível tomar como unidade de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco tem a ver com a competência discursiva, que é a questão central. Dentro desse marco, a unidade básica de ensino só pode ser o texto, mas isso não significa que não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas que o exijam. Segundo o PCN (1997), o trabalho com a leitura intenciona a formação de leitores competentes, o que implica no desenvolvimento de diferentes competências que vão para além da decodificação. Desse modo, a leitura é entendida Como um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita (BRASIL, 1997, p.53), Nas tessituras abaixo, os/as demais professores/as sinalizaram, ainda, as implicações da formação no processo de ensino-aprendizagem, delineando que o curso favoreceu na organização do planejamento dos tempos e das atividades de leitura, gerando mudanças na rotina e na dinâmica do cotidiano pedagógico, ressignificando, assim, práticas diárias de alfabetização. Ao aprender a importância do planejamento, do valor e de como organizar o tempo da leitura em sala de aula, pude sistematizar melhor as atividades cotidianas de sala de aula, com o intuito de despertar o gosto dos alunos por essa atividade. Passei a fazer visitas mais frequentes à biblioteca, dando a oportunidade para o aluno explorar os livros. O uso do dicionário passou a fazer parte da rotina; e usando os dicionários os alunos passaram a ler e construir

10 os significados de palavras que usamos no dia-a-dia, como também palavras desconhecidas (Professora Lindaracy). Comecei, a partir dos estudos, a trabalhar de maneira diferente em sala de aula, com atividades diversificadas, incluindo jogos e momentos dedicados somente ao prazer da ler. O trabalho didático passou a ser pensado, também, a partir das necessidades dos alunos e o nível de aprendizagem de cada um deles. Essa contribuição foi muito importante para meu o fazer pedagógico (Professora Suzana). Nessas narrativas, portanto, os/as professores/ as cursistas apresentam lições decorrentes da experiência de formação, ao tempo que, tomam consciência dessas aprendizagens, projetando-se e re-orientando suas práticas pedagógicas, validando assim, a importância e as implicações dessa formação no território da profissão. Desse modo, ao narrarem suas trajetórias, os professores-cursistas demarcam fatos/situações de aprendizagens que foram formadoras, implicantes e extremamente pertinentes no fazer pedagógico cotidiano. UM GESTO FINALIZADOR Através das escritas presentes nos memoriais de formação dos/as professores/as alfabetizadores/as, ou seja, dos professores-cursistas, a quem nos referimos no início e ao longo desse texto, foi possível olhar/ler e escutar a voz dos professores/as que teciam em seus escritos os percursos formativos e as contribuições dos mesmos nas suas práticas docentes. Em suas narrativas, apropriaram-se da escrita como instrumento de expressão, reflexão e expansão de si (PASSEGGI, 2008, p. 46), como possibilidade de compreender os processos de aprendizagem decorrentes da formação e, desse mesmo modo, pensar as implicações da formação no seu fazer docente. A partir dos memoriais, vemos que os/as professores foram tecendo narrativas na busca de significar suas experiências formativas, construindo sentidos sobre suas aprendizagens e o quanto elas foram formadoras (JOSSO, 2004). Desse modo, apontaram as contribuições do curso e os desdobramentos das experiências

11 formativas em suas práticas cotidianas de alfabetização/letramento. Essas questões nos possibilitam pensar, de algum modo, a formação continuada como um lugar de travessia, ou seja, como um processo, um movimento, um nunca acabar, um constante transformar-se, sendo, portanto, extremante importante na formação do professor e em suas práticas cotidianas de alfabetização e letramento. REFERÊNCIAS BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília, 1997. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF,1998. BRASIL, Pró-letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos Séries iniciais do Ensino Fundamental: alfabetização e linguagem. Secretaria de Educação Básica Brasília, MEC, 2007. GHEDIN, Evandro. Questões de método na construção da pesquisa em educação. São Paulo: Cortez, 2008. JOSSO, Marie Christine. Experiência de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004. MARCUSCHI, L.A. Da fala para a escrita: atividade de retextualização- 4ª ed São Paulo, Cortez, 2003. NÓVOA, Antônio. Formação de professores e profissão docente. In: Nóvoa, António (Org.). O professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. PASSEGI, Maria Conceição. BARBOSA. Mabel Nobre (org). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal, RN:EDUFRN, São Paulo: PAULUS,2008. PRADO, G. & SOLIGO, R. Memorial de formação: quando as memórias narram a história da formação... In: PRADO, G.& SOLIGO, R. (Org.) Porque escrever é fazer história: revelações, subversões, superações. Campinas, SP: Graf, 2005. SOARES, Magda. Letramento e Alfabetização: as muitas facetas. 26ª ANPED: GT Alfabetização, leitura e escrita, outubro de 2003. 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação - UEFS; Bolsista CAPES. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Pedagogia Universitária/NEPPU; Especialista em Educação

12 Especial - UEFS; Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Realiza-Pós; Graduado em Letras UNEB; e-mail: maxymuus@hotmail.com. 2 Especialista em Educação Especial UEFS. Pedagoga/UNEB; e-mail: marta.linci@hotmail.com.