A PROPÓSITO DA NORMALIZAÇÃO CONTABILISTICA INTERNACIONAL



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NOTA Nº 409 (revista) A PROPÓSITO DA NORMALIZAÇÃO CONTABILISTICA INTERNACIONAL Rogério Fernandes Ferreira O tema em epígrafe mereceu-nos dezenas de anos de meditação e trabalho. Inclusive apresentámos dissertação de doutoramento sob este título e com esse conteúdo. Apontámos, em Anteprojecto de Plano Geral de Contabilidade, editado em 1973 pelo Ministério das Finanças (DGCI), as vantagens seguintes para a normalização contabilística: A da empresa: a normalização, na medida em que assentar em planificação bem aceite e concebida, haverá necessariamente de ser útil às empresas. Estas virão a colher as vantagens de passar a dispor de estatísticas de sector que mostrarão a sua posição relativa. Isso incentiva quem, colocado em situação mais desfavorável, tenha de proceder a revisões e alterações para melhorar a sua posição e produtividade. A da profissão de técnico de contabilidade que passa assim a dispor de um código de regras e procedimentos. 1

A da didáctica e o da pedagogia. A normalização pode proporcionar orientações menos discutíveis, evitando perdas de esforços em descobertas já descobertas, transferindo a energia desses esforços para a crítica e remodelação posterior das normalizações efectuadas no que estas carecem de correcções. A da análise macro-empresarial, para a qual se passa a contar com critérios naturalmente mais válidos, procedimentos mais convenientes, dados mais exactamente, terminologia uniforme, agregações menos erradas, favorecendo-se estatísticas sectoriais nacionais e possibilitando-se um melhor conhecimento da Economia Nacional. As entidades oficiais e os próprios empresários disporiam assim de mais correctos instrumentos de análise e de previsão. A da tributação, que assentaria em procedimentos mais ortodoxos e certeiros, propiciando-se assim um mais fácil controlo dos elementos que servem de base ao estabelecimento da tributação das empresas. Porque assim se pensava em Portugal nas décadas de sessenta/setenta do século passado não se estranhou que vingassem os trabalhos sobre normalização contabilística a que se procedeu nas décadas seguintes. E também não se estranhou que o tema esteja a encarar-se em termos de maior vastidão, 2

atenta a evolução do mundo no sentido da internacionalização, da globalização hoje dominante. Dir-se-á, todavia, que não há bela sem senão ou que, por melhor que seja uma solução, haverá sempre algo de dissonante a contrapor-lhe, ainda que insuficientemente relevante para retornar a pontos de partida, embora o progresso pensado possa redundar em recuos, com custos e sacrifícios enormes, como na longa História do Mundo muitas vezes aconteceu. O problema a suscitar é que numa normalização contabilística de nível internacional é menos fácil atender a sugestões isoladas dos técnicos de um pequeno país. A sabedoria portuguesa em contabilidade é a comum e a actual. De modo geral, não estaremos afastados do que aparece inserido em normativos internacionais. Pode dizer-se que não há dissonâncias entre a doutrina e a sã prática contabilísticas nacionais e as normas internacionais. Ao confrontar a nossa estrutura conceptual com o que se retira de normas internacionais não se encontram divergências sensíveis. Nos nossos livros de contabilidade dos meados do século passado apresentavam-se noções de Activo e Passivo como as seguintes: ACTIVO compreende todos os elementos patrimoniais activos, elementos que se caracterizavam por serem propriedade da pessoa ou empresa considerada. Assim se referia nos livros de contabilidade mais elementares. Em lições para cursos superiores já se adoptavam acepções técnico-contabilísticas de mais rigor. 3

