RUI PIRES CABRAL, UM POETA DE TREZENTOS LEITORES?



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Transcrição:

RUI PIRES CABRAL, UM POETA DE TREZENTOS LEITORES? Júlia Telésforo Osório (UFSC) Inadvertido, reconheces o fio que te prende a este ponto do tempo e da paisagem Na torre de St Mary s, em Warwick, de onde se avisam seis condados. E assim chegas completo à tua canção, forasteiro. Sem nome, sem história. Rui Pires Cabral. Trinity Sunday. 2005. O gesto da historiografia, a inserção de obras e autores datados em uma perspectiva de linearidade temporal, além de registrar, nominalmente, àqueles que produziram textos em determinado momento, contribuiu para a formação de um cânone, composto por autores e obras então legitimados pela crítica literária. Em um tempo de ausência de grandes projetos literários como Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, tempo, também, da problematização das fronteiras entre os gêneros literários, houve um deslocamento da obra ao texto conforme termos de Roland Barthes (2004). E uma questão fica em suspenso: de que serve, hoje, esse gesto se já não há uma História oficial a ser narrada através de datações e filiações? A obra é tomada num processo de filiação. Postula-se uma determinação do mundo (da raça, da História) sobre a obra, correlação das obras entre si e uma apropriação da obra ao seu autor. O autor é reputado pai e proprietário da obra; a ciência literária ensina então a respeitar o manuscrito e as intenções declaradas do autor, e a sociedade postula uma legalidade da relação do autor com a obra [...]. Quanto ao texto, lê-se sem a inscrição do pai. A metáfora do Texto ainda aqui se dissocia da metáfora da obra; esta remete à imagem de um organismo que cresce por expansão vital, por desenvolvimento [...]; o Texto tem a metáfora da rede; se o Texto se estende, é sob o efeito de uma combinatória, de uma sistemática [...]; nenhum respeito vital é, pois, devido ao Texto: ele pode ser quebrado [...]; o 1005

Texto pode ser lido sem a garantia de seu pai; a restituição do intertexto vem abolir paradoxalmente a herança. (BARTHES, 2004, p. 71-72) Em uma conjuntura de abertura, o gesto historiográfico pode estar comprometido com registro de dados de publicação de determinadas obras de um autor, para, assim, ampliar o contato entre o leitor e as manifestações literárias de seu tempo. Se, no passado, a lista de autores era de conhecimento geral, graças ao ensino de Escola Literárias, nomes de obras e autores consagrados; hoje, a lista de quem produz é muito extensa se comparada há cem anos atrás e não há mais a possibilidade de saber todos os nomes de títulos e autores editados e publicados. No tempo presente, publicase mais, mesmo que um livro possa ter apenas cem exemplares impressos. E essas publicações podem se perder em prateleiras de grandes e pequenas livrarias ou no grande arquivo da web, fazendo com que o nome de um sujeito que produz literatura seja tido, muitas vezes, como desconhecido, exótico ou algo estranho. Se escrever um cânone definitivo e fechado não é mais possível, quais as alternativas que restam para que o sujeito leitor entre em contato com as recentes manifestações literárias contemporâneas, editadas a todo o instante por pequenas e grandes editoras? Talvez, hoje, o gesto historiográfico, no tempo presente, esteja relacionado ao ato de registro de nomes que, assim, teriam divulgação ampliada graças ao importante papel desempenhado pelas antologias, esses títulos que visam à transcrição de poemas componentes de uma obra, que aqui entendo como o conjunto de publicações de determinado autor independente de sua filiação teórica, por um determinado organizador. Em Portugal, inserido nessa conjuntura de pluralidade de nomes e títulos, há pelo menos duas décadas, um expressivo número de autores está publicando livros de poesia, e estudos vem tematizando em livros, artigos e antologias a novíssima literatura portuguesa. Rosa Maria Martelo, em 1999, publicou um instigante artigo nomeado Anos noventa: Breve roteiro da novíssima poesia portuguesa, no qual articulou uma reflexão sobre as tendências das recentes manifestações poéticas daquele país, acompanhada pelo registro de nomes de poetas que tiveram publicações de sua autoria datadas a partir da década de 1990, além de breves comentários sobre suas produções literárias. Um texto de viés panorâmico que direcionou um olhar crítico à seleção de vozes ditas como representativas no final do Século de Ouro da poesia portuguesa (MARTELO, 1999, p. 233). Registro nominativo de autores como Ana 1006

