ADOTANDO ESCRITORES E FORMANDO EDUCADORES



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Transcrição:

ADOTANDO ESCRITORES E FORMANDO EDUCADORES Carla Krause Kilian* Cláudia Reischak de Oliveira Dias** Eloisa Monteiro da Silva*** Maristela Piber Maciel**** Resumo: Este artigo aborda a formação, qualificação e atualização dos educadores da Escola Municipal de Educação Infantil Vale Verde de Porto Alegre. Relata as aprendizagens dos educadores a partir do contato com autores e ilustradores adotados pela escola a cada ano. Explicita um trabalho conjunto na construção de uma proposta de formação com uma metodologia própria para projetar, organizar, e realizar a visita de cada autor adotado. Palavras-chave: formação de educadores, leitura, literatura, interdisciplinaridade. Não deve haver hábito de leitura, como não deve haver o hábito de dar beijos. Beijos e leitura só são bons quando resultam do gostar. A questão não é criar o hábito. É ensinar a gostar. Rubem Alves Desde a sua primeira edição (2002), a Escola Municipal de Educação Infantil Vale Verde 1 participa do projeto Adote um Escritor 2. Na nossa escola este projeto tem crescido consideravelmente a cada ano, sendo cada vez maior o comprometimento dos educadores. Nossa proposta de abordagem neste texto não é descrever atividades realizadas com os alunos, pois já realizamos relatos e escritos sobre o assunto em outras atividades promovidas pela SMED. Pretendemos registrar aqui o *Carla Krause Kilian - Especialização em Educação Infantil, professora de Educação Infantil da EMEI Vale Verde **Cláudia Reischak de Oliveira Dias - Especialização em Supervisão Escolar, professora de Educação Infantil da EMEI Vale Verde ***Eloisa Monteiro da Silva - Especialização em Educação Pré-escolar, professora de Educação Infantil da EMEI Vale Verde ****Maristela Piber Maciel - Especialização em Educação Pré-escolar, integrante do Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação (GEEMPA) 1 Situada no bairro Itú-Coima, Zona Leste, em Porto Alegre. 2 Projeto Adote um Escritor, proposto pela SMED em parceria com a Câmara Rio-grandense do Livro.

quanto esse trabalho mexe conosco educadores, nos envolve, nos mobiliza. O enfoque do texto será mostrar como cada um de nós se forma, se qualifica e se atualiza enquanto educador a partir deste projeto. A cada autor adotado crescemos como pessoa, aprendemos muito com as idéias deles e com as trocas realizadas entre os educadores da escola. Concordamos com Redin (2000) quando afirma que [...] o profissional da educação deverá ter um preparo especial, porque para a infância se exige o melhor do que dispomos. [...] Precisa ainda ter sob controle seu próprio desenvolvimento, bem como estar em constante processo de construção de seus próprios conhecimentos. (REDIN, 2000, p. 51) A seguir detalharemos algumas aprendizagens realizadas durante estes anos de projeto. Com o autor Carlos Urbim (em 2002), voltamos a ser criança, resgatamos a nossa infância, talvez para alguns adormecida, e lembramos de brinquedos e brincadeiras que nós adultos já vivenciamos. O que podemos constatar nas palavras de Redin (2000) [...] o adulto pode recuperar o lúdico em sua vida; o que poderá ser uma forma agradável de recuperação da própria infância perdida e despertar a criança que está eternamente dentro de todo adulto sadio. (REDIN, 2000, p. 67). O envolvimento com seu livro Saco de Brinquedos 3 foi tão grande que fez com que buscássemos conhecer também sua ilustradora Laura Castilhos. Fomos pioneiras em incluir o ilustrador dentro do projeto Adote um escritor, em nossa escola. Com o autor Gustavo Finkler (em 2003), o grupo vivenciou com entusiasmo a experimentação artística. A partir deste ano, abraçamos as artes, quando novamente convidamos Laura Castilhos, ilustradora dos livros deste autor, para realizar uma Oficina de ilustração com os educadores. Nesta 3 URBIM, Carlos. Saco de brinquedos. Ilustração de Laura Castilhos. Porto Alegre: Projeto, 1997.

