Artigo por: Suani T Coelho, Javier Escobar Como implementar a Biomassa na Matriz Energética Brasileira? 1. A biomassa como energia complementar à hidroeletricidade O tema das energias renováveis na matriz elétrica brasileira vem sendo discutido há muito tempo, em particular nos períodos de seca e baixa hidraulicidade como novamente enfrentamos agora. Como já vem sendo discutido em várias publicações (Goldemberg e Coelho, 20131), desde a década de 80, a cada período seco na região Sudeste, os órgãos oficiais solicitavam às universidades o milagre. Como complementar a geração hidroelétrica com seus reservatórios baixos pela falta de chuva? Da parte dos órgãos governamentais o desconhecimento ainda existente com relação à geração descentralizada, cujos benefícios ainda não eram (re)conhecidos; da parte dos setores envolvidos, a falta de interesse por uma nova forma de energia cuja produção era considerada arriscada... O gráfico abaixo ilustra a complementariedade da biomassa (bagaço de cana) em relação à hidroeletricidade. A biomassa (em particular o bagaço de cana) é uma estratégia fundamental, pois o período de geração de eletricidade nas usinas da região SE e CO correspondem ao período da safra de cana (entre abril e novembro), o que por sua vez é justamente a época de chuvas mais reduzidas, onde as barragens das hidroelétricas apresentam níveis mais baixos e, portanto, uma menor oferta, como mostra a figura 1 a seguir. Figura 1. Complementariedade da biomassa com relação à energia hidroelétrica 1 Revista Opinioes.
Com a lei do Proinfa, em 2000, novas esperanças apareceram, mas de curta duração. Após a aprovação da lei, as simulações de tarifas feitas pela academia não foram aceitas pelo governo, considerando que eram muito elevadas para biomassa. O resultado foi o esperado: dos 1000 MW esperados dos empreendedores de biomassa, menos de 700 MW foram incorporados. A consequência foi ainda pior para as contas públicas, pois, cumprindo a lei, a diferença de potencia foi direcionada na sua maior parte para energia eólica, com tarifas muito superiores às da biomassa, acarretando gastos adicionais por parte da Eletrobras. A tabela 1 apresenta os resultados estabelecidos pelo PROINFA para os diferentes tipos de biomassa. Tabela 1. Valores Economicos do PROINFA para Biomassa Fontes Combustível Área 1 Área 2 Biogas 166,31 170,12 Setor Arrozeiro 108,17 112,67 Biomassa Setor madeireiro 116,05 121,85 Setor Sucroalcooleiro 119,61 93,77 Fonte: MME, 2004 (Portaria 45 de 30/03/2004). Notas: I - Área 1 - Áreas abrangidas pelas extintas SUDAM e SUDENE; II - Área 2 - Demais áreas do País Em sequência, politicas especiais para a energia eólica foram consideradas indispensáveis e incentivos fiscais foram então destinados à mesma, visando a incorporação das energias renováveis na matriz energética brasileira. Resultados excelentes, pois os custos de geração caíram vertiginosamente (auxiliados pela crise econômica na Uniao Europeia) e a energia eólica passou a ser extremamente competitiva economicamente, de forma que atualmente corresponde à maioria da energia contratada nos leilões.
