Aspectos Cintilográficos da Perfusão Miocárdica no Bloqueio de Ramo Esquerdo: Correlação com a Ecocardiografia de Contraste



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336 Vol 18 N o 4 Artigo Original 7 Aspectos Cintilográficos da Perfusão Miocárdica no Bloqueio de Ramo Esquerdo: Correlação com a Ecocardiografia de Contraste Scintigraphic Aspects of Myocardial Perfusion in left Bundle Branch Block: Correlation with Myocardial Contrast Echocardiography Maria Carolina Pinheiro Pessoa,, Ronaldo de Souza Leão Lima, Cláudio Tinoco Mesquita, Mônica Luiza Alcântara, Adair Gomes dos Reis, Léa Mirian Barbosa da Fonseca Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Samaritano (RJ) Palavras-chave: 99m Tc-sestamibi, Bloqueio de ramo esquerdo, Ecocardiografia de contraste com microbolhas Resumo Fundamentos: As imagens cintilográficas de perfusão miocárdica, na presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE), freqüentemente mostram hipoconcentração do radiofármaco nas regiões ântero-septal e septal mesmo na ausência de doença arterial coronariana (DAC). Esses achados são classificados de artefatos e são responsáveis pela maior freqüência de resultados falsopositivos nesta população. Objetivos: Verificar se as alterações cintilográficas perfusionais descritas no território da artéria coronária descendente anterior (ACDA) se correlacionam com imagens de hipoperfusão na ecocardiografia de contraste com microbolhas (ECM), buscando uma explicação para o surgimento dessas alterações. Métodos: Foram estudados prospectivamente 14 pacientes portadores de BRE de 3 o grau (6 homens e 8 mulheres), com média de idade de 59±10 anos, com suspeita de DAC, no período de outubro de 1998 a maio de 2001. Todos os pacientes foram submetidos à cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) tomográfica (SPECT) com 99m Tc-MIBI pós-estresse com adenosina e em repouso, e ECM também utilizando o protocolo da adenosina. Resultados: A cintilografia foi normal em 4 pacientes (29%). Nos 10 pacientes restantes, houve redução da atividade do 99m Tc-MIBI na região ântero-septal e septal. Neste mesmo território, a ECM revelou perfusão normal em todos os casos. Conclusão: Estes achados sugerem que as alterações cintilográficas encontradas no território da ACDA, no BRE, não estão relacionadas somente à redução da perfusão. Tais alterações devem ser explicadas por outros mecanismos de redução da concentração do 99m Tc-MIBI pela célula miocárdica. Keywords: 99m Tc-MIBI SPECT, Left bundle branch block, Myocardial contrast echocardiography Abstract Background: Myocardial perfusion scintigraphy in patients with left bundle branch block (LBBB) frequently shows reduction of tracer activity in left anterior descending (LAD) coronary artery territory without coronary artery disease (CAD). This abnormality called artifact and attributed to LBBB leads to an increase of false-positive results. Objective: The purpose of this study was to compare 99m Tc-MIBI SPECT detection of perfusion defects in septal wall in patients with LBBB to myocardial contrast echocardiography (MCE) searching an explanation for this abnormalities. Methods: Fourteen patients (6 men and 8 women) with mean age 59 ±10 years with LBBB in cardiovascular disease investigation were prospectively studied in a period from October 1998 to May 2001. All patients carried out 99m Tc-MIBI SPECT after adenosine stress and in rest and were submitted to MCE again using adenosine protocol. Results: SPECT was normal in four patients (29%). 99m Tc-MIBI activity reduction in antero-septal and septal wall was detected in ten abnormal scintigraphy images. MCE images were normal in all patients in this region. Conclusions: On the basis of these findings we believe that the 99m Tc-MIBI activity reduction in the LAD coronary artery territory could not be explained by a reduction in septal perfusion in patients with LBBB. Endereço para correspondência: mcarolpessoa@uol.com.br

Revista da SOCERJ - Jul/Ago 2005 337 Introdução A avaliação cintilográfica da perfusão miocárdica em indivíduos com bloqueio de ramo esquerdo é complexa devido às limitações impostas pela presença de alterações falso-positivas no território da artéria coronária descendente anterior 1,2. Alterações cintilográficas nas regiões ânteroseptal e septal podem ser observadas em até 80% dos pacientes submetidos à cintilografia de esforço e com menor freqüência após estresse farmacológico, mesmo na ausência de doença coronariana 3-5 (Figura 1). Figura 2 Padrão normal da ECM Imagens de perfusão em tempo real mostrando à esquerda, presença das microbolhas nas paredes do septo (setas) e, à direita, o momento da destruição das bolhas quando se emite