experiência, trabalhamos detalhadamente com o poema O Quartinho dos Fundos do livro A Mulher Gigante 4. Para a expressão artística é preciso que a atividade envolva o desenvolvimento da percepção, dos sentidos (todos), da imaginação e das emoções da percepção emotiva. Evidentemente estes elementos compõem também as estruturas básicas do pensamento. Não existe arte somente dos sentimentos: ela é sempre também uma forma nova de pensamento, de conhecimento e de sua expressão. (REDIN, 2000, p. 76) As crianças ouviram as histórias pela voz dos educadores, através dos CDs que acompanham os livros e pelo grupo teatral Cuidado que Mancha em apresentação na escola. Assim exploramos as várias possibilidades de uma mesma história. Como fruto do trabalho com este autor, participamos da Exposição Escola Faz Arte 5 expondo a Mulher Gigante, uma escultura de mais de dois metros de altura confeccionada coletivamente. Cada turma elaborou uma parte: Berçário os braços, Maternal I o corpo, Maternal II a cabeça, Jardim A as pernas, e Jardim B os pés. No encontro com o escritor e ilustrador André Neves (em 2004), aprendemos a importância da ilustração como um componente independente do texto, e passamos a olhar mais atentamente para ela, utilizando-a, não como um complemento do texto, mas como uma outra visão da história. Nesta conversa, percebemos que muitos livros não citam o nome do ilustrador na capa. Passamos a ler com mais destaque o nome do ilustrador e começamos a nos preocupar com a técnica utilizada nas ilustrações. Com André Neves tivemos pela primeira vez, um momento de conversa do autor apenas com os educadores, no mesmo dia da visita. A partir deste momento, percebemos a importância de um contato pessoal com o autor antes da visita deste às crianças, para conhecer suas idéias sobre literatura, sobre o seu trabalho. Sentimo-nos mais próximos dos autores depois de conhecê-los e 4 FINKLER, Gustavo; ZAMBELLI, Jackson. A Mulher Gigante. Ilustrações de Laura Castilhos. 5. ed. Porto Alegre: Editora Projeto, 2004. 5 Exposição de trabalhos das Escolas Municipais de Porto Alegre, organizada pela SMED.

continuamos seguindo seus passos. Chama-nos a atenção quando vemos o nome deles em algum lugar: o lançamento de um novo livro, uma exposição de trabalhos, um show, uma reportagem, uma entrevista, uma coluna de jornal, etc. Para nós, a conversa com o autor Ricardo Silvestrin (em 2005), realizada em uma reunião de formação anterior a sua visita com as crianças, foi um marco, pois quando mostramos nossa preocupação quanto às atividades que poderíamos fazer a partir dos livros e poesias dele, sua resposta foi como abrir os olhos para o que vínhamos fazendo até então. Silvestrin nos disse que não importa o tema, mas a palavra, a sonoridade, ler muito, repetidas vezes, brincar com a palavra. Para ele, a atividade da leitura é suficiente, pois como escreveu em sua coluna do jornal Zero Hora, em 20/08/2007, quanto mais se lê, mais é possível perceber coisas dentro do mesmo texto. E quanto maior nosso repertório de autores e textos, mais vamos formando nossa capacidade de enxergar o que antes não víamos. E ler fica mais do que ler. (SILVESTRIN, 2007, p. 7) A sugestão do autor Ricardo Silvestrin de ler muitas vezes também é defendida por Bernardo (2005), quando afirma que vivenciamos a mesma sensação de surpresa e descoberta que da primeira vez, porque lemos coisas que não havíamos lido então. A sensação é a mesma, mas as surpresas e as descobertas são novas, são outras. (BERNARDO, 2005, p. 17-18) Com Ricardo Silvestrin trabalhamos também a apreciação artística, porque estabelecemos um vínculo entre a literatura e as obras da 5ª Bienal do Mercosul e apreciamos a poesia, a leitura, a escrita, a rima. O mais importante é que a literatura, assim como qualquer arte, deve ser antes de mais nada, um espaço para o prazer, a diversão, o encantamento com a palavra e a partir da palavra (CUNHA, 2005, p. 89). Na visita da ilustradora Monika Papescu (em 2006), ela contou às crianças, pais e educadores uma história, enquanto fazia a ilustração com a

técnica de aerógrafo, possibilitando um contato com a ação do ilustrador. Doou para a biblioteca da escola o trabalho realizado para posterior apreciação, possibilitando um encontro da literatura, da ilustração e da expressão artística, culminando nossa caminhada durante todo este período. Na reunião que antecedeu a visita do autor Ernani Ssó (em 2007), pudemos aprofundar com ele a questão da importância da literatura infantil. Percebemos a preocupação do autor em pesquisar e inspirar-se nos contos clássicos. A partir desta conversa, ele nos sugeriu uma bibliografia de Bruno Bettelheim 6 e um texto 7 de sua autoria, o qual estudamos na escola. Como resultado deste estudo, ficamos mais atentas à qualidade das obras literárias utilizadas com os alunos. Refletimos sobre não reduzir os clássicos nem minimizar os fatos neles apresentados, mas sim mostrar às crianças a história como ela é para abordar os sentimentos humanos e resolver conflitos internos. Os contos clássicos, assim chamados por Ernani Ssó, desempenham uma função reconhecida por séculos de auxiliar as crianças a se encontrar, resolver conflitos e encontrar saída para suas questões internas. Segundo Bettelheim (2002), os contos de fadas são ímpares, não só como uma forma de literatura, mas como obras de arte integralmente compreensíveis para a criança, como nenhuma outra forma de arte o é. (BETTELHEIM, 2002, p. 20) Nós educadores precisamos estar atentos às escolhas literárias, porque as boas histórias deixam as conclusões serem elaboradas de modos diferentes por cada pessoa. Cabe-nos uma preocupação e cuidado com a seleção de livros, pois eles enriquecem as experiências das crianças alimentando suas mentes a fim de buscar soluções para seus conflitos humanos e dramas existenciais, como bem x mal, ganhar x perder e medos de morte, de abandono, etc. É importante salientar o quanto cada um de nós, educadores da EMEI Vale Verde, sai de cada encontro com o autor, de cada ano de trabalho do Projeto Adote um Escritor, com sua carga cultural ampliada, enriquecida. 6 BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 7 Ernani Ssó. Porque é mais difícil escrever para crianças. Texto digitado do livro Oficina de Sombras, nota para o manual prático do escritor.

