O ESTADO DA ARTE DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: um levantamento preliminar da produção acadêmica

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Transcrição:

O ESTADO DA ARTE DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA: um levantamento preliminar da produção acadêmica Anita Handfas Faculdade de Educação / UFRJ Resumo O objetivo do artigo é levantar o estado da arte sobre o ensino de sociologia na educação básica, com foco nas dissertações de mestrado e nas teses de doutorado apresentadas nos programas de pós-graduação. Sendo ainda um campo de pesquisa em formação, pretende-se com esse levantamento estabelecer uma linha de tempo de modo a situar essa produção acadêmica em diferentes contextos da trajetória da sociologia no ensino médio. A partir do levantamento das dissertações e teses apresentadas entre 1993 e 2010, busca-se caracterizar essa produção por estado, instituição, por programa de pós-graduação (educação ou sociologia/ciências sociais) e por tema pesquisado. O estado da arte indica uma tendência crescente da produção acadêmica sobre a temática, o que pode ser um indicativo de formação de uma comunidade científica sobre o ensino de sociologia. Palavras-Chave: estado da arte, ensino de sociologia. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 386

INTRODUÇÃO Um dos aspectos importantes a destacar para o levantamento do Estado da Arte das pesquisas sobre o ensino de sociologia na educação básica é o processo histórico que caracterizou a trajetória dessa disciplina na Educação Básica. Essa relação necessária entre o conjuntural e o específico permite identificar as condições sociais de produção do conhecimento sobre esse objeto de estudo, ao mesmo tempo em que permite localizar numa linha de tempo as principais temáticas que têm balizado a pesquisa na área. Um levantamento sistemático das produções sobre o ensino de sociologia nos levaria a diversas fontes de consulta. Apesar de ser considerado um campo ainda incipiente de pesquisa, é possível identificar importantes iniciativas no plano institucional que vêm favorecendo a produção e a difusão do conhecimento sobre essa temática. Todas essas iniciativas vêm congregando um conjunto de trabalhos que refletem sobre o ensino de sociologia na educação básica a partir de diferentes perspectivas e enfoques e não há dúvida de que uma análise mais rigorosa dessa produção permitiria conhecer o movimento interno de uma área de estudos em vias de consolidação e que ainda busca construir no plano teórico seu próprio objeto de estudo. Neste artigo, proponho tratar do Estado da Arte da produção sobre o ensino de sociologia, com foco nas teses de doutorado e nas dissertações de mestrado produzidas nos programas de pós-graduação. Com efeito, recente levantamento da produção acadêmica sobre o ensino de sociologia indica uma produção tendencialmente crescente a partir da década de 2000. Os dados revelam ainda o predomínio de teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação em educação, e minoritariamente em programas de pós-graduação em sociologia. Do ponto de vista das temáticas estudadas, os dados permitem identificar as problemáticas que vem acompanhando a trajetória de diferentes trabalhos sobre o tema. Proponho-me apresentar o Estado da Arte da produção acadêmica sobre o ensino de sociologia, levando em consideração a articulação dos três aspectos levantados acima, de modo a focar essa produção relacionando-a as condições sociais e institucionais em que foram produzidas. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 387

DIAGNÓSTICO DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O ENSINO DE SOCIOLOGIA Antes de iniciarmos, importa registrar que não é inédita a tentativa de sistematizar o Estado da Arte sobre o ensino de sociologia. Esse esforço já foi feito por Moraes (2003), que ainda que não tenha realizado um levantamento sistemático, observou de um modo geral uma descontinuidade e uma produção dispersa sobre a temática. Em seguida, temos de fato o primeiro levantamento dessa produção feito por Silva (2003) que realizou um mapeamento da produção relativa a estudos e artigos sobre o ensino de sociologia no nível médio e no nível superior de ensino, levantando a produção de artigos em periódicos, edições de livros sobre a temática e dissertações e teses nos programas de pós-graduação. O mais recente mapeamento foi feito por Santos, com colaboração de Maçaira (2010). 152 O trabalho realizado consiste no levantamento das dissertações de mestrado e das teses de doutorado defendidas nos programas de pós-graduação, entre os anos de 1993 e 2010. Observa-se um desequilíbrio nos levantamentos citados acima no tocante ao número de produções registradas, uma vez que o espaço de tempo entre cada um é relativamente grande, evidenciando um retrato diferenciado sobre a produção de conhecimento sobre o ensino de sociologia. Este fato por si só justifica a relevância de estudos que possam mapear e analisar sistematicamente essa produção, não somente pelo reconhecimento de que há uma produção que merece ser analisada, como também para compreendermos como essa área de estudos vem se consolidando. Com efeito, a escolha por realizar o Estado da Arte sobre o ensino de sociologia, a partir das dissertações e teses também se justifica por ser este o levantamento mais recente, possibilitando assim uma análise mais objetiva sobre o quadro atual. A reflexão sobre a produção do conhecimento sobre o ensino de sociologia na pós-graduação nos obriga a pensar a relação entre a educação e a pós-graduação no Brasil. Mais especificamente, no que diz respeito ao tema aqui tratado, podemos pensar 152 O levantamento foi realizado por Mario Bispo dos Santos, professor de sociologia da rede estadual de ensino do Distrito Federal, no âmbito do Curso de Especialização em Ensino de Sociologia, da Universidade Aberta do Brasil e teve a colaboração da professora Julia Polessa Maçaira, da Faculdade de Educação da UFRJ. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 388