uma intensidade de energia ultra-sônica alta. O presente trabalho tem como objetivo estabelecer uma correlação entre os aspectos cintilográficos e ecocardiográficos em indivíduos com bloqueio de ramo esquerdo. Metodologia Catorze pacientes consecutivos, com bloqueio de ramo esquerdo de terceiro grau e suspeita de doença coronariana, foram selecionados no período de outubro de 1998 a maio de 2001, para a realização de cintilografia de perfusão miocárdica em repouso e após estresse farmacológico com adenosina. Em seguida, foram encaminhados para a realização de ecocardiografia de contraste com microbolhas, utilizando o protocolo da adenosina. Figura 1 Padrão cintilográfico compatível com artefato por BRE (A) anterior, (S) septo, (I) inferior, (L) lateral, (AP) apical. Note-se que na região do septo, mostrado no eixo curto, acima, e no eixo horizontal longo, abaixo, existe uma acentuada redução da concentração do radiofármaco. Muitos estudos atribuem à baixa especificidade do método a despolarização septal tardia que ocorre no final da sístole em pacientes com BRE, ocasionando uma redução do fluxo sanguíneo durante a diástole precoce, período no qual normalmente é esperada uma maior perfusão 3. Atualmente estão disponíveis outros métodos de imagem não-invasivos capazes de avaliar a perfusão miocárdica, entre eles a ecocardiografia de contraste com microbolhas, porém a sua aplicação não foi documentada em grupos específicos como no bloqueio de ramo esquerdo (Figura 2). Foram excluídos do estudo pacientes com BRE de primeiro e segundo graus, com disfunção cardíaca, com infarto prévio, outras doenças cardíacas associadas e com passado de revascularização miocárdica. Cintilografia de Perfusão Miocárdica Os exames foram realizados pela técnica SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography) em gama-câmara tipo Anger tomográfica digital, modelo Starcam 3000 (General Electric), com colimador de alta resolução e janela eletrônica centrada em 140keV, com abertura de 20%, matriz 64x64, órbita circular de 180 graus e obtenção de 32 projeções. O protocolo utilizado compreendeu dois dias: no primeiro dia foram realizadas imagens uma hora

338 Vol 18 N o 4 após a administração intravenosa de 99m Tecnécio- MIBI em repouso; no segundo dia, injeção do mesmo radiofármaco durante estresse com adenosina (Adenocard ), sob bomba de infusão de 140mcg/kg/min, durante 6 minutos, com injeção do radiofármaco no terceiro minuto. O programa de processamento das imagens permitiu gerar cortes tomográficos do ventrículo esquerdo nos eixos menor, maior vertical e maior horizontal, assim como uma reconstrução tridimensional de cada uma das duas fases do estudo. As imagens foram interpretadas por dois observadores, separadamente, sendo que o observador principal fez duas análises de cada imagem, em momentos diferentes, sem conhecer o paciente estudado. Análise Semiquantitativa A análise semiquantitativa foi feita de acordo com a padronização sugerida pelo grupo do Centro Médico Cedars-Sinai 5 (Figura 3) através da determinação de escores. Foram feitas divisões em 20 segmentos, incluindo o eixo curto transversal nas porções apical, média e basal, e no eixo longo a nível da região apical (ânteroapical e ínfero-apical). Figura 3 Representação esquemática da distribuição dos vinte segmentos analisados por meio do método semiquantitativo Todos os 20 segmentos receberam pontuações que variaram de zero a quatro pontos, de acordo com a intensidade da captação do radiofármaco, tanto nas imagens em estresse quanto nas de repouso. A pontuação foi feita da seguinte forma: 0 = normal; 1 = discreta redução da captação (alteração equívoca); 2 = moderada redução da captação (alteração significativa); 3 = redução grave da captação; 4 = ausência de captação. As pontuações foram utilizadas para a determinação de escores de soma. A soma dos escores nas imagens pós-estresse foi denominada SSS (summed stress score), nas imagens em repouso SRS (summed rest score) e a diferença entre SSS e SRS denominada SDS (summed difference score) representando a recuperação dos defeitos perfusionais. Foram considerados defeitos reversíveis aqueles cujo SDS foi 4. Os demais foram considerados defeitos fixos ou normais. Ecocardiografia de Contraste Foi utilizado o ecocardiógrafo ACUSON modelo SEQUOIA 512, dotado de transdutor de segunda harmônica e habilitado para a análise de contraste nos modos intermitente e em tempo real. O contraste empregado no estudo foi o PESDA (perfluoropropano exposto à sonificação dextrose e albumina) desenvolvido por Porter, na Universidade de Nebraska, EUA. A sonificação foi realizada num modelo XL2020 Heart System Inc. por 80 segundos em força máxima. A solução