Resenha crítica nas aulas de Língua Portuguesa: práticas de leitura e produção de textos



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Resenha crítica nas aulas de Língua Portuguesa: práticas de leitura e produção de textos Valdisnei Martins de Campos Universidade Federal de Goiás-CAC-PROLICEN Orientadora: Profa. Dra. Erislane Rodrigues Ribeiro Universidade Federal de Goiás-CAC Resumo: Atualmente, muito se tem falado acerca dos gêneros discursivos, tornando-se necessário pensarmos de que forma o ensino de língua materna deve se comportar diante deste novo objeto de ensino. Tomando como corpus resenhas críticas do Jornal O Popular, pretendemos, com este estudo, observar quais tipos predominam neste gênero. Os resultados do estudo serão compartilhados, posteriormente, com alunos do ensino médio, pois acreditamos que o trabalho com a resenha critica em sala de aula fará com que o aluno adquira certas noções que farão dele um leitor crítico, atento ao mundo globalizado, em que a mídia tem um papel fundamental. Palavras-chave: Resenha crítica. Língua Portuguesa. Leitura. Produção de texto. Abstract: Currently, much has been said about the genre, which makes it necessary to think about how the teaching of the L1 (mother tongue) should behave in face of this new object of education. Having as a corpus critical reviews of the newspaper "O Popular", we aim at observing what types predominate in this genre. The results of this study will be shared later with high school students, because we believe that working with a critical reviews in the classroom will help the students to acquire certain concepts that will make them a critical reader, aware of the globalized world in which the media has a key role. Keywords: Critical review. Portuguese. Reading. Text production. Introdução Em congressos, em publicações impressas (sejam livros ou artigos), em textos eletrônicos variados, pesquisadores e professores defendem a necessidade de se trabalhar com gêneros em sala de aula. É sobre esse tema que nos propomos a pensar: de que forma o ensino de língua deve se comportar diante deste novo objeto de ensino, os gêneros textuais? Particularmente nos interessa refletir como se configura o gênero resenha crítica, que tipos predominam nesse gênero e qual a importância de se trabalhar resenhas críticas nas escolas de nível médio. Para o desenvolvimento desta pesquisa, é importante levarmos em conta o que pesquisadores da área da Lingüística já disseram sobre o tema. Desse modo, este estudo terá como base teórica alguns fundamentos básicos sobre gênero formulados por Bakhtin (2000); a 700

distinção efetuada por Marcuschi (2008) entre tipos textuais e gêneros textuais; as reflexões de Andrade (2006) e Fiorin e Savioli (1993) sobre o gênero resenha crítica; além dos estudos realizados por Bunzen (2006) e Brasil (1997) sobre a importância de se aplicar os estudos teóricos sobre gênero ao ensino de Língua Portuguesa. Para tanto, será feita a análise de dois textos publicados na seção Magazine do jornal O Popular pertencentes ao gênero resenha crítica, intitulados O vaivém do poeta de Rogério Borges, publicado em 14 de Setembro de 2010 e Um meteoro impossível de ser ignorado de Almiro Marcos, publicado em 27 de abril de 2011. Ao longo do texto é apresentada, inicialmente, uma distinção entre os gêneros textuais e os tipos textuais; a seguir, debate-se a necessidade do ensino de língua portuguesa se pautar nos estudos sobre os gêneros textuais; depois é feita uma síntese, ressaltando o que dizem alguns autores sobre o gênero resenha, em especial a resenha crítica; em seguida, são apresentadas as análises das duas resenhas selecionadas como corpus deste estudo; por fim, são feitas as considerações finais. Gêneros textuais X tipos textuais O que vem a ser gêneros textuais e tipos textuais? Marcuschi (2008) define que: Tipo textual designa uma espécie de construção teórica {em geral uma sequência subjacente aos textos} definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas e estilo}. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas (sequência retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. O conjunto de categorias para designar tipos textuais e limitados e sem tendência a aumentar. Quando predomina um modo num dado texto concreto, dizemos que esse é um texto aumentativo ou narrativo ou expositivo ou descritivo ou injuntivo. (MARCUSCHI, 2008, p. 154-155) O tipo textual é o responsável pela estrutura composicional dos textos que é definida por seus traços lingüísticos predominantes. Assim um tipo textual é o resultado de uma sequência de dados formando apenas uma sequência de fatos e não um texto. Os tipos são em número limitado, diferentemente dos gêneros textuais que são textos orais e escritos produzidos por falantes de uma língua em um determinado momento histórico e estão diretamente ligados às práticas sociais, além de constituírem uma lista ilimitada. Marcuschi (2008, p. 159) aponta que os critérios que vão distinguir os tipos textuais seriam linguísticos e estruturais. Enquanto os gêneros são designações sociorretóricas, os 701