nessa relação indagando os motivos que levaram a pesquisa sociológica a preterir as temáticas educacionais, deixando-as a cargo da pesquisa educacional. Em artigo em que analisa as condições sociais de produção da sociologia da educação, Cunha (1992) já constatava a desvalorização da educação como objeto de estudo para os cientistas sociais. O autor vai buscar na reforma universitária de 1968 alguns dos motivos para explicar porque temas educacionais de tamanha relevância teriam sido subestimados pelos sociólogos e tornado-se objetos de estudo da pesquisa educacional. Entre esses motivos, lembra que a fragmentação das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras e a consequente criação das Faculdades de Educação acabou por apartar os institutos e faculdades e isolar a produção do conhecimento educacional das demais áreas das ciências humanas. Não faz parte do escopo deste artigo aprofundar essa análise, mas me parece razoável considerar as questões levantadas por Cunha como uma pista para compreendermos as condições de produção acadêmica sobre o ensino de sociologia na pós-graduação. Como veremos a seguir, uma das primeiras constatações a ser feita sobre este campo de estudos é a de que o ensino de sociologia ainda não se constitui como um objeto de estudo das ciências sociais. É claro que neste caso, temos que considerar também fatores sociais e históricos que condicionaram o processo de escolarização no Brasil, em particular o papel do professor que ao longo de todo esse processo tem gozado de pouco prestígio social, fenômeno que se manifesta pela ideologia da apartação entre aqueles que pensam e aqueles que se limitam a ensinar. Passemos então a apresentar algumas características da produção acadêmica. A presença do ensino de sociologia como temática de pesquisa nos programas de pós-graduação ainda é relativamente nova, registrando-se em 1993 a primeira dissertação de mestrado sobre a temática. De lá para cá, foram contabilizadas trinta e três dissertações de mestrado e duas teses de doutorado, conforme a tabela abaixo. 153 153 Depois de concluído o levantamento feito por Santos, mais uma dissertação de mestrado foi defendida em 2010. Além disso, no processo de elaboração deste artigo, encontrei uma dissertação de mestrado defendida em 1999. Acrescentei essas duas produções no levantamento. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 389

TABELA 1 Teses e Dissertações 1993-2010 ANO DISSERTAÇÕES TESES TOTAL 1993 1 1 1994 1 1 1996 1 1 1999 2 2 2000 1 1 2001 2 2 2002 2 2 2003 2 2 2004 2 2 2005 1 1 2006 2 2 4 2007 3 3 2008 2 2 2009 9 8 2010 2 2 TOTAL 33 2 35 Tendo em vista os números acima, a primeira constatação a ser feita é que embora recente, a produção acadêmica sobre o ensino de sociologia vem mantendo um ritmo constante desde 1993. É interessante notar que esse dado contraria uma visão corrente nessa área de pesquisa de que ainda nos encontramos num estágio baixo de produção de conhecimento. Se compararmos, por exemplo, com as pesquisas sobre o ensino de história, veremos que, embora com muito mais tradição na área, o quadro geral é mais ou menos parecido. Num levantamento das dissertações e teses defendidas E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 390