final foi administrada através de bomba infusora na dose inicial de 0,05ml/min até um máximo de 0,5ml/min, de acordo com o grau de opacificação miocárdica de cada paciente. O fármaco hiperemiante empregado foi a adenosina (Adenocard ) na dose de 6mg até um máximo de 12mg, administrados em bolus rapidamente, e seguidos de uma lavagem do equipo com solução de água destilada. O efeito hiperemiante desejado era um aumento no sinal de ecos proveniente do miocárdio, indicando uma vasodilatação daquele território. Os parâmetros de um ecocardiograma basal com análise da função sistólica global e segmentar, função diastólica, assim como evidências de lesões valvares hemodinamicamente significativas eram avaliados e registrados em vídeo. As imagens foram obtidas de dois modos: intermitente ou em tempo real. No modo intermitente, as imagens eram adquiridas no final da sístole, a cada três ciclos cardíacos. Rampas de ganho setorial, índice mecânico, variação do índice dinâmico e outros controles foram ajustados no início do exame. Foram utilizados: corte apical quatro câmaras para a visualização do septo inferior, da ponta e da parede lateral; corte apical duas câmaras para a análise das paredes inferior, ponta e anterior, e corte apical três câmaras para as paredes posterior, ponta

Revista da SOCERJ - Jul/Ago 2005 e septo anterior. Para cada corte foi obtido um número de registros necessários para o alcance de uma opacificação livre de artefatos e atenuações. Para a análise do eco de contraste, as respostas consideradas no modo intermitente são as que se encontram no Quadro 1. As imagens em tempo real foram obtidas com captura de quadros a cada 50ms ou 75ms, não se perdendo a análise da contratilidade. O sistema de obtenção era em um modo coherent imaging system com índice mecânico baixo e dotado de pulso de alta energia para a destruição das microbolhas. Antes da infusão do contraste, as imagens eram ajustadas para suprimir quase totalmente o sinal proveniente do miocárdio. Após a infusão do contraste, acompanhava-se a sua chegada progressiva no miocárdio. No momento em que a concentração das bolhas atingia o seu equilíbrio, aplicava-se um pulso ultra-sônico de alta energia para a destruição das bolhas no miocárdio, mantendo-se, contudo, as bolhas na cavidade ventricular. Novamente, a chegada progressiva das bolhas no tecido miocárdico era analisada. Os cortes para a obtenção de imagens assim como as formas de registro foram os mesmos empregados no modo intermitente. As respostas consideradas no modo em tempo real encontram-se no Quadro 2. A interpretação das imagens foi feita por dois examinadores, separadamente, e o examinador principal fez duas análises de cada imagem em momentos diferentes, sem conhecer o paciente estudado. Análise estatística 339 A análise estatística foi realizada pelo coeficiente de Kappa, para verificar a fidedignidade intra e interobservadores e entre métodos. Quanto mais próximo de 1, mais perfeita a concordância, e quanto mais próximo de zero, mais fraca. Além do cálculo do coeficiente de Kappa, foi determinado o seu respectivo erro-padrão (EP) e o nível de significância (valor de p). O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%, ou seja, o valor de p 0,05. Resultados Foram estudados quatorze pacientes, sendo 6 do sexo masculino (43%) e 8 do sexo feminino (57%), com idade média de 59 (±10) anos. Nenhum paciente tinha história prévia de cirurgia de revascularização do miocárdio, de angioplastia coronariana ou de infarto agudo do miocárdio. Todos os pacientes foram submetidos ao estresse farmacológico com adenosina, tendo sido relatados os seguintes sintomas durante a infusão da substância vasodilatadora: calor (60%), mal-estar geral (50%), cefaléia (25%), desconforto precordial (25%), náuseas (20%) e dispnéia (5%). Na ecocardiografia, os sintomas predominantes foram a sensação de calor e mal-estar geral. Estes eram fugazes, relatados durante alguns segundos, quando administrada adenosina em bolus. Bloqueio atrioventricular foi responsável pela interrupção do exame ecocardiográfico de uma paciente, que não foi por isso incluída na análise. Quadro 1 Respostas consideradas no modo intermitente Normal Aumento homogêneo da videointensidade Hipoperfusão Menor videointensidade em repouso, acentuada com a hiperemia reativa Fibrose Grande aumento de videointensidade em repouso, sem alterações com a hiperemia reativa Artefato Ausência de ecos, com sinal projetado além das paredes do miocárdio Atenuação Redução da videointensidade em territórios distais ao feixe ultra-sônico Quadro 2 Respostas consideradas no modo em tempo real Normal Aumento homogêneo das microbolhas (menos de seis batimentos cardíacos) Hipoperfusão Menor videointensidade, acentuada com a hiperemia reativa ou áreas com chegada lenta do contraste (mais de 6 batimentos cardíacos) Fibrose Grande videointensidade, sem alterações com a hiperemia reativa Artefato Ausência de ecos com sinal projetando-se além das paredes do miocárdio Atenuação Redução da videointensidade em territórios distais ao feixe ultra-sônico