Esse projeto da SMED possibilita-nos a atualização do nosso referencial de literatura e ampliação cultural, uma vez que nos permite interação com autores e livros que de outro modo talvez não tivéssemos a oportunidade de conhecer. A partir do contato com as histórias - lendo, vendo e ouvindo - as crianças dão asas a sua imaginação e os educadores também. Uma educação baseada na ação dos sujeitos da aprendizagem pressupõe que professores e alunos aprendem concomitantemente, no mesmo processo (FERREIRA, 1999, p. 53). Adultos e crianças investigam juntos sobre algo que os apaixone. Ficamos na expectativa desde o início do ano para saber qual será nosso autor adotado e já começamos a imaginar como serão as atividades decorrentes, pois [...] a escola é importante enquanto uma oportunidade de vivenciar experiências culturais mais amplas e diversificadas que a família, a rua, o trabalho não têm condições de propiciar (REDIN, 2000, p. 71). Pensando nisso, tem sido uma satisfação projetar, organizar e realizar, a vinda dos autores na nossa escola. Somos contagiados pela literatura, pela arte, pela beleza. A partir destes anos de experiência, criamos uma metodologia de organização deste projeto: contatos prévios, pasta para cada autor e relatório coletivo. Realizamos contatos prévios com o autor através de telefonemas, trocas de e-mails, foto dele exposta nas salas de aula, reuniões de planejamento, participação em atividades fora das previstas pela SMED, por exemplo, lançamento de livros, sessão de autógrafos, show, etc. São sempre organizadas pastas, uma para cada autor, onde são colocados todos os materiais que se conseguiu sobre os escritores e seus livros, para que todos os educadores tenham acesso. São adquiridos vários livros dos autores adotados, para conhecimento de uma parte da obra dos mesmos. Elaboramos após o desenvolvimento do projeto, um Relatório Coletivo, no qual expomos todo o processo de trabalho: os primeiros contatos, a

biografia do autor, fotografias, algumas atividades realizadas pelas turmas, produções das crianças e carta do autor após a visita. O próprio fato de estarmos escrevendo sobre essas experiências enquanto educadoras, nos autorizando, ousando a escrever, demonstra o quanto isso nos dá prazer e nos mantém na busca. Será preciso dizer por que é necessária a arte na educação? Por que é necessária a dimensão artística na vida da gente e de um povo se já não conseguimos fazer arte, demo-nos o cuidado de curtir a arte onde ela está: na música, no teatro, no cinema, no canto, na poesia, na literatura, na dança, nas artes plásticas e outras situações e espaços, em todos os tempos e, se puder, em todas as expressões de arte ao mesmo tempo. (REDIN, 2000, p. 77) Para nós da EMEI Vale Verde, estarmos engajadas neste projeto significa, antes de tudo, a vontade da escola e dos educadores de estarem em constante atualização, de terem oportunidade de, enquanto grupo de trabalho, estar em formação continuada, possibilitando a ação, reflexão e registro da prática pedagógica. Esta experiência e este contato com os autores, o envolvimento da comunidade escolar, a verba que recebemos para adquirir as obras e os encontros propostos pelo projeto cada vez mais qualificam nosso trabalho e nossa ação. O brincar, a arte e a literatura fazem este projeto interdisciplinar, pois integram as várias linguagens, o qual, na nossa escola, torna-se parte significativa do currículo. É inegável que essas propostas do projeto nos oferecem possibilidade de atualização, em relação à produção literária dos mais recentes autores e ilustradores. Estes três pontos: formação, qualificação e atualização, vinculados com o Projeto Adote um Escritor, constituem a identidade de nossa escola de Educação Infantil da Rede Municipal de Porto Alegre. Quem ensina aprende ao ensinar. E quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1998, p. 25)

BIBLIOGRAFIA BERNARDO, Gustavo. A qualidade da invenção. In: OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? : com a palavra, o escritor. 1 ed. São Paulo: DCL, 2005. p. 9-24. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. CUNHA, Leo. Poesia e humor para crianças. In: OLIVEIRA, Ieda de (Org.). O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? : com a palavra, o escritor. 1 ed. São Paulo: DCL, 2005. p. 77-90. FERREIRA, Liliana. Trabalho com Projetos: em busca da Transdisciplinaridade. Espaços da Escola, Ijuí: UNIJUí, ano 4, nº 31, jan./mar. 1999. p. 53-60. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 9 ed. São Paulo: Paz e Terra. 1998. REDIN, Euclides. O espaço e o tempo da criança: se der tempo a gente brinca! Porto Alegre: Mediação, 1998. SILVESTRIN, Ricardo. As crianças e os adultos. Zero Hora, Porto Alegre, 20 ago. 2007. Segundo Caderno. p. 7.