UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS FMTAM MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS



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Transcrição:

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS FMTAM MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS FEBRE HEMORRÁGICA DA DENGUE E DENGUE COM COMPLICAÇÕES: ASPECTOS CLÍNICOS, EPIDEMIOLÓGICOS E LABORATORIAIS DOS CASOS NOTIFICADOS EM MANAUS, AMAZONAS, 2003 MARCELO CORDEIRO DOS SANTOS MANAUS 2004

MARCELO CORDEIRO DOS SANTOS FEBRE HEMORRÁGICA DA DENGUE E DENGUE COM COMPLICAÇÕES: ASPECTOS CLÍNICOS, EPIDEMIOLÓGICOS E LABORATORIAIS DOS CASOS NOTIFICADOS EM MANAUS, AMAZONAS, 2003 Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação da Universidade do Estado do Amazonas, para obtenção do grau de Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas. Orientador: Prof Dr ANTONIO RUFFINO NETO Orientador substituto: Prof Dr WORNEI SILVA MIRANDA BRAGA MANAUS 2004

ii FICHA CATALOGRÁFICA Santos, Marcelo Cordeiro dos. Febre hemorrágica da dengue e dengue com complicações: aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais notificados em Manaus, Amazonas, 2003/Marcelo Cordeiro dos Santos. Manaus, UEA/FMT, 2004. 44 p. il. Dissertação de Mestrado (Doenças Infecciosas e Tropicais) 1. Dengue 2. Febre hemorrágica 3. complicações I. Título

iii A minha filha Bruna, minha esposa Sabina e meus pais Targino e Márcia. Dedico-lhes este trabalho com todo meu amor e gratidão.

iv AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer imensamente a todos que direta ou indiretamente contribuíram para realização deste trabalho, em especial: Ao Dr. Bernardino Cláudio de Albuquerque, mestre e amigo, pelo incentivo, pelas críticas e sugestões e pelo exemplo profissional; Ao Prof. Antonio Ruffino Neto, orientador deste estudo, pela amizade, compreensão, críticas e sugestões que tanto contribuíram para o meu crescimento profissional; À Dra. Romina Oliveira, colaboradora deste trabalho, pela amizade, dedicação aos pacientes e competência profissional; Ao Prof. Wornei Braga, orientador substituto, pelas críticas e sugestões; Ao Dr. Marcus Barros, eterno exemplo de educador pelos ensinamentos; Ao Prof. Jose Carlos Ferraz da Fonseca, Diretor Presidente da FMT, pelo incentivo e confiança depositada; A Profa. Maria das Graças Barbosa, coordenadora do mestrado, pela paciência, sugestões e incentivo; A todos os colegas de mestrado pela convivência e solidariedade, em especial a amiga Rossicleia Lins Monte; Aos professores do mestrado pelos ensinamentos; A Dra. Maria Paula Mourão, pelo material bibliográfico cedido; A Dra. Ana Dourado, pela boa vontade na realização das USG; Aos amigos e funcionários do laboratório de arbovirologia da FMT pelo processamento das amostras; Aos colegas da pediatria pelo auxílio no manejo dos pequenos pacientes ; Aos funcionários do laboratório de análises clínicas da FMT; A todos os funcionários da unidade hospitalar pela dedicação aos pacientes;

v As Dras. Vera Márcia e Márcia Melo pela compreensão e ajuda na enfermaria feminina da FMT; Ao Dr. Marcus Guerra, pela amizade e pela acolhida na FMT quando aqui chegamos; A todos os preceptores da FMT pelos ensinamentos durante os anos; Aos médicos residentes, estudantes e pacientes; fontes de estímulo para seguirmos na vida acadêmica; A Dra. Lucia Alves da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus pelos dados fornecidos; Ao Dr. Helder Cavalcante, ex-secretário municipal de saúde pelo incentivo à este estudo; A Dra. Rosemary Pinto da Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas pelos dados fornecidos; As funcionárias da biblioteca da FMT pela ajuda no levantamento bibliográfico; Aos pacientes que participaram deste estudo, sem os quais nada seria realizado; À Sabina, esposa e amiga, pela inestimável ajuda na revisão deste trabalho; À Fundação de Medicina Tropical, Universidade Estadual do Amazonas e a SUFRAMA pela viabilização deste trabalho.

vi RESUMO A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 50 e 100 milhões de pessoas adoeçam por dengue anualmente no mundo. Cerca de 550 mil doentes necessitam de hospitalização e 24 mil evoluem para o óbito em conseqüência da doença. No Amazonas, duas grandes epidemias de dengue ocorreram em 1998 e 2001, sendo que nesta última, 55 casos de febre hemorrágica da dengue (FHD) foram identificados. No ano 2002, apesar da circulação de três sorotipos, nenhum caso de FHD no Amazonas foi notificado. Este estudo teve como objetivo descrever aspectos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais dos casos de FHD e de dengue com complicações (DCC) notificados em Manaus, Amazonas, no ano de 2003. Através de um estudo descritivo prospectivo, os pacientes atendidos na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT) e em outras duas unidades de saúde de Manaus, que preencheram os critérios de FHD da OMS e os de DCC da FUNASA durante o ano de 2003, foram analisados. Os pacientes foram submetidos a protocolo de acompanhamento que consistiu em avaliação clínica diária e pelo menos duas mensurações de hematócrito e plaquetas, além de exames bioquímicos, radiológicos e ultrassonográficos. Durante o período de estudo, 51 pacientes preencheram os critérios de FHD da OMS e três casos de DCC foram identificados em Manaus. Nos casos de FHD, a relação sexo feminino/masculino foi de 1.1/1, com uma média de idade de 25.1 anos. A proporção de casos na faixa etária abaixo de 15 anos foi de 28%. Os sinais e sintomas de maior prevalência foram febre, artralgia e mialgia. Do universo avaliado, 50 pacientes (98%) apresentaram manifestações hemorrágicas espontâneas, sendo que as hemorragias cutâneas (petéquias e equimoses) foram as mais encontradas. Quando avaliada a população feminina em idade reprodutiva, 61.9% apresentaram metrorragia, sendo neste grupo a manifestação hemorrágica mais prevalente. Quanto ao critério de gravidade da OMS, 90.2% dos casos foram classificados como grau II e nenhum caso como grau IV. Dos critérios de extravasamento plasmático preconizados pela OMS, a hipoalbuminemia foi o critério mais encontrado (presente em 94.1% dos casos). A queda do hematócrito acima de 20% pós-hidratação foi observada em apenas 19.8% dos casos. No período de estudo foram diagnosticados três casos de DCC, sendo um de hepatite, um de comprometimento do sistema nervoso central e um de púrpura trombocitopênica, todos de evolução benigna. Todos os casos de FHC e DCC foram confirmados através de sorologia específica para dengue (MAC-ELISA IgM). Não foram constatados óbitos nos casos estudados. Como conclusão, verificamos que a prevalência de FHD na faixa etária abaixo de 15 anos de idade em Manaus, no período estudado, foi maior do que a reportada por outras regiões do Brasil. A hipoalbuminemia foi o critério de extravasamento plasmático mais encontrado nos casos de FHD estudados. Salientamos ainda, que a estruturação de um serviço de referência para atendimento de pacientes com FHD e DCC mostrou-se eficaz para não ocorrência de óbitos no período de estudo. Palavras-chaves: febre hemorrágica da dengue - dengue com complicações - Manaus.