Não se acha assim estranho que as normas contabilísticas internacionais apontem que não só tem valor relevante como Activo aquilo de que se dispõe em termos de propriedade plena ou de direitos reais menores ou de titularidade (direitos de crédito) mas também elementos patrimoniais que embora pertença de terceiros propiciam possibilidades de utilizações rendosas bem como despesas a patrimonalizar devido a gerarem benefícios em exercícios futuros e ainda proveitos do exercício que não geraram nem recebimentos nem sequer competentes comprovativos dos efectivamente já devedores. (caso dos activos inscritos em contas 27 do actual POC). PASSIVO a expressão Passivo comporta sentidos mais ou menos amplos, importando, quanto a nós, referir as seguintes: i) a noção que corresponde ao conjunto das dívidas existentes (passivo jurídico) e de encargos a satisfazer no futuro mas ainda sem vinculação jurídica; ii) a noção técnico-contabilística (tout court), de amplitude intermédia, na qual se compreendem, à excepção da Situação Liquida (Capital, Reservas e Resultados), todas as restantes contas que completam o 2º membro do balanço, como sejam, as contas do Passivo s.s. ou jurídico, as Antecipações Passivas (Acréscimos e Diferimentos) e as Provisões. 4

Com estas primeiras alusões pretendem-se sublinhar consensos entre nós conseguidos no tocante a terminologia e a conceitos contabilísticos. Surgem agora, mercê da normalização contabilística internacional, conceitos de activo e passivo com sentidos úteis mas não para as aplicações contabilísticas tradicionais. Prosseguindo o exame anota-se que, entre nós, os autores de livros de Contabilidade geralmente aludiam, já em livros dos meados do século passado, vários sentidos de Activo e Passivo e à necessidade de nova terminologia mais consentânea com novas configurações do balanço. Afirmava-se, entre o mais, que interessaria atribuir ao 1º e ao 2º membros dos balanços designação própria, sem que existissem dúvidas de que os termos Activo e Passivo têm sentidos menos adequados ou não técnicos para corresponderem a 1º e 2º membros do Balanço, sentidos que se revelam confusos para os leigos. Por outro lado, durante cada exercício, movimentam-se as chamadas contas de gestão cujos débitos, créditos ou saldos geram no fim do exercício transferências de e para Resultados ou Balanço (remanescentes), consoante os casos. A terminologia contabilística tem-se adequando à nomenclatura da economia da empresa. E outros termos ou expressões passaram a utilizar-se também (v.g. investimentos e financiamentos; aplicações e origens de capitais; capital 5

funcional; etc.). Consideram-se úteis bivalências, multiplicidades e também particularizações de sentidos. Conceito de Activo (no normativo contabilístico internacional) Um activo é um recurso controlado por uma empresa em resultado de acontecimentos passados e a partir do qual se espera que fluam benefícios económicos para a empresa (cf. Estrutura Conceptual das NIC). Decerto que os leitores mais atentos e mais reflexivos terão já observado que a linguagem que nos chega (normas internacionais) no sentido de nos dar noção de Activo (em contabilidade) é não só demasiado vaga como até se nos revela desadequada. Mas ainda que nem todos assim venham entendendo, estamos confiantes que persuadiremos pessoas interessadas por estas matérias. Um activo é um recurso A palavra recurso comporta em português sentidos demasiado amplos e não era habitual utilizá-la em definições de activo. Recurso é termo substantivo, com muitos e variados sentidos. Genericamente é meio que se utiliza para fazer face a dificuldades ou superar obstáculos, nomeadamente como acto ou efeito de recorrer de decisão ou sentença anterior. 6

