GÊNERO, SEXUALIDADE E JUVENTUDE: SOBRE PRODUÇÃO DA DIFERENÇA E MUDANÇA SOCIAL EM SOCIABILIDADES DE ADOLESCENTES HOMOSSEXUAIS NO ESPAÇO URBANO



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Transcrição:

GÊNERO, SEXUALIDADE E JUVENTUDE: SOBRE PRODUÇÃO DA DIFERENÇA E MUDANÇA SOCIAL EM SOCIABILIDADES DE ADOLESCENTES HOMOSSEXUAIS NO ESPAÇO URBANO Marcelo Perilo 1 Bolsista FAPESP 2 Resumo: Nesta comunicação, busco discutir sobre produção de espaços e a produção da diferença no espaço em contextos urbanos. A partir de uma etnografia realizada na cidade de Goiânia, reflito as trajetórias de adolescentes homossexuais e as diferenças em questão em distintos lugares, como um parque público e uma boate. Destaco a emergência de processos de mudança social caracterizados pela transformação no lugar social da homossexualidade e por mudanças nas convenções sociais de gênero e sexualidade no Brasil contemporâneo tendo vista as sociabilidades desses adolescentes em grandes centros urbanos. Essa análise é realizada mediante a intersecção entre sexualidade e outros marcadores sociais da diferença, como gênero, cor/raça, classe e geração, além da reflexão sobre cursos da vida. Palavras-chave: Sexualidade. Juventude. Diferença. Sociabilidade. Espaço urbano. Este texto é oriundo de minha pesquisa de doutoramento em curso a partir do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas. O que por ora apresento são reflexões preliminares sobre problemas que atualmente me permitem discutir sobre mudanças nas convenções sociais de gênero e sexualidade no Brasil contemporâneo tendo em vista transformações no lugar social da homossexualidade no país. Na referida pesquisa, busco conviver com adolescentes e jovens com condutas homo ou bissexuais em São Paulo a partir de seus espaços de sociabilidade em contexto de lazer. O contato com esses interlocutores tem favorecido uma análise sobre como novas gerações de jovens vêm experimentando em suas trajetórias de vida e em seus deslocamentos pela cidade os impactos de algumas transformações que se tornaram mais expressivas em grandes centros urbanos no Brasil a partir da década de 1990, como a crescente visibilidade da homossexualidade na esfera pública; a proposição de políticas governamentais destinadas a lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais; a ascensão e especificação de um mercado voltado a tal público; e a ampliação de espaços para encontro e convivência, tanto em praças, parques e estabelecimentos comerciais, quanto em espaços de interação on line, como discuto a seguir. Essas questões que orientam minha pesquisa de doutorado serão discutidas nesse artigo a partir da etnografia que elaborei durante o mestrado na cidade de Goiânia 3, onde convivi com 1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Estadual de Campinas. gymp3@hotmail.com 2 Executo o projeto de pesquisa Sob o impacto da visibilidade: juventude, (homo)sexualidade e mudança social com bolsa de doutorado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). 1