vii ABSTRACT The World Health Organization (WHO) esteem that between 50 and 100 million of people get sick for dengue annually in the world. About 550 thousand patients they need hospitalization and 24 thousand develop for the death as a consequence of the disease. In Amazonas, two dengue great epidemics occurred in 1998 and 2001, and in this last, 55 cases of dengue hemorrhagic fever (FHD) were identified. In year 2002, besides the circulation of three sorotypes, no FHD case in Amazonas was notified. This study had as goal describe epidemiologic, clinical and laboratorial aspects of the cases of FHD and of dengue with complications (DCC) notified in Manaus, Amazonas, in year of 2003. Through a prospective descriptive study, the patients assisted in to Foundation of Tropical Medicine of Amazonas (FMT) and in other two units of health of Manaus, who performed FHD of WHO criteria and the ones of DCC of National Foundation of Health (NFH) of Brazil during year of 2003, they were analyzed. The patients were submitted for accompaniment protocol that consisted in daily clinical evaluation and at least two mensurations of hematocrit and platelets, besides biochemical, radiological exams and ultrasonografics. During the study period, 51 patients performed FHD of WHO criterion and three DCC cases were identified in Manaus. In FHD cases, the sex relation female/male belonged to 1.1/1, with an age average 25.1 year. The proportion of cases in the of age band below 15 years belonged to 28%. The larger prevalence signals and symptoms were fever, arthralgia and myalgia. Of the evaluated universe, 50 patient (98%) introduced spontaneous bleeding manifestations, petechiae were the foundest. When evaluated the feminine population in reproductive age, 61.9% introduced vaginal bleeding, being in this group the manifestation more bleeding prevalent. Regarding the gravity criterion of OMS, 90.2% of the cases were classified as degree II and no case as degree IV. Of releasement criteria plasmatic praised by WHO, for hipoalbuminemia was foundest the criterion (present in 94.1% of the cases). The fall of hematocrit above 20% posthydration was observed in just 19.8% of the cases. In the study period were diagnosed three DCC cases, belonging one of hepatitis, one of implication of the central nervous system and one of purple trombocitopenic, all of benign evolution. All FHC cases and DCC were confirmed through sorology specific for dengue (MAC-ELISA IgM). Were not verified deaths in the studied cases. Like conclusion, we verify that FHD prevalence in the of age band below 15 years old in Manaus, in the studied period, it was larger than reported her by other Brazil's Regions. For hipoalbuminemia was releasement criterion plasmatic found most in FHD studied cases. Point out yet, which the structuring of a reference service for patients' assistance with FHD and DCC it showed effective for not deaths occurrence in the study period. Keywords: dengue hemorrhagic fever - dengue with complications - Manaus.

viii LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 Casos de dengue notificados em Manaus, 1998-2002. 10 FIGURA 2 Distribuição dos casos de febre hemorrágica da dengue em 2003 quanto ao mês de ocorrência. 18 FIGURA 3 Hemorragia conjuntival em caso de FHD. 22 FIGURA 4 Petéquias em caso de FHD. 22 FIGURA 5 Radiografia simples de tórax normal em caso de FHD. 25 FIGURA 6 FIGURA 7 USG de tórax do paciente da figura 6, realizado na mesma data, evidenciando derrame pleural. Distribuição relativa dos critérios indicativos de extravasamento plasmático nos 51 casos de FHD. 26 27

ix LISTA DE TABELAS TABELA 1 TABELA 2 TABELA 3 TABELA 4 TABELA 5 TABELA 6 Aspectos epidemiológicos dos 51 casos de febre hemorrágica da dengue notificados em Manaus, 2003. 19 Tempo decorrido entre o início do quadro febril e a suspeita clínica de febre hemorrágica da dengue em Manaus 2003 20 Freqüência, absoluta e relativa, dos sinais e sintomas dos casos de febre hemorrágica da dengue em Manaus 2003. 21 Freqüência absoluta e relativa de sinais de alerta nos casos de febre hemorrágica da dengue em Manaus 2003 21 Classificação dos casos de febre hemorrágica da dengue em Manaus 2003, quanto aos critérios de gravidade da OMS. 23 Perfil laboratorial dos 51 casos de febre hemorrágica da dengue notificados em Manaus, 2003. 24

x LISTA DE ABREVIATURAS ALT Alaninoaminotransferase DC Dengue clássico DEN Vírus dengue EAPD Equipe de acompanhamento de pacientes com dengue FHD Febre hemorrágica da dengue FMT Fundação de Medicina Tropical FUNASA Fundação Nacional de Saúde HT Hematócrito OMS Organização Mundial de Saúde SCD Síndrome do choque da dengue SEMSA Secretaria Municipal de Saúde SUSAM Superintendência de Saúde do Amazonas USG Ultrassonografia

xi SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 01 1.1 O AGENTE ETIOLÓGICO E OS VETORES 01 1.2 INFECÇÃO E DOENÇA 03 1.2.1 Infecção assintomática/oligossintomática 03 1.2.2 Febre indiferenciada 03 1.2.3 Dengue clássico 03 1.2.4 Febre hemorrágica da dengue/síndrome do choque da dengue 03 1.2.5 Dengue com complicações 05 1.3 FISIOPATOGENIA 06 1.4 DIAGNÓSTICO 08 1.5 TRATAMENTO 09 1.6 EPIDEMIOLOGIA 09 1.7 JUSTIFICATIVA 10 2 OBJETIVOS 12 3. METODOLOGIA 13 3.1 MODELO DE ESTUDO 13 3.2 UNIVERSO DE ESTUDO 13 3.2.1 População de referência 13 3.2.2 População de estudo 13 3.2.3 Participantes do estudo 13 3.2.4 Definição de caso de FHD 13 3.2.5 Dengue com complicações 14 3.3 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO 15 3.4 PROTOCOLO DE EXECUÇÃO 15 3.5 ANÁLISE DOS DADOS 17 4 RESULTADOS 18 4.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS 18 4.2 ASPECTOS CLÍNICOS 19 4.3 ASPECTOS LABORATORIAIS 23

xii 4.4 CRITÉRIOS INDICATIVOS DE EXTRAVASAMENTO PLASMÁTICO 26 4.5 DENGUE COM COMPLICAÇÕES 27 5. DISCUSSÃO 30 5.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS 30 5.2 ASPECTOS CLÍNICOS 31 5.3 ASPECTOS LABORATORIAIS 32 5.4 IMAGENOLOGIA 33 5.5 DENGUE COM COMPLICAÇÕES 33 5.6 CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUALIDADE DOS DADOS 34 5.7 CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DA DENGUE EM MANAUS 34 5.7.1 Endemização da FHD em Manaus 34 5.7.2 Recomendações e propostas para futuros trabalhos 35 CONCLUSÃO 36 BIBLIOGRAFIA 38 ANEXOS 42

