PLURIATIVIDADE AGRÍCOLA E AGRICULTURA FAMILIAR I. META Mostrar o processo de inserção da agricultura familiar na economia brasileira.



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Transcrição:

Aula PLURIATIVIDADE AGRÍCOLA E AGRICULTURA FAMILIAR I META Mostrar o processo de inserção da agricultura familiar na economia brasileira. OBJETIVOS Ao final desta aula, o aluno deverá: entender o conceito de pluriatividadeidentificar o agricultor pluriativoanalisar o processo de inserção da agricultura familiar diante da expansão do capitalismo agrário. PRÉ-REQUISITOS Verificar à aula anterior para analisar o processo de modernização da agricultura brasileira. (Fonte: http://www.gettyimages.com).

Geografia Agrária INTRODUÇÃO As atividades não-agrícolas desenvolvidas no campo, denominadas de pluriatividade, como ecoturismo, lazer, pesca, casa de doce, olarias, produção orgânica, olericultura, citricultura, têxteis, entre outras são respostas dos pequenos produtores rurais diante do processo de modernização e exclusão da agricultura brasileira. A pluriatividade é entendida a partir do desenvolvimento de diferentes atividades agrícolas ou não-agrícolas praticadas interna ou externamente a propriedade onde o trabalhador é domiciliado. Diferente de alguns autores (Wanderley, 1997; Schneider, 1999; entre outros) que entendem a pluriatividade como um mecanismo de adaptação do agricultor às novas tendência do rural brasileiro, compreendemos a pluriatividade agrícola como uma necessidade de o produtor pluriativo se inserir profissionalmente no mercado de trabalho, como meio de sobrevivência e de permanência no espaço rural brasileiro. Isso fica mais evidente na região Nordeste do Brasil, onde as condições materiais, educacionais e as políticas públicas são menos atuantes em relação à região centro-sul. Como é relatado por Schneider (2000), o ator social privilegiado desse novo rural seriam as famílias pluriativas, que se caracterizam por combinar vários tipos de atividades em uma mesma unidade familiar ou estabelecimento, fazendo com que os seus membros possuam vários tipos de inserção profissional. (Fonte: dicasturisticas.blogspot.com). 76

Pluriatividade agrícola e agricultura familiar I MODERNIZAÇÃO E EXCLUSÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA. Aula 8 Cabe ressaltar que tal privilégio será bem vindo para o agricultor pluriativo se vier acompanhado de crescimento social e educacional. Sendo assim, a pluriatividade não pode ser entendida como um fenômeno natural, fruto da modernização e expansão das atividades industriais, como resultado de políticas públicas planejadas e/ou intencionadas para o produtor rural. Portanto, cabe ao geógrafo interpretar as relações sociais que são materializadas no espaço e compreender o processo de reorganização territorial do agro-brasileiro. Graziano da Silva et alii (1996), analisando essas novas funções do meio rural brasileiro, em geral, concluíram que já não se pode caracterizálo somente como agrário; é preciso incluir outras variáveis, como as atividades rurais não-agrícolas decorrentes da crescente urbanização do meio rural (turismo rural, lazer e outros serviços), as atividades de preservação do meio ambiente, além de um conjunto de atividades agropecuárias intensivas (olericultura, floricultura, fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais), que buscam nichos de mercado para sua inserção econômica. (Fonte:http://www.amparo.sp.gov.br) Assim, a pluriatividade não é um fenômeno que surge espontaneamente e que cresce naturalmente, isenta de concepções políticas, de conflitos de classe ou de um planejamento norteador de construção de algum tipo de sociedade. Pelo contrário, as atividades não-agrícolas é resultante de um conjunto de interações econômicas e políticas planejada com a participação do Estado de forma direta ou indiretamente quando se omite diante da nova realidade do mundo rural. 77

Geografia Agrária A origem da noção da pluriatividade está ligada ao continente europeu do início do século XX, principalmente na década de 40. Mas foi somente na década de 1970 que foi retomada tal noção e aprofundado nos debates sobre as questões agrárias da Europa. No caso brasileiro, como o processo de industrialização ou especialização da agricultura foi mais lento e tardio, assim como o processo de industrialização difusa, a noção sobre a pluriatividade agrícola ocorre mais intensamente a partir da década de 90 de forma desigual e combinada no espaço rural brasileiro. Tais problemas são mais profundos no tocante à região nordestina, devido, entre outros fatores, à intensa concentração da estrutura fundiária e ao lento processo de difusão industrial. Vale ressaltar que tais fatores serviram de obstáculos mas não impediam que uma parcela significativa de agricultores familiares se tornassem pluriativos. Além do mais, a pluriativide acontece no seio da unidade familiar e não no indivíduo agricultor, seja ele chefe ou não da família, proprietário ou empregado. Nesse aspecto Schneider é objetivo na delimitação dos limites a respeito da noção dos pluriativos, (...) o debate sobre a pluriatividade ou sobre as formas alternativas de desenvolvimento rural e reprodução da agricultura familiar no Brasil, corre o risco não só de chegar em atraso mas, simplesmente, de não chegar mais. O que reafirmaria a certeza de que o caráter atrasado de nossa estrutura agrária necessita, urgentemente, de reformas. Tanto isso é verdade que, nas regiões onde houve um processo de colonização baseado em pequenas propriedades, foi possível moldar um ambiente social e econômico que tem permitido estratégias alternativas de reprodução aos agricultores sem despojálos de suas propriedades e, ao mesmo tempo, garantir-lhes formas complementares de obtenção de rendas (Schneider apud Alentejano, 1999 p. 151). (Fonte:http://www.pescacommosca.com.br) Não há dúvida que tal análise, coerente, refletia o início da década de 90 em que a conjuntura político social do Brasil contribuia para fortalecer tal afirmação. No entanto, deve-se considerar que o Brasil do século XXI passou por mudanças significativas no âmbito político e social, repercutindo no processo de difusão industrial e urbano, talvés não como no modelo europeu, assim como na descentralização da especialização das atividades agrícolas. Por outro lado, não se deve associar o trabalho 78

