ESCOLA, GUETO SOCIAL, PRODUTORA DA DIFERENÇA



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Transcrição:

ESCOLA, GUETO SOCIAL, PRODUTORA DA DIFERENÇA Mirian de Albuquerque Aquino Universidade Federal da Paraíba Brasil A educação pode ser pensada como uma prática social que permite a condição de vivermos como sujeitos, compreendermos a nós mesmos e respeitarmos o outro. A escola, por sua vez, é um espaço para onde confluem as culturas e as variadas maneiras de os sujeitos darem sentidos as suas vidas, construírem seus sentimentos, crenças, pensamentos e práticas. Quando, entretanto, fitamos as relações que ocorrem na sala de aula, percebemos que o viver juntos realiza uma distinção de culturas que é feita com base nos interesses culturais dominantes. As culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de reação (Santomé,1995, p. 16). A escola é, hoje, o espaço social da presença das diferenças e das feições e cores múltiplas. Esse traço multicultural alimenta a reflexão sobre a presença do outro no meio de nós. Isto sugere que perguntemos: Quem é o outro? O outro é aquele que nos incomoda e que consideramos diferente de nós. O outro é aquele que olha para nós, obliquamente, porque o intimidamos. O outro é o que nos fere pela diferença. O diferente é o índio, o cigano, o negro, a criança, a mulher, o homossexual etc. No contexto das relações de ensino, o diferente é o negro que está perto do branco que o discrimina. O diferente é aquele cidadão fabricado nas nossas relações culturais e sociais. O diferente é o sujeito que fabricamos nas minúsculas relações de poder. Essas relações são produtoras da diferença, da exclusão e da identidade (Silva, 2000). São marcas que não correspondem às particularidades do diferente. São sentidos cujas versões verdadeiras foram apagadas na constituição do processo civilizatório. O território brasileiro sempre foi permeado por uma imensa diversidade cultural e étnica que aglutina um contingente populacional sinalizado pela diferença. A população negra, como parte dessa diversidade, não foi beneficiada no exercício da igualdade e da cidadania, durante a fase colonial e imperial, como integrante da nação branca. Os negros que habitavam o País não gozavam dos privilégios destinados aos brancos. Restou-lhes, apenas, uma forma de civilização que teve como objetivo extorquir-lhe sua força de trabalho através de uma disciplina com resquícios de crueldade.essa diferença de tratamento restringia as oportunidades educacionais e tornava as barreiras sociais intransponíveis. No Brasil atual, os negros, ainda, dispõem de péssimas condições educacionais em todos os níveis de ensino.uma parte considerável da população negra confronta com uma escola que, apesar de ter realizado algumas mudanças, a exclusão e a desigualdade são marcas históricas, que afastam as possibilidades iguais para todos. Alberto (2000, p. 292) escreve: No âmbito educacional, verifica-se que a prática pedagógica oficial é contrária à formação da auto-estima de crianças, jovens e adultos negros, na perspectiva de silenciá-los enquanto cidadãos. Isto acontece seja em escolas públicas ou particulares, estejam no centro ou na periferia, nas zonas urbanas ou rurais. Essa violência praticada dentro da escola traz conseqüências nem sempre visíveis de imediato, tanto para garantia dos direitos fundamentais do ser humano, quanto para o cidadão negro em formação. Dados do IBGE de 1990 indicam que 40% dos negros têm menos de um ano de vida escolar e somente 6% ultrapassam o primeiro grau. Mesmo sendo a maioria da população brasileira, os afrobrasileiros não chegam a ser 3% dos que conseguem entrar nas universidades. A situação é mais caótica nos primeiros anos de escolarização das crianças negras. Segundo Rosemberg, o processo de expansão da educação infantil, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste, deu-se através de um modelo não-formal, sob a responsabilidade de professoras despreparadas, à custa de baixo investimento. Na citação a seguir, a autora registra sua indignação: É inadmissível que as creches e pré-escolas constituam alternativas à escola de 1 o grau para crianças pobres e negras (...) A socialização de crianças pobres e negras para a subalternidade se

inicia no berçário, onde se encontram, de maneira geral, as trabalhadoras de creche com nível educacional inferior e onde as crianças vivenciam rotinas de espera: a espera do banho, da comida, da troca de fraldas (Rosemberg, 2000, p.145-147). O processo de expansão da educação infantil abriu não só oportunidades de emprego para mulheres de baixa renda, mas também reforçou padrões de exclusão social e racial. Na visão de Rosemberg, as crianças pobres e negras freqüentam estabelecimentos de pior qualidade e que lhes impõem nível educacional inadequado para sua idade. Estabelecimentos de educação infantil de pior qualidade tanto significam lugares piores para educação e cuidado das crianças quanto piores locais de trabalho para os adultos. Locais de produção e reprodução da subalternidade. Mulheres, resistindo ao destino de empregadas