Além disso, há o problema da falta de linhas de transmissão para os empreendimentos no NE. Em dezembro de 2013, a energia eólica no Brasil tinha a capacidade de geração de 3,4 Gigawatts (GW) distribuída em 140 parques, mas 48 deles, mesmo prontos, não podem operar por falta da conexão entre a usina e a rede elétrica. As usinas paradas, localizadas nos Estados da Bahia e Rio Grande do Norte, deixam de gerar 1,2 GW, pouco mais de um terço da capacidade total2. A tabela 2 a seguir ilustra os resultados dos leiloes recentes, com a participação predominante da energia eólica, em função da competitividade obtida desde 2000. Tabela 2. Representação dos últimos leilões de energia. Leilões Biomassa Eólica UHE/PCH 18º - Energia nova 6% 52% 42% 17º - Energia nova 100% 16º - Energia nova 50,30% (não participou) 49,70% 5º - Reserva 100% 15º - Energia nova 0 13º - Energia nova 8,30% 80,60% 11,10% 12º - Energia nova 7,20% 38,90% 16,40% 4º - Reserva 8% 92% leilão fontes alternativas 405 por tipo de fonte leilão de reserva 13,50% 76,70% 9,80% 37,5% (GN) MW biomassa 666 MW eolica Observe-se nos resultados da tabela que a biomassa e as PCH s somente foram competitivas nos leiloes em que a energia eólica não participou, o que faz com que os setores envolvidos nestes dois setores de energia renovável defendam o estabelecimento de leiloes por fontes de energia3. Com relação à eletricidade a partir do biogás (em aterros, principalmente), observa-se pela tabela 1 que em 2000 os valores eram substancialmente maiores que para as outras fontes. Ainda hoje, segundo os empreendedores, a energia de gás de lixo é mais cara que a eólica, vendida em torno de R$ 125 por MWh, mas mais barata que a solar, que ainda custa acima de R$ 200 por MWh no 2 http://noticias.uol.com.br/meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2013/12/20/falta-de-linhas-detransmissao-atrasa-operacao-de-34-dos-parques-eolicos.htm 33 No caso da biomassa seria interessante um leilão que reunisse todas as formas de biomassa, inclusive biogás
Brasil. Segundo informações recentes em um leilão no mercado livre, empreendedores estabeleceram um valor mínimo R$ 190 por MWh. Na verdade no setor de biogás de aterro todas as vendas são em leiloes no mercado livre e não nos leiloes organizados pelo governo, onde seria impossível competir com a energia eólica. Quanto aos empreendimentos de biomassa, principalmente a geração de excedentes com resíduos de cana, apesar das vantagens ambientais e estratégicas e do enorme potencial (mais de 10 000 MW), os mesmos continuam na sua maioria sem se viabilizar. Sem incentivos e tendo que competir com a energia eólica subsidiada e comercializada a preços extremamente baixos, suas perspectivas parecem reduzidas. A figura 2 a seguir ilustra a potência instalada com as diferentes fontes de biomassa no Brasil, onde a participação do bagaço de cana corresponde a mais de 80% da potência total instalada com biomasa. Entretanto deve ser observado que nesta figura é indicada a potencia total instalada e não a potencia excedente comercializada pelos setores. No caso especifico da eletricidade a partir do bagaço de cana, dos aproximadamente 10 000 MW instalados, são comercializados em torno de 2000-3000 MW, o que é ainda reduzido comparado com o potencial de 10 000 MW excedentes. Figura 2: Potencia instalada a partir de biomassa no Brasil em 2012 Fonte: Banco de Informações de Geração, ANEEL, 2012 Do total de energia elétrica gerada por meio de usinas termoelétricas, a biomassa atualmente representa 7%. Além do bagaço de cana, a biomassa de base florestal (cavaco e licor negro) representa 15,8%, outros tipos de biomassa como casca de produtos agrícolas e o capim elefante, biogás e óleo de palma representam 1,8% e já contribuem para a geração de energia elétrica brasileira.