Pluriatividade agrícola e agricultura familiar I pluriativo apenas à descentralização industrial e urbana, mas também a outros fatores como ecotorismo, pesca rural, lazer, serviços, transporte, entre outros. Como foi relatado anteriormente, foi partir dos anos 80 e mais intensamente na década de 90 evidencia-se o crescimento das atividades nãoagrícolas no agrário brasileiro, fruto em parte, da descentralização industrial seguida pelo surgimento de novas atividades ligadas direta ou indiretamente à produção rural brasileira. Acompanhando essa tendência de urbanização do espaço rural, surge o conceito de pluriatividade, na tentativa de melhor compreender e explicar os novos processos existentes na realidade agrária do nosso país. As questões a respeito da pluriatividade no Brasil começam a partir da constatação de que o emprego rural não-agrícola cresce mais do que o emprego agrícola. A partir daí surge o Projeto Rurbano 2 que vem reafirmar o novo rural brasileiro com a idéia da ampliação das atividades não-agrícolas no campo e da pluriatividade praticada pelos residentes no meio rural e a constatação de que o fator mais importante para segurar a população no meio rural durante a década de 1990 foram as atividades não-agrícolas (Anjos e Caldas, 2004). Com isso, é indiscutível que nos últimos anos, com o processo de mudança no espaço rural brasileiro, haja uma necessidade de reinterpretar os conceitos utilizados no agrário brasileiro. Tais mudanças têm levado alguns autores (Graziano, 1997; Wanderley, 1997; Schneider, 2000; e Lopes, sem ano) a afirmar que rural deixou de ser sinônimo de agrícola, haja vista que outras atividades não-agrícolas vêm sendo desenvolvidas no campo. A queda nos rendimentos dos pequenos agricultores em função da redução dos preços dos principais commodities 3 agrícolas no mundo e a liberação de mão-de-obra devido aos constantes avanços tecnológicos, assim como a reorganização da agricultura, são apontados como os grandes causadores do processo de transformação do meio rural brasileiro e responsáveis pelo surgimento do agricultor de tempo parcial. Esses acontecimentos estão levando o agricultor a buscar se diversificar, implantando atividades não agrícolas que complementem sua renda. Assim, a agricultura tem se tornado uma atividade que responde cada vez menos pela renda e pela ocupação dos trabalhadores agrícolas no campo. Para Muller (1995), Aula 8 O espaço rural não pode mais ser pensado apenas como um lugar produtor de mercadorias agrárias e ofertador de mão-de-obra. Além de poder oferecer ar, água, turismo, lazer e bens de saúde, possibilitando uma gestão multipropósito do espaço rural, oferece a possibilidade de, no espaço local-regional, combinar postos de trabalho com pequenas e médias empresas. (apud Silva, 1997). 79

Geografia Agrária Portanto, é importante perceber que no mundo rural estão sendo desenvolvidas novas relações de poder, a partir da inter-relação das atividades rurbanas responsáveis pelo surgimento de riqueza e pobreza no campo. Vale ressaltar que na atividade patronal, a agricultura vem se convertendo em ocupação de tempo parcial e de remuneração insuficiente para manter os agricultores no campo. Lopes (sem data, p. 01), ao fazer uma análise sobre as transformações do espaço rural diz que, Essa nova percepção sobre o rural alterou a naturezado debate, 1 colocando a questão da pluriatividade (o grifo é meu) no centro da discussão, seja na academia seja fora dela, na busca de compreender o sentido das transformações que estão ocorrendo atualmente no mundo rural. Como consequência, a necessidade de rever conceitos e buscar novas formas de compreensão e significados desse fenômeno, cuja característica mais relevante tem sido, em grande medida, a diminuição do peso das atividades agropecuárias na formação da renda dos agricultores (sem data, p. 01). Além disso, as mudanças no campo também despertam a necessidade de identificar os fatores responsáveis pelo surgimento e expansão das atividades não-agrícola no Brasil. Para Graziano da Silva (2000), a pluriatividade deve ser entendida como A conjunção das atividades agrícolas com outras atividades que gerem ganhos monetários e não-monetários, independentemente de serem internos ou externos à exploração agropecuária. Isso permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e o não-assalariado, realizados dentro ou fora das explorações agropecuárias (Silva, 2000). Assim, a partir da concepção de Graziano da Silva, a combinação de atividades não-agrícolas com atividades ligadas ao campo vai caracterizar a unidade familiar como pluriativa, independentemente de quem mais gere rendimentos. O conceito de pluriatividade adota a família como unidade de análise introduzindo no centro das atenções as atividades não-agrícolas exercidas pelos membros da família, independentes de serem desempenhadas dentro ou fora da exploração agrícola. Diante das diversas concepções conceituais, Nascimento diz que, O termo pluriatividade se refere à análise das atividades realizadas, em adição agríciola strictu sensu, tais como o assalariamento em outras 80

