EXPERIÊNCIAS SÓCIO-EDUCATIVAS DO MST. VENDRAMINI, Célia Regina. Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO



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Transcrição:

EXPERIÊNCIAS SÓCIO-EDUCATIVAS DO MST VENDRAMINI, Célia Regina Universidade Federal de Santa Catarina RESUMO Ao estudar um movimento social de grande relevância social e política na conjuntura do país, dedicamos especial atenção às experiências sócio-educativas pelas quais passaram os sem-terra, hoje assentados, no decorrer do processo de luta, conquista e trabalho na terra. Estas experiências são um indicativo dos avanços e também dos limites e contradições da consciência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem- Terra. Contribuímos com a pesquisa acerca das diversas formas e espaços de educação, não restritas à escola. Estas acontecem na prática social dos trabalhadores rurais assentados, nas suas lutas, manifestações públicas, ocupações, reuniões e encontros de formação, bem como na organização produtiva e escolar dos assentados.

Enquanto espaço de socialização política, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST permite aos trabalhadores o aprendizado prático de como se unir, se organizar, participar, negociar e lutar, além da elaboração de uma identidade social, de uma consciência de seus interesses e direitos e, finalmente, a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais. A circunstância histórica de engajamento no MST, de indivíduos que se insurgem contra as miseráveis condições de vida, já que o lutar acaba sendo a única alternativa do agricultor que não abandona a sua condição, faz com que o movimento, concretizado em ocupações de terra, acampamentos, concentrações e atos públicos, seja uma experiência de intensa solidariedade, união e espírito coletivo. A tomada de consciência, por parte das populações locais, do que está em jogo quanto a transformações atuais e a futuros possíveis, é fruto de um processo educativo profundo e duradouro, através de muita informação, debate, novas organizações, da aceitação de que os problemas hoje vividos de forma individual e isolada só aceitam soluções de conjunto, que forçam a comunicação, a cooperação, as alianças, os projetos comuns. No caso do MST, o processo de aprendizagem é fruto das ocupações, das experiências do acampamento, do assentamento, das atividades produtivas, organizacionais, escolares e sócio-políticas vividas em comum, o que inclui encontros, reuniões e assembléias que propiciam práticas discursivas e, portanto, o exercício da linguagem ou consciência praticada. Desta forma, a educação é compreendida como intercomunicação entre indivíduos livremente associados a um projeto sócio-político; e a escola, por eles reformulada, aparece como elo de ligação entre experiências locais específicas, de um lado, e experiências gerais da sociedade nacional e internacional, de outro lado. Se a educação, em sentido amplo, significa mudança de comportamento, em termos de linguagem, hábitos, formas de expressão, opiniões e níveis de conhecimento, ela certamente terá um papel determinante na formação de aspectos da mentalidade dos grupos. Esta aprendizagem faz-se pelas experiências do assentamento e do movimento em geral, pelos encontros e contatos, pela palavra, bem como pela educação institucionalizada. Em síntese, a educação trata do processo como se formam, se difundem e se perpetuam os instrumentos e mecanismos mentais.(807) Consideramos, assim, que a aprendizagem não está restrita ao espaço escolar institucionalizado, mas acontece nas experiências vividas individualmente ou coletivamente. No caso dos assentamentos, procuramos identificar estas experiências, como elas educam e qual a articulação entre estas e a escola e ainda com o espaço social em que as crianças crescem e vivem, construindo suas experiências. Estas considerações iniciais partem dos seguintes pressupostos: existem

