Bom dia Senhoras e Senhores + Comentários da introdução Em primeiro lugar, permita-me dizer-lhes o quanto agradecido e honrado me sinto por estar aqui em Washington hoje, participando deste seminário importante. Gostaria de parabenizar o Banco Mundial por um outro excelente relatório do Desenvolvimento Mundial. Estou certo que este relatório reanimará a discussão sobre o desenvolvimento econômico e social na perspectiva do século XXI. Como orador deste seminário, trago o ponto de vista de um militante político de uma região em desenvolvimento do globo, preocupado com os problemas de falta de desenvolvimento, desigualdade social, econômico e a pobreza. + O objetivo de minha apresentação A leitura do Relatório do Desenvolvimento Mundial (WDR) fez surgir na minha mente reflexões que gostaria de compartilhar com vocês hoje. Basicamente, gostaria de apontar os seguintes assuntos: primeiro, em comentário sobre o processo de globalização total e seus efeitos sobre as economias nos países em desenvolvimento; segundo, poucas lições sobre da recente experiência brasileira sobre descentralização; terceiro, a experiência de um número selecionado de programas no Estado do Ceará, de onde venho; e finalmente, gostaria de fazer alguns comentários sobre a parte do Relatório que apresenta algumas recomendações específicas a respeito do Brasil. + O Processo de Globalização Não quero passar a impressão de que posso demonstrar-me contrário a globalização. Isto seria tolice. A globalização é um processo irreversível que não pode e não deve ser interrompido. E parte da tendência do desenvolvimento da humanidade, alcançando todos os cantos da Terra. Porém, gostaria de demonstrar que o recente processo de globalização tem sido favorecido e acelerado por uma política baseada sobre o então chamado "Consenso de Washington", sob o patrocínio das nações desenvolv'idas e organizações internacionais como o Banco Mundial e o FMi. Basicamente, tais políticas assumem que a globalização é igualmente boa para todos os países, porque ela garante oportunidades iguais para todas as nações. Isto, no meu ponto de vista, é um sofisma. Isto me faz lembrar a imagem de dois lutadores de arte marcial: um muito forte, como o Silvester Stalone; o outro fisicamente fraco, como Charlie Chaplin. É óbvio que, sob condições iguais, Charlie não terá nenhuma chance. Países como o Brasil, Argentina e Ghana, sob os mesmos regulamentos, não terão oportunidades iguais quando comparados com os Estados Unidos, Alemanha ou Japão. A diferença entre países não é limitada apenas pela comparação entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Entre os países em desenvolvimento, as diferenças são extraordinárias. Sob as mesmas regras do jogo, México, Haiti e Bangladesh terão oportunidades diferentes.
Admitir que a igualdade de iondições políticas significa uma igualdade de oportunidades é um grande erro. Isto certamente ajuda a explicar o crescimento recente na pobreza e na desigualdade que estão documentadas no WDR. + Impacto sobre o Brasil Os custos pagos pelo Brasil e outras economias emergentes tem sido muito alto. A abertura rápida da economia sem salvaguardas aumentou sua vulnerabilidade para os impactos externos. Como mencionei no WDR (capítulo 3), as mudanças rápidas no sentimento do investidor podem causar enorme instabilidade nos países abertos para as circulações de capitais a curto prazo. Os efeitos no Brasil tem sido muito grandes: desvalorização do Real, aumento das taxas de juro interno, aumento do déficit público e o encargo de débito, perda em termos de comércio, decréscimo nos investimentos sociais de infra-estrutura, redução do crescimento econômico, aumento do desemprego. + A Necessidade Para uma Nova Estrutura de Financiamento Internacional O experiência recente de países como o Brasil, Argentina, México, Rússia e sudeste da Ásia enfatiza a necessidade urgente para uma redefinição da arquitetura financeira internacional. Então, o desafio é planejamento de uma reforma nas instituições financeiras