adolescentes com condutas homo ou bissexual em distintos espaços de sociabilidade. Dessa forma, nas próximas seções do texto eu discuto sobre transformações ocorridas a partir da década de 1990 e seus impactos em novas gerações de jovens em comparação com outras gerações. Essa reflexão é realizada mediante uma análise sobre a produção da diferença tendo em vista as trajetórias de meus interlocutores pelo espaço urbano. Mudanças no lugar social da homossexualidade Distintas etnografias 4 realizadas no Brasil têm auxiliado a reflexão sobre a produção de espaços de sociabilidades entre pessoas com condutas homo e bissexuais, principalmente em grandes centros urbanos. A partir da década de 1990, em período em que se percebe um crescimento exponencial na oferta de bens, produtos e serviços destinados especificamente a homossexuais, destaca-se a elaboração de espaços para encontro em boates, bares e clubes de sexo, além do surgimento de variados espaços de encontro em logradouros públicos, como ruas, parques e praças. Muito antes desse processo, alguns espaços para encontro e convivência entre pessoas com condutas homo e bissexuais já se faziam notórios no país. Algumas praças e ruas no Rio de Janeiro do início do século XX utilizadas como locais para flerte e convivência entre homens (GREEN; POLITO, 2008) ou certos bailes e blocos de Carnaval frequentados por homossexuais (GONTIJO, 2009), por exemplo. Contudo, a elaboração de espaços de sociabilidade para tal público no Brasil contemporâneo ganha outros contornos e torna-se peculiar por conta de processos que ocorrem em paralelo e que vêm impactando o país desde o final de sua última ditadura militar. Paralelo à abertura política a partir do final da década de 1970, surgiam os primeiros grupos do então intitulado Movimento Homossexual Brasileiro, sendo o Somos, criado em 1978 e sediado na cidade de São Paulo, uma das entidades pioneiras na promoção de políticas relacionadas à aceitação social da homossexualidade (FACCHINI, 2005). Na década de 1980, as condutas homo e bissexuais receberam um amplo destaque nas pautas políticas e sociais do país em função da 3 A fim da realização da etnografia eu lancei mão de observação participante junto aos jovens, o que incluiu conversas informais e visitas periódicas a seus espaços de sociabilidade, o que possibilitou meu trânsito pela cidade a partir dos convites que recebia para comparecer os ambientes que frequentavam. 4 Destaco trabalhos como os de Andréia Lacombe em bares e boates na cidade do Rio de Janeiro (2009), Camilo Braz (2012) sobre distintos estabelecimentos comerciais em Goiânia e, na cidade de Fortaleza, as pesquisas de Alexandre Fleming Vale em um cinema pornô (2000). Na cidade de São Paulo, tanto em clubes de sexo, como na etnografia de Camilo Braz (2010), quanto em festas e boates na pesquisa de Isadora Lins França (2010). 2

epidemia de aids, um dos motes para a implementação das primeiras políticas públicas especificamente voltadas a essa população (PERILO et. al., 2010). A partir da década de 1990, o movimento de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (LGBT) passa a promover um constante diálogo com o Estado e amplia suas redes nacionais de instituições e atores sociais parceiros (SIMÕES; FACCHINI, 2009) e, além disso, outras políticas públicas passam a ser desenhadas nas esferas municipal, estadual e federal (MELLO et. al., 2010). A partir da década de 1990 uma nova oportunidade para busca e compartilhamento de informações entre pessoas com condutas homo ou bissexual torna-se viável por meio da internet. A web passou a ser utilizada como instrumento pedagógico e difusor de estilos de vida relacionados à homossexualidade, além de âmbito para integração social (PISCITELLI, 2009). A presença cada vez mais visível de jovens com condutas homo e bissexual em espaços de sociabilidade elaborados em distintas regiões de grandes centros urbanos tem sido apontada em outras etnografias produzidas a partir de cidades como Porto Alegre (SILVA, 2008), São Paulo (GUIMARÃES; CALIXTO, 2012), Campinas (DUQUE, 2011) e Fortaleza (HOLANDA, 2006). Esse seria um dos efeitos dos processos ligados a transformações políticas, econômicas e sociais no Brasil e, para compreendê-lo com relação à sexualidade, torna-se estratégico identificar a homossexualidade como lugar social. Sérgio Carrara o faz ao afirmar que A homossexualidade não é certa disposição orgânica ou psicológica, nem apenas um certo conjunto de práticas sexuais, nem somente um estilo de vida, nem talvez uma identidade social, mas sim um lugar simbólico, aberto a múltiplas incorporações, imagens e personificações. Um lugar que, se fala de estigma, de preconceito e de aprisionamento identitário, fala também de prazer, de potência, de irreverência, de transgressão, de mobilidade, de migração, de deriva, de uma contínua e árdua transformação de si e dos outros (CARRARA, 2005, p. 23). A partir desse argumento, Regina Facchini (2008) reflete que os processos identificados no final da década de 1970 e intensificados a partir de 1990 vêm modificando o lugar social da homossexualidade no país. Considerando a visibilidade sobre a homossexualidade e temas correlatos, a antropóloga indica que nunca se falou tanto e tão abertamente sobre o assunto e esse é um processo que, muito provavelmente, ainda deve se estender pelos próximos anos (FACCHINI, 2008, p. 99). Nesse cenário de mudanças em grandes centros urbanos no país, realizei entre 2010 e 2012 uma etnografia na cidade de Goiânia em que pude refletir sobre espaços públicos para sociabilidade entre adolescentes e jovens 5 com conduta homo ou bissexual. Convivi com meus interlocutores em 5 Considero aqui o termo "adolescente" de maneira contingencial para fazer menção a sujeitos que tenham entre 12 e 18 anos incompletos, assim como consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). Atribuo o termo 3