tipos são designações teóricas, havendo muito mais designações para gêneros como manifestações empíricas do que para tipos. E o gênero textual é por ele definido como sendo aquele que: refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forcas históricas, sociais, institucionais e técnicas. (MARCUSCHI, 2008, p.155). Marcuschi (2008, p155) aponta para a existência de uma contraposição entre os tipos e os gêneros. Estes são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. É por tal motivo que o telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instrução de uso, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, batepapo por computador, aulas virtuais, e assim por diante, configuram como alguns dos exemplos de gêneros textuais. Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas. Levando em consideração as diferenças existentes entre os gêneros do discurso, Bakhtin divide-os em primários e secundários. Os gêneros primários estão ligados a uma esfera de atividade mais simples, presente no dia a dia do falante. São pertencentes a esse gênero a carta, o bilhete. Em contrapartida, os gêneros secundários estão ligados a uma esfera de atividade mais complexa, pois é um discurso mais elaborado tendo como exemplo o discurso cientifico, o teatro, o romance, o discurso ideológico pois os mesmos aparecem em circunstâncias mais complexas e relativamente mais evoluídas, principalmente a escrita: artística, cientifica, sociopolítica (BAKHTIN, 2000, p. 281). Gêneros textuais e ensino de língua portuguesa Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita, de modo variado, a fim de produzir diferentes efeitos de sentido e moldando-o a diferentes situações de interlocução no dia a dia, com o uso da fala 702

ou da escrita. É por tal motivo que Bakhtin nos afirma que todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. (BAKHTIN, 2000 p. 279). Desde o final do século XVIII e até meados do século XX, no que tange ao ensino de língua materna dava-se um destaque grande ao ensino de regras gramaticais e leitura, entendida como uma prática de decodificação e memorização de textos literários em oposição à pratica da escrita (BUNZEN, 2006, p. 141). Em princípio, o ensino da composição _ eram assim chamados os textos escritos produzidos pelos alunos _ era somente apresentado nas últimas séries do secundário em disciplinas que eram chamadas de retórica, poética e literatura nacional, configurando a produção através de figuras ou títulos dados tendo como base textos que eram então apresentados pelo professor. Nesse sentido, cabe, hoje, às pessoas envolvidas com o ensino de Língua Portuguesa no ensino básico refletir sobre esse tema, pois, É decisão política escolher se teremos como objetivo principal e final a formação de alunos no EM (Ensino médio) que produzem na escola (e nos cursinhos) apenas as propostas de redação do vestibular das principais universidades de cada estado ou investiremos em um processo de ensino-aprendizagem que leve em consideração a prática social de produção de textos em outras esferas de comunicação. (BUNZEN, 2006, p. 151) Dessa forma, quando falamos em tomar os gêneros como objetos de ensino, estamos apostando em um processo de ensino-aprendizagem de língua materna que permita ao sujeito-aluno utilizar atividades de linguagem que envolvam tanto capacidades linguísticas ou linguístico-discursivas, como capacidades propriamente discursivas, relacionadas à apreciação valorativa da situação comunicativa e como, também, capacidades de ação em contexto (Rojo, 2001c, p. 39 apud Bunzen 2006, p. 155) Por tal motivo, precisam fazer parte do cotidiano do aluno-aprendiz as práticas voltadas ao universo da leitura e, em especial, à produção de textos nas mais variadas esferas de ação, nos mais diversos espaços de convívio social, seja tanto em casa, com a família na igreja, em grupos de amigos, em um encontro de jovens, ou mesmo no ambiente de trabalho, em reuniões, na escola etc. Bunzen (2006, p.159) nos diz da necessidade de dar ao aluno autonomia, a fim de promover uma prática de ensino de língua materna menos artificial e instrumental, contemplando a necessidade dos jovens que já produzem textos em gêneros diversos. O professor deve levar à sala de aula materiais apropriados ao nível de ensino, a fim de estabelecer uma inter-relação entre atividades de leitura, produção de textos e analise lingüística, não fragmentando a relação entre a língua e a vida. 703