340 Vol 18 N o 4 Cintilografia de Perfusão Miocárdica Na avaliação das imagens de cintilografia miocárdica, restrita ao território da ACDA, foram observados os seguintes resultados: em 4 pacientes (29%) o padrão foi normal, em 2 (14%) foram observadas imagens de hipocaptação reversível e nos 8 restantes (57%), imagens de hipocaptação fixa. Portanto, quatro exames normais e dez alterados. Houve concordância estatisticamente significativa entre as análises intra e interobservadores (p=0,00005, p=0,001 respectivamente). Na avaliação dos demais territórios das artérias coronária direita (CD) e circunflexa (CX) não foram encontradas alterações cintilográficas. Ecocardiografia de contraste ântero-septais e septais. Nesse estudo, a utilização de estresse farmacológico com adenosina em todos os pacientes e nos dois métodos objetivou minimizar o surgimento das alterações perfusionais. Entretanto, a redução modesta e relativa no fluxo sanguíneo septal parece ser inadequada, ou pelo menos não totalmente satisfatória, para explicar os freqüentes e extensos defeitos de captação no território da artéria descendente anterior esquerda, encontrados nas imagens de pacientes com bloqueio de ramo esquerdo 3. Assim, buscou-se por meio da comparação com outra técnica de imagem, identificar se as mesmas alterações ditas perfusionais, em pacientes com BRE, estariam presentes na ecocardiografia de contraste com microbolhas, confirmando a hipótese de uma redução da perfusão pelo dissincronismo de contratilidade. Nos 14 pacientes, a ecocardiografia de contraste revelou padrão normal, não sendo encontrado nenhum tipo de alteração de perfusão com microbolhas no território da ACDA. Não foi possível determinar o valor de p nas análises intra e interobservadores já que a concordância ocorreu em 100% dos casos. Os demais territórios não foram objetos de análise neste estudo, porém seus achados foram documentados e apenas um paciente revelou isquemia no segmento ínfero-posterior. Discussão A cintilografia miocárdica em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo tem limitações no que diz respeito à avaliação de doença coronariana no território da ACDA. Essas alterações nas regiões ântero-septal e septal são mais evidentes quando os pacientes são submetidos ao esforço físico 6-8. Muitos autores atribuem à contratilidade assincrônica do septo, associada a alterações na fase de despolarização, a causa para a hipoperfusão encontrada neste território e, portanto, o estresse farmacológico tornou-se a modalidade de escolha nesses pacientes já que a vasodilatação induzida pelo dipiridamol ou adenosina proporciona um maior fluxo de sangue para os vasos coronarianos sem que a freqüência cardíaca se eleve excessivamente. Desta forma, reduz-se a contração anômala do septo, diminuindo a ocorrência de anormalidades No entanto, foram encontrados resultados totalmente distintos entre o SPECT e a ecocardiografia de contraste, no território da ACDA. Esta informação deve ser interpretada conhecendose as diferenças básicas entre estes dois métodos que, apesar de terem propostas semelhantes, apresentam mecanismos totalmente distintos para avaliar a perfusão. A ecocardiografia de contraste utiliza microbolhas que ao serem injetadas passam pela microvasculatura, dando uma idéia da perfusão nos diversos territórios, através de diferenças de videointensidade 9. Já na cintilografia, o radiofármaco 99m Tc-MIBI tem uma particularidade que consiste na sua capacidade de penetrar na célula miocárdica a nível mitocondrial e aí permanecer, sendo dependente de fluxo e também da integridade celular. Os achados deste trabalho sugerem a hipótese de que a célula miocárdica, no território da ACDA, em pacientes com BRE, pode ter alterações estruturais que impedem a captação da isonitrila, como já foi citado por outros autores 10. Estudo recente com PET, demonstrando que as alterações encontradas em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo, no território da ACDA, estariam relacionadas a deficiências no metabolismo da glicose nesta região, e não à presença de alterações perfusionais, parece confirmar essa hipótese 11. Este achado do PET explica porque os demais métodos de perfusão não mostraram alterações no território da ACDA, mas ainda não está totalmente esclarecida a freqüente alteração encontrada na cintilografia.