diferentes modos de aprender e de conhecer; não existe um modelo único ideal de transmissão de conhecimentos, como poderia ser o sistema de escolarização institucionalizada; é possível, portanto, aprender em outros espaços, com outros meios e procedimentos, já que a aprendizagem acontece em todo intercâmbio de experiências produtivas, de convívios, de práticas associativas, religiosas, comunicativas, incluídas as escolares. Na visão dos próprios assentados(808), os diversos modos e espaços de aprendizagem podem ser percebidos em duas posições: os que vêem de uma forma mais ampla e compreendem que as lutas, as ocupações, as manifestações são espaços importantes de aprendizagem; e os que restringem o aprender à escola e à família. Vejamos os Quadros 1, 2 e 3. Tabela 01 - Espaços de aprendizagem - Assentamento Conquista 5 de Maio Tabela 02 - Espaços de aprendizagem - Assentamento 25 de Julho Tabela 03 - Espaços de aprendizagem - Assentamento 30 de Outubro Entre os assentados, há os que se preocupam mais com a sua família, a sua propriedade, o seu bem estar, considerando que a luta pela conquista da terra já passou, e há os que continuam apostando no trabalho conjunto, na continuidade da luta e na organização. Isso se reflete na questão acima mencionada. Os primeiros vêem a educação reduzida à escola e à família, os segundos vêem o mundo como uma grande escola. Na sociedade em que vivemos, há diversas formas e locais que favorecem a formação, mas também há muitos que levam à desformação, à alienação, são instituições formais e informais, veículos de comunicação, jogos e outros que exercem um papel deseducativo, sem deixar no entanto de atingir as pessoas(809). Mentes deformadas pelo doutrinamento constante dos poderes que dominam nossa vida e que penetram em nossa consciência através das mensagens constantes que os circuitos educativos, a propaganda política, a ideologia religiosa, os meios de comunicação, os sistemas de informação nos transmitem, a todo momento, em todos os lugares geográficos, a toda hora, graças à capacidade técnica que as novas tecnologias permitem.(810) travadas, as mobilizações, as experiências de organização, as reuniões e assembléias, as caminhadas, os atos públicos, importantes e significativos momentos de formação das pessoas envolvidas. Os próprios assentados percebem isso e vêem a luta que travaram como uma grande escola. Alguns assentados levantam o problema do analfabetismo como obstáculo à aprendizagem. Não podemos discordar dessa afirmação, porém as pessoas vivem experiências, trabalham, convivem com o outro, participam de diversas atividades, independente do seu grau de escolaridade, e aprendem com tudo isso. Entretanto, a alta taxa de analfabetismo em nosso país acentua-se no meio rural, refletindo-se nos acampamentos e assentamentos, que agregam pessoas que foram excluídas não só do

processo produtivo, mas também da escola. A superação do analfabetismo constitui um grande desafio ao Movimento dos Sem-Terra, principalmente se o seu projeto não se limitar a reincorporar os colonos sem-terra na produção. Deve-se pensar também na sua socialização, alfabetização e educação. Pelos dados que dispomos, não identificaríamos o nível de escolaridade com o grau de consciência dos assentados. Encontramos analfabetos que demonstraram uma grande compreensão da sua situação e do que é preciso fazer para alterá-la e pessoas com um nível mais alto de escolarização que não se traduz numa capacidade de raciocínio e análise sócio-política. Acrescente-se a isso o fato da escola e do ensino não servirem aos interesses dos trabalhadores, hierarquizando e dividindo-os segundo o grau dos seus conhecimentos teóricos e transformando os detentores de um diploma em concorrentes entre si. Consideramos que a educação permanente, que acompanha toda a vida de um indivíduo, como um processo de autoformação através do trabalho, das suas experiências, da interação com outras pessoas e do contexto em que vive, influencia o seu modo de ser, de pensar e de agir, e lhe fornece muitos instrumentos de análise da realidade, mesmo que não tenha passado pelos bancos da escola. Esta é uma forma de conceber a ação educativa que se desenvolve através de modalidades, espaços, situações e níveis diversos. Os próprios professores dos assentamentos, de uma forma geral, são frutos de um processo de autoformação. Foi nos cursos organizados pelo MST, na vivência do acampamento, na troca de experiências, no intercâmbio, no conhecimento de experiências educacionais que muitos se formaram. Isso corresponde à uma diversidade de modalidades de aprendizagem: processo de autoconstrução da pessoa ao longo da vida; interação social; e influência do contexto ou ambiente em que vive. Os alunos são aprendizes sociais, aprendem em contextos. O mesmo acontece com os professores, que adquirem hábitos, constróem competências nas situações de vida, de trabalho e de luta, que têm grandes efeitos educativos e interferem no seu desenvolvimento sócio-profissional. As experiências dos acampamentos e assentamentos são um exemplo do âmbito informal atuando na formação de professores. Vimos que as experiências vividas pelos assentados têm uma grande relevância na sua autoformação, que reflete na sua forma de pensar e agir. No entanto, esse aprendizado não se dá pelo acúmulo de experiências, mas pela interpretação do significado social de muitas delas entre si. Para que se transformem as experiências em saber, é necessário que se faça o contraste entre elas, ou seja, alguém que faça a mediação. Aqui entra o papel do MST, não só de proporcionar momentos e espaços de formação, mas de articulá-los entre si e, principalmente, de criar nos acampamentos e assentamentos a cooperação como modo de vida para resolver problemas e enfrentar desafios.