É tal motivo justificado, pois a prática de ensino deve ser voltada à formação de leitores e escritores com total autonomia e além do mais que tenham uma visão crítica da realidade. Nesse sentido, a consideração feita por Bunzen (2006, p. 158) é bastante ilustrativa dessa proposta de ensino, quando sugere que o professor trabalhe com uma política de ensino de língua fortalecedora das práticas sociais dos alunos em contextos culturais específicos [...]. O professor que tem consideração com o exercício de cidadania do aluno deve possibilitar e abrir um universo de oportunidades para que o mesmo possa assim desenvolver uma capacidade discursiva bastante ampla. Como atualmente muito se tem falado acerca dos gêneros discursivos, propõem os PCNs que, para o desenvolvimento da competência discursiva, deve a escola e o professor em especial organizar as atividades curriculares relativas ao ensino-aprendizagem da língua e da linguagem, possibilitando que o aluno desenvolva sua capacidade de leitura e escrita de gêneros considerados relevantes em nossa sociedade. Para tanto, o professor deve introduzir nas aulas de língua portuguesa diversos gêneros textuais para que o aluno possa ter o contato com tal diversidade, e só assim pode desenvolver uma capacidade melhor de produção e argumentação. Conforme destaca Fiorin (2006, p. 69), os gêneros são meios de aprender a realidade. (...) Fala-se e escreve-se sempre por gêneros e, portanto, aprender a falar e escrever é, antes de mais nada, aprender gêneros. Trabalhar com gêneros textuais em sala de aula é possibilitar ao aluno conhecer outro universo e fazer com que o mesmo possa desenvolver melhor sua competência discursiva. Mas quando se fala em gêneros do discurso é preciso ressaltar que: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertorio de gêneros do discurso que vai diferenciando e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 2000, p. 279). Segundo Marcuschi (2008, p. 206) os próprios PCNS têm uma grande dificuldade em propor uma solução para a questão: quais gêneros são mais adequados ao ensino? Isso ocorre em virtude do grande número que é encontrado à disposição do professor, ressaltando que a atenção deve ser mais voltada aos gêneros na modalidade escrita do que aos orais. Este fato é justificado pela grande diversidade de ações lingüísticas praticadas no dia-a-dia estarem na modalidade escrita. 704

Conforme lembra o autor, os gêneros textuais são dinâmicos, de complexidade variável e não sabemos ao certo se é possível contá-los todos, pois como são sócio-históricos e variáveis, não há como fazer uma lista fechada, o que dificulta ainda mais sua classificação (MARCUSCHI, 2008, p. 159). É por tal motivo que professores encontram dificuldade em selecionar os gêneros para trabalhar em sala de aula, já que a variedade é infinita. Diante dessa dificuldade, seria interessante os professores realizarem atividades com os gêneros menos conhecidos dos alunos, especialmente os escritos vinculados a esferas de atividade secundárias, mais complexas, como a midiática, por exemplo. Resenha crítica: estudo de um gênero textual Na resenha crítica, assim como diz Andrade (2006, p. 45), é necessário resumir, por isso, para que se configure uma resenha, é necessário que o resenhador dê em primeiro lugar um espaço no qual ele, antes de posicionar-se sobre o assunto, resuma sobre aquilo que ele irá falar. O resumo em uma resenha é essencial para que, ao iniciar a leitura, o leitor se situe sobre qual tema será tratado. É a parte inicial para que o mesmo possa estar ciente de que aquela resenha que ele está lendo é condizente com aquilo que ele esperava encontrar. Mas, como se configura uma resenha crítica? Para Fiorin e Savioli (1993, p. 426-427), resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto cuidadosamente, enumerá-los nos aspectos mais relevantes e descrever as circunstâncias que o envolvem. Assim, segundo Fiorin e Savioli (1993, p. 427), uma