1 INTRODUÇÃO A dengue é atualmente a mais importante arbovirose do mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 50 e 100 milhões de pessoas adoeçam anualmente. Cerca de 550 mil doentes necessitam de hospitalização e 24 mil evoluem para o óbito em conseqüência da doença. Afeta principalmente os paises de clima tropical, onde as condições de meio ambiente favorecem o desenvolvimento e a proliferação do Aedes aegypti, o principal mosquito transmissor (WHO, 1997). O Aedes aegypti foi erradicado diversas vezes do Brasil. Após sua reintrodução em 1976, instalou-se definitivamente no território brasileiro, sendo atualmente encontrado em todos os Estados (MS, 2002). Os primeiros relatos históricos sobre dengue creditam a Ilha de Java em 1779 e a Filadélfia (E.U.A.), em 1780, como locais dos primeiros casos. Porém, existem algumas evidências de que quadros semelhantes à doença tenham ocorrido na China desde o ano de 992 (GUZMAN e KOURI, 2002). 1.1 O AGENTE ETIOLÓGICO E OS VETORES Os vírus dengue (DEN) são descritos como pequenos vírus RNA com propriedades antigênicas diferentes caracterizando quatro sorotipos denominados vírus DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. A infecção com qualquer um dos sorotipos leva a uma doença febril conhecida como febre da dengue. Entretanto, em alguns casos, a infecção segue um curso mais grave com o aparecimento de hemorragias e/ou choque hipovolêmico, caracterizando a febre hemorrágica da dengue (FHD) e a síndrome de choque da dengue (SCD). A infecção por um tipo sorológico confere proteção parcial e temporária contra os outros sorotipos, sendo possível à ocorrência de infecções secundárias ou seqüenciais após um período relativamente curto (WHO, 1997). As primeiras amostras dos vírus foram isoladas durante a Segunda Guerra Mundial, a partir de soros de soldados que contraíram a infecção em Calcutá, Nova Guiné e Havaí. Os vírus provenientes da Índia, Hawaí e uma cepa de Nova Guiné foram antigenicamente semelhantes e denominadas de vírus DEN-1. Outras cepas de Nova Guiné apresentaram características antigênicas diferentes, permitindo a identificação do vírus DEN-2. Os vírus DEN-3 e DEN-4 foram isolados em 1956, durante epidemia de dengue ocorrida em Manila, Filipinas (WHO, 1997). Inicialmente, os vírus dengue foram classificados como Flavivirus do grupo B, gênero pertencente a família Togaviridade. Entretanto, foi demonstrado que embora morfologicamente similares aos membros desta família, os flavivírus apresentam diferenças

2 na estratégia de replicação e morfogênese. Atualmente, os vírus pertencem à família Flaviviridae e ao gênero Flavivirus, que reúne 68 espécies em oito grupos sorologicamente relacionados (quatro transmitidos por mosquitos, dois por carrapatos e dois sem vetores) e um grupo de vírus que não se classificam dentro destes sorogrupos por neutralização, onde se inclui o vírus da febre amarela (TSAI, 2000). Do ponto de vista epidemiológico os vírus dengue são classificados como arbovírus, pois são mantidos na natureza por um ciclo de transmissão envolvendo hospedeiros vertebrados e artrópodos hematófagos. A transmissão biológica se dá pela picada da fêmea do mosquito vetor, que ao se alimentar de sangue infectado fornece um mecanismo de transmissão salivar (ROSA et al., 1997). O homem, os primatas não-humanos e mosquitos do gênero Aedes são os hospedeiros naturais dos vírus dengue, sendo o homem o único a desenvolver a forma clínica da doença (WHO, 1997). Os vírus dengue são esféricos, envelopados, com aproximadamente 40-50 nm de diâmetro. O genoma é constituído por um RNA de fita simples, de polaridade positiva com cerca de 11 kb. O RNA viral é envolto por um nucleocapsídeo de simetria icosaédrica, composto por uma única proteína denominada C, circundada por uma bicamada lipídica associada às proteínas de membrana (M) e envelope (E). A proteína E forma projeções de cinco a 10 nm de comprimento, com terminações arredondadas de cerca de dois nm de diâmetro, ao longo da superfície externa do vírus (TSAI, 2000). A proteína E é a principal proteína estrutural do vírus e é responsável por atividades biológicas do ciclo viral, tais como: montagem da partícula viral, interação com receptores celulares e fusão de membrana, além de ser o principal alvo de anticorpos neutralizantes e possuir atividade hemaglutinante. As proteínas não estruturais NS1, NS3 e NS5 são as proteínas de maior peso molecular e mais conservadas entre os flavivirus. As proteínas NS2a, NS2b, NS4a e NS4b são pouco conservadas, mas possuem domínios hidrofóbicos similares entre os flavivirus (HALSTEAD, 1998). Os vetores pertencem ao gênero Aedes e o Aedes aegypti é a principal espécie na transmissão da doença. O Aedes albopictus é um importante vetor na Ásia, porém, apesar de ser sido identificado nas Américas, parece não ser efetivo para transmissão da dengue no ocidente (TAUIL, 2002). O Aedes aegypti é um mosquito totalmente adaptado ao meio urbano. Na sua fase larvária, vive em água limpa e parada. Em estudo realizado na cidade de Manaus, Amazonas, de 13.100 recipientes, 1,6% foram positivos para o Aedes aegypti, sendo que a maior positividade foi para garrafas e pneus (PINHEIRO e TADEI, 2002).