Luísa Amaral, Fernando Pinto do Amaral, Luis Quintais, Rui Pires Cabral e outros que, hoje, doze anos após a publicação do referido artigo, já são conhecidos por estudiosos dedicados a pesquisar a recente produção de poesia em Portugal. Posteriormente, em Vidro do mesmo vidro (2007) ela abordou a poesia portuguesa mais recente com maior amplitude histórico-reflexiva, deslocando seu olhar às manifestações poéticas desde 1961, àquelas datadas em um tempo recente podem, segundo a autora, permanecer textualista (ao ser erudita, recorrendo a uma intertextualidade explícita e promovendo no leitor o prazer do reconhecimento); mas, simultaneamente, ela pode centrar-se em pequenos acontecimentos quotidianos banais, sem grandeza aparente, procurando situar a poesia como uma epifania na vida [...] Hoje, a poesia portuguesa mantém-se frequentemente em diálogo com a tradição poética e artística (através da citação, da reformulação ou da ekphrasis) muitas vezes associando esse diálogo a um processo de evocação que se combina com um efeito de realismo e um registro lírico [...] (MARTELO, 2007, p. 47-48) O que fica do contato com os textos poéticos é a sensação de que hoje, para publicar, não é mais necessário que um sujeito que deseje ser autor de um livro de literatura seja um professor, um grande jornalista ou uma importante personalidade reconhecida socialmente e que tenha que seguir, no caso dos livros de poesia, preceitos lingüísticos para a composição poética, como, por exemplo, a obediência à regra do metro na construção de seus versos. Qualquer um pode editar um livro e publicá-lo em pequenas tiragens e, portanto, ser assunto de um estudo crítico. Assim é que o poeta Rui Pires Cabral (1967), citado no referido artigo de Rosa Maria Martelo, como já dito anteriormente, materializou, em sua última publicação, intitulada Oráculos de cabeceira (2009), essa situação ao escrever que dedicava o referido livro para os meus trezentos leitores. Entretanto, Rui Pires Cabral não é um sujeito desconectado do meio literário de Portugal. Poeta e também tradutor de língua inglesa 1 nascido em Macedo de Cavaleiros no ano de 1967, traduziu, para a língua portuguesa, alguns livros de Michael Cunningham como Uma Casa no Fim do Mundo, Sangue do Meu Sangue e Dias Exemplares. Com pouco mais de quinze anos dedicados à escritura de poemas, sua obra é composta por oito livros: Pensão Bellinzona e Outros Poemas (1994), Geografia das 1007