resenha deve ter uma parte descritiva e uma parte com o resumo. Na parte descritiva é que irão as informações básicas sobre o texto, como o autor, título da obra, editora, se faz ou não parte de uma coleção, lugar e data de publicação, além da quantidade de páginas e o número de volumes; já na parte em que deve haver o resumo da obra, o resenhador deve estar atento e indicar sucintamente o assunto global da obra, ou seja, os principais pontos, essenciais ao texto. Por fim, para que seja uma resenha crítica, é necessário o autor, além de apresentar os elementos que foram mencionados, adotar uma perspectiva crítica, fazendo julgamentos e tecendo comentários sobre a obra que está sendo resenhada. É por esse motivo que, para que uma resenha comum seja crítica, é necessário o autor expressar por meio dela a argumentação, fazendo-se necessária a adoção de uma postura crítica em torno do texto, o qual o resenhador dedica-se a escrever. 705

A resenha crítica faz tanto uma apresentação do objeto resenhado como uma avaliação, ou seja, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos do mesmo. Tratase, portanto, de um texto de informação e de opinião. Como ela, de uma forma geral, é um resumo crítico, exige que o resenhista seja alguém que tenha conhecimentos da área que propõe analisar, uma vez que ele está avaliando aspectos da obra, julgando-a criticamente. O vaivém do poeta e Um meteoro impossível de ser ignorado : primeiras análises As resenhas críticas podem versar sobre os mais diferentes assuntos. Elas podem tratar a respeito de um filme, um livro, CD, DVD, sobre um escritor, um cantor, ou seja, encontramos diversos temas para resenhas. Elas geralmente apresentam título, podendo ou não ter subtítulo e sua extensão irá depender do espaço que o veículo ao qual ela se destina reserva para esse gênero de texto. As resenhas que aqui são analisadas foram publicas no caderno Magazine, um encarte que faz parte do Jornal O popular, jornal de grande credibilidade em Goiás e de circulação regional. Elas apresentam título e subtítulo. O título da primeira resenha analisada é O vaivém do poeta e da segunda Um meteoro impossível de ser ignorado. Além do título, apresentam subtítulo: o da primeira, Em seu novo livro, Em Alguma Parte Alguma, Ferreira Gullar mostra a salutar perplexidade que um autor deve conservar diante de seu ofício ; e o da segunda, Fenômeno da musica teen, Luan Santana lança dois discos com sucessos consagrados e novos hits em estilo pop. Assim como toda resenha deve vir assinada garantindo assim a sua veracidade, as duas resenhas citadas acima vêm assinadas: a primeira tem a assinatura de Rogério Borges e a outra de Almiro Marcos. Em geral, como ocorre em boa parte das resenhas, elas apresentam no início um pequeno resumo sobre qual tema irá tratar a resenha. Veja o exemplo seguinte: Alguém pode até mesmo discutir a qualidade da voz e da música produzida por esse pouco mais do que adolescente de 20 anos de idade, corpulento (no seu mais de 1,80 metro), saltitante e incansável, com tênis colorido no pé, colete, camisa xadrez, tira de couro no pulso e cabelos arrepiados. Porém ignorá-lo, é impossível. Afinal, Luan Rafael Domingos Santana, ou simplesmente Luan Santana, fechou 2010 como o maior vendedor de CDs e DVDs do País. Registrou marca de mais de 400 mil de uns e mais de 200 dos outdoors. Façanha meteórica numa realidade de mercado fonográfico sob o peso da pirataria e dos downloads gratuitos na internet (MARCOS, 2011, p. 7). 706

O resenhista inicia a resenha resumindo um pouco a trajetória do personagem em questão, Luan Santana. Este recurso utilizado pela maioria dos resenhistas é importante para que o leitor ao fazer uma leitura breve situe-se para saber de qual assunto realmente a resenha trata. Assim como essa resenha escrita por Almiro Marcos, a escrita por Rogério Borges dedica o seu início a situar o leitor na história sobre a vida de Ferreira Gullar, em especial sobre a criação de uma de suas obras. Por mais de dez anos, Ferreira Gullar não publicou um novo livro de poemas. A maturação da obra durou e a edição de Em Alguma Parte Alguma, lançado nos últimos dias, mostra que ela não terminou. Os poemas do título continuam a se fazer, vagarosamente, em meio a grande titubeio. A boa notícia é que isso não é uma má notícia. Esse ir e vir dos novos versos de Gullar, que completou 80 anos de vida na última sexta-feira, denota não um defeito, mas a enorme qualidade de não se sentir proprietário de sua lírica, se encastelando