domésticas, acomodando-se às obras do sistema (Rosemberg, 2000, 147). Rosemberg, fazendo referência aos estudos realizados por Hasenbalg, afirma que a educação infantil constitui um dos mecanismos sociais, entre outros, que coloca a população negra em desvantagem no processo competitivo de mobilidade social ( 2000, p. 150). Conforme a autora, uma das formas de mudar esta situação de desigualdade, que afeta as crianças e as mulheres, seria viabilizar uma proposta política de investimento prioritário na formação básica e profissional de educadoras infantis. No caso das crianças negras, há uma necessidade urgente de estabelecer uma política de equalização de oportunidades para as crianças brancas e negras com equalização do padrão de qualidade. Em pesquisa realizada no Distrito Federal, para analisar a relação entre negro e mercado de trabalho, percebe-se um dado importante: 60% dos negros são analfabetos, Observa-se que 18% têm possibilidade de ingressar na universidade, enquanto esta possibilidade para os brancos é de 43%. E mais: No Distrito Federal, as escolas que atendem as regiões onde a população negra é predominante, encontram-se em defasagem, pois não estão bem equipadas, faltam professores qualificados, os recursos são escassos e outros problemas estruturais são enfrentados por elas (Ramalho et al,1998). Esses dados ilustram a realidade social de exclusão da população negra na capital brasiliense, demonstrando, assim, a gritante disparidade, em termos educacionais, entre negros e brancos na sociedade brasileira. Em sua análise, os autores consideram a População do Distrito Federal em 1.991: 1. 483.501 habitantes, dos quais 47.8% brancos, 2.3% pretos, 0.3% amarelos, 49.3% pardos, 0.1% indígenas e 0.2% sem declaração. Esta análise ainda aponta que a quantidade de negros analfabetos é 2.2% superior à de brancos na mesma situação. Isto contribui para que aumentem as chances dessas pessoas ocuparem um espaço no mercado de trabalho. Analisando a situação do ensino superior e o ingresso dos negros no sistema educacional, Ramalho et. al observam que a proporção de brancos que chegam a fazer mestrado ou doutorado é três vezes maior que a de pardos e pretos, que representa o menor índice dentre as demais raças. Assim como o número de brancos que iniciam o curso superior representa proporcionalmente mais de quatro vezes a de negros (8.2% e 2% respectivamente). A questão que permanece não é, essencialmente, a elaboração de um projeto educacional que contemple os mesmos índices de escolaridade para brancos e negros. Parece-nos urgente no Brasil reconhecer a diversidade cultural como uma aglutinação de sujeitos sociais, históricos e culturais que precisam ser respeitados em suas diferenças e perspectivas de construção de cidadania. Sobre a questão do respeito à diferença, Gomes (2000, p. 4) assinala: A originalidade de cada cultura reside na maneira particular como os grupos sociais resolvem os seus problemas ao mesmo tempo em que se aproximam de valores que são comuns a todos os homens e a todas as mulheres. Porém, o fato de possuirmos valores comuns não nos torna idênticos, pois continuamos a ter uma maneira própria de agrupar e excluir diferentes elementos culturais. A incapacidade de se perceber as diferenças gera, quase sempre, a exclusão. Para evitar isto, é necessário que sejam desenvolvidas políticas de combate à discriminação e ao preconceito. Discutindo sobre o papel do governo na promoção da igualdade dos cidadãos, Moura (2000, p. 6) diz: É imprescindível uma ação específica, entendida como promoção da igualdade, e que manifeste por intermédio de atividades e programas de liderança com abordagem do tema

diversidade, e que treine para que sejam evitadas práticas discriminatórias: na seleção, no recrutamento, na avaliação do desempenho. Para entendermos as diferenças na escola, precisamos compreender a história de vida dos alunos que compõem as minorias discriminadas, seus parâmetros de referência e suas práticas sociais cotidianas. Ele enfatiza que a posição de subordinação à qual essa minoria está submetida abrange atitudes, conhecimentos e capacidades transmitidas pelas pessoas brancas (Maclaren, 1997). Essa visão de superioridade de uma cultura sobre a outra, experimentada pelos negros, reforça o fracasso e intensifica a luta pela busca de identidade social em oposição aos brancos: O ensino e a aprendizagem que ocorrem nas salas de aula representam uma das maneiras de construir significados, reforçar e conformar interesses sociais, formas de poder, de experiência (...) A única cultura que as instituições acadêmicas costumam rotular como tal é a construída a partir das classes e grupos sociais dominantes, a literatura daqueles autores e autoras que esses mesmos grupos valorizam, a geografia e a história dos vencedores, a matemática necessária para proteger suas empresas e negócios (Santomé, 1995, p. 166). Para Gomes (2000, p. 4), a questão da diferença aponta a diversidade como algo complexo que exige estabelecer padrões de respeito, de ética e de garantia dos direitos sociais: avançar na construção de práticas educativas