Recursos são também os elementos com que se conta no desenvolvimento das comunidades sociais, ou seja, as três seguintes categorias de recursos naturais, culturais e humanos. Recursos são ainda outras realidades que também não se visibilizam como património ou como activo, isto é, como elementos de carácter pecuniário, ainda que hoje não raramente se tenha já passado a patrimonializar recursos contra o que dantes se admitia. Aliás, hoje fala-se inclusive em recursos financeiros, mas anota-se que em tal caso está a referir-se a financiamentos, que são valores do Passivo e do Capital Próprio e não do Activo. Um recurso controlado Controlado - Eis aqui um adjectivo que configura sentidos extremamente vagos. Veremos se no contexto sob exame o sentido é próprio. O verbo controlar chegou à nossa língua primeiro por influência do francês, significando em especial verificar, fiscalizar. Nas normas internacionais de contabilidade a palavra controlled aparece ligada à acepção de dominar, tutelar, supervisionar, governar, dirigir. Os últimos sentidos justificavam a designação profissional de controller (das contas), de superintendente das contas. Hoje, contudo, entre os anglosaxónicos aparece a designação de executivo financeiro, o que é evolução justificável, pois o papel actualmente desempenhado pelos profissionais da contabilidade é de elaboração e 7

apreciação dos elementos com que se norteia a gestão financeira das empresas e outras instituições. Dizendo-se que o Activo é um Recurso Controlado está a usar-se a palavra controlado no sentido pelo qual se pretende expressar a ideia de que para se considerar dado elemento como património l activo basta que acerca dele a empresa detenha o direito ou disponha de meios de o gerir, de o utilizar, de alcançar assim o designado por benefícios económicos futuros. Só que a palavra controlado, hoje já portuguesa, pode querer dizer fiscalizado ou dominado, sentidos estes que não se revelam adequados para explicar o que é o activo na língua portuguesa. Será perfeito contra-senso pretender que certos activos se apelidem de recursos controlados. Por exemplo, será activo, valor que pertence à empresa, por ela detido, por ela gerido vá que não vá, mas dizer que Caixa é activo controlado é destituído de sentido, quase de lógica. Desnecessário se mostra também dizer que activos, como Dívidas a Receber ou Despesas Processadas Adiantadamente e Receitas por Receber (contas 27 do POC) são Recursos Controlados. Por uma empresa - Pode uma empresa por si ser um ente controlador? E só as empresas controlam activos? Se controlo não houver, não se terá activo? Pusemos a nós próprios estas e mais interrogações. Poderia observar-se também que os Activos são realidades não só de empresas. 8

A terminar o exame do conceito de activo utilizado nas normas internacionais de contabilidade, comenta-se agora a indicação nelas contida de que será activo o elemento patrimonial (recurso?) que resulta de acontecimentos passados. Na verdade, estas últimas palavras revelam-se de contexto impreciso e menos claro. Não se reputa necessário, para a explicação do que é um activo, recorrer a conexões com ocorrências anteriores, e de modo tão vago. Haverá sequência nas operações de gestão, conexões com passado (e com futuro previsível), correlações e interdependências diversas, umas que afectarão muito e outras pouco cada aquisição de activo. É evidente que a obtenção de um activo implica movimento em contrapartida (conexão das partidas dobradas). E também é evidente que a aquisição de um activo se conexiona com propósitos futuros de venda ou de utilização desse activo, decerto com vista a alcançar ganho (ou criar fonte de produção de ganhos). A expressão acontecimento tem sentido amplo, há ocorrências de tipos diversos, inclusive as que são fruto de intempéries, de factos anómalos, de eventos involuntários, de actos de vontade, operações de negócio, contratos (compra e venda ou outros), etc., Tudo isso é revelador da extrema imprecisão da caracterização conceitual de Activo. E dizer que são acontecimentos passados de certa maneira torna-se inadequado, por redundante. Tudo o que aconteceu é passado. O acontecimento que não aconteceu é que carece de 9