parques, praças e demais logradouros públicos onde eles se encontravam com amigos e, ainda, onde tornavam visíveis demonstrações de afeto junto a seus namorados e namoradas (PERILO, 2012). Um dos lugares em que realizei trabalho de campo era intitulado pelos jovens como Área Fértil. A Área era elaborada mediante encontros que esses jovens realizavam a cada domingo nos períodos vespertino e noturno em uma região dentro do parque Vaca Brava, situado no sul de Goiânia. Esse local se tornou peculiar porque foi erigido em uma região distante do Centro, onde há uma concentração de estabelecimentos comerciais e ruas notoriamente frequentadas por homossexuais. No referido parque, contudo, onde suas condutas não eram previstas ou toleradas, os jovens elaboravam semanalmente uma nova região na cidade onde tornavam possível a demonstração de afeto e a convivência entre seus conhecidos, o que se mantinha apesar de agressões homofóbicas às quais estavam submetidos. Dentre as dezenas de frequentadores da Área Fértil, pude identificar que sua maioria era compota por jovens pretos e pardos 6 cuja idade oscilava entre 14 a 22 anos, ainda que predominassem adolescentes. As garotas e garotos residiam nas periferias ou na região metropolitana de Goiânia, sendo que o deslocamento pela cidade era feito geralmente por meio de transporte público coletivo. Além do referido parque, outro lugar frequentado pelos jovens com quem convivi eram as festas matinês que ocorriam ocasionalmente na boate Total Flex também nas tardes e noites de domingo. Nessas festas era autorizado acesso a jovens com idade de quinze anos ou mais; as portas eram abertas a partir das 15 horas e as atividades eram encerradas até as 21 horas. Os bairros onde viviam esses jovens também eram utilizados como locais para encontro para convivência, mas rendiam oportunidades distintas em comparação ao parque e à boate. Em seus bairros alguns não poderiam beijar seus namorados em público, por exemplo, o que no parque tornava viável sem que isso lhes comprometesse. Ao mesmo tempo, na boate eles estariam menos suscetíveis a violência, ainda que as atrações das matinês não fossem do interesse de todos. O parque, a boate e os bairros, portanto, correspondiam a uma gama de espaços em que esses jovens poderiam transitar pela cidade a fim do encontro com namorados e amigos em contexto de lazer. Os incentivos e constrangimentos desses jovens na utilização desses espaços dependem das relações que mantêm entre si e com outros grupos também presentes em meio a onde transitam pelo espaço urbano. Dessa forma, na próxima seção deste texto busco refletir sobre como são jovem" àqueles que tenham entre 15 a 24 anos de idade tendo em vista o recorte etário adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE, 1999). 6 As categorias classificatórias aqui mencionadas têm caráter descritivo e favorecem a identificação dos interlocutores em potencial para a pesquisa. Sendo assim, durante o doutorado pretendo relativizar a utilização dos termos citados e inclusive analisar como os próprios sujeitos atribuem categorias a si mesmos e aos outros. 4