que contemplem o uno e o múltiplo significa romper com a idéia de homogeneidade e de uniformização que ainda impera no campo educacional. Representa entender a educação para além do aspecto institucional e compreendê-la dentro do processo de desenvolvimento humano. Isso nos coloca diante de diversos espaços sociais em que o educativo acontece e nos convida a extrapolar os muros da escola e a ressignificar a prática educativa, a relação com o conhecimento, o currículo e a comunidade. O reconhecimento da diferença é uma questão eminentemente pedagógica e curricular. Silva (2000, p. 97) argumenta que isto ocorre não apenas porque as crianças e os jovens, em uma sociedade atravessada pela diferença, forçosamente interagem como o outro no próprio espaço da escola, mas também porque a questão do outro e da diferença não pode deixar de ser matéria de preocupação pedagógica e curricular. Burbules e Rice propõem três tipos de benefícios resultantes do diálogo possível entre as diferenças que possibilitam o reconhecimento da diferença: a construção da identidade, a compreensão de nós mesmos e a compreensão do outro. Ellsworth, citado por Burbules e Rice (1993, p. 184), descreve o diálogo como uma forma de minimizar a diferença em sala de aula. Para ele, o diálogo consiste de regras de base para o uso da linguagem na interação de sala de aula. Essas regras incluem as suposições de que todos os membros têm igual oportunidade de falar, de que todos os membros respeitam os direitos do outro de falar e de se sentir seguro para falar e de que todas as idéias são toleradas e sujeitas a um julgamento crítico racional, tendo como referência julgamentos e princípios morais fundamentais. O diálogo em seu sentido convencional é impossível na cultura em geral porque, neste momento histórico, as relações de poder entre estudantes e professores, com identidades construídas em torno da raça, da classe e do gênero, são injustas. Mas Silva (2000, p. 96), relacionando identidade e diferença, rebate a idéia de estabelecer o diálogo como uma fórmula para ler a diferença. Textualmente, ele diz que ver a identidade e a diferença como uma questão de produção significa tratar as relações entre as diferentes culturas não como uma questão de consenso, de diálogo ou de comunicação, mas como uma questão que envolve, fundamentalmente, relações de poder. As idéias de Silva partem dos conceitos de identidade e diferença, estes concebidos numa relação de dependência, para apresentar três estratégias pedagógicas consideradas possíveis no trato da diferença. A primeira é a estratégia liberal que consiste em estimular crianças e jovens a entrarem em contato com as diversas expressões culturais dos diferentes grupos sociais. O autor critica esta abordagem porque deixa de questionar as relações de poder e os processos de diferenciação que produzem a identidade e a diferença. O resultado é a produção de novas

dicotomias e formas de discriminação. Tolerar o outro não significa perder a hegemonia que vê o outro como subalterno. Uma outra estratégia é a que vê a diversidade como uma coisa positiva, mas atribui a rejeição da diferença e do outro a distúrbios psicológicos (...) A incapacidade de conviver com a diferença é fruto de sentimentos de discriminação, de preconceitos, de crenças distorcidas e de estereótipos (Silva, 2000, p. 98). O tratamento pedagógico consiste em corrigir o preconceito, a discriminação e o desvio de conduta através de exercícios e atividades de conscientização. Uma outra estratégia, intermediária, consiste em apresentar aos alunos uma visão superficial e dissociada da realidade das diferentes culturas. Esta abordagem não questiona as relações de poder envolvidas na produção da diferença, antes a reforça ao construir o outro por meio de categorias do exotismo e da curiosidade. A apresentação do outro é sempre suficientemente distante (...) para não apresentar nenhum risco de confronto e dissonância (Silva, 2000, p.99). A partir de estudos culturais, Silva propõe uma quarta estratégia em que a diferença associada à identidade seria encarada como uma questão política. A identidade e a diferença seriam compreendidas como uma produção cultural e social envolvendo relações de poder, ou seja, uma estratégia que simplesmente admita e reconheça o fato da diversidade tornar-se incapaz de fornecer os instrumentos para questionar precisamente os mecanismos e as instituições que fixam as pessoas em determinadas identidades culturais e que as separam por meio da diferença cultural. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença, é preciso explicar como ela é ativamente produzida (...) Uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teoria que permita, não simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e a identidade, mas questioná-las (Silva, 2000, p. 99-100). Qual o papel do educador na compreensão das diferenças? A preocupação do educador com o fazer crítico precisa estar voltada para o desenvolvimento de um currículo e uma pedagogia multicultural que se preocupe com a especificidade da diferença. Essa preocupação está presente na crítica que Santomé faz à escola, quando diz que o problema está situado exatamente nesse distanciamento da realidade do grupo social discriminado. Os conteúdos acadêmicos não são trabalhados com base nas diferenças. A grande questão que se coloca é que os currículos não levam em consideração a existência da diversidade cultural no seio da sala de aula. As atividades são planejadas e desenvolvidas com base nas relações de poder. Esta falha curricular é clara na afirmação de Santomé: Os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma grande parcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena. Isso acarreta, entre outras coisas, que determinados recursos sejam empregados ou não, mereçam nossa atenção ou nossa displicência. ( Santomé, 1995, p. 165). A predominância de uma única forma de ver o mundo e sua diversidade cultural delimita por demais as diversas formas de conhecimento da realidade. Como adverte Santomé, as salas de aula precisam se tornar um espaço de uma compreensão desvelada do mundo em que os sujeitos sociais estão integrados. Estes espaços institucionais não podem continuar sendo um lugar para a memorização de informações descontextualizadas. É preciso que o alunado possa compreender bem quais são as diferentes concepções de mundo que se ocultam sob cada uma delas e os principais problemas da sociedade a que pertence (Santomé, 1995, p. 176). O professor em sala de aula pode até estimular o diálogo entre as diferenças, a fim de que os alunos possam manter uma convivência saudável, mas não pode esquecer que a diferença como também a identidade são processos que envolvem relações de poder. Esta consideração vai no sentido de que é necessário, urgentemente, implementar políticas públicas em que a história e a diferença de cada grupo social e cultural sejam respeitadas dentro de suas especificidades sem perder o rumo do diálogo, da troca de experiências e da garantia dos direitos sociais. A luta pelo direito e pelo reconhecimento das diferenças não pode se dar de forma separada e isolada e nem resultar em práticas culturais, políticas e pedagógicas, solitárias e excludentes (Gomes, 2000, p. 2). Estabelecer políticas públicas significa aceitar a diversidade nas instituições escolares como realidades plurais e necessidades diferentes.

CONCLUSÃO É fato que estamos diante de mudanças socioeconômicas produzidas no âmbito de uma sociedade de informação. Esta se torna um referencial para refletirmos sobre os acontecimentos sociais e culturais que nos possibilitam ver quais são as novas necessidades geradas e as competências que serão requeridas. São as constantes mudanças cotidianas em todos os aspectos da vida humana que nos obrigam a repensar nossa maneira de agir diante de nós e do outro. A diversidade de culturas depara-se com um modelo educacional cujos parâmetros não reconhecem o direito à diferença como um conteúdo pedagógico e social. A escola precisa educar na diversidade, mas isto só será possível se mudar a educação. Mudar a educação significa ajudar os alunos na aquisição de habilidades básicas que permitam o autoconhecimento, autonomia pessoal e a socialização. Além disto, é preciso que a escola reconheça todas as diferentes capacidades, ritmos de trabalhos, expectativas e etnias dos alunos que chegam à escola. Esta tarefa dependerá da interação entre professores, alunos e pais. Aceitar a diversidade implica reconhecer o direito à diferença. Implica reconhecer o negro como parte do processo de enriquecimento cultural. BIBLIOGRAFIA ALBERTO, Luiz. As relações raciais no Brasil e as perspectivas para o próximo século. In: Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo e HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: paz e Terra, 2000.434 p. BURBULES, C. Nicholas e RICE, Suzanne. Diálogo entre as diferenças: continuando a conversação. in SILVA, Tomaz Tadeu:Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos, 1993, 232 p. GOMES, Nilma Lino. Educação e diversidade cultural: refletindo sobre as diferentes presenças na escola. Internet, 2000. MACLAREN, Peter, A vida nas escolas- uma introdução à pedagogia crítica nos fundamentos da educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MOURA, Carlos. O papel do governo na promoção da igualdade. Seminário Racismo, xenofobia e intolerância. Salvador, 2000.CNPq/PNUD/SEDH. RAMALHO et al, André. Racismo no Brasil as dificuldades do negro no mercado de trabalho, Brasília: UCB, 1998. ROSEMBERG, Fúlvia. Educação infantil, gênero e raça. In: Guimarães, Antônio Sérgio Alfredo e HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara ensaios sobre racismo no Brasil. São Paulo: paz e Terra, 2000.434 p. SANTOMÉ, Jorjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Alienígenas na sala de aula. Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. SILVA, Tomaz Tadeu da. Teoria cultural e educação um vocabulário crítico. Belo Horizonte: Autêntica, 2000 (Estudos Culturais, 4), 124 p. SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da diferença e da identidade. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.