internacionais para ajudar as nações em desenvolvimento a realmente se beneficiar de sua integração a longo prazo nos mercados do capital mundial. Porém, esta nova arquitetura não é o bastante. A nova arquitetura financeira deveria incorporar a preocupação com o problema da concentração de renda em uma escala global e regional. Não podemos ignorar que as regulamentações financeiras comprimem o lado real da economia. Regulamentações iguais ajudam mais os países e agentes econômicos que estão em melhores condições de beneficiar-se dela. É necessário que tais regulamentações incluam mecanismos para proteger os países mais fracos das crises como aqueles que temos testemunhado recentemente. Sob o Consenso de Washington, é presumido que o papel do Estado precisa ser minimizado. O novo consenso global, entretanto, deveria reconhecer que, nos países em desenvolvimento mais fracos, há ainda um forte papel' para ser executado pelo Estado em esforços de desenvolvimento. Em muitos lugares, o Estado é ainda o único agente social e político em condições para mobilizar e promover desenvolvimento. Para combater a pobreza e reduzir as desigualdades sociais, forças isoladas não serão o bastante para saudar tais problemas. Eu penso que a heterogeneidade econômica requer planos de ações públicas e instrumentos para tratar com problemas de subdesenvolvimento. Forças de mercado somente não serão suficientes para assegurar a redução nas disparidades econômicas entre regiões de um mesmo país. Os Estados mais fracos de uma nação são simplesmente impotentes para reagir às crises externas e satisfazer as necessidades domésticas.
+ Descentralização: A Experiência Brasileira Como no caso da globalização, também a descentralização comprime governos e organizações de nações subdesenvolvidas. Estados e municípios que estão melhor estruturados com bases econômicas mais fortes, estão em vantagem para se beneficiar da descentralização. No Brasil, a luta pela redemocratização precipitou o fim do regime militar em 1985, aumentando a pressão para a descentralização. A Constituição Federal, em 1988, deu início a uma descentralização forte e rentável do governo federal para os 27 Estados e mais 5 mil Municípios. Enquanto a descentralização de renda estava adequadamente implementada, a descentralização de gastos estava muito mais difícil. A descentralização de gastos não é uma tarefa fácil. Por um lado, as agências federais, no começo, não queriam distribuir algumas responsabilidades aos Estados e aos Municípios. Para alguns, tais responsabilidades eram a razão da existência deles. Por outro lado, a capacidade local desses Estados e Municípios para absorver novas responsabilidades variava muito. Mais do que isso, Estados e Municípios teriam outras prioridades para usar a nova renda, continuando a pressionar as agências federais para novas transferências. Além disso, os pequenos Municípios nos Estados mais pobres não tinham nenhuma base econômica, contando ainda com pouquissimos recursos, mesmo após a Constituição de 1988. Resultou que o processo de despesas foi prejudicial e algumas vezes conflitante. De qualquer maneira, muito mais vagaroso do que a descentralização de renda correspondente. Combinada com as novas responsabilidades de dívidas flutuantes criadas pela nova Constituição e outros problemas de macroeconomia, o Governo Federal e os Estados foram eventualmente conduzidos a uma crise fiscal. E verdade que o Governo Federal e muitos governos dos Estados estão fazendo os seus trabalhos para superar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico. O "WDR" no seu curso de estudo do Brasil, parece apontar um culpado para o problema: "Descentralização no Brasil resultou em uma prolongada crise da macroeconomia produzida pelo crescimento indevido dos Estados" (pág. 164). Penso que isto é uma simplificação do problema. Naturalmente não temos tempo para abordar todos os aspectos importantes levantados pelo Relatório. Entretanto, gostaria de comentar um de seus pontos referentes ao Brasil. O