constituídas diferenças e diferenciações entre esses jovens a partir de duas situações verificadas durante o trabalho de campo. Sociabilidades, diferenças, desigualdades Considerando a presença dos jovens na Área Fértil e demais pessoas no parque Vaca Brava, percebe-se que uma das características marcantes neste logradouro é a heterogeneidade do público que ocupa seus setenta e sete mil metros quadrados. As diferenças internas entre as garotas e garotos na região específica da Área tornam-se menos expressivas quando comparadas às diferenças que se conformam quando contrastado este grupo e outras pessoas presentes em todo o parque, que passam a ser contextualmente distintas dos jovens que se tornaram meus interlocutores. Antes da chegada das garotas e garotos no parque e, por conseguinte, momento em que é elaborada a Área, o que ocorre no início das tardes de domingo, alguns transeuntes ainda estão utilizando alguns assentos de madeira que constam no ambiente antes que cheguem as pessoas da Área e os ocupem. Em um domingo, no momento de chegada dos jovens havia alguns desses assentos sendo utilizados por algumas pessoas e, dentre elas, um garoto e uma garota que conversavam entre si. Um grupo de jovens da Área começou a criticar a presença desse que provavelmente era um casal de namorados, o que permitia compreender em função das carícias compartilhadas. Esse casal parecia deslocado em relação aos jovens da Área e, distinto de outras pessoas que haviam saído do local conforme a chegada de mais conhecidos dentre aqueles que ocupam aquela região no parque aos domingos no período vespertino e noturno, o casal alongou sua presença nesse lugar como que despeitando o estabelecimento da Área ou simplesmente não compreendendo o processo de chegada de vários grupos de garotas e garotos. O casal rompia uma fronteira estabelecida naquele momento, visto que não eram reconhecidos como partícipes daquele lugar. Um grupo de garotos da Área começaram a lançar indiretas e diretas criticando a presença do casal. Além de suas roupas, um contraste do casal frente aos demais jovens se fazia notar por conta da pele branca e cabelo liso do garoto e garota. O mal estar de alguns garotos da Área era expresso mediante um discurso que indicava a presença do casal como deslocada, pois eram hétero e não estavam em um ambiente propício. Ademais, a antipatia com relação à presença do casal era também relacionada ao fato de não interagirem com mais ninguém, seguirem ensimesmados, conversando entre si e sem oferecer aberturas às outras pessoas ali presentes, o que era estranho considerando as interações na Área. 5

Um dos garotos que debatiam sobre o tema questionou a postura de seus colegas indicando que aquele tom de crítica que utilizavam era heterofóbico, mas alguns continuavam instando indiretamente a saída do casal, sendo que havia que havia quem alegasse que se estivesse fora dos limites da Área e demonstrasse afeto com alguém do mesmo sexo poderia ser fatalmente discriminado. Não houve quem fosse ter diretamente com o casal ou alguém que proferisse um discurso inflamado em altos decibéis, mas certamente o garoto e a garota teriam condições de ouvir que sua presença ali era motivo de reprovação para alguns. Considerando os processos que conformam diferenças a partir das relações entre os jovens da Área frente às pessoas e grupos que passam a ser contingencialmente antagonistas a suas condutas e posturas, outra situação verificada em trabalho de campo permite identificar distinções internas nas relações entre os jovens da Área. Algumas dessas situações descortinam a produção de diferenças e diferenciações. Como anteriomente mencionado, muitos dos jovens que frequentam o parque e a boate mencionados residem em periferias da cidade ou região metropolitana. Em distintas situações, esses jovens evitam fazer menção sobre seus lugares de moradia, pois evidenciar alguns bairros entre esses garotos pode ocasionar algum desprestígio. Mesmo que a maioria dessas pessoas residam em periferias, algumas peculiaridades de cada um dos bairros podem ser mote para o estabelecimento de hierarquias. Esse tipo de situação pôde ser observada, por exemplo, em uma conversa na Área. Em uma conversa entre garotos, eis que seus bairros foram utilizados como uma medida para o discernimento e hierarquização, o que fez emergir a diferença a partir de marcadores sociais de classe. Consta que estávamos eu e dois garotos debatendo sobre assuntos diversos. Em dado momento eu pergunto se todas as pessoas que frequentam aquela região do parque moram em um bairro da uma cidade da região metropolitana. Um dos gartos respondeu com incisividade que não residia naquele bairro. Eu perguntei onde morava e ele respondeu enfaticamente que seria em Goiânia. Não bastasse o que já havia informado, esse garoto fez uma demostração para tornar mais explícita tal diferença. Ele ergueu uma de suas mãos que, enquanto suspensa no ar, desenhava uma espécie de gradiente, sendo que seu bairro ocupava os mais altos postos desta hierarquia. Enquanto isso, na medida que ele citava outros bairros, ia simultaneamente baixando sua mão como que alcançando mais e mais postos inferiores em tal nivelamento. Quando chegou no último grau de sua lista, ele então anunciou então o bairro do colega que estava a sua frente. 6

