ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS PARA CRIANÇAS COM AUTISMO



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Transcrição:

ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS INCLUSIVAS PARA CRIANÇAS COM AUTISMO Laís de Meneses Carvalho Arilo- FSA- E-mail: lais.arilo@hotmail.com Prof. Ms. Patrícia Melo do Monte FSA/CIES - E-mail: patriciamelo2000@gmail.com Vera Lúcia Coêlho Costa- FSA- E-mail: vera_cacique@hotmail.com RESUMO O atendimento escolar de alunos autistas tem sido alvo de reflexões e propostas diferenciadas. O presente artigo foi realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica a respeito das dificuldades e possibilidades da educação inclusiva para crianças com autismo. Refletiremos a partir das seguintes questões norteadoras: Como devem ser educados os alunos identificados como autistas? Que características devem ter a escola inclusiva para atender às suas necessidades específicas? O autismo caracteriza-se por dificuldades em diferentes graus de intensidade em várias áreas, como: habilidade de comunicação, relacionamento social, funcionamento cognitivo, processo sensorial e comportamento. Diversos autores consideram que é uma síndrome das mais difíceis de compreender, devido ao seu aspecto variável de gravidade, à mudança periódica de sintomas, à inconsistência na nosologia e à falta de sinais físicos específicos. A questão educativa torna-se, portanto, de grande relevância, no sentido de desenvolver estratégias de ensino visando níveis mais altos de competências. O debate instaurado em relação ao sujeito com autismo é amplo. Certamente as respostas que encontramos são parciais, mas necessárias para o avanço na educação dos alunos com autismo. Ressaltamos a importância de se conhecer as peculiaridades do transtorno, para que sejam tomadas as medidas educacionais necessárias tendo em vista as características específicas de cada aluno. Consideramos relevante ainda em relação à definição dos objetivos de trabalho tomar o aluno como parâmetro de si mesmo. Palavras-chave: Autismo. Educação. Inclusão. ABSTRACT The school attendance of students with autism has been the target of different ideas and proposals. This paper was developed from a literature about the difficulties and possibilities of inclusive education for children with autism. We will reflect from the following questions: How should be taught the students identified as autistic? What characteristics should be inclusive school to meet your specific needs? Autism is characterized by difficulties in varying degrees of intensity in several areas, including: communication skills, social relationships, cognition, behavior and sensory process. Several authors consider that it is a syndrome of the most difficult to understand because of its variable aspect of gravity, the periodic change of symptoms, the inconsistency in the nosology and the lack of specific physical signs. The educational issue becomes, therefore, of great relevance in order to develop teaching strategies aimed at higher levels of skills. The debate opened in relation to the subject with autism is broad. Certainly the answers we find are biased, but necessary to advance the education of students with autism. We emphasize the importance of knowing the peculiarities of the disorder, so that educational measures are necessary in view of the specific characteristics of each student. Still considered relevant in relation to defining work objectives taken as a parameter of the student himself.

Keywords: Autism. Education. Inclusion. 1 Introdução O desafio associado ao atendimento escolar de alunos autistas tem sido alvo de reflexões e propostas diferenciadas. O presente artigo foi realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica a respeito das dificuldades e possibilidades da educação inclusiva para crianças com autismo. Abordamos nesse trabalho o conceito de autismo e suas peculiaridades, bem como a lei que regulamenta a educação especial e a educação inclusiva. Discutiremos, de forma específica, a educação da criança com autismo, apontando medidas possíveis de facilitação desse processo, sob o ponto de vista de psicólogos, psiquiatras e pedagogos. Refletiremos ainda sobre as possibilidades e os desafios da inclusão educacional das crianças com autismo, a partir das seguintes questões norteadoras: Como devem ser educados os alunos identificados como autistas? Que características devem ter a escola inclusiva para atender às suas necessidades específicas? 2 O Autismo: Compreensões Conceituais A primeira descrição clínica do autismo infantil foi realizada pelo pediatra Leo Kanner, em 1943, baseado nas observações feitas com um grupo de crianças. A partir de então, os estudos realizados a respeito do autismo nas mais diferentes áreas científicas resultaram em vários desdobramentos. Apesar disso, ainda não existe um esclarecimento definitivo das causas do autismo. Guedes (2002) cita duas vertentes que explicam a causa do autismo: a corrente inglesa, que evidencia falhas biológicas neuroanatômicas no indivíduo autista, e a francesa, que considera a origem relacionada a fatores psicossociais, especificamente de falhas na interação mãe bebê, nos primeiros anos de vida. Corroborando a corrente inglesa, Kaplan (1997) salienta que as crianças autistas apresentam mais evidências de complicações pré-natais do que o grupo de crianças normais. Acredita ainda que o transtorno está associado com condições em que há lesões neurológicas, notoriamente rubéola congênita, fenilcetonúria, esclerose tuberosa e síndrome de Rett.