relatório recomenda que é necessário aumentar o poder do Presidente para dar-lhe condições para impor a aprovação de medidas firmes 'em relação aos Estados. Para mim, esta recomendação parece contraditória em um estudo que está basicamente a favor da descentralização. A ênfase, aqui, parece ser somente fiscal, ao longo das linhas do Consenso de Washington. Precisamos ir além disto. Realmente, o problema do relacionamento do Presidente e o Congresso não é tão simples. Depende do sistema eleitoral do Brasil. Somos uma democracia presidencialista multi-partidária. O único país no mundo onde a democracia presidencial trabalha bem são os Estados Unidos. Mas aqui, na prática, funciona um sistema bi-partidário, e não um sistema multi-partidário. Por esta razão, acredito que a idéia de parlamentarismo no Brasil não foi sepultada no último plebiscito, quando votamos pelo sistema presidencialista. O discussão sobre o Parlamentarismo pode retornar e eventualmente vir a ser adotado como um sistema alternativo capaz de solucionar os problemas de relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo num sistema multi-partidário. Consequentemente, contrário a recomendação
de fortalecer o poder do Presidente, ó parlamentarismo realmente descentralizaria o poder das mãos de uma só pessoa. + Resultados da Descentralização no Brasil Mesmo com os problemas acima ressaltados, a experiência brasileira de descentralização tem sido bem sucedida, especialmente nos setores sociais tais como educação e saúde. Em geral, os indicadores sociais tem melhorado durante os anos 90. É justo dizer que a descentralização tem desempenhado um papel positivo. Contudo esses bons resultados tem sido ofuscados pelos problemas trazidos pela crise econômica com o aumento do desemprego. + Descentralização no Ceará: Programas Sociais Alguns dos bons resultados aos quais me referi antes podem ser vistos a partir de uma análise da experiência no Ceará. Há muitas outras histórias bem sucedidas em outros Estados, mas naturalmente eu estou mais familiarizado com os programas de descentralização no meu próprio Estado. + Educação Já que não tenho tempo para descrever todas estas experiências, gostaria de ressaltar um deles. Temos submetido o setor educacional a um processo de descentralização, com resultados até então positivos. Os registros na escola primária para crianças de 07 a 14 anos tem alcançado índices de 97% em 1998 contra 56% a dez anos atrás. Apesar do alto índice de analfabetismo, 3 1,5%, para pessoas com mais de 15 anos, as perspectivas para as gerações futuras são promissoras. A transferência gradual das responsabilidades para as municipalidades as fazem responsável por 81% de todos os registros na escola primária. Um dos aspectos da descentralização foi a possibilidade dos funcionários locais escolherem os diretores das escolas públicas. Antes, os diretores das escolas eram selecionados pelo Governo do Estado, baseado muitas vezes por critérios políticos. Em 1995 decidimos mudar este sistema. Diretores deveriam ser eleitos pelos funcionários locais, professores, pais de estudantes, comunidades. Além de assegurar somente diretores capazes sejam eleitos, todos os candidatos precisavam passar por um exame que atestasse a sua capacidade de se tornar um diretor. Os três melhores candidatos podem submeter-se ao processo eleitoral. Uma das preocupações que tivemos foi evitar a devolução aos antigos grupos de políticos locais ao invés dos verdadeiros funcionários. O exame prévio como condição para ser candidato evitou esse problema. Atualmente, todos os diretores das escolas públicas do Estado tem sido selecionados sob este processo. Há muito mais domínio a nível local e os diretores e os professores são muitos mais responsáveis para com os estudantes e a comunidade. Isto é uma das causas importantes dos bons indicadores para o setor educacional no Ceará. Agora, todas as crianças na idade escolar estão frequentando a escola. Atualmente estamos empenhados em um processo de melhoria na qualidade de ensino.
