MIGUEL PALMA O MUNDO ÀS AVESSAS



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Transcrição:

MIGUEL PALMA O MUNDO ÀS AVESSAS

Miguel Palma (Lisboa, 1963) é um nome significativo da geração que apareceu na cena artística portuguesa no início da década de 1990 e, mais particularmente, um dos protagonistas fundamentais dentro de uma constelação de artistas dessa geração que encarou a arte como modo de questionamento social e político da realidade contemporânea. Esta é a primeira apresentação sistemática do seu trabalho, desvendando-o e articulando-o, na sua diversidade conceptual e formal, através de uma selecção de onze objectos e instalações realizados desde 1993 até hoje. Embora o período iniciático da actividade de Miguel Palma como artista seja anterior, tendo ficado publicamente registado em duas exposições individuais (Ludo, 1989, e Ordem, 1992, ambas na Galeria Quadrum), o ano de 1993 (em que produziu e apresentou duas das suas obras mais significativas, Olho Mágico e Engenho) marca definitivamente a consolidação da sua linguagem e do seu universo. O percurso da exposição abre, na primeira sala, com uma das obras mais conhecidas do artista, Cofre com Mil Contos, realizada em 1994 e nessa mesma altura apresentada na exposição colectiva Depois de Amanhã, no Centro Cultural de Belém. Trata-se tão simplesmente de um cofre contendo no seu interior um milhão de escudos. É assinalável a eficácia conceptual e a acutilância crítica com que o artista aborda a questão do valor (artístico e económico) da obra de arte. Se o dinheiro depositado no cofre for retirado, a obra deixa de existir; se essa quantia ali for mantida inviolável, a obra perdura, mas o valor monetário em causa vai-se depreciando progressivamente, numa relação inversamente proporcional à inflação. Ironia das ironias: com a substituição do escudo pelo euro, o conteúdo do cofre acabaria por perder completamente o seu valor. Contudo, a constituição do valor da obra no mercado de arte é independente da desvalorização progressiva (e, em certo momento, absoluta) do dinheiro encerrado no cofre. A economia das obras de arte rege-se por uma lógica sui generis: a da raridade. Ao contrário da maioria dos bens, o seu valor económico não é determinado nem pelo valor de uso, nem pelo custo de produção material, nem ainda pelo tempo dispendido na sua realização; está antes subordinada ao critério simbólico da consagração do artista, aferida conjunturalmente ou no tempo mais distendido da posteridade. Assim, em função do processo de reconhecimento de Miguel Palma e da correspondente subida da sua cotação no mercado da arte, o valor desta obra não cessou de aumentar com o passar dos anos. Cofre com Mil Contos inaugura, dentro do trabalho de Miguel Palma, uma genealogia de obras, relacionáveis entre si pelo tema, por vezes também do ponto de vista conceptual. Vem a propósito referir uma obra mais recente, não incluída na exposição, justamente intitulada Valor (2002): uma cadeira Chippendale com a madeira infectada por caruncho, exposta dentro de uma caixa de acrílico, à semelhança do dispositivo museológico de apresentação e protecção de objectos valiosos. Neste caso, a duração implica a lenta degradação da obra até ao seu inelutável desaparecimento num futuro indeterminado, condenada que está a ser reduzida a pó pelo efeito cumulativo do caruncho. A caixa de acrílico funciona aqui, literal e metaforicamente, como um ambiente protegido para o processo imperceptível mas efectivo de destruição da obra de arte.