adjectivação, de modo a dissipar o paradoxo que transparece da expressão acontecimento futuro. se espera que fluam benefícios económicos futuros Este último conjunto de palavras, também para explicação do que é o Activo, contém implícita a ideia de que só constituem Activo os elementos (recursos, na versão portuguesa das NICnormas internacionais de contabilidade) de que se esperam vantagens, rendimentos, ganhos no futuro. Se, de uma coisa, corpórea ou incorpórea, nada com valor pecuniário se poder alcançar, então a conclusão será que não existe Património, que não há Activo a contabilizar. O objectivo da contabilidade é estudar e movimentar valores. Se dada realidade não tem, ou deixa de ter, valor económico-contabilístico, então, não se regista ou retira-se, anula-se dos registos em que figurava. O valor (contabilístico) estima-se ou expressa-se só em relação a elementos ditos, contabilisticamente, patrimoniais (com valor pecuniário). Vejamos caso comezinho mas elucidativo a este respeito: o dinheiro é um activo. Porém, só com labor interpretativo, se pode dizer que o dinheiro irá, propriamente, gerar benefícios económicos futuros. O dinheiro, a moeda, é o padrão comum de valores, o instrumento geral de trocas, uma reserva imediata de valor. Do dinheiro em caixa não se espera, propriamente, que fluam benefícios futuros (pelo menos em sentidos que normalmente se retirem do contexto referido). Qualquer empresa exerce a sua actividade através de activos, de valores patrimoniais, mas também, naturalmente, 10

através de meios humanos (os dirigentes e os seus colaboradores - equipa) e de estruturas ou redes organizacionais. Toda a empresa, com os seus elementos humanos, patrimoniais, organizacionais, busca alcançar rendimentos (futuros). A empresa valerá tanto mais quanto maior for a sua capacidade de gerar ganhos no futuro. Dir-se-á, assim, que o valor da empresa decorre do rendimento que dela se espera, mas não se pode ou não se deve assumir que os rendimentos futuros a alcançar por uma empresa, actualizados para dado momento, são, intrinsecamente, o seu património ou o seu activo (contabilístico). Com o exposto quer acentuar-se que uma empresa não é só património. E a cada activo, a cada parcela de activo, não se pode (ou não se poderá sempre) atribuir o valor implícito na definição de activo das normas internacionais em comentário. Atente-se desde logo que, de cada activo, de per si, via de regra, não fluem benefícios económicos futuros. De outro modo: não se pode apurar genericamente - o valor de cada activo através de cálculos de rendimentos futuros. A cada activo pode atribuir-se, facilmente, o seu custo (a valor histórico, a valor de reposição, a valor de mercado). Porém, o valor económico futuro de cada fracção do activo não será geralmente determinável, exactamente porque a determinação do valor de rendimento respeitará à empresa no seu todo. Ainda em relação à definição de Activo das NIC dir-se-á que o termo recurso assume sentidos genéricos vários, servindo 11

inclusive para definir factores de produção utilizados nas empresas e demais instituições, ou seja, os factores terra, trabalho e capital (no sentido lato de financiamento) e trabalho e capital não são, obviamente, activo (contabilístico). Importa acentuar que os benefícios económicos futuros (expressão aliás pouco precisa ou algo incorrecta) de uma empresa não derivam somente do activo (de sua movimentação), mas igualmente da acção ou actividade intelectual e física dos dirigentes e trabalhadores da instituição considerada e do papel que os financiamentos também aí desempenham e ainda de conhecimentos humanos, tecnológicos, clientela, fama e elementos de carácter organizacional de que dispõem as instituições (empresas ou outros) ou os seus gestores e colaboradores. Nem todos estes factores se compreendem no activo (contabilístico) da empresa. Deveria antes dizer-se que os benefícios económicos futuros, tomada esta expressão entre aspas em sentido lato, derivará da actividade ou produção da instituição, encarando produção (lato sensu) no sentido de valor acrescentado, de remuneração dos factores de produção. Na verdade, o que dada instituição obtém em termos de valor acrescentado é o correspondente à remuneração dos seus factores de produção, a tradicional terra, trabalho e capital. Hoje, o factor terra assumiu sentido mais amplo e que abreviaremos na designação capital fixo (terra, edificações, equipamentos e outros activos corpóreos e incorpóreos) e cuja remuneração especificamente será: rendas ou alugueres ou royalties; o factor trabalho amplamente é constituído por direcção, conhecimento, trabalho e ao trabalho 12