Estações (1994), A Super-Realidade (1995), Música antológica & Onze Cidades (1997), Praças e Quintais (2003), Longe da Aldeia (2005), Capitais da Solidão (2006) e Oráculos de Cabeceira (2009). Em seu fazer poético, é possível estabelecer um diálogo entre seus versos e a tradição literária, pois, de Música Antológica & Onze Cidades (1997), a Oráculos de Cabeceira (2009), as experiências de leitura que se tem diante dos olhos podem se configurar em pequenas epifanias de um sujeito poético em deslocamento tal qual um flâneur, conceito desenvolvimento por Charles Baudelaire, em O Pintor da Vida Moderna (1996), que evidencia, no seu caminhar pela cidade, as situações supostamente concretizadas por signos localizadores de espaços e situações tipicamente urbanas. A produção literária desse poeta contemporâneo, no sentido cronológico do termo, é envolvida por um suposto desconhecimento que acredito ser consequente de uma falta de contato com seus textos. Penso que essa situação entre nós, estudiosos de literatura, esteja relacionada, principalmente, ao fato de seus livros terem tido baixa tiragem de exemplares por parte das respectivas editoras portuguesas, dentre elas a Averno, responsável pela publicação de três livros do poeta e que assume como política editorial a não reedição de seus títulos. Em números, cito as tiragens das edições da Averno: trezentos e cinquenta exemplares de Praças e Quintais (2003), trezentos e cinquenta exemplares de Longe da Aldeia (2005) e trezentos exemplares de Oráculos de cabeceira (2009). Além disso, não se adquire facilmente seus títulos, pois a maioria foi distribuída para a comercialização em Portugal. Cinco dos livros de autoria de Rui Pires Cabral foram publicados por editoras, entretanto, três deles, os primeiros citados pelo pesquisador brasileiro em sua listagem, foram editados pelo próprio poeta, o que dificultaria, em tese, seus acessos praticamente anulados ao público leitor se não fosse o importante esforço de divulgação empenhado pelas antologias de poesia. Seus poemas estão presentes em antologias entre as quais se destacam Anos 90 e agora: uma antologia da nova poesia portuguesa (2001), Poetas sem qualidades (2002), 9 poetas para o século XXI (2003) e o segundo volume de Portugal, 0 (2007), essa última antologia editada e publicada no Brasil e pela Oficina Raquel, organizada pelo pesquisador e professor Luis Maffei da Universidade Federal Fluminense com seus exemplares já esgotados. Meu primeiro contato com os versos de Rui Pires Cabral ocorreu com a leitura do segundo volume da antologia brasileira Portugal, 0, dedicado ao poeta. Quando, no ano passado, estava pesquisando para escrever o projeto de mestrado sobre os versos 1008

desse autor, eu li os seus livros publicados em um momento posterior. Depois de ler Trinity Sunday (2005, p. 26), eu soube que o mesmo está presente livro Longe da aldeia, publicado pela editora Averno (2005) com tiragem de trezentos e cinqüenta exemplares. Fui do texto à obra, pois a escolha do tema de minha pesquisa foi motivada pela leitura de alguns poemas sem mesmo saber em qual livro eles estavam materializados. Na referida antologia, encontra-se, no seu final, uma pequena nota sobre a biografia do autor e as referências bibliográficas dos títulos publicados até aquele ano, 2007. Cito-a: Rui Pires Cabral nasceu no Outono de 1967 em Macedo de Cavaleiros, pequena cidade do nordeste transmontano. Estudou História e Arqueologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Os seus primeiros livros de poemas Geografia das Estações (1994) e A Super-Realidade (1995) foram publicados em Vila Real, em edição de autor. Seguiram-se entretanto quatro outros livros: Música Antológica & Onze Cidades (Presença, 1997), Praças e Quintais (Averno, 2003), Longe da Aldeia (Averno, 2005) e Capitais da Solidão (Teatro de Vila Real, 2006). Vive desde 1995 em Lisboa, onde trabalha como tradutor de inglês. (CABRAL, 2007, p. 105) O que fica evidente sobre o projeto editorial de Portugal, 0 é o gesto do seu organizador em direcionar o olhar do leitor aos poemas e não a biografia, a obra do autor: dar primazia ao texto. Outra antologia que também registra os versos de Rui Pires Cabral chama-se Poetas sem qualidades e foi lançada em 2002 pela editora Averno. Como já dito anteriormente, essa editora tem por política editorial a não reimpressão de seus títulos e, no prefácio O tempo dos puetas, assinado por Manuel de Freitas, poeta, organizador da antologia e um dos responsáveis pela editora Averno, evidencia-se seu projeto de publicação como uma tentativa de problematizar o papel dos poetas na contemporaneidade a partir de uma crítica à tradição literária: A um tempo sem qualidades, como aquele em que vivemos, seria no mínimo legítimo exigir poetas sem qualidades. Curiosamente, estes últimos parecem ser não apenas uma espécie rara, como pouco apreciada. Sinal dos tempos, poder-se-ia concluir, evocando de passagem a distracção fundamental que caracteriza, segundo Walter Benjamim, os apetites das massas. Foi ainda Benjamim um dos primeiros a constatar que a qualidade passou a ser, nas sociedades industrializadas, sinônimo de quantidade. Seria razoável supor que aqueles que menos confortavelmente enfrentariam esta situação seriam os poetas, até porque ao contrário do que parece suceder com os romancistas não há por aí as máquinas de produzi-los serialmente. (FREIRAS, 2002, p. 9) 1009