Olho Mágico, 1993 82 x 910 x 319,5 x cm Colecção Pedro Cabrita Reis, Lisboa

No caso de Património (2002), que adopta uma função ironicamente decorativa no átrio de entrada do edifício da Caixa Geral de Depósitos, o processo de destruição foi provocado pelo artista. Durante a inauguração de uma exposição individual no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, uma cópia kitsch de um jarrão japonês do século XVIII decorado com um padrão Imari foi elevada e depois deixada cair, partindo-se em inúmeros pedaços. Uma vez recolhidos esses pedaços, o jarrão foi diligentemente reconstituído durante o período em que a exposição esteve patente, num dispêndio desproporcionado e absurdo de esforço e tempo, considerando que o objecto danificado não se distingue pelo valor artístico ou económico (trata-se, afinal de contas, de uma cópia) e dada a inutilidade do restauro como forma de o restituir à sua integridade. O gesto iconoclasta é o pretexto para uma reparação sem valor, consumindo tempo e mobilizando técnicas especializadas de forma irracional. Esta é a medida da eficácia e do interesse artísticos de Património, que se oferece como uma magnífica metáfora (e ao mesmo tempo paródia) do acto criativo e da lógica de excepção que preside à constituição quer do valor artístico, quer do valor económico das obras de arte. Percorrendo a exposição, não tardamos a apercebermo-nos de que Miguel Palma se dedica, desde muito cedo, à construção de máquinas e maquinismos, assumindo-se como uma espécie de artista-engenheiro. A sua primeira máquina é um enorme e fascinante dispositivo óptico (Olho Mágico), cujo funcionamento vamos descobrindo à medida que com ele nos relacionamos. Uma luz muito intensa, incorporada numa das extremidades do dispositivo, atravessa a superfície de um aquário que recebe o jacto de uma bomba de água. Com o auxílio de uma lente, a imagem formada a partir desse efeito de queda de água projecta-se, invertida, na câmara escura situada na outra extremidade da máquina óptica. Anos mais tarde, seriam visíveis ecos desta obra em Telescópio (1999). Através de um telescópio colocado a cerca de quinze metros de distância, o espectador observa uma imagem de células cancerosas que surge transfigurada numa imagem de observação astronómica, numa inversão de escalas e de sentidos. Esta obra foi produzida no contexto de uma exposição na Fundação Calouste Gulbenkian em que a cada artista foi proposto que realizasse um trabalho por referência a uma personalidade importante da história da medicina em Portugal (Miguel Palma escolheu homenagear o médico Francisco Gentil). Se falamos das máquinas e dos maquinismos de Miguel Palma é inevitável referirmos o seu fascínio pelo automóvel, esse objecto erigido, já no século XIX e ao longo de todo o século XX, em emblema da velocidade e da modernidade. Apresentado à escala real ou representado em miniatura através de modelos à escala ou com recurso à fotografia e ao vídeo, construído por sua iniciativa ou apropriado como ready-made (mais ou menos assistido e rectificado, para usar termos de Marcel Duchamp, o inventor do ready-made nos primórdios do século XX), o automóvel surge no centro do imaginário e das obsessões de Miguel Palma, e assume o estatuto de sujeito ou objecto em muitos dos seus projectos artísticos. Esta extensa genealogia de obras, impossível de aqui repertoriar, tem início com Engenho [já prefigurado, em 1991, por Engenho (maqueta)], que o artista construiu como um objecto verdadeiramente funcional, inspirando-se para o seu design nas formas aerodinâmicas dos carros de corrida monolugar das décadas de 1930 a 1950. O próprio artista conduziu o carro de Lisboa ao Porto, tendo como destino a exposição colectiva Imagens para os anos 90, na Fundação de Serralves, em 1993. Engenho é uma espécie

Engenho, 1993 110 x 152 x 416 cm Colecção Fundação de Serralves - Museu de Arte Contemporânea, Porto

de convocação nostálgica do espírito de pioneirismo na conquista da velocidade e da modernidade mecânica já celebrado pelos futuristas, e desde logo por Filippo Tomaso Marinetti no seu manifesto fundador do movimento em 1909. Em contraponto a Engenho, podemos ver na exposição um outro veículo, Gerador (1999), que toma a forma de um atrelado, dispensando, desta vez, qualquer utilidade prática, ostentando mesmo a sua inutilidade: trata-se de uma máquina contendo uma ventoinha que, a intervalos regulares, provoca turbulência no espaço expositivo e a redistribuição da poeira ambiente. Como em tantas outras obras de Miguel Palma, há um excesso de tempo e energia investido na fabricação de um objecto aparentemente sem sentido nem propósito, na produção de resultados que se revelam frustrantes à luz de critérios como a utilidade prática ou a excelência artística. Tanto ou mais do que na tomada de posição sobre algumas das metástases do mundo contemporâneo (como a desregulação ecológica ou a guerra, temas abundantemente tratados pelo artista), reside aí, nessa ausência de sentido e nesse desperdício de energia, grande parte da força crítica e da ironia desconcertante do trabalho de Miguel Palma. Na impossibilidade de multiplicar exemplos, citemos John Welchman no texto publicado no catálogo da exposição, a propósito da presença obsessiva do automóvel no trabalho de Miguel Palma: Assim configurado enquanto sujeito e modelo, enquanto objecto estético e documento histórico, Palma questionou o estatuto social, simbólico e representacional do automóvel de um modo tão profundo e completo como qualquer outro artista contemporâneo, insinuando-se com a sua arte em relações que combinam o quotidiano e o ritual ou a elite (a pista de corridas), o nostálgico e o narcisista, o performativo e o experimental. A sua abordagem conta com o poder e a sedução do automóvel do ponto de vista de uma criança (nos modelos miniatura e pistas eléctricas); do jovem adulto cheio de testosterona (o piloto de carros de corrida); do conhecedor ou coleccionador de marcas vintage; do artista que os atravessa a todos. E acrescenta, chamando a atenção para um aspecto que não tem sido devidamente sublinhado nas análises da obra do artista a sua inscrição autoreferencial na história da arte, que um efeito desta multiplicidade de referências compiladas ao longo de mais de década e meia de projectos é o facto de o trabalho de Palma oferecer uma espécie de resumo interpretativo das diversas atitudes perante o automóvel negociadas por uma série de artistas e de movimentos desde os futuristas (e Marinetti, em particular), passando pelo movimento purista e a revista associada L Esprit Nouveau (destacando-se, neste capítulo, a obra teórica e prática de Le Corbusier), até ao movimento pop, sem esquecer trabalhos mais recentes de artistas como Simon Starling ou Gabriel Orozco, para referir somente alguns exemplos. Como refere ainda John Welchman, Miguel Palma está muito longe quer dos excessos românticos dos futuristas, quer das utopias construtivista e produtivista da década de vinte na União Soviética as quais, no processo de negociação das relações entre arte, engenharia e produção, levaram à subordinação da função do artista à do designer/engenheiro. Mas se falamos de Miguel Palma como uma espécie de artista- -engenheiro, não nos podemos esquecer de outro extenso conjunto de peças em que o recurso à modelagem, outro dos seus sistemas de execução preferenciais, serve para recriar o mundo à escala reduzida. Nestes casos, o artista assume-se, senão como uma espécie de arquitecto, pelo menos como um maquetista na tradição