entre 1988 e 2009, Bittencourt (2011) contabilizou 46 produções acadêmicas sobre o ensino de história. No quadro geral, a área de história concorre com um número bem mais significativo, contudo, se olharmos para as pesquisas que resultaram em dissertações de mestrado, a área de ensino de sociologia concorre com 33 dissertações, contra 26 da área de ensino de história. Se levarmos em conta o fato de que o período circunscrito por Bittencourt é de 21 anos, ou seja, superior ao levantamento da produção sobre o ensino de sociologia que é de 17 anos, a diferença é significativa. O desequilíbrio surge quando observamos o levantamento das teses, aí chama atenção as duas únicas pesquisas sobre o ensino de sociologia. Isso nos leva a pensar numa descontinuidade das pesquisas, se considerarmos que há uma tendência em dar prosseguimento no doutorado às pesquisas iniciadas no mestrado. Uma hipótese que pode explicar tal descontinuidade é a própria dinâmica de consolidação da área, uma vez que é a partir dos anos 2000 que podemos identificar um movimento mais orgânico da área, por meio da criação de espaços institucionais próprios para a discussão sobre o ensino de sociologia. A esse respeito, vale registrar que no momento, salvo engano, existem seis teses em andamento em programas de pós-graduação 154, o que nos leva a confirmar a hipótese de que realmente há um crescimento dessa produção também no nível de doutorado. Essa hipótese também pode ser confirmada quando examinamos a produção acadêmica por ano. O gráfico abaixo indica uma pequena produção que tem início nos anos 1990 e confirma uma tendência crescente a partir dos anos 2000. 154 As seis teses estão sendo elaboradas nas seguintes instituições: duas, no programa de pós-graduação em educação da USP; uma, no programa de pós-graduação em sociologia da UFPR, uma, no programa de pós-graduação em educação da PUC-RJ; uma no programa de pós-graduação em sociologia da UFRJ e uma, no programa de pós-graduação em educação da UERJ. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 391

Gráfico 1 Produção acadêmica (por ano) 1993-1996 (4) 2000-2005 (10) 2006-2010 (21) Deve-se destacar o contexto que pode ter favorecido o interesse pelas pesquisas sobre o ensino de sociologia a partir dos anos 2000. No plano político, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996 abriu um processo de intenso debate sobre a presença da sociologia no ensino médio, mobilizando entidades representativas dos cientistas sociais e de instituições acadêmicas em torno do que então se considerava uma ambiguidade da lei. 155 Muito embora situe o início dos anos 1980 como o período de mobilização de setores da sociedade em defesa do retorno da sociologia no ensino médio, Carvalho (2004) aponta o final dos anos 1990 como o período de maior mobilização, culminando com o projeto de Lei que alterava o artigo 36 da LDB, de 1996, tornando obrigatório o ensino de sociologia e filosofia em todas as escolas de ensino médio. Esse impasse intensificou a mobilização das entidades representativas de sociólogos que buscaram apoio no legislativo para a aprovação de um projeto de lei que alterasse o artigo 36 da LDB. Como se sabe, somente em 2008 esse processo foi definido com a aprovação da Lei 11.684 que passou a incluir as disciplinas Sociologia e Filosofia em todas as séries do ensino médio. 155 O artigo 36, parágrafo 1º, inciso III da LDB, determinava que ao final do ensino médio o educando deveria demonstrar domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania. Essa assertiva deu margem a várias interpretações, entre elas a do então Ministério da Educação que se apoiava na transversalidade do currículo para justificar ser desnecessária a inclusão da sociologia como disciplina, já que os seus conteúdos poderiam ser trabalhados de forma transversal pelas demais disciplinas escolares. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 392

