A Formação do Professor de Matemática: Algumas indicações para o desenvolvimento profissional permanente.

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Transcrição:

A Formação do Professor de Matemática: Algumas indicações para o desenvolvimento profissional permanente. Paulo Cézar de Faria Doutorando em Educação Matemática na Universidade Federal do Paraná UFPR, Setor de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Coordenador de Projetos relacionados à elaboração de material didático no Centro de Pesquisas Educacionais Positivo. pc.faria@ibest.com.br, pfaria@positivo.com.br Ao desenvolvermos a dissertação de Mestrado em Educação na Universidade Federal do Paraná FARIA (1996), observamos que o modelo convencional de formação inicial de professores de Matemática em nosso país era ineficaz. Constatamos que o funcionamento dos cursos de licenciatura como apêndice do bacharelado, não permitia uma formação básica de qualidade ao futuro professor. Verificamos que as licenciaturas eram orientadas por uma concepção essencialmente teórica e, em contrapartida, a prática como importante fonte de conteúdos da formação, era pouco enfatizada. Naquele trabalho observamos também que, em geral, os cursos de licenciatura em Matemática são do tipo três mais um : três anos de disciplinas envolvendo somente o conhecimento matemático, seguidos por um ano de disciplinas ditas pedagógicas. Nesse caso, o licenciando fica desprovido da experiência de ter cursado disciplinas de conteúdo específico mediadas por metodologias alternativas que buscam superar o ensino tradicional vigente. Defendemos a idéia de que as disciplinas do currículo da licenciatura em Matemática deveriam fundamentar efetivamente a formação do professor; ou seja, o graduando não deveria apenas assimilar o conhecimento mas, nesse mesmo processo, deveria prepararse para a tarefa de ensinar. O estudo que havíamos desenvolvido naquela ocasião nos permitiu vislumbrar algumas perspectivas para o trabalho docente, o que nos possibilitou fazer algumas recomendações. Por exemplo: atividade de formação de professores deve se orientar como uma pesquisa dirigida, utilizando a reflexão, o trabalho coletivo e o debate. Ela deve ser entendida como um processo contínuo de apreensão de conhecimentos, envolvido organicamente com a maneira pela qual se realiza o ensino e a aprendizagem. Para tanto, esses conhecimentos deverão se integrar em um todo coerente de modo a aproximar-se dos resultados produzidos pela comunidade científica em diversas áreas. E ainda, a experimentação, a inovação e a investigação articulada com as práticas educativas, abrem novas possibilidades de realização da atividade pedagógica do futuro professor. Essas características devem proporcionar o desenvolvimento da estrutura cognitiva do futuro docente a ponto de levá-lo a perceber que os conhecimentos envolvidos em seu curso estão interrelacionados, ou seja, estão dispostos em uma estrutura de rede. E mais, devem lhe permitir relacionar aquilo que aprendeu com as sínteses mais originais desenvolvidas pelas diferentes ciências e também com os conhecimentos que permeiam seu cotidiano. Desse modo ele poderá assimilar conhecimentos e, ao mesmo tempo, preparar-se para a tarefa de ensinar. Além disso, ao longo do mesmo trabalho identificamos também algumas questões que poderiam ser modificadas no sentido de contribuir para a melhoria do processo de formação docente. Por exemplo, pudemos sinalizar que a questão do estágio deveria ser realizado, preferencialmente, a partir de um acompanhamento individualizado, durante um certo período de tempo, assumindo assim o caráter de residência médica. Nesse sentido, pudemos apontar alguns objetivos considerados indispensáveis para a realização do estágio: possibilitar uma articulação entre as disciplinas de conteúdo e as disciplinas pedagógicas, efetivando a inter-relação entre conteúdo e forma; estabelecer as possíveis relações entre as disciplinas cursadas no decorrer do curso com aquilo que se ensinará posteriormente;