Carbono 14, 1998 235,5 x 301,7 x 301,7 cm Colecção Ministério da Cultura / Instituto das Artes, Lisboa

do planeamento urbano. Ecossistema (1995), obra fundadora desta linhagem, permanece ainda hoje um dos seus exemplos mais conseguidos. Consiste numa maqueta de segmentos de uma cidade estratificada em dois níveis uma zona industrial sobreposta a uma zona residencial e coberta (isolada) por uma tenda de mica transparente com cerca de seis metros de comprimento e dois metros de largura. Um sistema de ventilação com uma ventoinha e um gerador, visível à escala de 1:1, faz circular na atmosfera partículas de serradura. O ecossistema é, deste modo, incessantemente alimentado, sem a mediação de qualquer filtro ou sistema redutor, pela poluição gerada pelo sector industrial antevisão brutal da morte. Para além da sua eficácia comunicacional, crítica e formal, esta obra é um marco incontornável no percurso criativo de Miguel Palma: por um lado, assinala o momento de explicitação categórica do seu interesse por sistemas auto-referenciais, fechados sobre si mesmos e funcionando em círculo vicioso, segundo um princípio de repetição interminável [veja-se a esse respeito, na exposição, as obras 2,5 km a 100 à hora (2001) e Little Boy (2007)]; por outro, introduz a preocupação ecológica, que poucos anos depois se tornaria preponderante no seu trabalho. Carbono 14 (1998) é outro dos exemplos cimeiros neste corpo de trabalhos: um segmento de cidade, tornado visível através de um corte geológico que deixa ver veículos, fragmentos do sistema de esgotos, dos circuitos rodoviários e do interior de habitações; a cidade encontra-se submersa debaixo da terra, que vai sendo arada por uma gigantesca máquina agrícola. Nesta actividade obsessiva de manipular os materiais e a tecnologia, e assim reinventar os objectos e as imagens do mundo, reconhecemos imediatamente uma dimensão lúdica e uma inclinação para a fantasia que fazem lembrar o universo da infância. Contudo, sob essa aparente dimensão lúdica, as obras de Miguel Palma comunicam frequentemente uma visão crítica, não raramente negra, do mundo contemporâneo e da falência das utopias associadas ao progresso que marcaram o século XX. São disso também exemplo as obras mais recentes na exposição, Tapete Voador (2005) e Little Boy: na primeira, um banco ejectável de um avião militar, acoplado a uma turbina que entra em funcionamento periodicamente e o sustém em equilíbrio, é colocado sobre um tapete persa manufacturado no Irão, que neste contexto adquire uma conotação acentuadamente política, muito longe da fantasia das mil e uma noites ; Little Boy, por vezes, oferece-se como um comentário, com sentido eminentemente paródico, à ocupação do espaço aéreo simultaneamente pela indústria turística e pelas estratégias de defesa e ataque militares. Mesmo uma obra aparentemente tão inocente como 2,5 Km a 100 à hora revela-se, no seu movimento repetitivo incessante, uma metáfora da morte.