No plano institucional, podemos registrar a partir dos anos 2000 um número crescente de iniciativas dos cursos de bacharelado e/ou licenciatura em ciências sociais, ou das faculdades de educação que vem a cada ano promovendo eventos de natureza acadêmica e científica sobre a formação do professor e o ensino de sociologia. Em vários estados, esses eventos já fazem parte da agenda acadêmica das instituições e vem reunindo um número cada vez maior de interessados. No âmbito das entidades representativas, temos visto crescer também os espaços de discussão, é o caso da criação do GT Ensino de Sociologia em 2005, no Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia e ainda no âmbito nacional, a realização do Encontro Nacional sobre Ensino de Sociologia, uma realização da SBS, por meio de sua Comissão de Ensino, que já vai para a sua segunda edição em 2011. Na esteira dessas iniciativas, tem se verificado um crescimento de publicações científicas, seja por meio de números temáticos de periódicos, seja pela própria publicação de livros reunindo artigos oriundos das comunicações nesses eventos. 156 Outro dado a destacar diz respeito às políticas de formação docente que receberam um impulso do governo federal a partir dos anos 2000. Algumas dessas iniciativas tiveram adesão de universidades e vários cursos de ciências sociais ou faculdades de educação, vêm desenvolvendo projetos inovadores visando a formação inicial e continuada dos professores de sociologia. Essas experiências têm favorecido uma articulação entre a universidade e a escola e trazendo novos atores para o debate sobre o ensino de sociologia. Aqui também encontramos um espaço de reflexão a partir dos resultados trazidos pelas experiências. 157 Com essa breve contextualização quero salientar um movimento importante de mobilização, tanto política como institucional que percorreu o processo de reintrodução da sociologia na educação básica. Seria muito pertinente para as pesquisas sobre o ensino de sociologia examinar mais detidamente a dinâmica desse processo, de modo a identificar as contradições e captar as motivações e os interesses dos diferentes atores envolvidos. De todo modo, parece razoável reconhecer que esse contexto exerceu 156 Vale dizer que esse processo tem sido marcado por tensões no próprio campo institucional, a partir do debate em torno das políticas de formação docente que acabam por tensionar a relação bacharelado e licenciatura, que em última instância se expressa na relação conflituosa entre pesquisa e docência. Não cabe aqui um aprofundamento dessa questão, mas ela é sem dúvida uma das mais importantes a ser enfrentada. 157 Refiro-me ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 393

influência sobre o interesse pelas pesquisas sobre o ensino de sociologia a partir dos anos 2000. Se de um modo geral podemos apontar os efeitos de uma determinada conjuntura política e institucional favorável ao incremento da produção acadêmica sobre o ensino de sociologia, por outro é interessante levar em conta as especificidades desse processo. Como se sabe, no tocante a esse aspecto é possível identificar uma irregularidade entre os estados no processo de reintrodução da sociologia nas escolas. Há estados que a despeito de ainda na década de 1980 terem aprovados projetos de lei, não lograram êxito em ver a sociologia implantada nas escolas e até mesmo no momento atual, se veem às voltas com obstáculos impostos por medidas que visam questionar e protelar a aplicação da legislação. 158 Também aí presenciamos um movimento de mobilização não só de entidades representativas, como também de atores mais diretamente envolvidos com a prática de ensino de sociologia, seja nas universidades, com os responsáveis pelas disciplinas de prática ou metodologia de ensino, seja com os próprios professores de sociologia no ensino médio. Dessa articulação vem se conformando uma comunidade científica, por meio da qual são pautadas as principais questões de debate sobre a temática. Há que se avaliar em que medida esse movimento mais próximo do dia a dia da sociologia nas escolas vem exercendo influência sobre a produção acadêmica sobre o ensino de sociologia. Vejamos o gráfico abaixo que contabiliza essa produção por estado. 158 É o caso, por exemplo, do estado de São Paulo que mesmo depois da aprovação da obrigatoriedade da sociologia no ensino médio, questionou o poder do Conselho Nacional de Educação diante da autonomia dos Conselhos Estaduais. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 394

Gráfico 2 Produção acadêmica (por estado) 16 14 12 10 8 6 4 2 0 São Paulo Rio de Janeiro Paraná Brasilia Santa Catarina Rio Grande do Sul Ceará Rio Grande do Norte Podemos constatar inicialmente que essa produção ainda está circunscrita a oito estados, com claro predomínio no estado de São Paulo, seguido do Rio de Janeiro. Se agruparmos os seis estados que apresentam maior concentração na produção acadêmica, é possível admitir que de fato há uma relação entre o interesse pelas pesquisas e a criação e intervenção de uma comunidade mais diretamente ligada às questões teóricas e práticas do ensino de sociologia. Se contabilizarmos o número de iniciativas no plano acadêmico e institucional, concluiremos que são exatamente esses estados que vem se envolvendo de maneira mais sistemática com as discussões sobre a formação do professor e o ensino de sociologia na educação básica. Os dados dessa mesma produção por estado, agrupados pelas universidades, conforme o gráfico abaixo confirmam a hipótese levantada acima, tendo em vista que de um modo geral, são essas instituições que têm se constituído no núcleo mais ativo no processo de discussão sobre o ensino de sociologia. 159 159 É preciso lembrar que em se tratando de dissertações de mestrado e teses de doutorado, é muito comum estudantes saírem de suas universidades de origem para fazer a pós-graduação em outra universidade/estado. Sendo assim, o gráfico em questão não consegue retratar fielmente a participação das instituições na produção acadêmica sobre o ensino de sociologia. A título de exemplo, podemos citar E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 395