3 Cerca de oito a 12 dias após a picada no homem infectado, torna-se capaz de transmitir o vírus. Uma vez infectado, o vetor assim permanece até o final de sua vida (seis a oito semanas) (MS, 1996). 1.2 INFECÇÃO E DOENÇA 1.2.1 Infecção assintomática Em geral, a maioria dos casos de dengue são assintomáticos. A idade, estado imune e a constituição genética do indivíduo e ainda, a cepa viral e fatores ambientais poderiam influenciar no não surgimento de manifestações clínicas (WHO, 1997). 1.2.2 Febre indiferenciada Nos lactentes e crianças menores, a doença pode apresentar-se como uma doença febril inespecífica, com duração de um a cinco dias, podendo acompanhar-se de exantema, faringite, rinite e tosse, o que não permite diferenciá-la de outras infecções virais (WHO, 1997). 1.2.3 Dengue clássico (DC) O quadro clínico é muito variável. A primeira manifestação é a febre alta (39 a 40 ), de início abrupto, seguida de cefaléia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retroorbital, náuseas, vômitos, exantema e prurido cutâneo. Hepatomegalia dolorosa pode ocorrer ocasionalmente, desde o aparecimento da febre. Alguns aspectos clínicos dependem, com freqüência, da idade do paciente. A dor abdominal generalizada pode ocorrer, principalmente nas crianças. Os adultos podem apresentar pequenas manifestações hemorrágicas, como petéquias, epistaxe, gengivorragia, sangramento gastrointestinal, hematúria e metrorragia. A doença tem uma duração de cinco a sete dias. Com o desaparecimento da febre, há regressão dos sinais e sintomas, podendo ainda persistir a fadiga (WHO, 1997). 1.2.4 Febre hemorrágica da dengue (FHD)/Síndrome do choque da dengue Os sintomas iniciais são semelhantes aos da DC, porém evoluem rapidamente para manifestações hemorrágicas. Os casos típicos da FHD são caracterizados por febre alta, fenômenos hemorrágicos, hepatomegalia e insuficiência circulatória. Um achado laboratorial importante é a trombocitopenia com hemoconcentração concomitante. A principal característica fisiopatológica associada ao grau de gravidade da FHD é a efusão do plasma, que se manifesta através de valores crescentes do hematócrito (HT) e da

4 hemoconcentração. Entre as manifestações hemorrágicas, a mais comumente encontrada é a prova do laço positiva. A prova do laço consiste em se obter, através do esfigmomanômetro, o ponto médio entre a pressão arterial máxima e a mínima do paciente, mantendo-se esta pressão por cinco minutos; quando positiva aparecem petéquias sob o aparelho ou abaixo do mesmo. Se o número de petéquias for de 20 ou mais por polegada (2,3 cm 2 ), essa prova é considerada positiva (WHO, 1997). Nos casos graves de FHD, o choque geralmente ocorre entre o terceiro e sétimo dia de doença, geralmente precedido por dores abdominais. O choque é decorrente do aumento de permeabilidade vascular seguida de hemoconcentração e falência circulatória. É de curta duração e pode levar ao óbito em 12 a 24 horas ou à recuperação rápida após terapia antichoque apropriada (WHO, 1997). Os casos confirmados de FHD são classificados conforme o grau de gravidade, segundo os critérios da OMS: Grau I: febre acompanhada de sintomas inespecíficos, em que a única manifestação hemorrágica é a prova do laço positiva; Grau II: além das manifestações do Grau I, hemorragias espontâneas leves (sangramento de pele, epistaxe, gengivorragia e outros); Grau III: colapso circulatório com pulso fraco e rápido, estreitamento da pressão arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria e inquietação; Grau IV: ou Síndrome do Choque da Dengue (SCD) - choque profundo com ausência de pressão arterial e pressão de pulso imperceptível. É considerado caso confirmado de FHD, todo paciente com doença febril aguda com duração máxima de sete dias e com todos os critérios abaixo (WHO, 1997): I. Tendências hemorrágicas evidenciadas por pelo menos uma das seguintes manifestações: prova do laço positiva, petéquias, equimoses, púrpura, sangramento do trato gastrintestinal, de mucosas e outros; II. Trombocitopenia, caracterizada por contagem de plaquetas menor ou igual a 100 mil por mm3; III. Extravasamento plasmático por aumento da permeabilidade capilar, manifestado por aumento do HT de 20% sobre o valor basal ou queda do HT de 20% após tratamento e/ou presença de derrames cavitários (derrame pleural, derrame pericárdico, ascite) e/ou hipoproteinemia; IV. Confirmação laboratorial através de sorologia e/ou isolamento viral.

5 1.2.5 Dengue com complicações (DCC) Segundo a FUNASA, é todo caso que não se enquadre nos critérios de FHD e quando a classificação de DC é insatisfatória, dado o potencial de risco. Nessa situação a presença de um dos itens a seguir caracteriza o quadro: alterações neurológicas, como encefalite (VASCONCELOS, et al., 1998); disfunção cardiorrespiratória; insuficiência hepática; parotidite (TORRES, GONÇALVES e LIPRANT, 2000); plaquetopenia igual ou inferior a 50.000/mm3 (STROBEL, et al., 2001); hemorragia digestiva; derrames cavitários; leucometria global igual ou inferior a 1.000/mm3 e ainda, óbito. Manifestações clínicas menos freqüentes incluem as neurológicas e psíquicas tanto em adultos como em crianças caracterizadas por delírio, sonolência, coma, depressão, irritabilidade, psicose maníaca, demência, amnésia e outros sinais meníngeos, paresias, paralisias (polineuropatias, síndrome de Reye, síndrome de Guillain-Barré) e encefalite (LUM et al., 1996). Surgem no decorrer do período febril ou mais tardiamente, na convalescença (MS, 2002). A classificação da dengue, segundo a OMS, é retrospectiva e depende de critérios clínicos e laboratoriais, que nem sempre estão disponíveis precocemente, sobretudo para os casos de dengue clássica com complicações. Estes critérios não permitem o reconhecimento de formas potencialmente graves, para as quais é crucial a instituição precoce de tratamento. Pelos motivos expostos, a FUNASA preconizou em 2002 a adoção do estadiamento clínico para uma abordagem clínico-evolutiva, baseada no reconhecimento de elementos clínico-laboratoriais e de condições associadas que podem ser indicativos de gravidade, com o objetivo de orientar a conduta terapêutica adequada para cada situação. Grupo A a) Febre por até sete dias, acompanhada de pelo menos dois sinais e sintomas inespecíficos (cefaléia, prostração, dor retroorbitária, exantema, mialgia, artralgia) e história epidemiológica compatível; b) Ausência de manifestações hemorrágicas (espontâneas e induzidas, como a prova do laço); c) Ausência de sinais de alerta. Grupo B a) Febre por até sete dias, acompanhada de pelo menos dois sinais e sintomas inespecíficos (cefaléia, prostração, dor retroorbitária, exantema, mialgia, artralgia) e história epidemiológica compatível;