Esse garoto também utilizava alguns objetos que o faziam distinto de demais jovens na Área, o que era perceptível quando ele exibia seu telefone celular e também quando comparecia a este lugar com seus sempre evidentes tênis caros de marcas reconhecidas multicoloridos e brilhantes. Com suas posturas e por meio de seus pertences, o garoto elaborava distinções entre ele e as demais pessoas com quem convivia no parque. O garoto utiliza recursos e discursos à sua disposição para situar-se em posição de prestígio frente aos demais. Frente a tais situações destacadas a partir de minha etnografia no mestrado, saliento a relevância de uma perspectiva analítica que favoreça uma abordagem interseccional entre distintos eixos de diferenciação social, como gênero, sexualidade, raça e classe. Essa reflexão permite ainda que eu pondere como e em que medida geração pode receber destaque em meio a tal debate, assim como verifico na próxima seção deste texto. Diferenças em articulação A partir de uma discussão sobre controvérsias frente ao termo negro na Grã-Bretanha, Avtar Brah discorre sobre a necessidade de se refletir sobre a diferença, sobre como ela é construída e suas implicações. Essa perspectiva lhe demanda a reflexão conjunta de classe, racismo, gênero e sexualidade que, segundo a autora, não podem ser tratadas como variáveis independentes porque a opressão de cada uma está inscrita dentro da outra é constituída pela outra e é constitutiva dela (BRAH, 2006, p. 351). Essa abordagem conjunta favorece a reflexão sobre como negros e brancos experimentam sexualidade por meio da raça e sobre como gênero é construído por meio de classe e racismos, por exemplo. Em seu turno, Anne McClintock investe em um projeto de reflexão sobre o imperialismo que lhe demanda considerar não apenas um tema, mas diversas questões relacionadas, como a ordem reprodutiva, econômica e política do império. Em sua análise, portanto, ela destaca que gênero, raça e classe não são reinos distintos da experiência, tampouco idênticos ou redutíveis entre si, mas estão em uma espécie de imbricamento indissolúvel. Então existem em relação entre si e através dessa relação ainda que de modos contraditórios e em conflito (2010, p. 19, grifos da autora). O trecho supracitado da obra de McClintock sinaliza não apenas a relevância da articulação de distintos eixos de poder, mas o modo pelo qual a autora realiza sua análise. Em lugar de agregar gênero, raça e classe como se fossem peças de Lego ou peças de montar autônomas, a autora 7

considera tais eixos de diferenciação social como implicados um no outro, o que demanda sua reflexão conjunta e interdependente; uma reflexão interseccional. Como indicado por Donna Haraway, "muito raramente a teoria feminista juntou analiticamente raça, sexo/gênero e classe apesar das melhores intenções, das palavras de ordem dos autores e das observações nos prefácios de livros" (2004, p. 206). Em direção diametralmente oposta, McClintock e Avtar Brah oferecem a possibilidade de tal junção, sendo que não há uma escolha ou ênfase a priori em um eixo de diferenciação em detrimento de outros, mas o investimento em uma perspectiva que permita a análise da diferença. Esse é justamente um dos elementos que permitem conexões entre as autoras mencionadas. Além da necessidade de reflexão sobre classe, racismo, gênero e sexualidade como variáveis independentes, um dos modos destacados por Avtar Brah a fim de realizar tal exercício é considerar não a diferença em si, mas a quem define a diferença, como diferentes categorias de mulheres são representadas dentro dos discursos da diferença e se a diferença diferencia lateral ou hierarquicamente (2006, p. 358). Essa ponderação da autora favorece que compreensão da diferença como produzida contextual e contingencialmente e, sobretudo, que não resulta necessariamente em opressão ou subordinação (BRAH, 2006). McClintock e Brah também estão conectadas por conta do destaque que oferecem a subjetividade e experiência, bem como sobre a possibilidade de agenciamento. Mediante essa reflexão potencializa-se a crítica à ideia de que pessoas ocupariam fixamente posições privilegiadas ou subordinadas em relações sociais, pois estas dependem de como, quando e onde serão afetadas por diferentes imbricações entre eixos de diferenciação social. Esse debate está em consonância com uma compreensão foucaultiana sobre o poder em que este não é pensado apenas como repressivo, mas simultaneamente produtivo (PISCITELLI, 2008). Considerando a elaboração das autoras sobre a necessidade de articulação entre distintos eixos de poder e, ainda, sobre como realizá-lo, busco refletir tais questões em consonância com minha pesquisa de doutoramento em curso. Nesse momento considerarei gênero, sexualidade, raça e classe, mas oferecerei destaque também a geração. Trata-se de um exercício que concerne aos desdobramentos da referida investigação e favorece sua análise, assim como indico a seguir. Geração e diferença Um número cada vez mais expressivo de autores no âmbito das Ciências Humanas, e sobretudo nas Ciências Sociais, têm enfatizado a relevância na reflexão que considere as distintas 8