Gráfico 3 160 É importante verificar também o quadro geral de produção acadêmica do ponto de vista dos programas de pós-graduação. O Gráfico abaixo assinala que as dissertações e teses foram produzidas em três programas Educação, Ciências Sociais / Sociologia e secundariamente em programas de outros campos disciplinares. 161 a Universidade Estadual de Londrina (UEL) que a despeito de não figurar no gráfico pode ser considerada uma das instituições de referência no acúmulo de discussão sobre a temática. 160 As cores indicam as instituições de um mesmo estado. 161 As duas dissertações foram produzidas no Programa de Pós-Graduação em Letras Linguagem e Sociedade, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e no Programa de Pós-Graduação em Ciências, no Instituto de Agronomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 396

Gráfico 4 Os dados acima revelam que o tema ensino de sociologia ainda é um objeto de investigação predominantemente da educação. Como já assinalei anteriormente, razões histórico-institucionais, por um lado e sociais, por outro, ajudam a explicar essa discrepância. Será preciso, no entanto, aprofundar essa análise, de modo a compreender também as razões epistemológicas desse fenômeno. Vale dizer, o caminho trilhado até aqui ainda não foi suficiente para forjar essa temática como um objeto de estudo das ciências sociais, o que implica necessariamente a definição da problemática em torno da qual possamos tratar os referenciais teóricos e metodológicos das pesquisas sobre o ensino de sociologia na educação básica. Podemos partir de uma análise preliminar da produção acadêmica para identificar as principais temáticas estudadas. Vejamos o que diz a tabela abaixo. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 397

Tabela 2 Será preciso analisar mais detidamente essa produção, mas por ora chamo a atenção para o predomínio de pesquisas de natureza empírica, assim como para pesquisas mais voltadas às investigações das práticas pedagógicas que envolvem o ensino de sociologia. Ainda são poucas as pesquisas que buscam pensar sociologicamente o ensino de sociologia. Penso que o mapeamento e a análise da produção acadêmica sobre o ensino de sociologia podem revelar elementos importantes para traçarmos a própria trajetória da história da sociologia na educação básica, se considerarmos que a produção do conhecimento sobre uma temática não está descolada do tempo e dos lugares em que ela foi gerada. Nesse sentido, não há dúvida que o acúmulo que se tem até o momento é a expressão de uma área de conhecimento que se encontra em um estágio de amadurecimento e de consolidação. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 398

CONCLUSÕES O objetivo deste artigo foi apresentar, ainda que de forma preliminar, o estado da arte da produção acadêmica sobre o ensino de sociologia notadamente as dissertações de mestrado e teses de doutorado. Não teve a pretensão, pois, de ser conclusivo, mas apresentar de forma sistematizada o quadro dessa produção e levantar alguns elementos que podem servir de análises futuras. É portanto, um ponto de partida. A partir desse objetivo central, o artigo procurou caracterizar um conjunto de pesquisas identificando o contexto de sua produção, assim como os lugares e a principais temáticas que têm balizado a área. Os dados apresentados revelam que a despeito de ainda ser incipiente, já é possível identificar uma tendência crescente dessa produção, tendência esta que nos permite reconhecer a formação de uma comunidade científica sobre o ensino de sociologia. Do ponto de vista da produção de conhecimento sobre o ensino de sociologia, verificamos que ainda faz-se necessário tomar essa temática como objeto de estudo das ciências sociais. Se, conforme busquei salientar, esta não é uma questão puramente epistemológica, mas ao contrário, implica em resolver as contradições entre pesquisa e docência, penso que ainda assim, um passo importante para o avanço desse processo é prosseguirmos desenvolvendo estudos que possam fornecer os elementos teóricos e práticos necessários para se pensar uma sociologia do ensino de sociologia. Creio que para isso, devemos começar por conhecer o que temos produzido, e esse foi o objetivo desse artigo. E d u c a ç ã o e S o c i e d a d e 399

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