Pluriatividade agrícola e agricultura familiar I propriedades, o processamento de alimentos, outras atividades nãoagrícolas realizadas na propriedade, como o turismo rural e as atividades fora da fazenda, referentes ao mercado de trabalho urbano, formal ou informal (sem data, p. 3). Aula 8 Na realidade, trata-se da combinação entre as atividades agrícolas e não-agrícolas na unidade familiar como foi relatada por Graziano (2000). Percebe-se que há consenso que a pluriatividade é uma nova concepção de analisar o espaço rural recente. CONCLUSÃO A partir desta discussão, cabe destacar a figura do Estado como um agente importante no processo de implantação das novas atividades agrícolas e/ou não-agrícolas no meio rural através de políticas públicas. Esse é talvez, um diferencial que vai ser acrescido como variável na interpretação das questões agrárias no Brasil, sobretudo na região Nordeste e consequentemente no Estado de Sergipe. RESUMO A pluriatividade deve ser compreendida a partir das concepções e ações sócio-políticas, e não necessariamente de questões econômicas pautadas na expansão industrial no meio rural. Para alguns estudiosos (Graziano, Kageyama, Wanderley, et. alii) cabe à pluriatividade o papel de servir de instrumento para fortalecer a agricultura familiar no Brasil. No entanto, para que a pluritividade cumpra esse papel, é necessário a participação do Estado através de políticas voltadas para o desenvolvimento amplo da agricultura familiar, criando possibilidades de inserção social e consequentemente de valorização e reconhecimento da importância da agricultura familiar no processo de construção de um país moderno, solidário e com menos injustiça social. ATIVIDADES 1. Existem atividades pluriativas na agricultura do seu município? Justifique. 2. Cite três exemplos de atividades pluriativas na agricultura. 3. De que forma a industrialização contribuiu para o surgimento de atividades pluriativas na agricultura brasileira? 4. De acordo com Graziano da Silva, como deve ser entendido a pluriatividade? 81

Geografia Agrária COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES As atividades pluriativas na agricultura é reflexo do processo de industrialização difusa da indústria. Tais atividades são mecanismos de resistência e permanência do agricultor no espaço rural. PRÓXIMA AULA Você terá a ampliação da discussão a respeito do processo de inserção da agricultura familiar no contexto da modernização conservadora do espaço agrário brasileiro. REFERÊNCIAS ALENTEJANO, Paulo Roberto R. Discussões recentes Pluriatividade: uma noção válida para análise da realidade agrária brasileira? In: TADESCO, João Carlos (org.) Agricultura familiar: realidades e perspectivas. Passo Fundo: Editora da UPF, p. 148-173. 1999. GRAZIANO DA SILVA, José. A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: Unicamp-IE, 1996., José. O novo rural brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 7, n. 1, p. 43-81, 1997. GRAZIANO DA SILVA, José; DEL GROSSI, M. E. A evolução da agricultura familiar e do agrobusiness nos anos 90. In: RATTNER, H. (Org.) O Brasil no limiar do século XXI. São Paulo: EDUSP, 2000, p. 139-158. LOPES, Eliano Sérgio A. A pluriatividade na agricultura familiar do Estado de Sergipe. Projeto de Pesquisa financiado pela FAPESE. [s. d.]. KAGEYAMA, Ângela. Pluriatividade na agricultura: alguns aspectos conceituais. Disponivel em <http: www.eco.unicamp.br/artigog/html>. NASCIMENTO, Carlos A. do. Pluriatividade, pobreza rural e política públicas. Campinas-SP: UNICAMP/IE, 2005. (Tese de Doutorado). SCHNEIDER, Sérgio. As atividades rurais não-agrícolas e as transformações do espaço rural: perspectivas recentes. Cuadernos de Desarrollo Rural. Bogotá Colômbia, v. 1 n 44, p. 11-40, 2000.. Agricultura familiar e industrialização. Porto Alegre: Editora da UFRG, 1999, p. 205. 82

Pluriatividade agrícola e agricultura familiar I TEIXEIRA, Vanessa L. Pluriatividade e agricultura familiar na região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, 1998. WANDERLEY, Maria de N. B. O lugar dos rurais: o meio rural no Brasil moderno. Natal RN. Resumo dos Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 1997. Aula 8 83