incentivar a troca de conhecimentos e experiências do futuro professor com outros professores em atividade; permitir a inter-relação entre a teoria e a prática. No entanto, a exemplo daquilo que acontece nos cursos de Medicina, o estágio não poderá acontecer em qualquer escola. Mas sim num ambiente que proporcione condições adequadas, estimulando uma perspectiva crítico-reflexiva para o exercício de um pensamento autônomo. Assim, o professor deve constantemente buscar a atualização de seus conhecimentos bem como a apreensão de outros com o intuito de colocar suas atividades de ensino em sintonia com as reais necessidades educacionais da realidade em que atua. Desse modo, ele poderá enriquecer sua prática educativa de modo a tornar seu trabalho mais eficiente e dinâmico. Portanto, tal formação, para ser adequada, não deve ser construída por acumulação de conhecimentos específicos, de técnicas pedagógicas ou ficar restrita ao enriquecimento promovido pelos cursos de capacitação. Ela deve ter como fundamento a reflexão crítica sobre sua atividade prática e deve buscar permanentemente a definição de uma identidade profissional. A partir de tais considerações, oriundas daquela dissertação, sinalizamos que se tornava inadiável refletir sobre o processo de formação do professor de Matemática com o objetivo de definir suas disciplinas, suas metodologias e seus valores, tendo como referência o novo paradigma que tentamos esboçar naquele trabalho. Considerando os problemas levantados, apresentamos também algumas perspectivas relacionadas à formação docente, que deveria contemplar alguns aspectos fundamentais, tais como: a estrutura do conhecimento, a motivação, a seqüência de apresentação dos materiais a serem utilizados e o inevitável retorno (positivo ou negativo) inerente às atividades de ensino. Após a defesa daquela dissertação de mestrado, iniciamos outra atividade que nos permitiu observar mais atentamente a realidade educacional brasileira e, mais especificamente, a atuação dos professores de Matemática que ministram aulas de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e de 1ª a 3ª série do Ensino Médio; em escolas particulares localizadas em todas as regiões do país. A partir de junho de 1996, até março de 2002, tivemos a oportunidade de estar em contato direto e periódico com esses professores, ministrando cursos de metodologia de ensino e promovendo o intercâmbio de experiências entre professores de uma mesma região. Nesses cursos, procuramos desenvolver práticas orientadas ao desenvolvimento do pensamento crítico, da aprendizagem contínua, da criatividade, da autonomia, de valores democráticos e do exercício da cidadania. Por meio de procedimentos como: a observação de atividades desenvolvidas por outros professores presentes no curso; o uso de recursos de comunicação para discutir a prática de sala de aula; atividades de simulação de diversas situações-problema e a possibilidade de desenvolvimento de projetos de ensino. E assim, foi possível constatar a falta de sintonia entre as atitudes daqueles professores e suas concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem, hoje considerado necessário para que os alunos compreendam efetivamente os conceitos matemáticos. Essa falta de sintonia pode ser observada, por exemplo, no momento em que o discurso proferido se distanciava muito de suas atitudes frente ao desenvolvimento de algumas atividades propostas naqueles cursos. Alguns professores desconsideravam a possibilidade de estabelecer vínculos entre alguns aspectos teóricos e algumas atividades práticas, propostas naqueles encontros. Tais manifestações nos possibilitaram levantar a seguinte hipótese: a formação do professor fica muito restrita ao exercício da docência da disciplina de forma irrefletida, não tratando também das demais dimensões da atuação profissional como, por exemplo: seu relacionamento com os alunos e com a comunidade, sua postura frente ao que significa ensinar e aprender Matemática, seu posicionamento frente ao processo de avaliação, a leitura e interpretação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) elaborados pelo Ministério da Educação, tanto do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998) quanto do Ensino Médio (BRASIL, 1999); sua participação no projeto educativo da escola; dentre outros. 2