competem também benefícios (futuros) remunerações, participações nos lucros. Por seu turno, o factor capital que em contabilidade se designará, em sentido aqui conveniente, por financiamento, decompõe-se em capital alheio (passivo) e em capital próprio, chamando-se remuneração do factor capital (financiamentos) juro e lucro (resíduo que remanesce pagas as demais remunerações dos componentes do valor acrescentado). Talvez convenha ainda aludir a outro factor de produção, factor correspondente às acções ou intervenções de organizações externas a cada empresa concreta. Essas organizações são: o Estado (que recebe impostos e taxas presta apoios genéricos e serviços específicos); outras instituições (nacionais e internacionais), que prestam apoios diversos: em cultura, política, religião, sociologia; estas entidades ditas não económicas e os seus elementos pessoais ou humanos recebem ou podem receber na partilha do valor acrescentado das empresas, lucros, quotizações, donativos, etc. 13

Evidenciação de produção 1 ou valor acrescentado de uma empresa, através da demonstração anual de resultados FACTORES REMUNERADOS Despesa com o pessoal (deduzidas de remunerações recebidas pela empresa). Despesas financeiras (deduzidas de receitas financeiras). Rendas de terrenos e royalties puras, deduzidas de receitas correspondentes. Deperecimentos do activo fixo (amortizações) e outras estimativas de redução do activo e de encargos de processamento futuro (provisões). Impostos directos. Lucros pós-impostos, retidos e distribuídos. Total = V.A.B. PRODUÇÃO DO PERÍODO Valor das vendas de mercadorias, produtos, trabalhos para a própria empresa e prestações de serviços, acrescido de subsídios e deduzido de impostos indirectos. - (menos) Matérias, mercadorias, produtos (acabados e em curso) e outros bens e serviços adquiridos para consumo ou venda existentes no início do período. - (menos) Compras de matérias, mercadorias, subcontratos, fornecimentos e serviços de terceiros. + (mais) Matérias, mercadorias, produtos (acabados e em curso) e outros bens e serviços adquiridos ou produzidos para consumo ou venda e existentes no fim do período. Total = V.A.B. Prosseguindo: Conceito de Passivo (no normativo contabilístico internacional Um passivo é uma obrigação presente da empresa proveniente de acontecimentos passados, cuja liquidação se 1 Na realidade os significados dados tradicionalmente à expressão produção de uma empresa como valor dos seus fabricos, laborações, ou actividades, ou como custo dos bens e serviços vendidos tornam-se impróprios pois a produção de uma empresa em rigor ou em termos de contabilidade nacional, não pode abranger o que ela adquire no exterior, isto é, as compras que faz no mercado para a realização das suas actividades de produção e de venda. Também produção não é só criação de produtos mas sim todas as actividades de uma empresa dirigidas aos seus fins que são acrescer a utilidade dos bens e prestar serviços. Explicando sumariamente a através de exemplos: Se uma empresa industrial tem um volume de vendas de um milhão de euros, a sua produção no sentido referido será dada pela diferença entre o valor e os materiais e serviços que adquiriu no exterior (além de outros aspectos, v.g. variações de existências, que não importa agora observar); se uma empresa comercial vende um milhão de euros será sua produção a diferença entre o valor de venda e o das compras e serviços adquiridos correspondentes, ou seja, o equivalente a: lucro pósimpostos, remunerações de trabalho, juros e impostos sobre os lucros. 14

espera que resulte num exfluxo de recursos da empresa que incorpora benefícios económicos (cf. Estrutura Conceptual das NIC). Não comentaremos entretanto o conceito supra de passivo que se desejaria conjugar com outras definições e pormenorizações descritas, v.g. na IAS 37, tais como: provisão, outros passivos, acontecimento que cria obrigações, obrigação legal, obrigação construtiva, passivo contingente, activo contingente, contrato oneroso, reestruturação, miscelânea esta que bem mereceria reflexão e crítica sérias. Isso será nosso objectivo em outro futuro trabalho. 15