Percebemos que a forma das pessoas reagirem a uma dada situação, a uma experiência, como foi a da luta pela terra, do acampamento, depende da forma como elas se colocam diante dessas experiências, de como as interpretam e do significado que lhes atribuem. O modo como cada pessoa vivenciou o processo de luta, a intensidade e expressividade da sua participação, a capacidade de articulação das diversas experiências, pode ou não tê-los despertado para novas questões que superam o habitual e conhecido. Neste trabalho demos uma grande importância à ação educativa informal, às formas de educação do trabalhador pelo próprio trabalhador e ao reconhecimento de diversas modalidades, situações, níveis e locais de aprendizagem. Esta postura questiona as fronteiras tradicionais dos espaços de socialização e educação escolar e a valorização dos processos educativos não formais e, muitas vezes, não intencionais, que fazem parte da educação e na qual se integra o ensino escolar e a respectiva aprendizagem. A idéia de criar espaços educativos abertos, ou indo mais longe, validar espaços educativos não institucionalizados, ultrapassa a limitada reivindicação da escola pela sua autonomia, sua independência do que ocorre fora dela, como condição necessária para melhorar aquilo de que exige ser afastada. Tal noção limitada de escola se "fundamenta" no seguinte: a) fora da escola não há nada que mereça a pena ser levado em consideração no processo de ensino-aprendizagem; b) legitima-se uma cultura e uma forma de ascender a ela, ou seja, só se pode chegar ao saber socialmente válido se se estuda; c) consagra-se uma sociedade de especialistas em que é aval suficiente e necessário de sabedoria haver ascendido a um corpo profissional determinado. o mundo, as pessoas e a sua cultura, aí incluída a escola - são um entrave ao avanço de experiências como as do Movimento dos Sem-Terra e outras, constituindo-se num descrédito à cultura popular, iletrada, à cultura rural, à observação e às experiências sociais, políticas e do próprio trabalho. Concluímos afirmando que, se por uma lado, o Movimento dos Sem-Terra procura inovações e reforma no interior do sistema econômico e político existente, através de um ensino inovador, com seus claros limites para se constituir enquanto tal, por outro lado, constrói pela sua ação uma educação não formal, que pode resultar numa consciência de classe, fundamental para os movimentos que prosseguem na transformação estrutural da sociedade.

BIBLIOGRAFIA CARDOSO, Ciro Flamarion, BRIGNOLI, Hector Pérez. Las mentalidades coletivas. In: Los métodos de la história.barcelona : Grijalbo, 1976. ABRIL EM MAIO. O que é isso de autoformação. Textos de apoio à exposição de fotografias de Giuseppe Morandi. Lisboa, 1996. FALCÓN, Lídia. Trabajadores del mundo, rendíos! Madrid : Akal, 1996. MST. Escola, trabalho e cooperação. São Paulo : Setor de Educação, 1994. (Boletim de Educação, 4) MST. O que queremos com as escolas dos assentamentos. São Paulo : Secretaria Nacional, 1991. (Cadernos de Formação, 18) MST. Como fazer a escola que queremos? São Paulo : Setor de Educação, 1987. (Cadernos de Educação, 1) ORTEGA, Miguel A. Escuela rural o escuela en lo rural? Algunas anotaciones sobre una frase hecha. Revista de Educacion, Madrid, n. 304, 1994, p. 211-242. THOMPSON, Edward. A formação da classe operária inglesa. Tradução de Denise Bottmann. 2.ed. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1987. 3v. VENDRAMINI, Célia R. Consciência de classe e experiências sócio-educativas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. São Carlos : UFSCar, 1997. Tese (Doutorado em Educação)