Este autor discorre ainda sobre evidências que indicam que a incompatibilidade imunológica entre a mãe e o embrião ou feto pode contribuir para o autismo. Explica também que os linfócitos de algumas crianças autistas reagiriam com os anticorpos das mães, provocando danos nos tecidos neurais embrionários durante a gestação. O que confirma essa tese são alguns achados, em indivíduos autistas, de lesões no lobo temporal e de uma redução no número de células de Purkinje no cerebelo, o que resultaria em um repertório comportamental limitado e em anormalidades da atenção e processos sensoriais. Para a Psicanálise, o autismo é uma forma de defesa do indivíduo exposto a situações adversas, como pontua Guedes (2002). O autor cita que, para os estudiosos da Psicanálise de Melanie Klein, o autismo é uma defesa do momento traumático do nascimento, ou seja, o contato forçado com o mundo externo causaria um retraimento profundo no indivíduo. Menciona ainda que, para os estudiosos da Psicanálise de Jacques Lacan, o autismo é ocasionado por uma falha da figura materna em antecipar ou investir, a nível satisfatório, afeto no bebê. Explica que o indivíduo procura defender-se dessa falha elidindo-se, ou seja, embotando o seu sistema perceptivo, eliminando a percepção dos objetos e suas relações funcionais (e afetivas). Kirk & Gallagher (1996) apresentam a definição do termo autismo elaborada pela National Society for Autistic Children: O autismo é um distúrbio de desenvolvimento que incapacita severamente uma pessoa por toda a vida e que geralmente aparece nos três primeiros anos de vida. Ocorre em aproximadamente cinco entre 10.000 nascimentos e é quatro vezes mais comum em meninos do que em meninas. Tem sido encontrado por todo o mundo em famílias de todos antecedentes racionais, étnicos e sociais. (apud KIRK; GALLAGHER, 1996, p. 421) Trata-se de uma definição que aborda principalmente a epidemiologia do transtorno autista, não contribuindo, de fato, ao questionamento sobre a sua origem. Pesquisas recentes indicam ainda que o quadro do autismo (ou transtorno global de desenvolvimento), devido à sua complexidade, foi ampliado, apresentando-se em estado puro ou associado a outras patologias. Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-10, 1993), o autismo se apresenta como um transtorno invasivo de desenvolvimento que se manifesta até os três anos de idade, com desenvolvimento anormal e característico nas áreas da sociabilização e da linguagem, com presença de comportamento restritivo e repetitivo.

O autismo caracteriza-se por dificuldades em diferentes graus de intensidade em várias áreas, como: habilidade de comunicação, relacionamento social, funcionamento cognitivo, processo sensorial e comportamento. Gauderer (1993) considera que é uma síndrome das mais difíceis de compreender, devido ao seu aspecto variável de gravidade, à mudança periódica de sintomas, à inconsistência na nosologia e à falta de sinais físicos específicos. No aspecto da linguagem, a criança autista pode apresentar mutismo ou diversas alterações, como ecolalia, que é a repetição da fala de outros sem levar em consideração o contexto social ou valor comunicativo das palavras usadas; bradilalia, que é a fala em tom de voz muito baixo; produções bizarras, como gargalhadas, riso sem motivo externo e mudança de entonação e timbre da voz; dentre outras. Acredita-se que indivíduos com autismo têm inabilidade de dar sentido a suas experiências. Eles atuam sobre seus ambientes, podem aprender habilidades, aprender a usar a linguagem, mas eles não têm capacidade independente de entender significados. Apresentam comprometimento ao relacionar idéias e eventos e têm dificuldades com conceitos lingüísticos simbólicos ou abstratos. Assim, com as dificuldades no aspecto da linguagem, o relacionamento social fica comprometido. O indivíduo autista tem uma relação interpessoal falha, apresentando deficiência no contato visual (desviando o seu olhar dos olhos dos outros); nota-se ausência do sorriso social; em alguns casos, há aversão ao contato físico, desinteresse em participar de jogos e brincadeiras e preferências por permanecer isolado. Sobre esses aspectos, Kaplan (1997) descreve: Caracteriza-se por uma falta (mas nem sempre uma ausência total) de comportamento de apego e por um fracasso relativamente precoce em vincular-se a uma pessoa específica(...) Observa-se um fracasso em brincar com seus pares e fazer amigos, falta de habilidades sociais e inadequação e, particularmente, fracasso no desenvolvimento da empatia. (p. 981). Além das dificuldades nas relações interpessoais, Guedes (2002) pontua que autistas podem ainda apresentar distúrbios em relação aos objetos, distúrbios de modulação sensoriais, mostrando-se hipersensíveis a estimulação de cores e sons, desorganizando-se em ambientes com vários estímulos. Gauderer (1993) acrescenta que também há alterações em relação aos estímulos dolorosos, sendo esses freqüentemente ignorados. É freqüente um comportamento