em uma fama já adquirida e não se mostrando um autor avesso às próprias perplexidades. Gullar, que sempre diz que faz poesia a partir do espanto, provoca espanto em quem acredita que irá encontrar um poeta formado (BORGES, 2010, p. 7). Com as análises, observou-se que o tipo descritivo é bastante recorrente no gênero resenha crítica. Seguem abaixo alguns trechos das duas resenhas em que o objetivo principal dos autores é informar sobre certas características dos objetos culturais em análise: Em Alguma Parte Alguma é dividido em três partes e a primeira delas, a mais extensa de todas, é dedicada a essa desordem criativa que parece inescapável para a poesia, na visão do autor (BORGES, 2010, p. 7, grifo nosso). No exemplo acima, descreve-se o próprio livro resenhado. O resenhista descreve-o, informando a seu leitor como ele é composto, acrescentando, ainda, que a primeira parte é a mais longa das três que compõem a obra. Na resenha dedicada a resumir, descrever e avaliar a carreira do cantor Luan Santana, há trechos em que predomina a descrição. No excerto dado a seguir descreve-se o próprio cantor, sua idade, características físicas (altura, corte do cabelo), além seu estilo quanto à forma de se vestir e de se comportar no palco. Alguém pode até mesmo discutir a qualidade da voz e da música produzida por esse pouco mais do que adolescente de 20 anos de idade, corpulento (no seu mais de 1,80 metro), saltitante e incansável, com tênis colorido no pé, colete, camisa xadrez, tira de couro no pulso e cabelos arrepiados. (MARCOS, 2011, p. 7) Ao longo de sua resenha, Marcos (2011) apresenta argumentos que justificam o sucesso do cantor Luan Santana, revelando ser a resenha um gênero em que não apenas o tipo 707

descritivo tem uma função importante, mas que também o tipo argumentativo tem um papel fundamental. Segundo o autor: Porém ignorá-lo, é impossível. Afinal, Luan Rafael Domingos Santana, ou simplesmente Luan Santana, fechou 2010 como o maior vendedor de CDs e DVDs do País. Registrou marca de mais de 400 mil de uns e mais de 200 dos outdoors. Façanha meteórica numa realidade de mercado fonográfico sob o peso da pirataria e dos downloads gratuitos na internet (MARCOS, 2011, p. 7, grifo nosso). A opinião do resenhista é em todos os pontos visível, em especial no seu desfecho, quando elogia a iniciativa de Luan Santana em reverter a renda com a venda de seu último trabalho (DVD e CD) para obras sociais: Ainda que a venda não seja mais a grande referência do mercado fonográfico de hoje, quando os cantores ganham muito mais com shows, a idéia merece aplausos. (MARCOS, 2011, p. 7, grifo nosso) Ele retrata uma opinião geral e acaba por dar a sua visão mostrando a necessidade de se também fazer o mesmo que o cantor faz, evidenciando um aspecto positivo na iniciativa do cantor, que deve ser seguida por outros. Da mesma forma ocorre em O vai-vem do poeta, a argumentação favorável à nova publicação de Ferreira Gullar é visível em todo o texto em muitos aspectos. Tal recurso é utilizado pelo resenhista, para enfatizar, especialmente, a renovação da poesia de um autor já tão consagrado. Esse ir e vir dos novos versos de Gullar, que completou 80 anos de vida na última sextafeira, denota não um defeito, mas a enorme qualidade de não se sentir proprietário de sua lírica, se encastelando em uma fama já adquirida e não se mostrando um autor avesso às próprias perplexidades. Gullar, que sempre diz que faz poesia a partir do espanto, provoca espanto em quem acredita que irá encontrar um poeta formado (BORGES, 2010, p. 7, grifo nosso). Considerações finais Para uma educação que leve em consideração aspectos sociointeracionais da aprendizagem, faz-se necessário que o ensino de Língua Portuguesa seja desenvolvido com práticas de leitura e produção dos mais diversos gêneros, como os da esfera midiática em razão da importância que a mídia assume na vida dos indivíduos. Uma das razões para que sejam estudados os gêneros midiáticos é que, em razão de se constituírem como gêneros secundários, não são aprendidos na esfera da família ou mesmo em outras esferas, exigindo que a escola cumpra com este papel. Além do que, a esfera da 708