6 b) Manifestações hemorrágicas (espontâneas e induzidas, como a prova do laço) sem repercussão hemodinâmica; c) Ausência de sinais de alerta. Grupo C e D a) Febre por até sete dias, acompanhada de pelo menos dois sinais e sintomas inespecíficos (cefaléia, prostração, dor retroorbitária, exantema, mialgia, artralgia) e história epidemiológica compatível; b) Presença de algum sinal de alerta e/ou; c) Choque (característico do grupo D); d) Manifestações hemorrágicas presentes ou ausentes. São considerados sinais de alerta os seguintes: a) Dor abdominal intensa e contínua; b) Vômitos persistentes; c) Hipotensão postural; d) Hipotensão arterial; e) Pressão diferencial < 20 mmhg (PA convergente); f) Hepatomegalia dolorosa; g) Extremidades frias, cianose; h) Pulso rápido e fino; i) Agitação e/ou letargia; j) Diminuição da diurese; k) Diminuição repentina da temperatura corpórea ou hipotermia (temperatura axilar < 35,5 C); l) Aumento repentino do HT. 1.3 FISIOPATOGENIA Ao penetrar no organismo, os vírus inoculados são imediatamente captados por células dendríticas imaturas, cuja afinidade pelos flavivírus é excepcional, maior até do que a afinidade dos monócitos humanos, que são infectadas cerca de seis horas após a penetração do vírus no corpo, inclusive com indução de apoptose celular (ESPINA et al.,

7 2003). A seguir, ocorre maturação vírus-induzida destas células, que migram, então, para os linfonodos mais próximos e outros órgãos linfóides como baço, fígado e medula óssea, quando ocorre a apresentação de antígenos aos linfócitos. É possível que numa fase de defervescência, estas células dendríticas infectadas pelo vírus possam migrar para a pele (onde são chamadas de células de Langerhans), determinando aí um exantema máculopapular característico da doença (HALSTEAD, 1998). Em resumo, o vírus tem predileção especial por fagócitos mononucleares e demais células do sistema retículo-endotelial. Após ligação do vírus à célula hospedeira, existe desnudamento viral e o conteúdo genético é inserido ao conteúdo genético da célula hospedeira. Quando da saída de mrna, a síntese protéica ocorre em uma vesícula com dupla membrana associada ao retículo endoplasmático (GUBLER e KUNO, 1999). A principal hipótese de que a FHD seria devida a uma resposta auto-destrutiva do hospedeiro, baseava-se no fato de que as pessoas estavam previamente sensibilizadas por uma infecção prévia pelo vírus do dengue (HALSTEAD, 1988 e 1998). As principais evidências a favor desta hipótese eram: a) Pacientes com FHD tinham resposta de IgG tipo secundário; b) A SCD só acorria em áreas com pelo menos dois tipos de vírus da dengue seqüencialmente ou simultaneamente endêmicos; c) Não havia sido associado nenhum tipo de vírus específico à forma de FHD; d) A FHD não era vista em residentes recentes de áreas endêmicas, e quando estes eram infectados, desenvolviam a forma primária ou clássica. Estudos experimentais in vitro evidenciam que células endoteliais de veia umbilical humana, quando infectadas pelo vírus do dengue, produzem maior quantidade de IL-6 e IL- 8, as mesmas citocinas que estão mais elevadas nos pacientes com FHD, se comparados aos pacientes com dengue clássico. O dado é compatível com a observação clínica de que a agressão endotelial é a lesão de base para desencadear o processo fisiopatogênico da FHD, resta saber se existe agressão endotelial direta in vivo ou se existe outro mecanismo de estimulação endotelial para a produção de tais citocinas (HALSTEAD, 1998). Segundo a teoria de Halstead, uma primeira infecção pelo vírus do dengue induziria a produção de células de memória CD4 + e CD8 +, as quais, numa segunda infecção por vírus diferente, já que a imunidade a um tipo viral é permanente (ou seja, não se pode infectar por um mesmo tipo de vírus mais de uma vez), as células de memória facilitariam a entrada do vírus responsável pela nova infecção, rapidamente opsonizado, nas células mononucleares. Para tanto, é necessário que haja alguma semelhança imunológica entre o vírus que inicialmente causou a infecção e o vírus da segunda infecção.

8 A plaquetopenia é dado clínico freqüente nos pacientes com dengue clássico (sendo mais intensa nos primeiros dias da doença) e FHD, sendo inclusive critério necessário para a definição desta última forma. Entre os fatores que contribuem para esta alteração hematológica está a diminuição da síntese de plaquetas pelos megacariócitos, na medula óssea, e a replicação do vírus do dengue nas células hematopoiéticas. No entanto, demonstrou-se a mediação imunológica da plaquetopenia através da ligação de C3 e imunoglobulinas na superfície das plaquetas de pacientes com dengue, diminuindo, assim, sua meia-vida (GUBLER e KUNO, 1999). Em relação às alterações hemodinâmicas da FHD, apesar da fisiopatogenia clássica de perda de plasma devido à fragilidade vascular, parece haver uma diminuição do débito cardíaco durante a FHD, mas seu mecanismo permanece obscuro. Aparentemente há diminuição da pré-carga, acompanhada de diminuição do desempenho ventricular esquerdo e possível bradicardia reativa (KHONGPHATTHANAYOTHIN et al., 2003). Ainda sem uma completa definição dos fatores de risco, ou mesmo se a participação conjunta de vários deles seria responsável pela forma de FHD, pode-se apontar associações com fatores de risco individuais (idade, sexo, raça, estado nutricional, infecção secundária, resposta anormal do hospedeiro), fatores de risco epidemiológicos (número de pessoas susceptíveis, densidade vetorial, circulação viral, hiperendemicidade) e fatores de risco relacionados ao próprio agente viral (virulência da cepa e sorotipo) (GUZMAN e KOURI, 2002). Estudo realizado em Niterói-RJ, a hipertensão arterial esteve associada a 51,7% dos casos de FHD (CUNHA, 1997). 1.4 DIAGNÓSTICO O diagnóstico laboratorial da dengue tem como finalidade: confirmação laboratorial da doença, identificação de sorotipo (s) circulante (s) e determinação dos níveis de transmissão da doença por meio de inquéritos soro-epidemiológicos. Há dois métodos fundamentais para estabelecer o diagnóstico: o virológico e o sorológico. O virológico pode ser realizado pelo isolamento do vírus ou pela detecção de antígenos virais e/ou ácido nucléico viral. O isolamento do vírus é específico do sorotipo e é realizado através da inoculação de sangue e derivados ou tecidos de paciente, colhidos até o quinto dia de doença, em culturas celulares (células de mosquitos ou vertebrados) ou camundongos. Uma vez isolados, os vírus são identificados utilizando anticorpos monoclonais específicos de sorotipo pelo teste de imunofluorescência indireta (WHO, 1997). O diagnóstico sorológico complementa o diagnóstico virológico ou, quando este não é possível, serve como meio alternativo de diagnóstico. Existem várias técnicas que podem ser empregadas, porém o MAC-ELISA é o método mais utilizado, pois é suficiente uma