Revista da SOCERJ - Jul/Ago 2005 Ressalte-se que o objetivo desse estudo não foi uma comparação para determinar a superioridade de uma técnica sobre outra em termos diagnósticos, até porque faltaria a presença de um padrão-ouro definido. Entretanto, a comparação entre os métodos teve uma importância significativa no entendimento da fisiopatologia das alterações encontradas no bloqueio de ramo esquerdo. Deste modo é possível entender que além da informação sobre o estado perfusional, outros mecanismos poderiam explicar a redução na concentração deste radiofármaco em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo, podendo representar um fenômeno metabólico presente nas células do septo interventricular que seriam incapazes de concentrar o material radioativo. Referências bibliográficas 1. Follansbee WP. Alternatives to leg exercise in the evaluation of patients with coronary artery disease: functional and pharmacologic stress modalities. In: Myron CG (ed). Cardiac Nuclear Medicine. New York: McGraw-Hill; 1997:193-235. 2. Jukema JW, Vander Wall EE, Vandern Vis-Melsen MJE, Kruyswijk HH, Bruschke AVG. Dypiridamole Thallium-201 scintigraphy for improved detection of left anterior descending coronary artery stenosis in patients with LBBB. Eur Heart J. 1993;14:53-56. 3. Smanio PEP, Martins LR, Tozima S, Meneghelo R, Thom A, Sousa JEMR. Diagnóstico de lesão obstrutiva da artéria coronária descendente anterior em pacientes com bloqueio de ramo esquerdo através da medicina nuclear. Arq Bras Cardiol. 1995;65(5):423-25. 341 4. Vaduganathan P, He Z, Raghavan C, Mahmarian JJ, Verani MS. Detection of left anterior descending coronary artery stenosis in patients with LBBB: exercise, adenosine or dobutamine imaging? J Am Coll Cardiol. 1996;28:543-50. 5. Matzer L, Kiat H, Friedman JD, et al. A new approach to the assessment of tomographic thallium-201 scintigraphy in patients with left bundle branch block. J Am Coll Cardiol. 1991;17(6):1309-317. 6. Ebersole DG, Heironimus J, Toney MC, Billinglskey J. Comparison of exercise and adenosine Tecnetium- 99m sestamibi myocardial scintigraphy for diagnosis of coronary artery disease in patients with LBBB. Am J Cardiol. 1993;71:450-53. 7. Mairesse GH, Marwick TH, Arnese M, et al. Improved Identification of coronary artery disease in patients with left bundle branch block by use of dobutamine stress echocardiography and comparison with myocardial perfusion tomography Am J Cardiol. 1995;76:321-25. 8. Sugihara H, Tamaki N, Nozawa M, et al. Septal perfusion and wall thickening in patients with left bundle branch block assessed by technetium-99msestamibi gated tomography. J Nucl Med. 1997;38(4):545-47. 9. Skyba DM, Jayaweera AR, Goodman NC, et al. Quantification of myocardial perfusion with myocardial contrast echocardiography during left atrial injection of contrast: implications for venous injection. Circulation. 1994;90(3):1513-521. 10. Zanco P, Desideri A, Mobilia G, et al. Effects of left bundle branch block on myocardial FDG PET in patients without significant coronary artery stenosis. J Nucl Med. 2000; 41:973-77. 11. Altehoefer C, vom Dahl J, Buell U. Septal glucose metabolism in patients with coronary artery disease and left bundle branch block. Coronary Artery Dis. 1993;4:569-72.