mídia, pelo poder que concentra, merece a atenção não apenas dos estudiosos, mas dos cidadãos comuns que são submetidos cotidianamente aos seus mais diversificados discursos. Neste sentido, estudar o gênero resenha crítica é importante por várias razões. É um gênero que, por pertencer ao gênero secundário, possibilita o trabalho com uma linguagem mais elaborada, por meio da escolha de recursos lexicais apropriados, a fim de garantir uma melhor qualidade da interação e produzir certos efeitos de sentido. Além disso, o trabalho com a resenha crítica em sala de aula pode fazer com que o aluno desenvolva outras habilidades: de sintetizar, descrever o mundo que o cerca e de argumentar, revelando seu posicionamento sobre o que observa, tornando-se um aluno que, ao terminar os estudos iniciais, é capaz de observar melhor a realidade, criar sozinho argumentos, ter um ponto de vista sobre determinado objeto. Nesse sentido, cabe aos professores e aos futuros professores refletirem sobre o que diz Bunzen (2006, p. 160), quando afirma que não devemos nos esquecer que cada uma de nossa escolhas estará vinculada a determinadas concepções de língua e de ensinoaprendizagem e que é a partir dessas escolhas que são construídos objetos de ensino diferenciados. Referências bibliográficas ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O. Resenha. São Paulo: Paulistana, 2006. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In:. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 277-326. BORGES, Rogério. O vaivém do poeta: em seu novo livro, Em Alguma Parte Alguma, Ferreira Gullar mostra a salutar perplexidade que um autor deve conservar diante de seu ofício. O Popular, Goiânia, ano 72, n. 20.709, 14 set. 2010. Caderno Magazine, p.7. BRASIL, Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. BUNZEN, Clecio. Da era da composição à era dos gêneros: o ensino de produção de texto no ensino médio. In: ; MENDONÇA, Márcia. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006. p. 139-161. FIORIN, J. L. Introdução do pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. ; SAVIOLI, Francisco Platão. Resenha. In:. Para entender o texto: Leitura e redação. São Paulo: Ática, 1993. p. 426-427. 709

MARCOS, Almiro. Um meteoro impossível de ser ignorado: fenômeno da música teen, Luan Santana lança dois discos com sucessos consagrados e novos hits em estilo pop. O Popular, Goiânia, ano 73, n. 20.934, 27 abr. 2011. Caderno Magazine, p. 7. MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais no ensino de língua. In:. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola editorial, 2008. p. 146-228. 710

ANEXOS BORGES, Rogério. O vaivém do poeta: em seu novo livro, Em Alguma Parte Alguma, Ferreira Gullar mostra a salutar perplexidade que um autor deve conservar diante de seu ofício. O Popular, Goiânia, ano 72, n. 20.709, 14 set. 2010. Caderno Magazine, p.7. Por mais de dez anos, Ferreira Gullar não publicou um novo livro de poemas. A maturação da obra durou e a edição de Em Alguma Parte Alguma, lançado nos últimos dias, mostra que ela não terminou. Os poemas do título continuam a se fazer, vagarosamente, em meio a grande titubeio. A boa notícia é que isso não é uma má notícia. Esse ir e vir dos novos versos de Gullar, que completou 80 anos de vida na última sexta-feira, denota não um defeito, mas a enorme qualidade de não se sentir proprietário de sua lírica, se encastelando em uma fama já adquirida e não se mostrando um autor avesso às próprias perplexidades. Gullar, que sempre diz que faz poesia a partir do espanto, provoca espanto em quem acredita que irá encontrar um poeta formado. O primeiro poema da obra, Fica o Não Dito pelo Dito, é uma mostra generosa dessa ziguezaguear. Ali, ele define o que lhe parece ser o poema: "um aflito/ silêncio/ ante a página em branco". O que poderia ser encarado como um lugar-comum deixa o terreno do clichê para entregar-se a uma exposição rara: "o poeta/ que grita/ erra/ e como se sabe/ bom poeta (ou cabrito)/ não berra." Ele continua essa reflexão pelas estrofes seguintes, dando a entender que o autor não deve ser o mais importante na poesia e que a inspiração é errática, doída, problemática, nada confiável. Criar é parir, é se esfolar, é perseguir a palavra certa sem nem mesmo ter a certeza que ela existe. O escrever é calar, é negar a expressão, é metaforizar com o inesperado, com o insípido. Em Alguma Parte Alguma é dividido em três partes e a primeira delas, a mais extensa de todas, é dedicada a essa desordem criativa que parece inescapável para a poesia, na visão do autor. Em muitos momentos, Gullar dá a impressão de se aliar à tese de que a linguagem é barrada quando adentra o universo do inexprimível e que o silêncio, literal ou metafórico, é a melhor solução para essa encruzilhada. Mas seria mesmo uma encruzilhada? Não seria esse sentimento