3 Com o intuito de conhecer um pouco mais o perfil dos professores que participam dos cursos citados anteriormente, elaboramos um instrumento 1 para levantar algumas informações. Esse instrumento foi aplicado no decorrer do ano 2000, quando realizamos trinta e três cursos 2, que abrangeram vinte e nove cidades, espalhadas por dezoito Estados da Federação e também no Distrito Federal. O preenchimento do instrumento de pesquisa não era obrigatório, o que nos permitiu acreditar na veracidade das informações coletadas. Participaram dos trinta e três cursos 957 professores, e responderam ao questionário 508 professores. Portanto, nossa amostra consiste de 508 professores de ambos os sexos, que ministravam, naquele momento, aulas de Matemática para 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental e de 1ª a 3ª série do Ensino Médio, em escolas particulares espalhadas por todas as regiões do Brasil. O instrumento utilizado nos permitiu coletar uma quantidade dados interessantes. Mas o item que nos chamou a atenção foi a formação acadêmica dos profissionais que participaram da pesquisa. O gráfico a seguir sintetiza os dados obtidos sobre esse item, o que nos permitiu quantificar aqueles professores com habilitação específica para o ensino de Matemática; e aqueles que possuem outras habilitações. 100 80 60 40 20 0 Habilitados Não habilitados Sul Sudeste Centro-Oeste Nordeste Norte Distrito Federal Gráfico 1: FORMAÇÃO ACADÊMICA Os dados obtidos com essa amostra nos revelam que a maior parte dos professores que ensinam Matemática no país (55,08%) não possuem formação adequada, ou seja, Licenciatura Plena em Matemática. Essa constatação é alarmante, e nos faz pensar que qualquer profissional pode ministrar aulas de Matemática. De fato, em muitas cidades do nosso País não existem profissionais com habilitação específica em Licenciatura Plena em Matemática. Isso obriga as escolas a contratar profissionais de outras área do conhecimento. No que se refere ao aspecto legal, a LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) estabelece as condições para que as instituições de ensino superior possam intervir em situações dessa natureza (BRASIL, 1996). Em 17/12/98 o Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer 968 que normatiza a nova modalidade de curso superior prevista no Artigo 44 da LDB os Cursos Seqüenciais (CNE, 1998). Quatro modalidades distintas de cursos seqüenciais estão previstas nesse Parecer: os cursos superiores de complementação de estudos, os cursos superiores de formação específica, os cursos de pós-graduação e os cursos de extensão. Esse é um dos grandes desafios a serem enfrentados pelas instituições de ensino superior que oportunizam a formação do professor de Matemática. A realização dessa tarefa é de fundamental importância para atender às grandes transformações por que passa a sociedade no atual momento histórico; o que deve produzir impactos e alterações na maneira como as instituições de ensino superior vêm formando seus profissionais. Além disso, ao analisarmos as diversas respostas relativas à questão 1 (Quais são as dificuldades que você encontra ao ensinar Matemática?) do nosso instrumento de coleta de 1 Veja em anexo o questionário aplicado aos professores nos cursos ministrados no ano 2000. 2 Veja em anexo a relação das cidades, dos estados e as datas onde os cursos foram realizados no ano 2000.

4 informações, já referido, ficamos novamente perplexos 3. Verificamos que existe efetivamente uma desarticulação entre os chamados conteúdos pedagógicos e os conteúdos matemáticos presentes na formação inicial do professor Isso fortalece uma prática baseada unicamente na transmissão de conhecimentos descontextualizados, sem a participação do aluno, algo que precisa ser superado, como novo desafio a ser enfrentado. Ao analisarmos as respostas da questão 2 do mesmo instrumento (O que você considera importante para melhorar sua atuação em sala de aula?), observamos que a formação inicial do professor de Matemática fica, geralmente, restrita à sua preparação para a regência de classe, não tratando das demais dimensões da atuação profissional como sua participação no projeto educativo da escola, seu relacionamento com alunos e com a comunidade. Esse é outro desafio a ser superado, ou seja, no próprio processo de formação o professor precisa não apenas adquirir conhecimento e competência para utilizá-lo adequadamente, como também desenvolver uma identidade profissional. Sobre esse aspecto, Philippe Perrenoud nos esclarece que... o verdadeiro objectivo da formação não é o de dispensar competências e sim o de dar uma identidade, um projeto, meios para se encontrar prazer profissional numa prática exigente. (PERRENOUD, 1993, p. 199). A prática docente é de fato exigente e desafiadora. Principalmente nessa transição de século, quando vivenciamos o fenômeno da globalização da economia, a revolução nos sistemas de informação e comunicação, a preocupação com as condições para sobrevivência em nosso planeta. O mundo atual, em constantes e aceleradas transformações, propõe a resolução de problemas cada vez mais complexos, problemas que para serem resolvidos pressupõem o diálogo entre saberes, conhecimentos e disciplinas numa estrutura curricular. Desse modo, formar professores de Matemática capazes de enfrentar os problemas da realidade, como hoje se apresentam, implica numa ação educativa dinâmica visando desenvolver a capacidade cognitiva, habilidades e atitudes que os façam conscientes da realidade humana e social, e que sejam capazes de produzir transformações. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Brasília : MEC/INEP, 2000. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. LDB: a nova lei da educação, uma visão crítica / Arnaldo Niskier. Rio de Janeiro: Consultor, 1996. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ciências da natureza, matemática e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999. CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Parecer n. 968 de 17 de dezembro de 1998. Dispõe sobre os cursos seqüenciais no ensino superior. Relator: Jacques Velloso. FARIA, P. C. de. A formação do professor de matemática: problemas e perspectivas. Curitiba, 1996. 159 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Setor de Educação, Universidade Federal do Paraná. 3 Veja em anexo as principais respostas obtidas nas perguntas 1 e 2.

PERRENOUD, P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Perspectivas sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993. 5