9 única amostra para o diagnóstico, colhida após o quinto dia de doença. Baseia-se na detecção de anticorpos IgM específicos da dengue, não diferenciando sorotipos (WHO, 1997). 1.5 TRATAMENTO Não há tratamento específico para a dengue, o que o torna eminentemente sintomático ou preventivo das possíveis complicações. A conduta terapêutica deve ser guiada pelo estadiamento clínico do paciente, ou seja, a quantidade e a velocidade da reposição hídrica está diretamente relacionada à presença ou não de hipotensão arterial. Pacientes sem repercussão hemodinâmica poderão ser tratados com administração de líquidos por via oral (MS, 2002). 1.6 EPIDEMIOLOGIA Dengue é reconhecida como uma doença endêmica em várias regiões do mundo. Todos os países do pacífico oeste e sudeste asiático reportaram casos de FHD durante a década de 80, no século XX, num total de 1.946.465 e 23.793, respectivamente. Nessas regiões ocorre circulação dos quatro sorotipos, acometendo preferencialmente crianças, pois representam uma grande população de suscetíveis. Na África tropical, apresenta-se de maneira semelhante ao sudeste asiático, porém, acomete com menor intensidade as regiões de clima temperado do norte da África e do Mediterrâneo na Europa (WHO, 1997). Nas Américas, epidemias de DC ocorreram no Caribe e América do Norte nos anos de 1963-64, 1968-1969, 1972-1975 e 1977-1978. Apesar de alguns relatos de casos suspeitos de FHD até o final da década de 70, apenas em 1981 se registrou, em Cuba, a primeira epidemia, onde foram notificados 344.203 casos de dengue, sendo que 10.312 classificados como FHD grave, segundo os critérios de gravidade da OMS (Grau III e IV). Durante a epidemia, ocorreram 158 óbitos, sendo que 101 em crianças (VALDEZ, 1997). Na Venezuela, no período de 1989 a 1993, 11.260 casos de FHD foram notificados, com 136 óbitos. Os sorotipos envolvidos foram DEN-1, DEN-2 e DEN-4. Atualmente, dengue é endêmica em toda a América Latina, excetuando-se Chile, Uruguai e Argentina (OPAS, 2001). No Brasil, os primeiros relatos sobre a ocorrência de dengue datam de 1845 no Rio de Janeiro. Ainda no século XIX, há registros de duas epidemias em 1846-1848 e 1851-1853. No século XX foram relatadas duas epidemias em 1916 e 1923. Todas estas foram descritas sem evidências laboratoriais do vírus dengue (NOBRE et al., 1994). A dengue foi primeiramente identificada no Brasil em 1981, no Estado de Roraima e desde então tem se tornando endêmica em quase todos os Estados, com surtos epidêmicos

10 regulares de DC e também de FHD. Nos anos de 2000, 2001 e 2002 foram notificados no país 239.870, 428.116 e 794.013 casos, respectivamente, números que demonstram a ineficácia das medidas de controle. Sabemos hoje que há circulação dos vírus DEN-1, DEN- 2 e DEN-3, sendo que na maioria dos Estados acometidos há circulação concomitante de mais de um destes vírus (MS, 2003). No Amazonas, em janeiro de 1998 foram identificados os primeiros casos DC pelos vírus DEN-1 e DEN-2 na cidade de Manaus, culminando com uma grande epidemia neste ano, sendo notificados 13.869 casos da doença (Figura 1). Nos anos subseqüentes, 1999 e 2000, esta doença se manteve de forma endêmica, com a circulação dos mesmos sorotipos virais, sendo nestes dois anos notificados 10.959 e 5.209 casos de dengue, respectivamente. No entanto, ao final do ano 2000 (novembro/dezembro), observou-se aumento significativo do número de casos de DC e em janeiro de 2001 se identificam os primeiros casos de FHD na cidade de Manaus, totalizando 55 casos de FHD e 19.827 casos de DC neste ano (MOURÃO et al., 2002; MS, 2003). O ano de 2002, em relação a 2001, foi marcado pela redução significativa dos casos de DC (2.063 casos notificados em 2002), ausência de casos de FHD e ainda, introdução do DEN-3 ao final do ano em Manaus (MS, 2003). 20000 18000 2001 16000 14000 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 1998 1999 2000 Anos 2002 1998 1999 2000 2001 2002 Figura 1: Casos de dengue notificados em Manaus, 1998-2002.

11 1.7 JUSTIFICATIVA Um dos principais fatores para a ocorrência de formas graves de dengue é a ocorrência de epidemias em seqüência por diferentes sorotipos. Considerando que Manaus vivenciou nos últimos quatro anos duas epidemias de dengue pelos sorotipos DEN-1 e DEN- 2, ocorrendo na segunda epidemia 55 casos de FHD, pode-se supor que com a entrada do sorotipo DEN-3, a probabilidade de ocorrência de uma nova epidemia, com formas graves da doença, é extremamente elevada. Somam-se as condições climáticas favoráveis para a proliferação do vetor, uma população suscetível a esse novo sorotipo e a possível introdução do sorotipo DEN-4 através de países vizinhos. Prevendo tal situação, a diretoria de assistência médica da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT) estruturou uma equipe de profissionais médicos, com experiência no manejo de pacientes com FHD, para conduzir o diagnóstico e tratamento dos possíveis casos que viessem a ocorrer. Nada mais oportuno, portanto, que o acompanhamento desses pacientes resultasse no presente estudo.

12 2. OBJETIVOS 2.1 GERAL Descrever aspectos epidemiológicos, clínicos e laboratoriais dos casos de febre hemorrágica da dengue (FHD) e de dengue com complicações (DCC) notificados em Manaus, Amazonas, no ano de 2003. 2.2 ESPECÍFICOS Caracterizar os casos quanto à faixa etária, gênero, raça e procedência. Estudar a proporção de FHD em relação aos casos de dengue clássico (DC) notificados. Estimar a letalidade da FHD. Cotejar os critérios diagnósticos de FHD encontrados com os critérios da OMS. Caracterizar clinicamente e laboratorialmente os casos de DCC.