do inconcebível a grande matéria-prima da poesia? Com a experiência de quem já liderou tantos movimentos estéticos, de quem já assinou tantos manifestos, o que Gullar faz é convidar a uma reflexão sobre o que se faz ao compor um poema. Não é um workshop, mas é seu modo de ver a lírica. Gullar não propõe rupturas, não evangeliza ninguém, sequer defende suas ideias. Ele as expõe e que façamos delas o melhor proveito que quisermos ou pudermos. Sua poesia é, simultaneamente, para si próprio e para os outros. Não há concessões, não há preocupações que não sejam as da criação. O resultado é uma poesia que não precisa prestar contas de seu jeito de ser, que não se incomoda em subverter sonetos, que usa a rima quando bem quer, que não tem limites para a temática. O osso e o jasmim são objetos de detida análise do eu lírico de Gullar. Um eu lírico que é Gullar, que não se coloca atrás de mil invenções, de proezas estilísticas ou de falsas pistas. O poeta não despende energia com o que não acha essencial. Acontece que seu essencial pode ser o trivial. Nas teias de sua poesia, caem, entre outros, João Cabral de Melo Neto, com seu arquétipo mineral, e Drummond, que também fala da pedra. Isso porque Gullar, o tempo todo, busca a essência, esculpe e garimpa, lavra e cinzela, molda e esfarela as identidades das coisas, do mundo, do cosmos. Nas lembranças da infância em São Luís, simbolizadas por cachos de bananas que vão apodrecendo na quitanda de seu pai, e nas perguntas 711

irrespondíveis sobre o universo, o poeta alia o tangível com a imaginação e produz uma lírica que conversa com o leitor ao pé do ouvido, que dialoga sobre seus sustos e impossibilidades, que não se coloca onipresentemente. A desordem é assumida como a procura de algo maior que não seja o belo jogo de palavras ou o rigor formal. As cenas cotidianas e as dores privadas também ganham espaço no novo livro. No poema Insônia, Gullar fala das vigílias e da melancolia da madrugada. Em Inseto, faz um elogio ao que parece ser insignificante. Em Galáxia, relativiza a importância da vida e do mundo, essa arena cotidiana em que tantas lutas são travadas. Em Dois Poetas na Praia, a observação do detalhe, o ínfimo se condensa na percepção de que o desprezado nem sempre é desprezível. Um dos poemas mais fortes do volume é Ossos, em que ele descreve a exumação de um ente querido e não mais reconhece o seu afeto naqueles restos. A morte, aliás, acaba sendo uma constante no livro, uma vez que a impermanência é um dos pontos mais debatidos em seus versos. A ela é dedicada o último poema do volume, o aflitivo e acelerado Rainer Maria Rilke e a Morte, em que o autor mostra como o fim chegou ao poeta tcheco, numa aproximação traumática que lembra bastante a narrativa de Herman Broch em seu extraordinário e hermético A Morte de Virgílio. Gullar também presta suas homenagens aos artistas plásticos, em especial a Iberê Camargo, Amílcar de Castro, Franz Weissmann e ao goiano Siron Franco. A Siron, ele escreve os versos de Vestígios, remetendo ao acidente com o Césio 137 em Goiânia. Muito dentro de seu projeto poético de Em Alguma Parte Alguma: nossas ligações terrenas, minerais com um mundo que, como diz a canção de Gilberto Gil, "pode estar por um segundo". MARCOS, Almiro. Um meteoro impossível de ser ignorado: fenômeno da música teen, Luan Santana lança dois discos com sucessos consagrados e novos hits em estilo pop. O Popular, Goiânia, ano 73, n. 20.934, 27 abr. 2011. Caderno Magazine, p. 7. Gostar é uma coisa. Ignorar é outra, completamente diferente. Alguém pode até mesmo discutir a qualidade da voz e da musica produzida por esse pouco mais do que adolescente de 20 anos de idade, corpulento (no seu mais de 1,80 metro), saltitante e incansável, com tênis colorido no pé, colete, camisa xadrez, tira de couro no pulso e cabelos arrepiados. Porém ignorá-lo, é impossível. Afinal, Luan Rafael Domingos Santana, ou simplesmente Luan Santana, fechou 2010 como o maior vendedor de CDs e DVDs do País. Registrou marca de mais de 400 mil de uns e mais de 200 dos outdoors. Façanha meteórica numa realidade de mercado fonográfico sob o peso da pirataria e dos downloads gratuitos na internet. Na esteira do lançamento de seu segundo DVD (os dois pela som Livre) e terceiro CD (o segundo pela gravadora), o ídolo teen traz ainda algumas marcas que devem ser consideradas: seus shows podem custar até R$: 500 mil cada um, sendo que ele chega a realizar mais de 20 por mês, e estimativas de produtores musicais apontam que