+ Saúde Preocupado com a saúde, o Ceará foi o primeiro Estado brasileiro a descentralizar os serviços de saúde para a municipalidade. Começou em 1987, mesmo antes da Constituição de 1988. Atualmente os serviços de saúde estão descentralizados em 100% dos 184 municípios. A descentralização envolve um comando simples, nos municípios, de todos os serviços financiados pelos governos Federal, Estadual e Municipal. Como ainda há nos municípios pouca atividade econômica, estamos agora empenhados num processo que visa reagrupar as municipalidades, formando grupos que dividirão alguns serviços que requerem economia de proporção. A qualidade dos serviços e acesso tem melhorado no Estado. Como resultado dos programas descentralizados, o índice de mortalidade infantil no Ceará decresceu de 137 por 1000 nascimentos em 1987 para 3811000 em 1998. O alcance das vacinações aumentou e, nos últimos 4 anos, alcançamos 100% de cobertura em quase todas as municipalidades. Fomos capazes de eliminar a poliomielite em 1989 e nossa mete é eliminar o sarampo até 2002. Das mulheres grávidas, 86% tem check-ups de pré-natal e 55% das mães amamentam os bebês até 4 meses de idade. Além disso, o programa de agentes de saúde da comunidade, também começado em 1987, foi um programa descentralizado que permitia uma parceria entre Estado e municípios para dar os cuidados de saúde preventiva para todas as donas de casa no Estado. O tremendo sucesso deste programa influenciou a política de outros Estados e até mesmo o governo federal. Este programa foi fortalecido com um programa de saúde para a família, no qual um médico e uma enfermeira supervisionam dez agentes de saúde para cada 100 donas de casa. + Combate a Pobreza Temos também programas de descentralização para o combate a pobreza nas comunidades. Com o apoio do Banco Mundial, o Ceará colocou em prática um programa para ajudar os pequenos fazendeiros pobres a investir em infra-estmtura básica, projetos de produção e serviços sociais em remotas áreas rurais. A demanda é dirigida e objetivada pelas próprias comunidades, o programa aprova subsídios depois de um processo enraizado de discussão sobre projetos, através de conselhos municipais de desenvolvimento sustentável. Nos últimos cinco anos US$110 milhões foram canalizados para beneficiar 295 mil famílias espalhadas em 176 municipalidades. Graças a este programa 60% dos lares estão agora eletrificados, quando eram apenas 25% quatro anos atrás. Os bons resultados deste programa até então tem contribuído para fixar a população pobre do campo na terra onde eles vivem, e então reduzir as migrações rurais para as cidades maiores. Além disso, este programa foi importante para criar um senso de cidadania e construir capital social, elementos cruciais para o desenvolvimento sustentável local.
+ Reforma Agrária A mais recente experiência de descentralização no Brasil, envolve um programa de reforma agrária. Tradicionalmente, a reforma agrária tem sido responsabilidade do Governo Federal. No Ceará, fomos pioneiros na descentralização amigável da reforma agrária em 1997, com o apoio do Banco Mundial. Neste processo, ações chaves que costumam ser reservadas para o Governo Federal foram descentralizadas entre Estado e mais ainda, com as comunidades envolvidas. Como resultado, os custos baixaram muito, acelerando a reforma agrária, e desenvolvendo obrigatoriedades e títulos de propriedades. Foram desembolsados US$22.2 milhões para assentar 6,7 mil famílias pobres em 90 mil hectares comprados dos antigos proprietários, sem nenhum conflito. O sucesso do Ceará no programa piloto da reforma agrária foi tão impressionante que o Governo Federal, com o apoio do Banco Mundial, repetiu a experiência em muitos outros Estados no país, como uma alternativa viável para a velha centralização e a ineficiente reforma agrária. + Em Conclusão Resumindo, gostaria mais uma vez parabenizar o Banco Mundial por este excelente relatório. Uma palavra a mais no processo de descentralização no Brasil: como disse antes, esse processo tem rendido muito bons resultados, que ainda está sendo implantado, com o envolvimento progressivo de mais municipalidades e comunidades. Gradativamente, organizações da sociedade civil também começam a desenvolver um papel chave importante, dando maior participação e envolvimento dos cidadãos livres. Esta expansão do processo de participação, entretanto, não diminui o papel importante que o Estado continua a desempenhar no processo de desenvolvimento das áreas menos desenvolvidas. Muito Obrigado.