maneiras pelas quais a vida é periodizada, os sistemas de classificação relacionados a categorias etárias e os discursos de distintos atores sociais sobre as vicissitudes do corpo (DEBERT, 2004). Esses elementos tornam-se importantes para a compreensão de geração como um eixo de diferenciação social que permita a análise sobre a produção de diferenças e igualdades. Categorias como infância e adolescência foram elaboradas nos séculos XVII e XIX, respectivamente (FEATHERSTONE, 1998), assim como as categorias terceira idade e melhor idade, ambas criadas século XX (DEBERT; BRIGEIRO, 2012; DEBERT, 2004). Dessa forma, a atenção aos modos pelos quais os cursos de vida são concebidos tornam-se importantes contribuições para as análises em perspectiva interseccional. A extensão dos cursos de vida a maneira em que são categorizados e diferenciados estão implicados em diversos processos, o que está relacionado, mas não se limita à idade ou coortes geracionais (DEBERT, 2004; FEATHERSTONE, 1998). Um crescente número trabalhos produzidos no Brasil têm promovido uma análise conjunta de distintos eixos de poder e têm incluído geração em meio ao debate sobre diferenças e diferenciações. Novas concepções sobre a erotização da velhice (DEBERT; BRIGEIRO, 2012) e sobre formas de sociabilidade e as maneiras pelas quais as vida é periodizada (DEBERT, 2004), por exemplo, favorecem o investimento em questões que são caras a Avtar Brah (2006) e Anne McClintock (2010), como relações de poder, experiência, subjetividade e agência. Essas discussões rementem diretamente à pesquisa que atualmente desenvolvo, tendo em vista que busco refletir sobre mudanças nas convenções sociais de gênero e sexualidade no Brasil contemporâneo tendo em vista transformações no lugar social da homossexualidade no país. Ainda que em meu trabalho de campo eu conviva com adolescentes e jovens como um recorte empírico estratégico para a análise dos impactos de algumas transformações que se tornaram mais expressivas a partir da década de 1990, a reflexão sobre as mudanças e transformações que fundamentam minha investigação devem ter em conta as maneiras pelas quais outras gerações de pessoas com condutas homo ou bissexuais vivenciaram sua sexualidade. Ressalvadas peculiaridades e diferenças, distintas transformações sociais que marcaram o Brasil nas últimas décadas também foram identificadas na Argentina por Meccia (2011) em seu estudo a partir de Buenos Aires. Segundo o autor, até o final da mais recente ditadura argentina (1976-1983) os homossexuais ali viveram tendo sua sexualidade atrelada à vergonha, estigma, medo e clandestinidade. Em contraponto a esse processo e frente ao término da ditadura, houve a emergência de uma era gay, sendo que as novas gerações puderam viver a homossexualidade 9