Entretanto, o surpreendente é que, apesar de já ser competitiva, a energia eólica continua fazendo jus a inventivos e as outras energias renováveis devem competir na chamada modicidade tarifaria. Na presente dificuldade de reservatórios novamente com baixos níveis, o planejamento do setor aciona termoelétricas a combustíveis fósseis (poluentes e mais caras) e a biomassa nem sequer é considerada como uma opção. A bioenergia deve competir com a energia eólica subsidiada e com combustíveis fosseis. 2. O uso da madeira como fonte de energia No caso especifico da madeira, estima-se que a madeira energética tenha sido responsável, pela produção de 30,4 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep), quantidade da mesma ordem de grandeza das demais fontes renováveis em termos nacionais (Tabela 3). Na Figura 3 observa-se a representação percentual da madeira e seus derivados na oferta interna de energia. Tabela 3. Oferta interna de energia em 2012. Mtep Fonte 2012 RENOVÁVEIS 120,2 Energia hidráulica e eletricidade 39,2 Biomassa de cana 43,6 Lenha, Carvão Vegetal e Lixívia 30,4 Outras renováveis 7,1 NÃO RENOVÁVEIS 163,4 Petróleo 111,2 Gás natural 32,6 Carvao mineral 15,3 Urânio (U 3 O 8 ) 4,3 Fonte: Elaboração própria com base em (BEN, 2013).
Lixívia 16% Carvão Vegetal 29% Lenha 55% Figura 3. Representação da madeira na oferta interna de energia no Brasil. Fonte: Elaboração própria com base em (BEN, 2013). É inegável que a madeira ainda ocupa um importante papel estratégico para a produção e uso de energia firme no país. Entretanto, a produção e utilização como biomassa moderna ainda é incipiente. Ao longo dos últimos dez anos, cerca de um terço da madeira para energia no país foi destinada a uso doméstico e agropecuário, a maior parte destinando-se a usos industriais nos setores de alimentação e bebidas, celulose e papel, ferro-gusa, ferro- ligas e cerâmica vermelha (BEN, 2013). Dentre estes setores a indústria de celulose utiliza seus próprios resíduos de processo proveniente da madeira de florestas plantadas de eucalipto, para produzir vapor e eletricidade em sistemas de cogeração de alta eficiência, porem somente a lixívia substitui 46 % do consumo térmico do setor sendo necessária a complementação com queima de madeira in natura ou outro combustível. Os setores de alimentos, cerâmica vermelha e gesseira usam diretamente a biomassa para produzir calor; são usados resíduos agro-florestais, mas em alguns casos inclusive de florestas naturais, apesar da proibição da legislação vigente. O setor que utiliza a maior quantidade de energia proveniente da madeira é a indústria siderúrgica que emprega o carvão vegetal como termo-redutor no processo industrial, sendo responsável por 1/3 de todo o consumo nacional de lenha.
O Brasil é o um dos maiores produtores de madeira proveniente de florestas plantadas com mais de sete milhões de hectares, destacando-se na produção do Eucalyptus ssp. Atualmente 38% da madeira destinada para uso energético no Brasil é proveniente de florestas plantadas, porem ainda 62% e proveniente de florestas nativas e resíduos florestais. O potencial de utilização dos resíduos de madeira ainda é pouco explorado no Brasil, especialmente porque grande parte encontra-se na região amazônica resultado da indústria madeireira. Existem inúmeras barreiras que não permitem sua recuperação como um subproduto, como logística, manuseio, transporte, tecnologia especifica para aproveitamento e a inexistência de um mercado interno adequado para resíduos de madeira. Além disso, é importante destacar a necessidade de políticas especificas para o aproveitamento dos resíduos ligno-celulosicos no Brasil. 3. Considerações finais O Brasil está passando, assim, de uma matriz energética limpa com predominância de renováveis para uma matriz energética com maior participação de fosseis, elevando suas emissões de carbono cada vez mais. A tabela 3 ilustra a mudança no perfil das emissões de GEE no Brasil, onde as emissões devidas ao desmatamento foram reduzidas (espera-se que assim continue...) mas as emissões no setor de energia dobraram de 1990 a 2010, passando a ocupar o segundo lugar nas emissões do pais. Figura 3: Cogeração com bagaço de cana - Usina Santa Adélia. Foto: CENBIO Tabela 3: Evolução histórica das emissões de gases efeito estufa no Brasil Fonte: Estimativas anuais de emissões de gases de efeito estufa no Brasil (MCTI, 2013).
De fato, parece que o país está na contramão da sustentabilidade ambiental energética... São Paulo, Março de 2014