De fato, toda a antologia tem um projeto político de edição, o qual influência a escolha dos textos transcritos e a estrutura do livro. Independentemente de cada uma fazer escolhas conforme o interesse editorial, acredito que compor esse tipo de publicação, na contemporaneidade, seja uma alternativa para ampliar o contato entre o leitor e os textos que vem sendo editados e publicados no tempo presente. Um gesto historiográfico que memoriza uma das linhas de um tempo presente, uma atitude anacrônica, singular, que rompe com aquela linearidade temporal una da história dos cânones, materializada no registro nominativo, nos manunais, de autores, obras e escolas literárias. Cada antologia, portanto, narra uma história, um ponto de vista de um grupo de leitores interessados em expor a transcrição de um conjunto de textos e fazer com que outros também possam ler as manifestações poéticas que estão aí, nos arquivos das livrarias e da web. Para que um livro como Oráculos de cabeceira (2009) não fique restrito à, apenas, trezentos leitores que tem o privilégio de tê-lo comprado. Publicar antologias, hoje, configura-se, assim, em um uma maneira de legitimar vozes não só de grandes projetos das grandes editoras. Há espaço, também, para aquele autor que teve trezentas cópias impressas de seu respectivo livro ser lido fora do seu círculo geográfico de publicação, pois, graças às elas, textos de autores como Rui Pires Cabral podem ser lidos por sujeitos que se encontram do outro lado do mar português, onde é bem provável que não haja um exemplar desse livro disponível, fisicamente, na prateleira de uma livraria comercial. A possibilidade de construir uma historiografia, um registro de autores e obras publicadas, passa, então, pelo gesto de editar antologias que compõe parte de um mosaico de textos literários em profusão, de uma contemporaneidade marcada por múltiplas vozes, projetos e interesses. REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. BAUDELAIRE, Charles. Sobre a modernidade: o pintor da vida moderna. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 1010

CABRAL, Rui Pires. Pensão Bellinzona e Outros Poemas. Vila Real: Edição de autor, 1994. CABRAL, Rui Pires. Geografia das estações. Vila Real: Edição de autor, 1994. CABRAL, Rui Pires. A super-realidade. Vila Real: Edição de autor, 1995. CABRAL, Rui Pires. Música antológica & onze cidades. Lisboa: Presença, 1997. CABRAL, Rui Pires. Praças e quintais. Lisboa: Averno, 2003. CABRAL, Rui Pires. Longe da aldeia. Lisboa: Averno, 2005. CABRAL, Rui Pires. Capitais da solidão. Vila Real: Teatro de Vila Real, 2006. CABRAL, Rui Pires. Poemas. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2007. v. 2. (Coleção Portugal, 0). CABRAL, Rui Pires. Oráculos de cabeceira. Lisboa: Averno, 2009. FREITAS, Manuel de (Org.). Poetas sem qualidades. Lisboa: Averno, 2002. MARTELO, Rosa Maria. Anos 90, breve roteiro da novíssima poesia portuguesa. Via Atlântica, São Paulo, n. 3, 1999. Disponível em: <http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pdf/via03/via03_17.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2010. MARTELO, Rosa Maria. Vidro do mesmo vidro: tensões e deslocamentos na poesia portuguesa depois de 1961. Porto: Campo das Letras, 2007. NUNES, José Ricardo. 9 poetas para o século XXI. Coimbra: Angelus Novus, 2003. REIS-SÁ, Jorge. Anos 90 e agora: uma antologia da nova poesia portuguesa. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2001. 1011