seu nome deve faturar mais de 2 milhões livres por mês. As cifras servem para indicar os motivos para que Luan Santana ao mesmo tempo seja idolatrado pela sua legião de fãs enlouquecidas e criticado por aqueles que torcem o nariz para o gênero conhecido como sertanejo-pop, do qual ele é o principal nome hoje, principalmente pelo fato diferente de não cantar em dupla. Idolatria cega de um lado. Pontas de inveja do outro. No entanto, à luz dos fatos, o cantor é mesmo um fenômeno. Enquanto artistas labutam anos a fio na tentativa de alcançar um lugar ao sol no sucesso (e na maioria das vezes nunca chegam a sair da sombra), Luan Santana precisou de poucos anos para chegar ao topo. 712

A família gosta de contar que ele arranhou os primeiros versos cantados ainda aos 3 anos em Campo Grande (MS), onde nasceu. Os pais o incentivaram. Em 2006, a gravação de uma apresentação de adolescente, então com 14 anos e chamado de gurizinho, foi para no youtube. Em pouco tempo tinha milhares de acessos. O jovem passou a fazer apresentações em cidades de seu Estado, no Mato Grosso e até em Goiás. Até então era quase desconhecido fora desse eixo. A viarada veio em 2008, quando conheceu Fernando e Sorocaba, uma dupla baseada no Paraná e já com certo prestígio no meio. Ele fechou parceria com a dupla, da qual passou a fazer a abertura e participação nos shows. Sorocaba decidiu apadrinhar Luan e tomou conta da escolha do repertório do adolescente. O hit Meteoro, que jogou Luan Santana nas paradas em 2009, é composição do próprio Sorocaba. Particularmente, eu me recordo da pecuária de 2009, quando aquele moleque desconhecido de cabelo arrepiado e voz meio esganiçada fez uma participação no show da dupla no palco principal, com a qual cantava a musica A louca. Em tom de profecia, Sorocaba disse ao público que aquele garoto iria longe. Hoje, chegou além até do que muita gente (talvez o próprio Luan) imaginava. CD e DVD Luan Santana ao vivo no Rio, que chegam às lojas este mês, tiveram produção do porte de estrelas internacionais. No DVD, por exemplo, logo na abertura Luan Santana é catapultado e aparece de surpresa num salto no meio do palco. E, no final, ele desaparece, como num passe de mágica, atrás de uma cortina de fogo. Aliás, durante toda a apresentação, gravada em 11 de dezembro do ano passado no HSBC Arena, no Rio de Janeiro, o que não faltam são espetáculos de luzes, fogo e fumaça. O cantor chega a cantar uma música (Vou Voar) dependurado em cabos de aço que lhe permitem passear sobre a plateia ensandecida. O visual é muito caprichado. Os produtores do trabalho fazem questão de lembrar que o show no quesito efeitos especiasi, está no nivel de Michael Jackson e de Black Eye Peas. Passando para a seara musical, Luan Santana Ao Vivo no Rio traz algumas canções já consagradas, como Meteoro, Chocolate, Sinais e Você não sabe o que È o Amor. Traz também novos hits, como a música de trabalho Química do Amor, apresentada ao lado da baiana Ivete Sangalo, Adrenalina e Amar não É Pecado, música-tema da novela Morde & Assopra, da TV Globo/TV Anhanguera. Além da participação de Ivete, também há as presenças especiais de Zezé di Camargo (tocando sanfona) e Luciano, num pot-pourri de Amor Distante e Inquilina de Violeiro, que dá o único tom mais sertanejo de todas as faixas. Outra participação é da atriz e cantora mexicana Belinda (Meu Menino Minha Menina). A característica do novo trabalho de Luan Santana é a de sempre: pop. As únicas exceções são o pot-pourri com Zezé di Camargo e Luciano e a faixa Gospel Conquistando o impossível. Tirando três ou quatro músicas (do DVD) que são mais lentinhas, no mais são hits dançantes, com letras simples e pegajosas, que tem como tema principal o amor. As músicas animadas, aliás, foram a marca que o padrinho Sorocaba (e, segundo informação que circula pelo meio musical, dono de 20% do que o teen fatura) imprimiu em Luan Santana. Sorocaba, inclusive é autor de 5 (uma ao lado de Luan) das 19 faixas do DVD. E o próprio Luan Santana é o compositor de quatro das canções. Além do CD (com 14 faixas) e do DVD (com 19 músicas), o trabalho também será lançado este mês em Blu-Ray (que seria uma evolução do DVD em imagem e som). Uma iniciativa legal, informada na contracapa do DVD, é que toda a renda adquirida com a venda de CDs e DVDs pelo cantor será revertida para obras sociais. Ainda que a venda não seja mais a grande referência do mercado fonográfico de hoje, quando os cantores ganham muito mais com shows, a idéia merece aplausos. 713