Autores: Bruno Shimizu, Patrick Lemos Cacicedo, Verônica dos Santos Sionti e Bruno Girade Parise



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Transcrição:

TESE: 01/13 (ÁREA CRIMINAL) Autores: Bruno Shimizu, Patrick Lemos Cacicedo, Verônica dos Santos Sionti e Bruno Girade Parise Súmula: A fixação de fiança pelo juízo ou a manutenção da fiança arbitrada pela autoridade policial deve implicar a imediata expedição de alvará de soltura e seu efetivo cumprimento. ASSUNTO Criminal. Medidas cautelares. Prisão processual. Fiança. ITEM ESPECÍFICO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA Defesa criminal - Art. 5º, incisos III, VI, alínea l, e IX. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA A partir da edição da Lei n. 12.403/2011, o instituto da fiança no processo penal, erigido a medida cautelar diversa da prisão, passou a ser sobejamente utilizado pelos juízos criminais. É comum a fixação de fianças em casos nos quais seja incabível a decretação da prisão preventiva, de modo que, quase invariavelmente, os cidadãos pobres que são presos em flagrante acabam por permanecer presos por não terem condições de arcar com a fiança. Assim, o investigado a quem foi arbitrada fiança normalmente permanece preso sem título, eis que a decisão judicial que concede a liberdade provisória com fiança é fundamentada no sentido de não estarem 7

presentes os requisitos da prisão e, mesmo assim, permanece preso pelo simples fato de ser pobre. Ou seja, trata-se de prisão cautelar atípica, desprovida de mandado judicial e, portanto, ilegal. A decisão que fixa fiança, pela sistemática do CPP, deve acarretar imediata expedição de alvará de soltura, fixando-se prazo para recolhimento da fiança e, caso não seja paga, tornarem os autos conclusos para que o juiz altere a medida cautelar e, em último caso, decrete a prisão preventiva nos termos do artigo 312, parágrafo único, do CPP. Isso porque, na atual sistemática das medidas cautelares, a fiança passa a ser entendida como uma medida cautelar autônoma, e não como mera contracautela, como era o entendimento anterior à entrada em vigor da lei n. 12.403/11. A prática de condicionar a soltura ao pagamento da fiança é ilegal e, a rigor, constitui crime de abuso de autoridade, na medida em que se mantém uma pessoa presa cautelarmente sem uma decisão judicial que reconheça a presença dos requisitos para tanto e, assim, decrete a prisão. Ninguém pode permanecer preso cautelarmente sem uma decisão judicial fundamentada que decrete a prisão. Isso contudo, é o que ocorre na manutenção da prisão anômala daquele que não paga a fiança. Apenas para tornar o raciocínio mais claro, vale relembrar que o artigo 5º, LXI, da Constituição da República dispõe que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei. Assim, apenas duas são as hipóteses de prisão legal: i) prisão em flagrante e ii) prisão por ordem judicial fundamentada. No caso da pessoa presa pelo não pagamento da fiança, não há nem uma coisa, nem outra. 8

Não há flagrante, pois, por expressa disposição legal, a situação de flagrância esvai-se em 24 horas, tratando-se de título precário. Nesse sentido, o artigo 310 do CPP dispõe que, tendo o juízo recebido o auto de prisão em 24 horas, poderá tomar apenas uma das três medidas previstas em lei: i) o relaxamento da prisão; ii) a conversão da prisão em flagrante em preventiva; iii) a concessão de liberdade provisória com ou sem fiança ou outra medida cautelar. judicial. Logo, não há mais flagrante depois da manifestação Assim, quando o juiz arbitra fiança, ou mantêm a decisão da autoridade policial, exara decisão que tem a natureza jurídica de concessão de liberdade provisória, sendo um contrassenso que a pessoa não seja imediatamente solta. Sendo imposta qualquer outra medida cautelar conjuntamente com a liberdade provisória, o raciocínio esposado fica ainda mais claro: se o juiz, por exemplo, determinar o comparecimento mensal em juízo, a pessoa será imediatamente solta. Apenas se não comparecer em juízo regularmente é que os autos tornarão conclusos para que o juiz verifique a necessidade de adequação da medida, reforço ou, em último caso, decretação da prisão com base no artigo 312, parágrafo único, do CPP. É óbvio que é ilegal conceder a liberdade provisória mediante comparecimento mensal em juízo e exigir que a pessoa fique presa até a data do primeiro comparecimento. É incompreensível, assim, por que a prática (ilegal) dos juízes de primeira instância têm sido essa quando se trata de fiança. Repise-se: decretada qualquer medida cautelar conjuntamente com a liberdade provisória, a pessoa deve ser imediatamente solta e, apenas em caso de descumprimento da medida no prazo fixado, o juízo poderá revê-la, o que não induz à decretação imediata de prisão. 9

Toda prisão cautelar deve ser motivada, sob pena de criação pretoriana de uma odiosa figura de prisão anômala, sem título, eis que não há flagrante e não há ordem judicial fundamentada que tenha decretado a prisão. No mais, a manutenção da pessoa presa até o pagamento da fiança ainda viola o princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Isso porque o preso está impossibilitado de pagar a fiança por conta própria. Ele dependerá de seus familiares ou amigos que, aliás, sequer são intimados acerca do arbitramento da fiança. Ainda, frise-se que, na prática, a fixação de fiança sem a expedição de alvará de soltura viola o princípio da intranscendência, na medida em que a família acaba por ser penalizada, pelas razões expostas, no curso da persecução penal. Logo, apenas os presos que tenham amparo familiar poderão ter a oportunidade de pagar a fiança, sendo que, para os demais, a imposição de fiança representa uma medida cautelar faticamente inexeqüível. FUNDAMENTAÇÃO FÁTICA O abuso do instituto da fiança coloca-se como o principal problema a acarretar a ineficácia da reforma das medidas cautelares no sentido de redução do contingente de pessoas presas cautelarmente no Estado de São Paulo. O fato é que, mesmo com a edição da Lei n. 12.403/2011, de viés desencarcerador, houve um aumento significativo no número de prisões cautelares, o que demonstra que a lei vem sendo mal aplicada pelos juízes criminais. O principal problema identificado pelos Defensores Públicos atuantes em inquéritos policiais é justamente a aplicação abusiva, ilegal e inconstitucional da fiança, que permite ao Judiciário a manutenção de uma linha ideológica voltada ao encarceramento em massa da pobreza. A fiança, da forma como aplicada atualmente, é o instrumento por excelência que permite ao Judiciário levar a cabo a seletividade do 10

sistema penal, possibilitando o arbítrio das prisões no curso do processo apenas para acusados pobres e já marginalizados. SUGESTÃO DE OPERACIONALIZAÇÃO A fim de garantir-se a operacionalização da tese, basta ao Defensor atuante inseri-la nos pedidos judiciais, bem como nos Habeas Corpus que questionam a aplicação de fiança. Há modelo de Habeas Corpus contendo essa tese, com pedido de relaxamento da prisão anômala, no sítio eletrônico do Núcleo de Situação Carcerária. 11