13 3 METODOLOGIA 3.1 MODELO DE ESTUDO O presente trabalho foi realizado através de um estudo descritivo prospectivo, durante todo ano de 2003, em pacientes referenciados e da demanda espontânea da FMT e ainda, pacientes identificados em outras unidades de saúde de Manaus. 3.2 UNIVERSO DE ESTUDO 3.2.1 População de referência Foram considerados como população de referência, pacientes com síndrome febril, com até sete dias de duração, acompanhada de pelo menos uma manifestação hemorrágica. 3.2.2 População de estudo Pacientes atendidos na FMT, unidade referência do estado do Amazonas para doenças infecciosas e parasitárias, que preenchessem os critérios diagnósticos de FHD e DCC e os casos de FHD e DCC notificados por outras unidades de saúde da cidade de Manaus. 3.2.3 Participantes do estudo Todos os casos notificados a Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) que satisfizeram as definições de casos de FHD e DCC foram incluídos no estudo. Os casos notificados por outras unidades que não a FMT foram analisados conjuntamente por terem sido acompanhados pelo pesquisador responsável. Foram considerados casos de FHD e de DCC os que além de preencherem as definições de casos da OMS e FUNASA, tiveram a confirmação laboratorial de dengue através de sorologia (MAC-ELISA IgM positiva). 3.2.4 Definição de caso de FHD Foi considerado como caso de FHD, paciente com doença febril aguda com duração máxima de sete dias e com todos os critérios abaixo:

14 Tendências hemorrágicas evidenciadas por pelo menos uma das seguintes manifestações: prova do laço positiva, petéquias, equimoses, púrpura, sangramento do trato gastrintestinal, de mucosas e outros; Trombocitopenia, caracterizada por contagem de plaquetas menor ou igual a 100 mil por mm3; Extravasamento plasmático por aumento de permeabilidade capilar, manifestado por aumento do HT de 20% sobre o valor basal ou queda do HT de 20% após tratamento e/ou presença de derrames cavitários (derrame pleural, derrame pericárdico, ascite) e/ou hipoproteinemia. Confirmação laboratorial através de sorologia e/ou isolamento viral. Além de preencher os critérios acima, os casos de FHD foram classificados em quatro categorias, segundo a OMS: Grau I: febre acompanhada de sintomas inespecíficos, em que a única manifestação hemorrágica foi a prova do laço positiva; Grau II: além das manifestações do Grau I, hemorragias espontâneas leves (sangramento de pele, epistaxe, gengivorragia e outros); Grau III: colapso circulatório com pulso fraco e rápido, estreitamento da pressão arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria e inquietação; Grau IV: ou Síndrome do Choque da Dengue (SCD) - choque profundo com ausência de pressão arterial e pressão de pulso imperceptível. 3.2.5 Dengue com complicações (DCC) Foram considerados como DCC todo caso de dengue não enquadrado nos critérios de FHD e que a classificação de dengue clássica foi insatisfatória, tais como: plaquetopenia abaixo de 50.000/mm3; leucopenia abaixo de 1.000/mm3; colecistite acalculosa evidenciada pela ultrassonografia; púpura trombocitopênica caracterizada pela manutenção de plaquetopenia após o quadro de dengue;

15 hepatite, definida pela elevação das aminotransferases acima de 500 U/ml; encefalite caracterizada por sintomatologia neurológica associada a sorologia e/ou isolamento viral positivo em líquido cefalorraquidiano; Síndrome de Guillain-Barré; miocardite evidenciada através de alterações eletrocardiográficas e/ou ecocardiográficas; parotidite caracterizada pelo aumento das parótidas pela ultrassonografia. 3.3 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO Foram excluídos os pacientes que não preencheram os critérios da OMS de FHD e os critérios de DCC da FUNASA. 3.4 PROTOCOLO DE EXECUÇÃO A Superintendência de Saúde do Estado do Amazonas (SUSAM) estabeleceu, no final de 2002, que durante o ano de 2003, a FMT seria a unidade referência apenas para as formas graves de dengue. As unidades de saúde só deveriam encaminhar para a FMT os casos de maior gravidade, particularmente os pacientes com algum tipo de hemorragia. Visando a identificação precoce dos casos nas unidades, a SUSAM coordenou conjuntamente com os técnicos da FMT treinamentos para os profissionais da rede de assistência quanto ao diagnóstico e tratamento da doença. Para atender a possível demanda de FHD em 2003, a Diretoria de Assistência Médica da FMT estruturou sua unidade hospitalar, destinando leitos exclusivos para dengue e instituindo uma equipe formada por um médico infectologista e uma médica residente para o acompanhamento dos pacientes. Os nomes dos membros da equipe de acompanhamento de pacientes com dengue (EAPD), com seus respectivos telefones foram amplamente divulgados no âmbito da FMT, com o objetivo de se garantir a ação imediata da equipe. Os pacientes encaminhados pelas unidades da rede de assistência da cidade de Manaus ou da demanda espontânea da FMT foram inicialmente atendidos pelas equipes de plantão do pronto atendimento da FMT. Quando formulada pela equipe a hipótese de FHD ou DCC, a EAPD era então informada. Além disto, a EAPD realizou busca ativa de casos de FHD e DCC na unidade hospitalar da FMT. A partir da identificação de caso suspeito de FHD ou DCC a EAPD seguiu o seguinte protocolo de acompanhamento:

16 Rigorosa avaliação clínica inicial, buscando-se a identificação de comorbidades, hemorragias espontâneas, sinais de alerta e instabilidade hemodinâmica. Os pacientes sem manifestação hemorrágica espontâneas foram submetidos à prova do laço, com o objetivo de se identificar fragilidade capilar. Atenção especial foi dada ao diagnóstico diferencial com outras patologias, principalmente malária (todos os pacientes foram submetidos à pesquisa de plasmódio pelo método da gota espessa). Os pacientes com sinais de alerta, hemorragias de vulto e instabilidade hemodinâmica (classificação Grau III da OMS) foram submetidos à aferição do HT a cada três horas. Nestes pacientes, além do HT, foram realizadas radiografias de tórax, ultrassonografia de tórax e/ou abdome e dosagem dos níveis de plaquetas e de albumina, até a estabilização do quadro clínico. Os pacientes classificados como Grau I e II, ou seja, de menor gravidade, foram submetidos a exames bioquímicos, radiograma de tórax e ultrassonografia, de acordo com a indicação clínica e a disponibilidade dos mesmos, sendo que pelo menos duas mensurações de hematócrito e plaquetas foram realizadas durante a permanência na instituição. Preenchimento da ficha de acompanhamento de pacientes com dengue (em anexo) com os dados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais encontrados. Coleta de soro após o quinto dia de evolução para realização de sorologia para dengue pelo método MAC-ELISA IgM. Devido à contaminação dos meios de cultura do laboratório de arbovirologia da FMT, não foi possível a realização de isolamento viral. Para caracterização do extravasamento plasmático foram considerados os seguintes: Queda do HT acima de 20% do valor inicial após hidratação com cristalóides por via endovenosa ou através de soro de rehidratação oral, e/ou; Presença de hipoalbuminemia, caracterizada pela dosagem da albumina plasmática abaixo do valor referência pelo método enzimático (<3.5 g/dl), e/ou; Presença de derrame cavitário, visualizado através da radiografia de tórax e/ou ultrassonografia. Os casos de FHD atendidos em outras unidades de saúde (apenas no Hospital Santa Júlia e na Unimed Manaus foram notificados casos de FHD) foram submetidos ao mesmo protocolo de execução utilizado na FMT.