de autoflagelação, que pode se iniciar precocemente ou na puberdade. O autista morde as mãos, agride-se com tapas no rosto, socos na cabeça ou se corta com objetos. A esse respeito, Grunspun (1999) esclarece que é um comportamento que pode ocorrer quando a criança é contrariada, mas também pode surgir sem causa. (p. 25) Sobre a colocação do autor, sabe-se que muitas pessoas com autismo tendem a apresentar altos níveis de ansiedade, que pode ser resultado das constantes confrontações com o ambiente. Como apresentam dificuldade em entender o que está acontecendo em redor, reagem com ansiedade e agitação, ou podem isolar-se em seu mundo interior, tornando-se alheios à realidade. Outras características do indivíduo autista são a preferência por ambientes estáveis e por atividades estereotipadas e ritualísticas. Apresenta ainda fisionomia inexpressiva e uso inapropriado do pronome eu, que é substituído por você ou por ele. Na adolescência, o desenvolvimento sexual do autista é comumente caracterizado pela prática masturbatória. A masturbação é, para ele, um importante meio de descarga de tensões, e pode ser expressa de forma inadequada no que se refere às normas estabelecidas, já que comumente os autistas não reprimem suas expressões de prazer e desprazer. As normas devem ser, portanto, ensinadas, considerando as suas peculiaridades. Para Kirk & Gallagher (1996), autistas são educáveis, e suas deficiências podem ser compensadas, em parte, por programas educacionais estruturados, com seqüências especificadas de aprendizagem e intensificação de estímulos reforçadores. Esses programas educacionais devem começar desde cedo, tendo os pais ou pais substitutos como primeiros professores. A questão educativa torna-se, portanto, de grande relevância, no sentido de desenvolver estratégias de ensino visando níveis mais altos de competências. O debate educacional na atualidade recomenda a ampliação da escolarização para os alunos com graves transtornos de desenvolvimento e a defesa do ensino comum como um espaço de acolhimento das diferenças. 3 A Educação Inclusiva para Crianças com Autismo: Desafios e Possibilidades No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 4º, inciso III, afirma que é dever do Estado garantir atendimento educacional

especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. Na realidade, constata-se facilmente que as escolas recebem os alunos com necessidades especiais na tentativa de inclusão, mas não realizam as adaptações necessárias para que ocorra de forma efetiva. No caso das crianças com autismo isso é agravado, pelo manifestação do quadro descrito anteriormente. Como devem ser educadas essas crianças? O que fazer? Como fazer? O que esperar? Essas são as principais questões que angustiam educadores nesse complexo trabalho de inclusão. Segundo Baptista (2002), a educação inclusiva para autistas requer, inicialmente, uma acurada habilidade de avaliação da situação contextual: Quem é o sujeito? Quais os seus vínculos? Quais os pontos de partida para um trabalho pedagógico? Essas perguntas permitem um levantamento de possibilidades que considera o que falta e o que o sujeito possui. A partir dessa identificação, são desenvolvidas estratégias plurais a fim de adquirir as habilidades básicas de desenvolvimento. Segundo Baptista (2002), os objetivos de trabalho com o aluno devem ser definidos tomando o aluno como parâmetro de si mesmo. O conhecimento prévio acerca da intensidade do comprometimento é importante no sentido de dar prioridade a metas específicas. Quanto à operacionalização, é necessário compatibilizar, por meio de um quadro flexível de ação, as necessidades do aluno e as propostas do currículo. Para viabilizar essa articulação, busca-se ampliar o tempo do aluno em sala de aula, podendo ser atendido individualmente ou com colegas, em pequenos grupos. Nessa perspectiva, a escola inclusiva deve partir de um trabalho pedagógico dinâmico, que exige uma postura de confiança na capacidade do outro, viabilizando um contexto colaborativo e permitindo a evolução do aluno por intermédio de mecanismos de individualização do processo educacional. Requer a recriação da prática pedagógica e a participação ativa e central do sujeito envolvido. Os alunos considerados graves, sobretudo, exigem da escola movimentos amplos de adaptação e criatividade. (BAPTISTA, 2002) Do educador exige-se flexibilidade, escuta, acolhimento dos múltiplos significados das ações dos sujeitos. Baptista (2002) ressalta pontos necessários para uma educação efetivamente inclusiva: processo educativo desenvolvido a partir da existência de dificuldades favorece a pesquisa e a recriação da prática pedagógica, a importância dada à ação e à centralidade do sujeito, a flexibilidade da estrutura metodológica, a participação de todos na elaboração das regras.