2,5 Km a 100 à hora, 2001 dimensões variáveis Colecção Caixa Geral de Depósitos, Lisboa

SERVIÇO EDUCATIVO ACTIVIDADES PARA ADULTOS ACTIVIDADES PARA CRIANÇAS ACTIVIDADES PARA JOVENS Conversa com Miguel Palma e Miguel Wandschneider Sábado, 1 de Setembro, 17h00 Visita guiada com António Cerveira Pinto Sábado, 30 de Junho, 17h00 Visitas guiadas gerais Domingos, 3 de Junho, 1 de Julho, 5 de Agosto e 2 de Setembro, 18h30 Outras datas disponíveis para grupos organizados (a partir de 10 pessoas). (também disponíveis para grupos em colónias de férias) Visitas-jogo à exposição Ensino pré-escolar e 1.º ciclo Marcação prévia. 1. Dur. aprox.: 1h00 Elma, o estranho habitante do planeta Arte Pré-escolar Visita-jogo que partindo das obras de Miguel Palma leva a uma rima cantada. Este pequeno verso será acompanhado por pequenos objectos musicais feitos a partir dos materiais das obras de arte. Procuramos assim trabalhar as rimas ao mesmo tempo que esbatemos as fronteiras entre as várias expressões artísticas. Migma, o génio do enigma 1.º ciclo A obra de Miguel Palma apresenta-nos um universo enigmático que dá azo à imaginação. É com essa imaginação que vamos responder aos enigmas colocados ao longo da visita-jogo. Estes enigmas jogam com a observação, a criatividade, a língua e a expressão plástica de cada um. (também disponíveis para grupos em colónias de férias) Visitas-jogo à exposição 2.º ciclo, 3.º ciclo, ensino secundário e ensino superior Marcação prévia. 1. Dur. aprox.: 1h30 AventurAr-te 2.º e 3.º ciclos Um gigante tabuleiro de jogo encontrase à entrada das galerias. As seis cores do dado gigante correspondem a seis graus de dificuldade dos enigmas sobre as exposições. Propõe-se uma competição entre várias equipas e promete-se um prémio para os vencedores! 5 sentidos 2.º ciclo, 3.º ciclo e ensino secundário (vários níveis de complexidade mediante a faixa etária) Visita-jogo à exposição. Saber falar, saber ver e saber ouvir são objectivos incontornáveis numa visita em grupo à exposição. Saber tocar, saber cheirar e saber saborear serão também importantes na análise da obra de arte? Memória e experiência ou novidade e aprendizagem? Saber o que se vê não é tarefa fácil. Visita dinâmica Ensino secundário e ensino superior Visita-jogo à exposição direccionada para a História da Arte Contemporânea. Propõe-se ao grupo visitar a exposição e, recorrendo a imagens e a alguns textos de apoio, compreender um pouco melhor algumas das problemáticas da arte do nosso tempo. Visitas guiadas à exposição 2.º ciclo, 3.º ciclo, ensino secundário e ensino superior Marcação prévia. 0,50. É PROFESSOR? Gostava de saber um pouco mais sobre Miguel Palma para depois poder trazer os seus alunos à exposição? Temos um pequeno dossier com textos e imagens sobre este artista. Solicite-o. Estamos também ao dispor dos professores para uma visita guiada gratuita ou uma pequena conversa sobre a exposição. Inscrições e informações Raquel Ribeiro dos Santos raquel.ribeiro.santos@cgd.pt Tel. 21 790 54 54 Fax 21 848 39 03

2 DE JUNHO 2 DE SETEMBRO 2007 exposição Curador Miguel Wandschneider Coordenação de Produção António Sequeira Lopes Paula Tavares dos Santos Equipa de Montagem António Sequeira Lopes Fernando Teixeira Heitor Fonseca Ana Branco André Lemos Romeu Gonçalves Maria Azevedo Construção PREFORMA Projectos e Exposições, Lda. Jornal de exposição Texto Miguel Wandschneider Coordenação Editorial Marta Cardoso Design Gráficos do Futuro Pré-impressão, impressão e acabamento Gráfica Maiadouro Informações 21 790 51 55 www.culturgest.pt Edifício Sede da Caixa Geral de Depósitos Rua Arco do Cego, 1000-300 Lisboa Galerias abertas das 11h às 19h (última admissão às 18h30) Encerram à terça-feira Sábados, Domingos e feriados, das 14h às 20h (última admissão às 19h30)