17 Os exames hematológicos e bioquímicos dos pacientes atendidos na FMT foram realizados no laboratório de análises clínicas (LAC), radiológicos e ultrassonográficos no serviço de radiologia e sorológicos, no laboratório de arbovirologia. Com exceção da sorologia, os exames laboratoriais dos pacientes do Hospital Santa Júlia e da Unimed foram realizados pelos respectivos serviços. Os pacientes com diagnóstico confirmado de FHD foram classificados segundo o critério de gravidade da OMS (grau I, II, III e IV). Para a conduta terapêutica dos pacientes incluídos no estudo, foi utilizado o manual de tratamento da FUNASA (2002). Para o cálculo da proporcionalidade dos casos de FHD em relação aos casos de DC, foi utilizada a seguinte fórmula: no. de casos de FHD notificados em Manaus - 2003 X 100 casos de dengue notificados a SEMSA em Manaus - 2003 3.5 ANÁLISE DOS DADOS Os dados oriundos dos questionários foram armazenados e analisados pelo programa Epi-Info 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, CDC, Atlanta, Geórgia, EUA), sendo apresentados através de tabelas e gráficos. Foram aplicados os testes de proporção e do qui-quadrado (x²) para as variáveis categóricas e coeficiente de correlação e teste de diferenças de médias para as variáveis quantitativas.

18 4. RESULTADOS 4.1 ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS Durante o ano de 2003 foram notificados em Manaus 4.136 casos de dengue (SEMSA, 2004). Dentro deste universo, 70 casos foram considerados suspeitos para FHD, e destes, 51 preencheram os critérios da OMS. A proporção de casos de FHD/DC foi de 1.3%. Todos os casos de FHD no ano de 2003 ocorreram no 1º. semestre, sendo que a maioria nos meses de março, abril e maio (figura 2). Quarenta e sete casos foram atendidos na Fundação de Medicina Tropical, três no Hospital Santa Júlia e um na Unimed. Os 51 casos foram analisados conjuntamente, pois todos foram avaliados pelos pesquisadores envolvidos com o projeto. 25 20 No. de casos 15 10 5 0 jan. fev. março abr. mai. jun. jul. ago. set. out. nov. dez. Figura 2: Distribuição dos casos de febre hemorrágica da dengue em 2003 quanto ao mês de ocorrência. Os casos estudados estão caracterizados na tabela 1 quanto aos aspectos epidemiológicos. Não foi identificada diferença estatisticamente significante entre a média de idade entre os sexos (p= 0.9) e aproximadamente 30% dos casos ocorreram na faixa etária abaixo dos 15 anos de idade. Quanto à procedência geográfica dos casos, ocorreram casos de FHD em todas as zonas urbanas de Manaus.

19 Tabela 1: Aspectos epidemiológicos dos 51 casos de febre hemorrágica da dengue notificados em Manaus, 2003. Sexo No. (%) Feminino 27 (52.9) Masculino 24 (47.1) Raça No. (%) Não branca 40 (78.4) Branca 11 (21.6) Idade Anos No (%) 01 06 06 (17.6) 06 11 06 (17.6) 11 16 03 (05.9) Total 15 15 (100%) 15 15 (29,4) > 15 36 (70,6) Total 51 (100%) Média 25,1 (± 16,1) Mediana 23 (01 64) Procedência Zona No. (%) Sul 11 (21.6) Centro-oeste 09 (17.6) Leste 08 (15.6) Centro-Sul 08 (15.6) Oeste 08 (15.6) Norte 07 (13.7) Total 51 (100.0) 4.2 ASPECTOS CLÍNICOS A maioria dos pacientes com FDH (80.3%) foi admitida entre o quinto e o sétimo dia de evolução da doença, com uma média de 5.8 dias de evolução (Tabela 2). Os sinais e sintomas mais prevalentes foram febre, artralgia e mialgia (Tabela 3), sendo possível identificar 24 pacientes (47%) com sinais de alerta à admissão (Tabela 4).

20 Tabela 2: Tempo decorrido entre o início do quadro febril e a suspeita clínica de febre hemorrágica da dengue em Manaus, 2003. Dias de evolução No. de casos (%) 04 06 (11.8) 05 14 (27.5) 06 19 (37.3) 07 08 (15.7) 08 04 (7.8) Total 51 (100,0) Média (dias) 5.8 (± 1.2) Mediana (dias) 06 Moda (dias) 06 Em relação às manifestações hemorrágicas encontradas, 50 pacientes (98%) apresentaram hemorragias espontâneas à admissão (Figura 3 e 4), sendo que em 26 pacientes (52%) apresentaram uma manifestação apenas, 22 pacientes (44%) duas manifestações e quatro pacientes (8%) três manifestações hemorrágicas. Em um dos casos de FHD, a fragilidade capilar pôde ser caracterizada pela prova do laço positiva. Quando analisada a totalidade de casos, as hemorragias cutâneas (petéquias e equimoses) foram as mais prevalentes (58.8% dos casos). Porém, no grupo das mulheres em idade fértil, a metrorragia foi a manifestação mais encontrada (presente em 61.9% das mulheres em idade fértil). Não foram identificadas, nos casos estudados, comorbidades como hipertensão arterial, asma e alergias.

21 Tabela 3: Freqüência, absoluta e relativa, dos sinais e sintomas dos casos de febre hemorrágica da dengue em Manaus, 2003. Manifestação clínica No. de casos (%) Febre 51 (100.0) Artralgia 42 (82.4) Mialgia 40 (78.4) Cefaléia 39 (76.5) Exantema 33 (64.7) Hemorragia cutânea 1 30 (58.8) Dor retroorbitária 24 (47.1) Vômitos 24 (47.1) Dor abdominal 22 (43.1) Metrorragia 13 (26.0) Gengivorragia 10 (19.6) Diarréia 10 (19.6) Epistaxe 07 (13.7) Hepatomegalia 06 (11.7) Hemorragia digestiva 2 04 (7.8) Outras hemorragias 3 09 (17.6) (1) petéquias e equimoses (2) hematêmese e enterorragia (3) hemorragia conjuntival, hemoptóicos e prova do laço positiva Tabela 4: Freqüência absoluta e relativa de sinais de alerta nos casos de febre hemorrágica da dengue em Manaus, 2003. Sinal de Alerta* No. de casos (%) Dor abdominal intensa 22 (43.1) Hepatomegalia dolorosa 06 (11.7) Hipotensão 04 (7.8) * 24 (47.0%) pacientes apresentaram sinais de alerta