Para pedagogos e psicólogos, é importante destacar a dimensão subjetiva do processo ensino-aprendizagem. Defendem que sensibilidade, vinculação afetiva e expressão por parte dos profissionais colaboram no processo de formação dos educandos e é importante que o planejamento educacional esteja contextualizado com a realidade onde a criança está inserida. Serra (2000) apresenta critérios para uma flexibilização das escolas e a operacionalização da inclusão dos autistas. Seriam: A escola deve conhecer as características da criança e prover as acomodações físicas e curriculares necessárias; O treinamento dos profissionais deve ser constante e a busca de novas informações deve ser um ato imperativo; Deve-se buscar consultores para avaliar precisamente as crianças; A escola deverá preparar-se, bem como os seus programas, para atender a diferentes perfis, visto que os autistas podem possuir diferentes estilos e potencialidades; Os professores devem estar cientes que a avaliação da aprendizagem deve ser adaptada; É preciso analisar o ambiente e evitar situações que tenham impacto sobre os alunos; A escola deverá prover todo o suporte físico e acadêmico para garantir a aprendizagem dos alunos incluídos; A atividade física regular é indispensável para o trabalho motor; A inclusão não elimina os apoios terapêuticos; É necessário desenvolver um programa de educação paralelo à inclusão, especialmente com atividades socializadoras; A escola deverá demonstrar sensibilidade às necessidades do indivíduo e habilidade para planejar com a família o que deve ser feito ou continuado em casa. A educação na escola inclusiva é, portanto, indispensável à criança autista e cabe-nos ampliar a discussão de modelos e as melhores formas de educá-los. É imprescindível que os educadores sejam conhecedores do transtorno e de suas características inerentes, como também das especificidades do sujeito, para que possam planejar adequadamente as ações a serem praticadas. Considerações finais

O debate instaurado em relação ao sujeito com autismo é amplo. Entendemos que as questões desse estudo são tão polêmicas e controversas quanto o estudo da etiologia do autismo. Certamente as respostas que encontramos são parciais, mas necessárias para o avanço na educação dos alunos com autismo. Através da pesquisa bibliográfica, levantamos informações pertinentes e necessárias para a educação da criança com autismo, apontando a importância de se conhecer as peculiaridades do transtorno, para que sejam tomadas as medidas educacionais necessárias tendo em vista as características específicas de cada aluno. Consideramos relevante nessa discussão as orientações de Baptista (2002) em relação à definição dos objetivos de trabalho, que devem ser definidos tomando o aluno como parâmetro de si mesmo. Concluímos que a educação inclusiva é desafiadora, especialmente quando nos referimos à criança com autismo, pois suas características específicas exigem maior empenho por parte dos profissionais em conhecê-las bem como uma adaptação das instituições educacionais à realidade dessas crianças. Dessa forma, reiteramos a necessidade de mais estudos voltados para educação inclusiva de crianças com autismo para embasar a atuação dos profissionais. Referências BAPTISTA, C.R. Autismo e educação: Reflexões e propostas de intervenção. Porto Alegre: Artmed, 2002. BRASIL, MEC. Lei de Diretrizes e Bases no 9394/96. Brasília: MEC, 1996. CUNHA, J. A. et al. Psicodiagnóstico V. 5ª ed., Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. DSM-IV - Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre, Artes Médicas, 1995. GAUDERER, E. C. Autismo. 3ª ed., São Paulo: Atheneu,, 1993. GRUNSPUN, H. Crianças e Adolescentes com Transtornos Psicológicos e do Desenvolvimento. São Paulo: Editora Atheneu, 1999. GUEDES, D. D. Meu filho é superdotado?! : estudo de um caso com diagnóstico de autismo. Relatório de Pesquisa apresentado no Congresso Psicologia Ciência e Profissão. São Paulo, 2002.. Crianças em Situação de Risco Contexto de Teresina PI. Relatório de Pesquisa Apresentado na VIII Semana Universitária da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2003.

KAPLAN. Compêndio de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. KIRK, Samuel; GALLAGHER, James J. Educação da Criança Excepcional. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1996. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação Internacional de Doenças CID 10. 1993. SERRA, D. A educação de alunos autistas: Entre os discursos e as práticas inclusivas das escolas regulares. Revista Eletrônica Polêm!ca. Rio dejaneiro, 2008. Acesso em 29 de out de 2010. http: www.polemica.uerj.br/pol23/oficinas/artigos/lipis