tendo em vista referenciais de orgulho, respeito, reconhecimento e visibilidade (MECCIA, 2011). Considerando a reflexão desse autor, é possível verificar processos similares no Brasil visto potenciais diferenças nas experiências relacionadas à homossexualidade vivenciadas por gerações de jovens entre as décadas de 1990 e 2000 frente às experiências vivenciadas por jovens em gerações anteriores. Considerando esses referenciais de transformação citados por Meccia (2011), é possível verificar processos similares no Brasil tendo em vista uma crescente visibilização da homossexualidade na esfera pública, o que ocorre concomitante à utilização de espaços para o encontro e convivência entre pessoas com conduta homo ou bissexual. Além dos logradouros públicos, como ruas e praças no Centro de São Paulo, na década 1980 também surgem estabelecimentos comerciais, como bares e boates, que constituíram o que Edward MacRae (2005) aponta como gueto gay paulistano. Néstor Perlonguer (1987), por seu turno, identifica em São Paulo que os locais para sociabilidade entre aqueles e aquelas com condutas não-heterossexuais também passavam por transformações e extravasavam o gueto. Ainda na década de 1980, o autor identificou locais para encontro e convivência desses sujeitos para além do Centro, inclusive em bairros com público de estratos socioeconômicos médios e altos. Em um trabalho de campo exploratório na cidade de São Paulo, identifiquei três lugareschave a partir dos quais realizarei minha etnografia durante o doutorado. O primeiro lugar está localizado na Rua Peixoto Gomide em seu trecho entre as ruas Augusta e Frei Caneca, na região central de São Paulo. Nesse local, principalmente aos finais de semana, encontram-se adolescentes pretos e pardos de estratos baixos e médio-baixos moradores de distintas regiões da cidade, sendo muitos em regiões periféricas. O outro lugar-chave para a pesquisa que pretendo realizar está situado na região da República, notória pela possibilidade de encontros e interações eróticas entre homens (PERLONGHER, 1987). Nessa região, busco estudar especificamente o Largo do Arouche, logradouro público onde adolescentes se encontram nos períodos vespertino e noturno a cada domingo. O perfil socioeconômico desse público é similar ao dos jovens localizados na via perpendicular à Rua Augusta, o que se pode verificar em outros estudos focadas nessa região (GUIMARÃES; CALIXTO, 2012; FRANÇA, 2010). O terceiro lugar-chave para a realização dessa pesquisa está situado no bairro Tatuapé, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Em uma praça a duas quadras do Shopping Metrô Tatuapé, 10

encontram-se principalmente às sextas-feiras no período noturno dezenas de adolescentes com perfil socioeconômico próximo àquele identificado no outros dois lugares-chave citados. Assim como na Rua Peixoto Gomide e no Largo do Arouche, os encontros no Tatuapé são peculiares pelas condutas dos jovens, que beijam seus namorados do mesmo sexo, caminham de mãos dadas e tornam visíveis seus relacionamentos em meio ao espaço público. Os adolescentes que frequentam os lugares mencionados procuram manter tais encontros ainda que sejam alvo de represália por conta de sua sexualidade. Considerando o exposto, os processos aqui indicados demandam a reflexão sobre diferenças e diferenciações em que se leve em conta as imbricações entre geração, gênero, raça, sexualidade e geração. A realização de uma análise em perspectiva interseccional a partir de minha pesquisa de doutoramento deve levar em conta distintas compreensões sobre homossexualidade para grupos de certa geração versus compreensões sobre homossexualidade mais amplamente difundidas em outras gerações. Essa reflexão torna-se potencial mediante a articulação desses eixos de diferenciação citados em vistas a caracterizar os processos de transformação social que tem impactado o país nas últimas décadas. Referências BRAH, A. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, Campinas, n. 26, p. 329-376, 2006. BRASIL. Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 16 de março de 2010. BRAZ, Camilo Albuquerque de. À meia-luz... Uma etnografia imprópria em clubes de sexo masculinos. Tese de Doutorado: Universidade Estadual de Campinas, 2010 BRAZ, Camilo; FRANÇA, Isadora; FACCHINI, Regina. Sexualidade, mercado e dinâmicas identitárias: olhares antropológicos contemporâneos. Simpósio Especial Antropologia, gênero e sexualidade no Brasil: balanços e perspectivas. 28ª Reunião Brasileira de Antropologia. São Paulo, 2012. CARRARA, Sérgio. O Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos e o lugar da homossexualidade. In: GROSSI, Miriam Pillar [et al.] (orgs). Movimentos sociais, educação e sexualidades. Rio de Janeiro: Garamond, 2005, p. 17-24. DEBERT, G.; BRIGEIRO, M. Fronteiras de gênero e sexualidade na velhice. RBCS, v.27, n. 80, 2012. DEBERT, Guita. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Eidotra da Univesridade de São Paulo. Fapesp, 2004. 11

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